quinta-feira, maio 25, 2017

A responsabilidade do juiz - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 25/05

A inviolabilidade do sigilo da fonte é mais do que uma garantia do jornalismo, é sustentáculo da democracia


Engajadas em uma cruzada contra o sistema político-partidário, tomado como um mal em si, algumas autoridades do Ministério Público Federal (MPF), da Polícia Federal (PF) e do Poder Judiciário parecem consumidas por um deturpado senso de missão de purificação nacional que serve – aos olhos delas – como um salvo-conduto para transitar na contramão da lei, como se a ordem jurídica fosse um mero obstáculo a ser transposto em nome de seus impolutos desígnios. Só isso – ou razões que cabe tão somente àquelas autoridades esclarecer – para explicar o aviltante ataque contra o jornalista Reinaldo Azevedo que mais não fazia que exercer sua profissão.

Em abril deste ano, a PF interceptou – com a autorização do ministro Edson Fachin, responsável pelos processos da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) – grande número de ligações telefônicas no âmbito do inquérito envolvendo a JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Uma das conversas interceptadas se deu entre Andrea Neves – irmã do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) e uma das investigadas no referido inquérito – e o jornalista Reinaldo Azevedo, da Folha de S.Paulo, da Veja e da rádio Jovem Pan.

Embora a conversa entre o jornalista e uma de suas fontes não fizesse menção a qualquer atividade que pudesse sugerir a prática de um crime, constou de um lote de mais de 2 mil gravações entregues pelo STF à imprensa após o ministro Fachin decretar o fim do sigilo do inquérito da JBS. O texto não foi expurgado, como manda a lei que seja feito com todos os diálogos que não digam respeito à coisa investigada. Sua divulgação faz parte de uma “indústria de vazamentos” que se instalou no País e que só interessa às autoridades que a viabilizam ou a seus protegidos. Se as autoridades decidissem resguardar de fato o sigilo do qual são guardiãs, essa indústria já teria falido.

O criminoso vazamento da conversa havida entre Andrea Neves e o jornalista Reinaldo Azevedo configura um flagrante descumprimento da Lei n.º 9.296/1996, que regulamenta as interceptações telefônicas. Seu artigo 9 é taxativo. Não bastasse isso, há o inciso XIV do artigo 5.º da Carta Magna, que resguarda, no caso dos jornalistas, o sigilo da fonte.

Pela lei, a PF deve encaminhar ao Poder Judiciário todo o conteúdo das interceptações autorizadas pela Justiça. É dever do juiz da instrução – no caso, o ministro Edson Fachin, do STF – triar aquelas que são pertinentes à investigação, descartando as que não são. Em nota, a PF informou que “o referido diálogo não foi lançado em qualquer dos autos circunstanciados produzidos no âmbito da mencionada ação cautelar, uma vez que referidas conversas não diziam respeito ao objeto da investigação”. Da mesma forma, a Procuradoria-Geral da República (PGR) veio a público dizer que “não anexou, não divulgou, não transcreveu, não utilizou como fundamento de nenhum pedido, nem juntou o referido diálogo aos autos da Ação Cautelar 4.316, na qual Andrea Neves figura como investigada”. Ora, a ser verdade o que dizem tanto a PF quanto a PGR, resta saber como a conversa foi parar no lote divulgado para a imprensa pelo ministro Fachin. É dele que a sociedade deve exigir um pronto esclarecimento. O ministro, afinal, deveria estar preparado para fazer a precisa distinção entre uma prova e uma sórdida bisbilhotice. E, por favor, não se venha novamente com a desculpa esfarrapada de que os juízes estão vergados sob o enorme peso dos processos a julgar e não podem fazer tudo. Tudo, nesse caso, é apenas o que a lei manda. E se não podem fazer isso, não podem ser juízes.

A inviolabilidade do sigilo da fonte é mais do que uma garantia do exercício do jornalismo, é um sustentáculo da própria democracia, assegurado pela Constituição. Toda a sociedade perde com o ataque ao jornalista Reinaldo Azevedo. O País não pode transigir com uma ameaça tão grave ao livre exercício do jornalismo de opinião, menos ainda quando a ameaça parte das instituições que têm por obrigação defender um direito como esse. De vazamento em vazamento, corroem-se os alicerces da República.

TEMENDO BOICOTE, VAREJO BUSCA PRODUTOS ALTERNATIVOS À JBS

O GLOBO - 25/05
TEMENDO BOICOTE, VAREJO BUSCA PRODUTOS ALTERNATIVOS À JBS
Supermercados pedem que concorrentes aumentem a produção

POR BRUNO ROSA
25/05/2017 4:30 / atualizado 25/05/2017 10:01

RIO - As principais redes de varejo do país já iniciaram uma espécie de alerta na indústria de alimentos em razão da crise da JBS e buscam, entre os concorrentes da empresa, produtos alternativos para repor as gôndolas. A avaliação é que a crise do grupo — deflagrada depois que a delação de Joesley Batista envolveu o presidente Michel Temer — pode ter impacto na percepção dos consumidores. De acordo com executivos dos principais supermercados, os concorrentes da companhia já foram avisados para aumentar a produção. O medo é que o boicote às marcas do frigorífico — como Friboi, Seara e Vigor, entre outras — aumente e se reflita nas vendas dos varejistas.

CONFIRA O INFOGRÁFICO: Muito além da JBS: as marcas da J&F no dia a dia dos brasileiros

Nas conversas, as redes já contactaram, na área de carne in natura, os frigoríficos Minerva e Marfrig, ambos com atuação nacional. Para a Região Norte, o alerta foi dado ao Frigon. Na Região Centro-Oeste, a conversa envolveu o Frigol. No segmento de carnes processadas, BRF, dona de Sadia e Perdigão; Aurora e cooperativas do Paraná e Santa Catarina já foram avisadas para aumentar a produção.

— Uma cliente virou para mim e disse que não iria comprar carne da Friboi. Se o cliente diz que não quer, o supermercado tem de atender. Por isso, já estamos alertando a indústria para aumentar o volume de produção, porque eles precisam se preparar. A BRF não vai conseguir aumentar a produção de carne de hambúrguer do dia para a noite. Estamos chamando os principais concorrentes e alertando, porque a JBS deve ter queda nas vendas em vários segmentos — disse o diretor de Vendas de uma das maiores redes de supermercados do Brasil com presença no exterior.

Esse alerta vai além do setor de carnes e envolve ainda o segmento de laticínios, no qual a JBS é dona das marcas Vigor, Itambé, Danubio e Leco. Quem também foi acionada pelo varejo foi a francesa Lactalis, dona das marcas Parmalat, Elegê e Batavo.

— A Lactalis é uma das que têm atuação nacional. Estão sendo ainda acionadas outras empresas regionais. O que estamos fazendo é comunicar aos gerentes das lojas para ficarem atentos ao comportamento dos clientes, pois as marcas do grupo JBS estão sob risco de boicote. Nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp há várias listas com todas as marcas do grupo — destacou esse executivo.

Segundo fontes, todas as grandes redes do país como Carrefour, Casino (dono do Pão de Açúcar e Extra) e Walmart estão tomando ações para se precaver em relação ao possível agravamento da crise da JBS. O Pão de Açúcar já solicitou esclarecimentos à companhia. A empresa disse que pediu informações “acerca das recentes notícias divulgadas, no que diz respeito à relação das empresas fornecedoras e aos fatos mencionados, bem como as salvaguardas adotadas pela companhia e a implementação de mecanismos de compliance e integridade”.

EMPRESAS ATUALIZAM CONTRATOS

Procurado, o Walmart disse que está acompanhando o caso da JBS atentamente. O Carrefour informou que “não tolera nenhuma prática ilícita e tem como princípio fundamental o combate à corrupção em todas as suas formas” e lembrou que aguarda o desfecho do caso.

— Está todo mundo falando com os concorrentes da JBS, fazendo levantamentos de quem pode atender mais rápido caso o boicote aumente. Ninguém quer perder consumidor ou ter sua imagem arranhada com um escândalo desses — disse o diretor de outra rede de varejo. — É possível iniciar desconto com as marcas da JBS como forma de estimular as vendas.

Além dos supermercados, a reação já começou entre as redes de fast-food. O Bob’s, que é controlado pela holding BFFC, já está avaliando cancelar o contrato com a JBS, segundo fontes ligadas à empresa. Em nota oficial, a companhia evita confirmar ou negar diretamente a informação. Diz apenas que "estuda as medidas cabíveis a serem tomadas no caso" e informa que "levará o assunto para ser discutido junto às entidades representativas do setor".

O comunicado afirma ainda que "a BFFC esclarece que, por meio de suas marcas, trabalha com os principais fornecedores de proteína animal do país e exige, contratualmente, que todos mantenham o mais estrito respeito ao Código de Conduta adotado pela empresa".

Já o McDonald’s, informou um executivo do setor, tem contratos, além da JBS, com as rivais BRF e C.Vale. A rede disse que acompanha o caso.

Para o consultor Ulysses Reis, as redes de varejo não querem associar seu nome a casos de corrupção. Segundo ele, há ainda uma preocupação com a legislação, já que muitas dessas empresas, por terem algum tipo de envolvimento com o mercado acionário dos EUA, têm de se submeter à rígida legislação anticorrupção dos EUA:

— A preocupação é com a imagem entre os consumidores. Hoje, 40% das compras começam motivadas nas redes sociais. Então, se há um movimento de boicote ou notícia negativa, 95% desse grupo, dizem as pesquisas, tendem a não comprar.

A atual crise da JBS já tem feito empresas atualizarem seus contratos com seus fornecedores. Isso porque grande parte das companhias ainda não incluiu cláusulas referentes à Lei Anticorrupção, que começou a vigorar em 2014, dizem advogados ouvidos pelo GLOBO.

— A lei traz uma lista de atos lesivos que passaram a exigir cuidado adicional com a contratação de fornecedores. As empresas estão correndo para atualizar esses contratos. É, de fato, uma preocupação das empresas — disse Fabíola Cammarota, sócia do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados.

Segundo Patrícia Agra, sócia do L.O. Baptista Advogados, o programa de compliance entre as empresas brasileiras ainda está em desenvolvimento no Brasil. O escândalo da JBS, disse, vai forçar as empresas a investirem mais nesses programas:

— Hoje, as empresas quando contratam os fornecedores não perguntam qual é o programa de compliance interno, por exemplo. O assunto ainda não está difundido.

Salim Jorge Saud Neto, coordenador do MBA de Compliance da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio, as empresas podem suspender os contratos com fornecedores envolvidos em ilícitos se entenderem que isso trouxe risco à sua operação, como prejuízo financeiro ou até mesmo de imagem:

— Em muitos casos não é preciso uma decisão judicial para suspender o contrato. O dano público já é suficiente.

Analistas de mercado temem o impacto de um boicote sobre o balanço da empresa:

— Estamos vendo nas redes sociais e até nos supermercados um movimento de boicote aos produtos da empresa. Esse é um risco altíssimo e intangível. Para uma companhia que está com nível tão alto de alavancagem, que conseguia quitar suas dívida de curto prazo por causa do fluxo de caixa, essa é a principal preocupação — disse Alexandre Wolwacz, do Grupo L&S.

Para o diretor de uma rede varejista, o boicote dos consumidores vai afetar toda a cadeia produtiva, incluindo produtores de gado e leite:

— Os produtores vendem sua produção futura aos frigoríficos. E isso pode ser feito até um ano antes. Ou seja, a crise na JBS vai ter reflexos por um bom tempo.

A reação já começou. Fornecedores de gado do Mato Grosso, estado com maior rebanho comercial do Brasil, buscam alternativas à JBS. Eles temem que a empresa passe a ter dificuldades financeiras para honrar as compras de gado. Metade do gado criado no Mato Grosso é vendido para frigoríficos da JBS, segundo a Acrimat, associação que reúne os pecuaristas mato-grossenses. A empresa tem 11 das 24 unidades de abate no estado.

Há cerca de três semanas a JBS passou a exigir que suas compras fossem pagas a prazo, o que gerou preocupação entre fazendeiros. Segundo a empresa, em 90% das praças onde atua, o pagamento à vista já não era aceito e isso foi estendido ao Mato Grosso. Para driblar essa decisão, a Acrimat pediu ao governo estadual que isentasse os pecuaristas da alíquota de 7% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), recolhida quando o gado é abatido em outro estado. Além disso, solicitou que o governo estadual faça adesão ao Sisbi, sistema de inspeção de produtos de origem animal do Ministério da Agricultura, com o objetivo de padronizar os critérios de fiscalização da atividade em esferas municipal, estadual e federal.

— Hoje, se o estabelecimento é fiscalizado por instituição municipal, ele só pode vender para o município onde está. Se a instituição é estadual, só pode vender para o estado. Com a padronização, os pecuaristas poderão vender para todo o território brasileiro e até para o exterior, criando alternativa para o produtor — diz o diretor-executivo da Acrimat, Luciano Vacari.

Procurada, a JBS informou “que as operações em suas 300 fábricas em cinco continentes continuam no seu ritmo normal”.

JBS, cabo eleitoral de Fachin - RICARDO NOBLAT

Saud é um dos delatores da JBS, e Fachin, o relator da Lava Jato no STF

Como contou, hoje, o jornalista Jorge Bastos Moreno em O GLOBO, o jurista Edson Fachin admite que pediu ajuda “ao pessoal da JBS” em 2015 para ser nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

A JBS era a empresa com o maior número de parlamentares eleitos. A indicação de Fachin para o STF dependia dos votos de senadores. Ricardo Saud, diretor da JBS, de fato ajudou Fachin a cabalar votos.

Hoje, Saud é um dos delatores da JBS, e Fachin, o relator da Lava Jato no STF. Seguramente, o ministro nada teve a ver com a sorte grande da JBS na negociação dos termos de sua delação premiada.

Não é política, é caso de polícia - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 25/05

É hora de um firme respeito pelo princípio democrático, com a plena consciência do papel que o Congresso pode e deve ter na superação da crise. Menos vandalismo e mais democracia


Mais uma vez, a oposição dita de esquerda evidencia o seu parco respeito pela democracia e pela ordem pública. Nos últimos dias, transformaram Brasília num campo de batalha, dentro e fora do Congresso. Ontem, hordas de manifestantes impuseram o caos na capital do País, fazendo necessário que o presidente Michel Temer, a pedido do presidente da Câmara dos Deputados, convocasse as Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem.

Contrários às reformas e ao governo federal, os manifestantes depredaram prédios públicos, atearam fogo ao Ministério da Agricultura e ainda tentaram invadir o Palácio do Planalto. Não vinham debater propostas ou difundir argumentos, lá estavam para vandalizar. Como lembrou o ministro da Defesa, “é inaceitável a baderna”. E os manifestantes fizeram muito mais do que simples baderna. Impuseram o caos em Brasília.

O surpreendente é que esse tipo de vandalismo – basta ver as imagens para se dar conta de que não havia qualquer intenção de manifestação pacífica – é visto, por alguns grupos, como demonstração de força política. Ora, trata-se justamente do oposto. Além de ferir os princípios democráticos – o que por si só já assegura o caráter da ilegitimidade desse tipo de atuação –, atos de vandalismo não têm apoio na população. São pura e simples manifestação de um autoritarismo que tenta impor pela violência suas posições. É por isso que devem receber uma resposta policial condizente. Isso não é política, e sim caso de polícia.

Os atos nas ruas de Brasília remetem a outros dois acontecimentos recentes no Congresso Nacional, trazendo à tona a gravidade do mau exemplo de alguns políticos.

Na terça-feira passada, estava prevista a leitura do parecer da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) no Senado Federal. Trata-se de uma entre as várias etapas que compõem o processo legislativo e asseguram, individualmente e no conjunto, que as propostas sejam devidamente analisadas pelos parlamentares. Pois bem, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), simplesmente por não concordar com a reforma trabalhista, achou que podia impedir na marra a leitura do relatório na CAE. Ao ver que faniquitos e fricotes não bastavam para interromper os trabalhos da comissão, partiu literalmente para a briga com o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO). Só não houve pugilato por ter surgido, em tempo hábil, quem contivesse os arroubos do bravo senador Randolfe.

O lamentável episódio contou ainda com a participação dos senadores petistas Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann, que evidenciaram compartilhar com o senador da Rede do mesmo violento conceito a respeito do que seja uma democracia. Mas isso não é novidade.

Como se não bastasse o mau exemplo dos traquinas senadores da oposição, ontem deputados trocaram socos, empurrões e pontapés no plenário da Câmara. A confusão foi generalizada e o deputado André Fufuca (PP-MA), que presidia a sessão no momento, teve de recorrer ao auxílio de seguranças da Câmara dos Deputados. Entre os deputados que acham que vale tudo, também a violência, estava Alessandro Molon (Rede-RJ), que se apresenta como bom moço e muito democrático.

Os dois episódios do Senado e da Câmara evidenciam como a base parlamentar lulopetista entende o que é democracia. Além da canhestra tentativa de barrar o avanço das reformas por meio da violência, querem aproveitar a crise política para incendiar o País. É mais uma irresponsabilidade a comprovar o seu completo desinteresse pela realidade econômica e social do País. Os seus atos mostram que estão interessados tão somente em promover o caos. No desespero em que se encontra – desnorteada em seus princípios, desmoralizada em sua suposta ética e com o seu líder, sr. Lula da Silva, cada vez mais próximo de prestar contas à Justiça penal –, a oposição tenta lucrar com o vandalismo e a violência.

O País atravessa um momento especialmente delicado, que deveria suscitar responsabilidade em todos, também nos deputados e senadores que, em tempos normais, talvez tenham se habituado a certa irreflexão. É hora de um firme respeito pelo princípio democrático, com a plena consciência do papel que o Congresso pode e deve ter na superação da crise. Menos vandalismo e mais democracia.

JBS FOI CABO ELEITORAL DE FACHIN - JORGE BASTOS MORENO

JBS FOI CABO ELEITORAL DE FACHIN - JORGE BASTOS MORENO - O GLOBO - 25/05

Edson Fachin, vacinando-se, talvez, contra as maldades de senadores governistas que estão espalhando que, como candidato a uma vaga do STF, em 2015, ele circulou pelo Senado na companhia do delator Ricardo Saud, não tem negado a quem lhe pergunta que, de fato, obteve “ajuda do pessoal da JBS” para pedir votos a parlamentares. E acrescenta que, na época, não imaginava que as relações do grupo com o Congresso fossem promíscuas. Se soubesse, não teria aceitado a ajuda.

Acordo açodado - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 25/05

A mais fulminante sequência de denúncias de que se tem notícia, no extenso rol de revelações da Lava Jato, trouxe consigo um efeito colateral preocupante e, em boa medida, imprevisto pelos tantos que se entusiasmaram com o andamento das investigações.

Os termos em que se deu o acordo de delação premiada com os donos da JBS, conhecidos nos últimos dias, direcionaram ao Ministério Público parte das indignações que suscitam as atitudes dos suspeitos de corrupção.

Com efeito, é de estranhar que tenha resultado tão vantajosa, para os irmãos Joesley e Wesley Batista, sua disposição de colaborar com as autoridades.

Parece alto, sem dúvida, o valor do que ofertaram em troca —e este é o argumento básico da Procuradoria-Geral da República em defesa do acerto. São acusações envolvendo mais de 1.800 candidatos a cargos eletivos e, sobretudo, o registro de uma conversa, entre embaraçosa e comprometedora, com o presidente da República.

Houve, ainda, cobrança de multa —que, embora de dimensões bilionárias, não chega a representar prejuízo severo para os envolvidos.

Tudo considerado, sobressai a sensação de que os delatores desfrutaram, afinal, de uma injustificável benevolência graças às informações que transmitiram, ainda por serem confirmadas.

Foi-lhes autorizado permanecer no comando da empresa —o que, pelo raciocínio vigente em outras decisões da Lava Jato, poderia significar vista grossa à eventual continuidade de seus atos delitivos.

A Joesley assegurou-se o direito de permanecer nos EUA, sem sofrer embaraços por tudo o que confessadamente urdiu contra a sociedade brasileira.

O mecanismo da delação premiada deve, naturalmente, corresponder ao nome —admitindo sensível redução das penas previstas. O prêmio, todavia, não pode chegar à quase impunidade.

Importa investigar, ademais, os indícios de que o grupo JBS teria alcançado lucros especulativos graças ao impacto das delações. Seria somar a provocação à sem-cerimônia, o cinismo ao insulto.

Colhe-se, de todo o episódio, uma impressão de açodamento, em contraste com os meses consumidos na tomada dos depoimentos de dirigentes da Odebrecht.

Em seguida, por iniciativa do Supremo Tribunal Federal, vem a público o conteúdo de milhares de conversas particulares, sem real pertinência para as investigações.

Foi o que se fez, em flagrante violação ao princípio constitucional do sigilo da fonte, com os telefonemas entre o jornalista Reinaldo Azevedo e uma das acusadas.

Conseguiu-se assim ampliar o sentimento —já presente em outras ocasiões— de que as autoridades cedem às tentações do arbítrio, da onipotência e da precipitação.