terça-feira, maio 16, 2017

Há lojas que desprezam o cliente, mas aquilo era ódio por eu estar vivo - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 16/05
Há lojas que desprezam o cliente, mas aquilo era ódio por eu estar vivo

Preciso de ajuda. Urgente. O problema é a misantropia. Não falo da minha. Falo da dela. Explico.

Mudei de casa recentemente e resolvi flanar pelo bairro. Passeio de reconhecimento: as farmácias (primeiro que tudo), os restaurantes, os cinemas, as livrarias. E a lavanderia para as camisas. Tudo aconteceu na lavanderia.

Entrei, as camisas sujas no saco. A funcionária aproximou-se para me atender. É difícil explicar o que aconteceu a seguir. Literatura, ajuda-me: senti no corpo o que Jonathan Harker deve ter sentido na Transilvânia, quando o conde Drácula o recebeu no seu castelo.

O meu sangue virou gelo e o coração falhou dois batimentos, antes de começar uma galopada insana. O rosto da mulher não era antipático. Era uma máscara imóvel iluminada pelas trevas. A voz não era hostil. Era mecânica e mórbida e abissal. Há lojas que desprezam o cliente. Aquilo era ódio ao simples fato de eu estar vivo.

Retirei as camisas do saco, a senhora contou-as lentamente, como se fosse uma torturadora a contar os dedos de um suspeito, e informou: "Sexta-feira". Paguei, tentei um "obrigado" mas uma ventania interior arrastou-me para fora. Estava calor em Lisboa e eu sentia-me perdido na Sibéria.

Não sou facilmente impressionável. Já experimentei de tudo. Da antipatia natural à boçalidade extrema.

O antipático natural é ainda um ser humano. E a antipatia revela, em princípio, um sofrimento interior qualquer. Para usar a letra da canção, no peito de um antipático também bate um coração.

O mesmo para os boçais. Revelam falta de maneiras, dificilmente de caráter. A uma certa distância, e com prudência antropológica, podem ser divertidos e instrutivos. A prova viva de que Darwin estava certo.

Na lavanderia, o meu mundo entrou em colapso com aquele medonho e fascinante iceberg. Na série "Seinfeld", existe um nazista das sopas que serve os seus caldos como se fosse um Hitler gastronômico: gritando, ordenando, punindo. Eu tinha encontrado a nazista das roupas. Silenciosa como a morte.

Não dormi nessa noite. A minha senhora, preocupada com o meu estado, implorava uma confissão. Para não a torturar mais, cedi nas primeiras horas da madrugada: "É a mulher da lavanderia. Perdoa-me".

Então contei: em 40 anos de vida, e em 35 de leitura, nunca avistara misantropia assim. Nem na ficção (pobre Mr. Scrooge) nem na realidade (pobre J.P. Coutinho). Ela escutou-me com ternura e murmurou palavras de amor: "Vamos ultrapassar isso juntos. Estou do teu lado".

E esteve. Nos dias seguintes, era preciso recolher informação sobre aquele caso. Fizemos expedições a vizinhos, padarias, mercados. E, claro, à agência funerária. O quebra-cabeça compunha-se. Mas que miserável quebra-cabeça! A criatura não tinha nada de excepcional. Saudável, casada, com prole. E um negócio de sucesso. Pasmei. De sucesso? Mas como?

Os vizinhos sorriam maliciosamente, como quem partilha o código de uma fraternidade secreta. "Mas você julga que é o único viciado no produto?" Não era. Também eles tinham olhado para o abismo e, fascinados, só queriam lá voltar.

Partilhei a experiência com amigos. Organizaram-se expedições. Eles chegavam com as suas camisas sujas e, minutos depois, saíam da lavanderia transformados. "Prefiro não comentar", disse-me um, em lágrimas.

Mas houve comentários. Melhor dizendo: simpósios. Nenhuma conclusão definitiva. Em setembro, pensamos organizar um congresso internacional com o título provisório: "Roupa suja tirada a limpo: misantropia, anedonia ou psicopatia?" Ainda aceitamos inscrições.

E para o leitor impaciente que não quer perder a festa, um pouco de paciência: em breve, será possível fazer turismo em Lisboa e visitar todos os lugares típicos da capital. A Torre de Belém. O Mosteiro dos Jerônimos. A baixa pombalina. A lavanderia.

E eu? Estou melhor, obrigado. Mas sei que ainda existe um longo caminho a percorrer. De vez em quando, abro a porta de casa em surdina e a voz doce da minha senhora pergunta: "Onde vais?"

Sinto a tristeza funda de um derrotado e respondo, com vergonha e sem convicção: "Vou dar um passeio. Comprar o jornal".

Mas ela sabe. Sim, ela sabe que eu levo camisas sujas para lavar.

As feminazis e as mulheres do Brasil - MIGUEL DE ALMEIDA

O GLOBO - 16/05

O belo é tão necessário quanto a fotossíntese e a erótica de Anaïs Nin


Quis o acaso (ou o destino) colocar no mesmo tempo cronológico três mulheres — Iolanda, Monica e Adriana — e a ludita guerrilha feminazi. Mais uma gargalhada da história.

A guerrilha feminazi se caracteriza por uma insistente caçada nem sempre aos homens mas em especial às mulheres bonitas, independentes e inteligentes (não necessariamente nessa ordem).

É espécie de missão catequizadora de extermínio da individualidade feminina. Fernandinha Torres, Juliana Paes e Emma Watson (é o alinhamento da Internacional Feminazi) tiveram suas meias desfiadas (arranhadas?) após saírem da conduta ditada por um códex rígido, azedo e fascista. Outras sofrerão nas unhas mal cortadas da milícia que esconde o rosto.

São as Sem Esmalte.

E preconceituosas, porque renegam a importância da biologia da beleza. O belo é tão necessário quanto a fotossíntese e a erótica de Anaïs Nin.

O códex aplicado pelas proto-feministas segue uma linha tênue de proximidade com o olhar histórico adotado pelo politicamente correto. Você critica os fatos do passado com o conhecimento do presente e desce a borduna nos fatos do presente com a insensibilidade dos mercadores de escravos.

São abolidas as nuances históricas de percepção e de política. Para um fácil entendimento e compreensão, ajuda, é perfeito: a complexidade é mortal aos palanqueiros necessitados de dividir o mundo entre o mal e o bem. Ou: eles e nós.

No caso, homens e mulheres, apartados, clivados.

A brigada se mobiliza em caçadas exploratórias, em expedições de justiçamento e nas dissoluções de independência. Lembra muito os métodos de Zé Stalin de dilapidação de biografias. Aos adversários são destinados insultos, infâmias e aleivosias disfarçadas de aconselhamentos.

Outro dia a ex-ministra Eleonora Menicucci foi derrotada num processo contra o ator Alexandre Frota. A sentença saiu da lavra de uma juíza, condenando-a a pagar R$ 10 mil. A reação revoltada da ex-ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres (um dos 40 ministérios da ex-Dilma) anotou que sua invertida partiu de uma mulher. Esperava que a questão de gênero se sobrepusesse a uma interpretação jurídica. Julgada por uma mulher, imaginou, teria ganho de causa, porque afinal também é mulher.

Parece lógico, mas não é: se trata de uma tentativa de intimidação. Da brigada feminista contra as mulheres. Há um esforço de uniformizar as análises e os procedimentos.

A atriz Juliana Paes declarou que era uma feminista adepta de batom vermelho e salto alto. A patrulha reagiu ao uso do batom vermelho, ao salto alto e à sua condição de ser feminista. De novo, um esforço concentrado em desfavor da biologia da beleza.

Dorothy Parker, famosa por seu humor cáustico, deveria ser leitura de cabeceira por conta de sua postura de dar de ombros. Preferia colecionar a rasgar sutiãs… Sem hastear bandeira, foi feminista radical e avançou palmo-a- palmo nos espaços literários americanos dominados por homens. Trouxe à literatura um olhar diferenciado, agudo, da solidão feminina frente a uma estrutura social em transformação. As mulheres brigavam por um lugar ao sol, apoiadas em suas diferenças; mas brigavam para integrar um mundo caótico, competitivo, que necessitava de mudanças. E elas queriam participar desse cenáculo tortuoso, quando poderiam se esforçar para torná-lo outro, no mínimo melhor. Ficariam doentes como os homens que o integram.

No fundo, almejavam deixar de ser súcubos para se tornar íncubos. Seis por meia-dúzia.

Pois minhas heroínas Anaïs Nin e Dorothy Parker dariam risadas desabridas no Brasil contemporâneo...

...Pois chegamos a Iolanda, Monica e Adriana.

Nunca antes neste país o povo trabalhador se deparou com tantas mulheres envolvidas em tamanhas falcatruas. Sinal dos tempos? Para isso que brigaram? Houve um certo orgulho quando o Brasil elegeu uma mulher como presidente. Tolice, esse raciocínio, essa agenda é ultrapassada: gênero, raça ou origem social não deveriam pautar processos eleitorais.

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Foi-se Antonio Candido, meu vizinho paulistano nos Jardins. Com frequência o encontrava na Alameda Pamplona, em passos lentos, bengala à mão, boina à cabeça, jaqueta azulada, na sua elegância circunspecta. Eu gritava de longe — Professor —, ele estancava, sorria, e me apertava as mãos com força. Candido, antes de pensador privilegiado, foi estilista, com texto acondicionado em poderosa estrutura e recursos linguísticos desconhecidos ou distantes à maior parte de seus colegas acadêmicos. Como escrevia bem… E seu bom humor era notável pelo refinamento. Era o último dos chato-boys, em alcunha dada à turma da “Clima” (Paulo Emilio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado e outros), por Oswald de Andrade. Casado com sobrinha de Mário de Andrade, professora Gilda de Mello e Souza, soube como poucos juntar os Andrades, Mário e Oswald, duas facetas do Brasil teimosamente transformadas pela inquisição intelectual em Fla x Flu, opositores, quando deveriam estar na mesma arquibancada: o amor e o humor.

Dilma - doutora honoris causa - DENIS LERRER ROSENFIELD

ZERO HORA - 16/05

Os marqueteiros vendiam a imagem de uma presidente que era somente um produto da publicidade


As delações de João Santana e Mônica Moura são estarrecedoras, tanto pelo conteúdo quanto pela forma. Pelo conteúdo, por ser um golpe mortal à imagem da ex-presidente Dilma; pela forma, pela naturalidade dos depoentes, como se estivessem narrando uma reunião social qualquer.

Note-se, aliás, que essas delações não são de pessoas estranhas ao ninho petista, mas que lhe eram próximas, de sua confiança. Não é a "direita" que está fazendo uma investida, mas os simpatizantes de seu partido. São os de casa que relatam os seus crimes.

Mônica Moura, em particular, compareceu ao Ministério Público muito bem vestida e desenvolta. Discorre como se estivesse relatando algo corriqueiro, normal. Suas pequenas alterações de voz só procuram realçar o dito, com o intuito de capturar a atenção dos que a estão vendo. Sua familiaridade com o crime é surpreendente!

Relata crimes como se estivesse descrevendo um hábito ou um fenômeno natural qualquer. É como se crime não fosse crime. Chega a espantar a ausência de qualquer componente moral em sua fala, enquanto nós ficamos moralmente indignados, apesar de já estarmos acostumados com o noticiário cotidiano de uma política que se tornou criminosa.

Ocorre, porém, que os fatos "normais", "naturais", são os de obstrução da Justiça, de acobertamento da corrupção, de financiamento ilegal de suas campanhas eleitorais, bem como de seus gastos pessoais. Há, mesmo, trocas de mensagens por e-mails que têm como objetivo apagar qualquer rastro de informações, lembrando espiões ou criminosos entrando em contatos secretos. O desempenho é que foi ridículo.

A "gerentona", que tudo centralizava em suas decisões, tinha conseguido vender a imagem de que nada sabia do que se fazia ao seu redor, enquanto recursos de origem ilícita escoavam no seu entorno. A imagem está, hoje, se extinguindo.

Pasadena logo voltará ao noticiário, assim como o seu envolvimento na Petrobras. Um suposto "jornalista", responsável pelo blog Dilma Bolada, naqueles tempos sombrios, era festejado por sua "independência" quando, agora, surge como financiado pelo esquema dilmista. Até seu cabeleireiro e sua funcionária no Palácio foram pagos com esses recursos.

Enquanto isto, os marqueteiros vendiam a imagem de uma presidente que era somente um produto da publicidade, um "poste", como foi dito, sem nenhuma correspondência com a realidade.

Após a sua "aula magna", talvez seja o momento mais apropriado para a UFRGS lhe conferir o título de Doutor Honoris Causa!

Menos Brasília, mais Brasil - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 16/05

Empresas e empreendedores cansaram de esperar por Brasília e passaram a apostar no Brasil de verdade.


O país cansou do cansaço imposto pelo pessimismo. Essa é melhor notícia entre tantas reveladas com o crescimento de 1,12% apontado pelo Índice de Atividade Econômica, divulgado pelo Banco Central. Ainda é uma prévia do PIB oficial, mas seus efeitos são altamente positivos. A volta da confiança, ainda que timidamente, já tem bases reais. E não passa somente por Brasília, como tradicionalmente acontecia em um país acostumado ao paternalismo e à onipotência estatal.

A Lava-Jato escancarou nosso capitalismo de fachada, dominado por esquemas de corrupção entre governos e iniciativa privada. Pode causar surpresa a aparente contradição entre o caos de Brasília e o sinal de recuperação da economia divulgado ontem. De fato, o índice embute o embrião de uma nova postura: empresas e empreendedores cansaram de esperar por Brasília e passaram a apostar no Brasil de verdade. O Brasil que trabalha, que olha pra frente, que acredita no futuro.

Cabe ao governo federal e ao Congresso criar, através das reformas, as condições para que a economia cresça em um ambiente mais aberto, com regras claras e com menos interferência pública nas áreas em que ela, além de não ajudar, apenas atrapalha.

Para o Rio Grande do Sul, os primeiros sinais concretos de recuperação da economia — inflação controlada e queda dos juros — têm um significado ainda mais promissor. A maior safra de grãos da história injetou recursos e otimismo no Estado.

Bons desempenhos no campo, como já vinham indicando os números da Federação das Indústrias, impulsionam áreas nas quais a economia gaúcha tem tradição. É o que já vem ocorrendo tanto no setor de alimentos quanto no de máquinas e equipamentos, dentre outros.

Resta agora torcer para que esses primeiros sinais de reação se confirmem como tendência. Vai depender da capacidade do país de fazer o que ainda falta, particularmente no campo de reformas que garantam equilíbrio nas contas públicas e um cenário de estabilidade.

Caminho de volta - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 16/05
País começa a sair do buraco no qual foi jogado. O país começa, enfim, a sair do buraco no qual despencou em 2014, mas essa caminhada será com números positivos e negativos se alternando, e muita lenta. O PIB ficará um pouco abaixo da alta de 1,12% do índice de atividade que o Banco Central divulgou ontem, mas a taxa será positiva. O desemprego permanecerá alto e mesmo quando cair não voltará rapidamente ao patamar de antes da crise.

Esta é uma crise complexa e profunda. Ela mistura vários ingredientes que complicam o quadro, como a turbulência política, a investigação da Lava-Jato e a profundidade dos problemas fiscais. Mesmo assim, começam a aparecer sinais da mudança de ciclo. O IBC-Br de ontem teve a primeira alta depois de oito trimestres de encolhimento.

Quem puxou o PIB foi a agropecuária. Mas há outros dados positivos: a inflação despencou e ontem o mercado começou a prever que o índice pode ficar abaixo de 4% no ano. Os juros caíram três pontos percentuais e, com inflação tão baixa, podem cair muito mais nas próximas reuniões.

O economista Sérgio Vale, da MB Associados, acha que o segundo trimestre pode ter números de alta menores do que os do primeiro, mas até lá o país começará a sentir o efeito positivo do recuo dos juros. A queda da inflação é a principal vitória da economia que há ano e meio enfrentava os preços em dois dígitos e não há previsão de mudança de tendências a curto prazo.

— No horizonte da inflação até o fim do ano, não há nada que assuste muito. O preço dos alimentos deve subir, mas sem choques. É possível que a taxa feche o ano abaixo de 4% se o governo não aumentar o PIS/ Cofins sobre a gasolina — diz o professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio.

Salomão Quadros, da FGV/Ibre, também projeta um ambiente mais confortável para o Banco Central. Em abril, os índices da Fundação Getúlio Vargas tiveram forte deflação. O IGP-DI caiu 1,24%, a deflação mais forte desde 1951. Em 12 meses, o índice subiu somente 2,54%.

— O IGP-DI capta também os preços no atacado. Assim, é possível olhar esse índice agora e projetar as condições para o consumidor no futuro. A pressão dos produtos industriais na inflação deve ser suave nos próximos meses. Apesar de o indicador oficial ser o IPCA, o desempenho do IGP é um dos elementos que o BC pode considerar para decidir sobre os juros — conta Salomão.

Uma das razões da queda da inflação é a recessão, mas ela não explica tudo. Há maior confiança no Banco Central. O principal fator, contudo, foi o excelente desempenho da agricultura. Derrubou os preços dos alimentos, e também é o que está puxando o PIB. Os dados divulgados na semana passada pelo IBGE mostram que a produção de grãos está aumentando 26% este ano em comparação com o ano passado.

Tudo isso levará o governo para um dilema fiscal. A pressão das despesas aumentou, até porque ele elevou salários de funcionários, mas a regra do teto de gastos exige que ao calcular o reajuste das despesas no Orçamento seja usada a inflação em 12 meses até junho. A taxa anual estará ainda mais baixa. Até lá, o índice deve cair para a casa dos 3%. A equipe econômica enfrentará muitas pressões na hora de fazer o Orçamento de 2018. No ano passado foi aplicado um aumento de 7,2% na despesa primária.

— É exatamente o que buscava a regra, controlar o aumento dos gastos. Tenho certeza que o ministro Henrique Meirelles não vai reclamar — diz o economista José Márcio Camargo.

A correção mais modesta deve acelerar o equilíbrio fiscal do governo, principalmente se a melhora na arrecadação e a aprovação da reforma da Previdência se confirmarem. Se a reforma for rejeitada, será ainda mais difícil cumprir o compromisso.

O IBC-Br tem metodologia diferente da que o IBGE usa nas Contas Nacional, mas a expectativa majoritária na economia é que ela confirme a boa notícia da saída da recessão, a mais longa da nossa história.

Na semana passada, cometi um erro aqui. O diálogo entre o ex-presidente Lula e Renato Duque não ocorreu quando ele era presidente e sim em 2014, quando Duque já era alvo da Justiça. Pela mídia social circularam cartas atribuídas à assessoria de imprensa de Lula, ao advogado e até ao próprio ex-presidente, me alertando para o erro. Agradeço a leitura cuidadosa da coluna.

O jarro da viúva de Sarepta - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

ESTADÃO - 16/05

O Tesouro não dispõe de uma tigela sempre cheia de farinha por obra e graça de Deus


Era de esperar que sindicatos e centrais sindicais fossem às ruas para fazer barulho em torno das reformas trabalhista e da Previdência Social. Direitos sociais, adquiridos e incorporados ao patrimônio jurídico, tornam-se quase irreversíveis. Para haver mudanças são indispensáveis elevada dose de habilidade política e enorme esforço de convencimento dos envolvidos, sobretudo porque, no regime democrático, alterações da Constituição federal e das demais leis dependem da anuência do Poder Legislativo.

A questão previdenciária envolve aspectos eminentemente financeiros. É obrigatório convencer o povo, em linguagem acessível, de que o sistema em breve estará falido se os crescentes déficits não forem enfrentados com a racionalização da pesada máquina burocrática, acompanhada de regras adequadas às despesas com aposentadorias e pensões. O Tesouro Nacional não é a viúva de Sarepta, da parábola bíblica do Primeiro Livro dos Reis (capítulo 17, versículos 13-15), cuja tigela de farinha nunca estava vazia e o jarro de azeite continuava sempre cheio, por obra e graça de Deus.

Na esfera trabalhista, o problema, a meu juízo, não será mais simples. Ao encaminhar projeto à Câmara dos Deputados, o governo teve como objetivo “aprimorar as relações de trabalho, por meio da negociação coletiva, combater a informalidade, regulamentar o artigo 11 da Constituição da República, que trata da representação dos trabalhadores dentro da empresa”. Com metas ambiciosas, o relator, deputado Rogério Marinho, deliberou ir além. Como se lê no relatório: “Na busca de um resultado mais amplo e democrático possível, decidimos ouvir todas as partes envolvidas, garantindo o direito de manifestação de setores do governo federal, do Judiciário Trabalhista, do Ministério Público do Trabalho, de representantes dos trabalhadores e dos empregadores, de especialistas os mais diversos, enfim, de todos os interessados em se manifestar”.

A modesta mensagem do Poder Executivo converteu-se em alentada proposta de alteração de dezenas de dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), destinada a abranger “direito individual e coletivo do trabalho, no âmbito urbano e rural, o direito coletivo do trabalho, o direito processual do trabalho, com ênfase nos aspectos relativos aos limites para aplicação de súmulas de jurisprudência, os mecanismos de solução extrajudicial dos conflitos trabalhistas, o trabalho temporário, o trabalho em regime de tempo parcial, o trabalho intermitente e o teletrabalho, entre outros”.

Trabalhadores, patrões e entidades sindicais encontram-se diante de profunda reforma da CLT, cujos resultados serão durante algum tempo imprevisíveis. Sancionado e estampado no Diário Oficial da União como lei, o projeto rompe as amarras que o prendem ao Poder Legislativo para adquirir maioridade diante do Judiciário, ao qual competirá determinar-lhe o significado e o alcance por meio de julgados.

“O juiz é a lei que fala. Lex loquens. A boca da lei”, como ensinou o professor Lopes da Costa (Direito Processual Civil, Editora Forense, 1959, volume III, página 290). A Justiça do Trabalho nem sempre age assim. A criatividade judicial, traduzida em súmulas, orientações jurisprudenciais, precedentes normativos, revela que ilustres magistrados não se conformam em ser meros instrumentos da lei, para se investirem em funções legislativas, com o alegado propósito de fazer justiça social. Nesse sentido a velada crítica do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), para quem “o populismo judicial é tão ruim quanto qualquer outro” (O Estado de S. Paulo, 10/8/2015, página C2).

A Consolidação das Leis do Trabalho disseminou o mito do trabalhador hipossuficiente, relativamente incapaz, vítima de discernimento mental incompleto. O princípio seria válido nas primeiras décadas do século 20, quando incipiente parque industrial dava os primeiros passos. Começou a perder sentido desde os anos 1950 e, atualmente, deixou de ser verdadeiro, com o desaparecimento do proletariado e a ampliação de direitos políticos na Constituição de 1988. Tratá-lo como semi-incapaz é atitude desrespeitosa em relação a milhões de assalariados eleitores e elegíveis, com ampla representação nas Câmaras Municipais, nas Assembleias Legislativa, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Ao investigar a origem de integrantes bem-sucedidos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ou do Ministério Público e do Poder Judiciário, encontraremos filhos de trabalhadores que superaram mil dificuldades para disputar cargos em órgãos da administração pública e conquistaram os seus objetivos.

Vis-à-vis o princípio da hipossuficiência, os inimigos da modernização argumentam com a precariedade do contrato de trabalho, a redução dos salários, a rotatividade e a fragilidade da estrutura sindical. Recusam-se a pesquisar as raízes do desemprego, que alcança, segundo as últimas estatísticas, mais de 14 milhões de trabalhadores, e a presença de outros tantos milhões de subocupados, cujo retorno ao mercado depende de rápido e vigoroso crescimento da economia.

Desconheço empregado sem patrão. Empregador, segundo a definição legal, é a pessoa física ou jurídica que admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços, assumindo os riscos do negócio (CLT, artigo 2.º). As últimas décadas revelaram que gerar empregos se transformou em aventura carregada de riscos.

Celebram contrato de sociedade pessoas que se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica com o objetivo de alcançar lucros (Código Civil, artigo 981). Exigir-lhes que desafiem as incertezas no mundo dominado por intensa concorrência é pedir-lhes sacrifícios que não podem fazer. Os resultados estão no colapso do mercado de trabalho.

*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

Escola não salva a democracia - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 16/06
SÃO PAULO - Educação melhora a qualidade do voto? Trocando em miúdos, se nossas escolas fossem melhores, correríamos menos risco de eleger bandidos ou aventureiros no próximo pleito presidencial? Infelizmente, a resposta é "não".

A ideia de que a democracia é um processo no qual cidadãos bem informados analisam desapaixonadamente as propostas em debate e escolhem a mais conveniente é sedutora, bastante popular e, lamentavelmente, errada. Não é que seja impossível que algum eleitor siga esse roteiro, mas o que várias décadas de estudos empíricos mostram é que essa está longe de ser a regra.

Um exemplo eloquente é o da fluoretação dos reservatórios de água. Do ponto de vista científico, não há dúvida de que a medida é excelente. Ela previne cáries a um custo irrisório. Nos EUA, nos anos 50 e 60, inúmeras cidades a adotaram; outras, porém, julgaram que era mais democrático submeter a questão a plebiscito. Nessas, a taxa de rejeição da proposta foi maior, chegando a 60%. E se enganam aqueles que acham que a recusa estava confinada aos rincões ignorantes da América.

Cambridge, em Massachusetts, onde têm sede Harvard e o MIT, está entre as cidades que rejeitaram o flúor. Não uma, mas duas vezes. O livro "Democracy for Realists", que já comentei aqui, traz vários outros exemplos de que as relações entre educação/informação e deliberação democrática são muito mais complexas e surpreendentes do que se supõe.

O ponto central é que as pessoas tendem a usar critérios muito mais calcados em emoções e impressões do que na razão para tomar suas decisões. Pior, eleitores são frequentemente vítimas de vieses cognitivos e pressões sociais contra os quais a escola pode muito pouco.

A democracia só não é um caso perdido porque ela, no mais das vezes, consegue ao menos evitar que indivíduos de campos políticos opostos troquem tapas e tiros nas ruas.

Atos falhos - MERVAL PEREIRA

O Globo - 16/05
Muito interessante notar que o ex-presidente Lula, por mais treinado que seja, não conseguiu, ou não pode, escapar de alguns atos falhos durante seu depoimento ao juiz Sergio Moro, o que lhe valerá novos processos. O mais espontâneo deles foi quando admitiu que discutiu com Léo Pinheiro e o engenheiro Paulo Gordilho, em seu apartamento em São Bernardo do Campo, a cozinha do sítio de Atibaia.

Lula disse que nem se lembrava da visita do empreiteiro a seu apartamento, “mas se os dois disseram que foram, devem ter ido”. Para escapar do tríplex do Guarujá, Lula enrolou-se com a cozinha: “Eu acho que eles tinham ido discutir a cozinha, que também não é assunto para discutir agora, lá de Atibaia. Eu acho”, disse Lula. Como o procurador insistiu em saber o tema do encontro, o ex-presidente foi enfático: “Apenas a questão da cozinha”.

O problema de Lula é que a cozinha do sítio é da mesma marca da do tríplex, e as duas foram compradas pela OAS, o que indica que as reformas dos dois foram mesmo feitas pela empreiteira, o que por si só já representaria aceitar favores indevidos de uma fornecedora do Estado.

Existem provas testemunhais aos montes demonstrando que o tríplex estava reservado para o ex-presidente e família, inclusive e principalmente o depoimento do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, que afirmou que o tríplex foi descontado de uma espécie de conta corrente que a empreiteira mantinha em nome de Lula.

Os diversos e-mails entregues aos procuradores da Operação Lava-Jato indicam que as reformas foram feitas a pedido de dona Marisa, tanto no sítio de Atibaia quanto no tríplex. São funcionários que trabalhavam no assunto e recebiam orientação para acertar com “a madame” as reformas.

O ex-presidente Lula teve que admitir dois encontros com seus delatores, apenas adocicou as versões. Renato Duque, ex-diretor da Petrobras indicado pelo PT, dissera em seu depoimento que foi convocado para um encontro com o ex-presidente em um hangar no aeroporto de Congonhas, ocasião em que Lula o interpelou sobre se teria uma conta na Suíça com o dinheiro desviado das obras da Petrobras.

A então presidente Dilma havia sido informada disso e estaria preocupada. Duque tinha, mas garantiu ao ex-presidente que não, e Lula, a Moro, disse que se satisfez com a negativa. Por essa versão ingênua, Dilma estava preocupada com a corrupção na Petrobras, e Lula convenceu-se de que não havia corrupção, já que Duque não tinha conta na Suíça.

Em outro depoimento, a mulher de João Santana disse que a presidente a alertou que as contas na Suíça eram facilmente rastreáveis, e sugeriu que mudassem o dinheiro para Cingapura. O empreiteiro Marcelo Odebrecht já a havia avisado que o governo brasileiro deveria impedir que a Operação Lava-Jato firmasse acordo com o governo da Suíça para rastrear suas contas, e advertiu que sua campanha seria contaminada. No celular, anotou: “Se eu caio, ela cai”.

Na versão de Renato Duque, Lula no encontro no hangar de Congonhas ainda o advertiu: “Presta atenção no que eu vou te dizer: Se tiver alguma coisa, não pode ter. Não pode ter nada no teu nome, entendeu?” Outros dois encontros no mesmo dia em horários diferentes, com Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, e Léo Pinheiro, da OAS, estavam na agenda oficial de Lula e ele teve que confirmá-los.

No relato de Pinheiro, nesse encontro em junho, o presidente textualmente fez a seguinte pergunta: “Léo, o senhor fez algum pagamento a João Vaccari no exterior?” Eu (Léo) disse: “Não, presidente, nunca fiz pagamento a essas contas que nós temos com Vaccari no exterior.” (Lula): “Como você está procedendo os pagamentos para o PT?” (Léo) “Estou fazendo os pagamentos através de orientações do Vaccari de caixa dois, de doações diversas que nós fizemos a diretórios e tal”. (Lula): “Você tem algum registro de algum encontro de contas feitas com João Vaccari com vocês? Se tiver, destrua”.

Lula mais uma vez negou que tivesse instruído Léo Pinheiro a destruir provas, mas confirmou o encontro. Por essas contradições e indícios, considerados “provas indiciárias”, os procuradores querem abrir um novo processo sobre obstrução da Justiça contra Lula. Já existe um com o mesmo objetivo em Brasília, mas em outro caso, o de Nestor Cerveró.

O ex-senador Delcídio Amaral revelou em delação premiada que foi Lula quem organizou a tentativa de evitar que o ex-diretor da Petrobras fizesse uma delação premiada. As histórias todas se encaixam e formam um quadro fechado sobre a atuação do ex-presidente contra as investigações da Lava-Jato.

A Lava-Jato, a amizade e o matrimônio - GIL CASTELLO BRANCO

O GLOBO - 16/05
Vozes que negociavam e conspiravam agora incriminam e denunciam. Prevaleceu o “Amigos, amigos, negócios à parte”

Vários filósofos fizeram reflexões interessantes sobre a amizade. Aristóteles a definiu como “uma alma em dois corpos”. Platão explicou-a como “uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro”. A minha frase predileta, no entanto, é de Montaigne, que, quando da morte do seu amigo La Boétie, escreveu: “Já me acostumara tão bem a ser sempre dois que me parece agora que não sou senão meio”.

A Operação Lava-Jato, porém, remete-nos ao que pensava Confúcio: “Para conhecermos os amigos, é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade”.

De fato, com os depoimentos prestados em cerca de 150 delações premiadas muitas amizades ruíram. Poucas sobreviveram quando a liberdade estava em jogo. Dos muitos bens acumulados pelos corruptos, a liberdade revelou-se o mais importante. As mesmas vozes que antes negociavam e conspiravam são agora as que incriminam e denunciam. Prevaleceu o dito popular: “Amigos, amigos, negócios à parte”.

Mais recentemente, o “cada um por si, Deus por todos” esquentou com a divulgação da “delação do fim do mundo”, de Marcelo Odebrecht e 76 funcionários da empreiteira, e com o depoimento de Renato Duque, ex-diretor da Petrobras.

Com o fogo subindo, as explicações extrapolaram as amizades e chegaram ao matrimônio. O ex-presidente Lula, pelo visto, não sabia o que se passava na Petrobras, no PT e, até, na sua própria casa. No seu depoimento ao juiz Sérgio Moro, Lula afirmou que a sua esposa já falecida Marisa Letícia era quem tinha interesse no tríplex. Aliás, a ex-primeira dama já tinha sido citada em outros depoimentos. O pecuarista e amigo da “família Lula”, José Carlos Bumlai, afirmou que foi a esposa do ex-presidente quem o procurou e pediu-lhe “ajuda” para comprar um terreno no qual seria instalado o Instituto Lula. O então diretor da Odebrecht, Alexandrino Alencar, por sua vez, contou ao Ministério Público Federal que foi também Marisa Letícia quem lhe pediu uma obra no sítio de Atibaia, no valor de R$ 1 milhão, durante uma festa de aniversário de Lula em 2010.

Considerando o espírito empreendedor da senhora Marisa Letícia, fico a imaginar se não teria sido melhor que Lula a indicasse como candidata a presidente da República, em vez de Dilma, que nos levou à maior crise econômica da história do país. À época, porém, Lula chegou a dizer: “Dilma tem a competência e a capacidade que o Brasil precisa pra fazer o país avançar”. Deu no que deu...

Voltando à Lava-Jato, a fase atual poderia ser chamada como a das “delações de exterminação do universo”, tendo em vista o que já disseram João Santana e sua mulher, e o que poderá contar Palocci. Se forem comprovadas as afirmações de Mônica Moura, Dilma teria cometido cinco crimes: violação de sigilo, obstrução de Justiça, corrupção e crimes de responsabilidade e contra a administração pública. Para quem se diz honesta, é de arrepiar os cabelos, os mesmos que, tratados pelo coiffeur Celso Kamura, custaram, de 2010 a 2014, cerca de R$ 40 mil à marqueteira.

Lula, que já é réu em cinco inquéritos, poderá responder a um sexto por obstruir a Justiça, após os depoimentos de Renato Duque e Léo Pinheiro, que o acusam por tê-los orientado a destruir documentos. Para complicar, segundo João Santana, Lula dava a “palavra final” sobre o caixa dois. Companheiros, criador e criatura parecem estar enrolados.

A mais aguardada delação, entretanto, é a de Palocci, que pode ser a gota d’água nesse drama. Fundador do Partido dos Trabalhadores, ex-prefeito de Ribeirão Preto, ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma, ex-conselheiro da Petrobras, coordenador geral da campanha da ex-presidente em 2010, Palocci conhece as entranhas eleitorais e dos últimos governos. Além disso, o “Italiano” poderá dar detalhes sobre a conta “Amigo”, codinome de Lula — segundo Marcelo Odebrecht —, a qual foi aberta em 2010 com R$ 40 milhões e era movimentada frequentemente por “Brani”, assessor de Palocci.

Enfim, nessa estrutura pútrida, fétida e promíscua, que envolve os caciques da maioria dos partidos políticos brasileiros, muitos dos corruptos não seguiram os conselhos do filósofo alemão Arthur Schopenhauer: “Não diga nada a um amigo que você esconderia de um inimigo”. Mas a amizade e o matrimônio continuarão a unir pessoas, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, por todos os momentos da vida, salvo se um dos parceiros correr o risco de ser preso...

Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas

Cresce de importância papel de Dilma no petrolão - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 16/05

Delação de marqueteiros ajuda a se ter a dimensão real de como a ex-presidente participou do esquema de desvio de bilhões da Petrobras


Era inverossímil que Dilma Rousseff não soubesse do saque que diretores da Petrobras fizeram durante tanto tempo na estatal, para que parte do dinheiro financiasse o caixa 2 de campanhas eleitorais, principalmente do seu partido, o PT, incluindo as dela própria à Presidência da República.

Tanto quanto isso, sabe-se hoje, era dinheiro também para elevar o padrão de vida de dirigentes partidários e, em última análise, sustentar o projeto de poder lulopetista, para se perpetuar no Planalto. Aspectos que já ficaram visíveis nas investigações sobre o mensalão, um esquema muito menor que o petrolão. Na verdade, começaram a ser montados de forma paralela.

A imagem cultivada por Dilma de distanciamento do petrolão nunca se firmou, e acaba de ser demolida pelas delações do casal de marqueteiros, João Santana e Mônica Moura, o preferido do PT pelo histórico de vitórias: Lula em 2006 e com a própria Dilma.

Nem mesmo a ideia de uma pessoa de inabalável honestidade fica de pé com o relato de Mônica sobre gastos com a ex-presidente feitos também em período não eleitoral. Com o cabeleireiro Celso Kamura, teriam sido R$ 90 mil. Ao todo, R$ 170 mil em dinheiro do petrolão, surrupiado de obras da estatal, por meio do superfaturamento de contratos.

Os relatos de Mônica Moura confirmam o que se suspeitava: Dilma tinha absoluto conhecimento de tudo o que se passava dentro da Petrobras — a origem do dinheiro e o destino, também ilegal, dele.

Não foi honesto, por exemplo, aceitar a proposta da publicitária de criar e-mail com nome fictício para as duas trocarem informações sigilosas usando um artifício criado por redes de terrorismo (deixar textos em “rascunho” para outro acessar).

Um dos resultados é que, assim, Dilma deixou um rastro eletrônico que pode complicar-lhe a vida. Não sem motivos, Mônica Moura, para usar como prova, imprimiu uma dessas mensagens e a autenticou devidamente em cartório.

Dilma assumira a presidência do Conselho Administrativo da Petrobras, no início do primeiro governo Lula, na condição de ministra de Minas e Energia. Por isso, não parecia verossímil que ela nada soubesse.

Também não foi honesto usar informações espionadas na Lava-Jato — que lhe foram transmitidas pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo — para avisar ao casal que ele seria preso.

Dilma demonstra, ainda, conhecer o esquema do petrolão, ao dizer para a publicitária procurar Antonio Palocci — o “Italiano”, onipresente em negociações em torno de grandes cifras para o caixa 2 lulopetista — e cobrar dele pagamento atrasado aos marqueteiros, pelo trabalho na campanha frustrada do petista Patrus Ananias à prefeitura de Belo Horizonte, em 2012.

As delações de Mônica reforçam o ex-diretor da estatal Nestor Cerveró, quando ele garante que Dilma também sabia da escandalosa compra da refinaria americana de Pasadena. A passagem de Dilma pela estatal faz todo sentido.

O legado de Temer - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 16/05

Presidente compreende as circunstâncias excepcionais que o levaram ao poder e tem a exata dimensão do papel que a História lhe reservou


Passado pouco mais de um ano desde que assumiu a Presidência da República – após o processo de impeachment que culminou na cassação do mandato de Dilma Rousseff –, o presidente Michel Temer compreende as circunstâncias excepcionais que o levaram ao poder e tem a exata dimensão do papel que a História lhe reservou. É o que se depreende da entrevista exclusiva concedida aos jornalistas João Caminoto, Carla Araújo, Marcelo Beraba e Eliane Cantanhêde, do Estado, publicada na edição de domingo passado.

Administrador da massa falida legada pela inépcia e pela incúria de sua antecessora – e também pela sanha criminosa que permeou sua gestão, a serem verdadeiras as acusações que lhe são feitas por dois de seus colaboradores próximos, os marqueteiros João Santana e Mônica Moura –, Temer elegeu o combate ao desemprego como a principal marca de seu governo. “Meu principal objetivo é combater o desemprego. Se não conseguir, aí sim você pode dizer que o governo não deu certo”, disse o presidente.

De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no final de abril, a taxa de desocupação no Brasil ficou em 13,7% no trimestre encerrado em março de 2017. Foi a maior taxa de desocupação registrada pelo IBGE desde o início da medição do indicador em 2012. Portanto, o presidente Michel Temer acerta ao definir como meta principal de seu mandato o combate a um problema que aflige, aproximadamente, 14,2 milhões de brasileiros. O contraste em relação às parvoíces de Dilma Rousseff é tão expressivo que o mero diagnóstico acurado de uma mazela nacional – habilidade mínima que se espera de quem ocupa a Presidência da República – já é, por si só, digno de nota.

Para a grande maioria do povo brasileiro, o sucesso ou o fracasso de um administrador público é medido por indicadores de qualidade de vida e renda, por ações cujos resultados lhe tocam diretamente. O cidadão espera dos que administram o Estado a oferta de serviços públicos de qualidade, o bem-estar promovido pela sensação de segurança, um rígido combate à inflação que preserve o poder de compra da moeda, a geração de empregos que garantam renda e dignidade. No que compete ao Poder Executivo federal isso passa pela aprovação das reformas trabalhista e previdenciária, fundamentais para a retomada do crescimento econômico.

É imperioso registrar que sob a gestão de Dilma Rousseff o País experimentou a pior recessão econômica desde o início da década de 1930. Em 2015, a economia brasileira recuou 3,8%. Em 2016, nova queda de 3,6%. Biênio tão catastrófico só havia sido medido em 1930 e 1931, quando o Produto Interno Bruto (PIB) recuou 2,1% e 3,3%, respectivamente. O desemprego recorde é o desdobramento mais perverso da irresponsabilidade populista da administração do Partido dos Trabalhadores.

Diante das circunstâncias de sua ascensão ao Palácio do Planalto, do ambiente anuviado que toma conta do País e da impopularidade de medidas essenciais que precisam ser adotadas pelo governo para a correção dos rumos nacionais – como a adoção de um teto de gastos públicos, além das reformas já mencionadas –, não surpreende o índice de rejeição ao presidente Michel Temer. Entretanto, este é justamente um fator que lhe permite encampar tais projetos sem o risco de pender para o populismo daqueles que governam pensando na próxima eleição.

Tomada pelas circunstâncias, cabe à liderança política escolher o legado que pretende deixar. Lula da Silva ascendeu ao poder sustentado por apoio popular, congressual e uma conjuntura internacional favorável sem precedentes. Estivesse imbuído dos melhores desígnios, teria promovido grandes transformações no País. Hoje é réu em cinco ações penais e corre o risco de responder a mais uma, por obstrução de justiça. Dilma Rousseff assumiu o governo com o propósito de dar à política e à economia as feições de seu nacional-populismo rastaquera. Quebrou o País.

Ao assumir o governo sob condições de penúria, caberá a Michel Temer concluir a construção do que chamou de “ponte para o futuro” e nele figurar como um presidente histórico, e não apenas acidental.