quinta-feira, maio 11, 2017

O foco na política - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 11/05

O ex-presidente Lula não se preparou para responder às questões de ontem ou é um investidor descuidado a ponto de não saber por que não pediu de volta R$ 209 mil. Toda a sua atenção continua sendo na preparação da cena pública onde montou o palanque no qual pensa que poderá se salvar da briga judicial. Lula primeiro precisa ganhar a briga na Justiça, mas é à luta política que ele se dedica.

Ele apresentou uma versão em relação ao triplex que não tem sequência lógica. Alega que soube duas vezes do imóvel: quando D. Marisa comprou a cota, em 2005, e depois em 2013. Mas admite que visitou o imóvel em 2014 com Leo Pinheiro, quando “colocou um milhão de defeitos no apartamento”. Disse que nunca pensou em comprar o apartamento, e que isso era ideia de investimento da mulher. Mas em seguida afirma que desistiu de comprar, em 2014, ao visitá-lo, com o presidente da empreiteira, Leo Pinheiro, e se dar conta de que não poderia ir àquela praia, por ser pessoa pública. Admite que nunca comunicou Leo Pinheiro dessa desistência. Quando o juiz Sergio Moro perguntou por que ele nem confirmou a compra, nem pediu ressarcimento dos R$ 209 mil no prazo que houve para fazer isso, em 2011, ele respondeu: “Tem que falar com D. Marisa”.

A estratégia seguida foi a de mostrar distanciamento em relação ao fato. Mal soube dele. Coisa da esposa. Depois que se deu conta que não era uma boa compra, desistiu. Maiores explicações teriam que ser com sua esposa, que “lamentavelmente não está viva para perguntar”.

Diante das acusações feitas a ele, como a do ex-diretor da Petrobras, Renato Duque, de que ele teria mandado retirar o dinheiro da conta no exterior, Lula admite que conversou com Duque. Mas sua versão é um pouco diferente. Disse que falou com ele sobre esse assunto porque havia boato de roubo e de que Duque tinha conta no exterior. Em vez de demiti-lo ou fazer alguma sindicância, ele relata que falou: “Duque é o seguinte, você tem conta no exterior?”. Ele teria respondido que não, e ele aceitou. “Acabou, para mim era o que interessava”.

Enfadado e contraditório nas respostas, ou irritado algumas vezes, Lula demonstra vigor apenas quando vai para se encontrar com os militantes, aí então proclama sua candidatura e se diz perseguido e massacrado pela imprensa, ou vítima da “maior caçada jurídica” que um político já teve.

O ex-presidente Lula anda pelo povo, mas apenas em ambiente controlado, como ocorreu ontem na praça onde se juntaram os manifestantes levados pelos grupos que sempre estiveram com ele e sempre estarão. O uso do avião de um empresário, Walfrido Mares Guia, para ir a Curitiba é mais do que a busca do conforto, é também uma forma de evitar o risco de um ambiente aberto em que ele poderia ser hostilizado. Uma cena dessas seria viral nas mídias sociais e ele prefere evitar o desgaste. A crise atual não é de um partido só e expõe todos os políticos ao risco de constrangimento público, mas ele é o principal foco. Lula é amado pelos seus seguidores, que hoje são apenas uma fração do que já foram, mas também é odiado por outros que passaram a acreditar que ele solto é o símbolo da impunidade.

A Operação Lava-Jato deixa o país com os nervos expostos, como se viu ontem. Não por seus defeitos, mas por suas qualidades. A investigação não se deteve diante de poderosos políticos e econômicos, nem mesmo de Lula que sempre se apresentou como o dono do povo.

Ele tem mais quatro processos e uma denúncia a caminho, mas sua estratégia é tão focada na política que precisou ser lembrado por Moro de que suas considerações finais não poderiam ser as de um programa eleitoral. Ele estava de novo repetindo o discurso de que “quem vem de baixo” não pode ser presidente. Conseguirá Lula mobilizar os militantes, criar o clima de jogo de decisão em Copa do Mundo, e captar as atenções do país como aconteceu ontem a cada novo depoimento? Dificilmente. A estratégia exibida ontem é boa para político em disputa eleitoral, mas não o livra dos vários processos que continuarão a rondá-lo nos próximos meses.

Pobre Marisa Letícia - RICARDO NOBLAT

O Globo - 11/05

Foi tudo obra dela, segundo Lula. Foi ela que quis comprar o tríplex — ele, não. Quando visitou o apartamento, enxergou nele mais de 500 defeitos


Para se livrar do escândalo do mensalão em 2005, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregou a cabeça do ex-ministro José Dirceu, o coordenador de sua campanha vitoriosa de 2002 à Presidência da República.

Para se livrar do escândalo dos aloprados, quando assessores seus forjaram, em 2006, documentos contra o PSDB, ele entregou as cabeças que pôde, inclusive a do coordenador de sua campanha à reeleição, Ricardo Berzoini.

Pouco antes, havia entregado a cabeça do ex-Ministro da Fazenda Antonio Palocci, quando restou provado que a máquina do seu governo fora usada para quebrar o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.

Nada demais, pois, que Lula tenha se valido de sua mulher, Marisa Letícia, para driblar a acusação de que ganhara o tríplex do Guarujá como uma espécie de propina paga pela construtora OAS. Maria Letícia está morta.

Foi tudo obra dela, segundo Lula. Foi ela que quis comprar o tríplex — ele, não. Quando visitou o apartamento, enxergou nele mais de 500 defeitos. Mesmo assim, ela insistiu em comprar para fazer investimento, ele não.

Diante da insistência do juiz Sergio Moro em querer arrancar-lhe respostas mais precisas, novamente invocou Marisa: “Perguntar coisa para mim de uma pessoa que já morreu é muito difícil, sabe? É muito difícil”.

O Lula eloquente, imbatível quando desafiado, dono de um estoque inesgotável de frases prontas, deu lugar a um Lula reticente, quase monossilábico em certos momentos, que tentava disfarçar o nervosismo.

Cobrou provas da acusação que pesa contra ele na ação. Mas, quando uma delas lhe foi apresentada, desconversou. Sergio Moro perguntou sobre um documento rasurado de compra do tríplex encontrado no seu apartamento.

Lula respondeu: “Não sei, quem rasurou? Eu também gostaria de saber”. E sobre o documento em si? Lula respondeu: “Não sei, nunca soube”. Consultou rapidamente o documento e o devolveu ao juiz da Lava-Jato.

Um interrogatório como o de ontem serve como peça de defesa do réu. Mas serve ao juiz para ajudá-lo a formar sua própria convicção a respeito da inocência ou da culpa do réu. Como peça de defesa, foi pífio.


Contra os fatos - MERVAL PEREIRA

O Globo - 11/05

As explicações do ex-presidente Lula sobre o tríplex do Guarujá não batem com os fatos nem com sua própria narrativa, pois não é concebível que ele tenha tratado do assunto em 2005 e só depois, em 2014, o tenha recusado, enquanto dona Marisa e seu filho combinavam com o então presidente da OAS as obras que seriam feitas, inclusive a colocação de um elevador devido à reclamação do próprio Lula sobre a escada estreita, que ele reafirmou ontem no depoimento.

Acoincidência das cozinhas iguais no tríplex e no sítio de Atibaia também fica entre as coisas inexplicáveis que rondam as propriedades que Lula diz não serem dele. O impressionante é como dona Marisa tinha capacidade de decisão sem nem mesmo consultar o marido, até em casos como o terreno do Instituto Lula.

O amigo do ex-presidente José Carlos Bumlai disse ao juiz Sergio Moro, em outro processo, que foi dona Marisa quem insistiu para que aquele terreno fosse comprado, para uma nova sede do instituto. Bumlai chegou a conversar com Marcelo Odebrecht para o financiamento do terreno, já que ele não tinha dinheiro para comprá-lo, e aí as narrativas se completam.

O ex-presidente da empreiteira havia declarado que, a pedido, havia comprado o terreno com o dinheiro do fundo que mantinha para o PT no departamento que cuidava da distribuição de propinas. E que, quando o terreno foi recusado, por não se prestar ao monumento que pretendiam erguer na nova sede do instituto, a Odebrecht revendeu-o e devolveu a verba para o fundo de propinas do PT.

O arquiteto que foi contratado para fazer um monumento no novo terreno disse que quando foi visitá-lo, acompanhado da assessora de Lula Clara Ant, cruzou com o ex-presidente, que chegava num carro com dona Marisa. Sua opinião foi decisiva para que o terreno não fosse usado para a sede do novo instituto. Todas as histórias batem.

Sim, Lula teve diversas conversas sobre o tríplex com Léo Pinheiro, mas nunca lhe sugeriu que destruísse provas. Sim, Lula visitou o tríplex em companhia do presidente da OAS, mas nunca pediu para que fosse reformado. Dona Marisa não gosta de praia, Lula não poderia sair de casa a não ser numa Quarta-Feira de Cinzas chuvosa, mas no entanto compraram um apartamento na praia de Guarujá. Provavelmente para negócios dela, segundo Lula.

Sim, o apartamento comum passou a ser um tríplex, mas dona Marisa nunca lhe disse que mandara fazer reformas. Sim, encontraram um documento rasurado sobre o tríplex em questão em sua casa em São Bernardo do Campo, mas ele não sabe que documento é aquele, e não está assinado, não tem valor. Quase insinuou que o documento foi “plantado” pelos policiais que foram lhe buscar numa condução coercitiva. Refreou-se a tempo, mas deixou no ar a dúvida.

Por falar nisso, a politização do depoimento de Lula ao juiz Sergio Moro só confirma que uma convocação com antecedência de Lula para depoimento na Operação Lava-Jato teria provocado uma mobilização de militantes petistas, que dificultaria muito uma audiência normal.

Lula, que começou o depoimento muito nervoso, como é natural, foi se soltando à medida que a audiência se processava em um ambiente tranquilo e chegou mesmo a anunciar que é candidato à Presidência da República em 2018. Mas não conseguiu desmentir peremptoriamente que ameaçara os policiais dizendo que voltaria à Presidência e se lembraria da cara de cada um deles. Lula, como sempre, disse que não se lembrava de ter feito tal afirmativa, uma ameaça clara, típica de quem confunde o público com o privado.

O depoimento acabou em anticlímax, pois até mesmo a militância petista esteve presente em menor número do que o anunciado. E nem Moro nem Lula rosnaram um para o outro. Ambos se colocaram em seus devidos lugares: Lula, o réu, respondendo respeitosamente e tendo ambiente para fazer até certas ironias sobre a insistência dos vendedores, como se Léo Pinheiro fosse um mero vendedor da OAS, ou sobre a independência das mulheres, uma tese que vem sendo desenvolvida cuidadosamente nos últimos dias.

A falecida dona Marisa, nos últimos depoimentos, ganhou uma dimensão nova em todas as situações que estão sendo questionadas pela Justiça, e ainda não houve o depoimento sobre o sítio de Atibaia.

O país da rejeição é a favor de quê? - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 11/05

O PRIMEIRO grande evento da campanha de 2018, o comício de Lula em Curitiba, dá o que pensar sobre o país da rejeição.

O candidato líder da esquerda e das pesquisas é repudiado por metade dos eleitores. O presidente e seu programa são detestados por pelo menos dois terços.

No entanto, qualquer que seja o presidente, Lula, um Cacareco midiático qualquer ou o "Novo" inominado, o país será mais governável caso o detestado Michel Temer seja bem-sucedido.

Não importa o que se pense das "reformas", o país tende a ficar mais governável com elas, ressalte-se.

Além do mais, o sucesso temeriano deve liberar os candidatos, da direita à esquerda, do dever de propor um programa desagradável demais ou da tentação de mentir demais na campanha.

Isto é, de mentir a respeito da necessidade de mais suor e lágrimas, inevitável (o problema é saber quem vai pagar a conta).

Com a estabilização precária da economia, será possível evitar mudanças muito impopulares ou tumultuárias no início do novo governo.

Até aqui estamos no âmbito das negações, porém.

O eleitor ora se diz disposto a votar em um anti-Lula qualquer que não seja político reconhecido como tal, "tradicional" ou zumbi da Lava Jato. Diz também que não quer o programa Temer, pelo menos na sua versão sem adoçante ou compensações.

A esquerda oficial, o PT, propõe coisas do arco da velha. Sugere uma volta ao passado pré-Carta aos Brasileiros, canoa na qual Lula embarca enquanto sua campanha está ainda na fase de evitar a cadeia. Tal programa levaria o país ao tumulto antes de 2019.

A direita que está com Temer não parece capaz de ressuscitar até a eleição, mesmo com um "milagre do crescimento" em 2018. Isso inclui o vampiresco PMDB e os zumbis tucanos. Sobram Geraldo Alckmin, que se finge de morto para não morrer de vez, e João Doria, que, diga-se de passagem, pode se estrepar por ser "vivo" demais na marquetagem.

Mas o que propõem? Se dizem liberais, "ges-to-res". Vão dizer que pretendem concluir a Ponte para o Futuro, completar o programa da coalizão de Temer? Doria ainda pode tentar desconversar, porque é "o Novo", linguajar adotado agora também por FHC, talvez apenas por conveniência analítica (ou não?).

As várias ONGs políticas, micromovimentos partidários nascentes mas desligados de políticos tradicionais, na maioria, ainda não parecem capazes de ganhar musculatura a tempo, embora não seja possível descartar um equivalente de Emmanuel Macron.

De todo modo, "o Novo", uma embalagem desencarnada, se torna alternativa cada vez mais atraente, é óbvio para qualquer leitor de jornal, tal como o truque Luciano Huck (convém não desdenhar da maluquice).

Mas, além de vazias, negacionistas ou malucas, essas opções realmente existentes por ora embutem desconversas estelionatárias –mentira eleitoral seguida de choque.

O próximo presidente estará amarrado por escassez aguda de dinheiro no governo, com ou sem "teto" de gastos. Reformas liberalizantes ainda serão necessárias, mas socialmente insuficientes e, de qualquer modo, pós-Temer, devem soar como palavrão, anátema, na campanha de 2018.

Não há palavra positiva e honesta sobre como desfazer esses nós.