quinta-feira, março 09, 2017

Cada um ama seus bichos preferidos - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 09/03

Na coluna da semana passada, comentei o filme "A Garota Desconhecida", dos irmãos Dardenne.

E declarei meu amor pela protagonista, a jovem médica Jenny Davin, "porque (ela) não usa maquiagem e seca o cabelo com uma toalha; porque vive de jeans e dois moletons meio surrados; porque come o que tiver ou o que sobrar; (...); porque ela só usa luvas descartáveis quando precisa proteger a queimadura infeccionada de um paciente, e não para auscultar nem mesmo para trocar o curativo no pé de um idoso diabético; (...) porque ela não tem preocupação de status; porque, enfim, ela traça sua vida (e sua carreira) a partir do que lhe parece ser sua responsabilidade".

Acrescentei que a responsabilidade que Jenny sente não tem nada a ver com compaixão por coitados e deserdados. Ao contrário, ela sabe que os sentimentos atrapalhariam seus diagnósticos.

Pois bem, vários leitores e leitoras (sem ter necessariamente visto o filme) me perguntaram se eu gostava mesmo de pessoa desleixada, desgraciosa e vestida com o que encontra no chão ou no armário na luz incerta da primeira manhã.

Antevendo essas simpáticas provocações, eu já tinha observado: não é que Jenny não se importe consigo mesma, é que ela tem mais o que fazer. E eu gosto das pessoas que têm mais o que fazer. Vou explicar.

Uma sabedoria popular divide os parceiros possíveis em duas grandes categorias: cachorros e gatos. A mesma sabedoria diz que, entre os apaixonados, há os que amam os cachorros e há os que amam os gatos.

Não há uma correspondência perfeita entre os animais domésticos que preferimos e nossas escolhas amorosas, mas tanto faz. O que importa é que, numa relação amorosa, alguns (e algumas) procuram um outro que, quando eles voltam para casa, 1) chegue abanando e pulando, 2) traga correndo sua bolinha pedindo para brincar, 3) tenha uma irresistível carência que o leve a lamber a cara de seu amor (ou formas equivalentes de carinho).

Por outro lado, alguns (e algumas) preferem um outro que, quando eles chegam em casa, fique deitado no sofá, apenas lambendo seu próprio pelo, como se ele mesmo fosse o único centro de seus interesses. Brincar com esse outro é só quando ele está a fim, e o carinho dura o tempo que ele quiser.

Os amados tipo cachorro seriam generosos e dedicados, mas, em contrapartida, dependentes do nosso afeto a ponto de se tornarem chatos.

Os amados tipo gato seriam autocentrados, sobretudo apaixonados por si mesmos, e também chatos pela constante espera de serem adorados e admirados.

Cada um reconhecerá (em parte, claro) seu companheiro ou companheira. É possível que o tipo gato seja mais frequentemente feminino, e o cachorro, masculino. Mas há numerosas exceções, e cansei de ouvir a queixa de mulheres cujo homem, na hora do sexo, olhava para o espelho ao lado da cama para ver seus próprios músculos tensionados.

Em que parte da tipologia de cães e gatos se enquadraria Jenny Davin, mulher de meus sonhos? Nenhuma.

É que há mais um (vastíssimo) tipo animal que não está incluído nessa tipologia aproximativa. São os animais que não são domesticáveis –alguns, aliás, zero domesticáveis (da tarântula ao dragão de Komodo), alguns muito pouco (da onça ao gorila, passando pelo cavalo etc.).

O outro por quem me apaixono pertence a esse tipo: ele se relaciona comigo, pode ser carinhoso e companheiro (e gosto disso), mas, no fundo, como Jenny, ele tem mais o que fazer (e disso eu gosto mais ainda).

Em outras palavras, o que amo no outro é a selvajaria irredutível de seu desejo. Selvajaria aqui não significa que o desejo seja rústico ou grosseiro, mas apenas que o desejo do outro pelo qual me apaixono nunca é plenamente domesticado –se ele for domado, será só por um tempo, e se assilvestrará de volta, a qualquer momento.

Às vezes, a vida de família (por exemplo, a exigência de ser pai e mãe antes de ser homem e mulher) domestica e extingue o desejo sexual dos dois. Às vezes (e isso é pior ainda), as supostas exigências do casal acabam também com o amor dos dois, quando um deles ou os dois se esquecem de seu desejo silvestre para se tornarem cães ou gatos.

É intolerável (e paradoxal) descobrir que eu mesmo posso ser a razão da domesticação do desejo do outro –ou seja, que por minha causa o outro pode renunciar ao que eu mais amava nele.


Emprego na indústria naval sofre os efeitos da política do PT - EDITORIAL ECONÔMICO

ESTADÃO - 09/03

Pesquisa do Dieese mostra que o número de empregados na indústria naval caiu de 71.554 em 2014



Os efeitos da desastrosa política de investimentos que a administração lulopetista impôs à Petrobrás e da instalação, nela, de um bilionário esquema de corrupção – que beneficiou o partido no governo e seus aliados, abalou as finanças da empresa e comprometeu sua eficiência técnica – se estendem para muito além das operações da estatal. A indústria naval, que cresceu estimulada pelos projetos de expansão da Petrobrás, já demitiu quase 60% de seu pessoal desde que os planos mirabolantes do governo petista começaram a ruir. Os planos fracassaram em razão de seu irrealismo e em decorrência do desvendamento, pela Operação Lava Jato, do esquema de assalto a que a estatal foi submetida durante a administração anterior.

Pesquisa do Dieese mostra que o número de empregados na indústria naval caiu de 71.554 em 2014 (quando começaram as demissões) para 40.232 no fim de 2016. Por esses dados, baseados em registros do Ministério do Trabalho, a redução foi de 44%.

Números levantados pelo sindicato nacional das empresas do setor, o Sinaval, diretamente com suas filiadas mostram redução ainda mais intensa. Segundo o levantamento do Sinaval, o total de empregados do setor naval caiu de 82,5 mil em 2014 para 35 mil em dezembro de 2016, redução de 57,6%, segundo reportagem do jornal Valor.

A gestão petista na Petrobrás causou-lhe pesadas perdas financeiras, em decorrência do desvio de recursos da estatal e de políticas equivocadas. Fortemente endividada, a empresa teve de rever drasticamente seus planos de investimentos.

Os cortes afetaram, em primeiro lugar, as operações da Sete Brasil – empresa constituída com participação da própria Petrobrás para executar os delirantes planos petistas para o pré-sal – e, em seguida, as das empresas fornecedoras do setor, entre elas as do setor naval. Dezenas de navios-sonda chegaram a ser encomendados, mas boa parte das encomendas foi cancelada.

A situação que se observa na Bahia, onde a indústria de construção pesada e de montagem chegou a empregar 4,8 mil pessoas e hoje mantém apenas 200 funcionários, resume o drama do setor.

O tamanho do estrago - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 09/03

Ter consciência do tamanho do buraco causado pelo lulopetismo é importante para evitar a ingenuidade de imaginar que a economia já deveria estar decolando com o novo governo



Qualquer dúvida de que o Brasil terá mais uma década perdida, depois daquela dos anos 80 do século passado, ficou para trás na terça-feira, quando o IBGE divulgou os números do Produto Interno Bruto de 2016: a economia do país regrediu 3,6%, mas o número, isoladamente, não dá conta do tamanho do estrago. O PIB já tinha recuado 3,8% no ano anterior, e o Brasil não via dois anos seguidos de retração desde o biênio 1930-1931, quando as quedas foram de 2,1% e 3,3% – portanto, mais brandas que a recessão atual. O PIB per capita, resultado da divisão do produto pelo número de brasileiros, caiu pelo terceiro ano consecutivo.

Um desempenho desastroso cuja causa tem nome e sobrenome: Nova Matriz Econômica, a política capitaneada por Guido Mantega nos anos finais da era Lula e nos mandatos de Dilma Rousseff, marcada pelo afastamento das práticas que, nos anos 90, livraram o Brasil da hiperinflação e promoveram a estabilização econômica, não sem alguns solavancos característicos de um país ainda vulnerável a crises internacionais – desculpa que Dilma sempre usou para a recessão atual, mas que já não cola hoje, quando o Brasil figura como a única nação a ter queda no PIB, em ranking da revista britânica The Economist (só não estamos oficialmente piores que a Venezuela porque a falida ditadura bolivariana já não divulga seus números).

A causa do desempenho desastroso tem nome e sobrenome: Nova Matriz Econômica 

Quando o governo decidiu que o consumo seria o motor da economia, passou a adotar todo tipo de medida para que os brasileiros gastassem como nunca, com crédito amplamente facilitado, juros reduzidos na marra e isenções fiscais para diversos setores (normalmente, os que choravam mais alto ou os que tinham bons contatos no Planalto). Dilma usou a Petrobras para manter os preços dos combustíveis artificialmente baixos, o que, ao lado da corrupção que a Lava Jato revelou ao país, criou um rombo naquela que era uma das maiores empresas do mundo. Com a MP 579, Dilma baixou o preço da energia elétrica com uma canetada que desestabilizou todo o setor elétrico e nem foi tão eficaz assim, pois logo os preços voltaram aos patamares anteriores. E, quando começou a ficar evidente que a estratégia estava levando o país ao abismo, a “contabilidade criativa” tentou manter alguma aparência de normalidade diante do mercado nacional e internacional.

Como diz a famosa frase atribuída a Abraham Lincoln, no entanto, é impossível enganar a todos o tempo todo. Mas antes fosse apenas questão de mascarar a realidade: o preço que a Nova Matriz Econômica cobrou não foi baixo, e foi pago pelos brasileiros. Mais diretamente, pelos quase 13 milhões de desempregados; e mesmo os que conseguiram manter seu trabalho amargaram taxas de inflação que superaram os 10% em 2015 e só agora dão sinais de desaceleração.

Ter consciência do tamanho do buraco causado pelo lulopetismo é importante para evitar ilusões e a ingenuidade de imaginar que em apenas alguns meses de governo Temer a economia já deveria estar de vento em popa. É preocupante ver que no terceiro e quarto trimestres de 2016 o PIB também recuou (0,7% e 0,9%, respectivamente), mas outros indicadores permitem ver que a reversão da tendência está próxima, como mostrou a Gazeta do Povo em reportagem recente. E, nesta quarta-feira, o IBGE divulgou outro dado positivo: a produção industrial subiu 1,4% em janeiro de 2017 na comparação com janeiro de 2016, interrompendo uma sequência de 34 meses de queda.

Fala-se em aumento de 0,5% no PIB de 2017 – um número não muito animador, até porque a base de comparação já está bastante deprimida. O governo ainda não completou a própria lição de casa e tem muita gordura a cortar. Mas as reformas propostas por Temer podem lançar as bases para um crescimento sustentado por décadas, ainda que sem desempenhos espetaculares como os 7,5% de 2010. Já será melhor que depender de políticas econômicas insensatas cujos resultados iniciais causam euforia, mas que logo dá lugar à triste realidade.

O ajuste de pessoal nas estatais - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 09/03

Durante décadas, o poder público converteu as estatais em cabides de emprego e pouco se preocupou em dotá-las de uma estrutura organizacional enxuta e eficiente



Depois de ter tomado as providências necessárias para promover reformas na administração direta com o objetivo de cortar gastos com folha de pagamento, para ajustar as contas públicas, a partir do final do ano passado o governo federal começou a fazer o mesmo na administração indireta, pedindo à Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) do Ministério do Planejamento que estimule a adoção de planos de demissão voluntária (PDVs) e programas de aposentadoria incentivada para enxugar seus quadros de pessoal e racionalizar estruturas organizacionais. Entre suas atribuições, cabe à Sest avaliar a situação das estatais, os gastos de cada plano e o tempo de retorno de seus custos.

Entre as empresas, destacam-se Banco do Brasil, BB Tecnologia e Serviços, Banco da Amazônia, Caixa Econômica Federal, Petrobrás, Eletrobrás, Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Companhia de Pesquisa em Recursos Minerais (CPRM). Uma das empresas mais inchadas é a Infraero. Levantamento divulgado recentemente pelo Tribunal de Contas da União (TCU), comparando a Infraero e a Aena, a operadora de aeroportos da Espanha, dá a dimensão do inchaço do quadro de pessoal da estatal brasileira. A empresa espanhola, que movimenta quase o dobro de passageiros do que a brasileira, tem 31% menos funcionários nos setores administrativos e nos centros de suporte. Segundo balanço publicado pelo jornal Valor, os planos de demissão voluntária e aposentadoria antecipada mais ambiciosos são os da Petrobrás, onde o órgão estima que eles devam ter adesão de cerca de 11,5 mil funcionários. Na Caixa Econômica Federal, a estimativa de seus diretores e da cúpula da Sest é de que a adesão chegue a 10 mil bancários – e, para alcançá-la, a instituição teve de incluir no pacote a manutenção do plano de saúde para titulares e dependentes.

Apesar dessa estratégia ainda estar em andamento e de algumas estatais terem se atrasado na implementação de seus PDVs, a Sest estima que pelo menos 49 mil trabalhadores da administração indireta deverão sair por vontade própria. O cálculo do Valor leva em conta o pessoal que já se desligou e a expectativa de novas adesões. Nos Correios, que têm cerca de 117,4 mil funcionários, os planos de aposentadoria antecipada e demissão voluntária ainda estão em andamento. O mesmo ocorre na Caixa Econômica Federal, que tem 100 mil bancários em atividade e almeja uma economia anual de R$ 1,8 bilhão com as demissões, a partir do próximo ano. Já a Infraero, que privatizará quatro aeroportos no próximo mês e sabe que terá dificuldades para realocar 1,1 mil funcionários neles lotados, pretende recuperar em um ano e meio os valores gastos com as indenizações. Na Eletrobrás, onde a estimativa é de que 5 mil servidores peçam demissão, os planos ainda dependem de autorização da Sest para serem anunciados aos servidores. Algumas estatais estão bancando os PDVs e programas de aposentadoria incentivada com recursos próprios. Em outras, as indenizações estão sendo pagas com dinheiro transferido diretamente do orçamento do Tesouro Nacional.

O que está levando muitos funcionários graduados de empresas estatais a abrir mão de vencimentos polpudos, além da segurança no emprego, são a consciência de que os tempos áureos de generosidade salarial na administração indireta já ficaram para trás e os benefícios oferecidos nos planos. Em algumas estatais, eles são tão altos que asseguram aos aderentes dos PDVs e planos de aposentadoria antecipada os recursos financeiros de que necessitam para abrir negócios próprios. No Banco do Brasil, por exemplo, que anunciou o fechamento de 402 agências físicas este ano, substituindo suas atividades por agências digitais, foram oferecidos 14 salários adicionais como recompensa para quem aderisse ao plano de aposentadoria antecipada.

Durante décadas, o poder público converteu as estatais em cabides de emprego e pouco se preocupou em dotá-las de uma estrutura organizacional enxuta e eficiente. Esse cenário parece estar mudando.

A tragédia da indústria - CELSO MING

ESTADÃO - 09/03

Boa parte da situação atual tem como causa o atendimento das reivindicações dos próprios empresários



Foram três anos devastadores para a indústria, mas não se pode responsabilizar por isso apenas a política econômica equivocada do governo Dilma.

As lideranças dos empresários contribuíram para isso porque reivindicaram, aplaudiram e ajudaram a aprofundar essa política. Mas vamos primeiramente aos números.

Como apontaram na terça-feira as estatísticas das Contas Nacionais, desde o segundo trimestre de 2014 - quando a produção industrial começou a se retrair - até o fim de 2016, a queda acumulada foi de 13,2% . Os números de janeiro, divulgados nesta quarta-feira, não sugerem grandes alterações do quadro, embora boa parte dos analistas identifique sinais de reação nesse quadro ruim.

Boa parte da tragédia da indústria tem como causa o atendimento das reivindicações dos próprios empresários. Foram eles, por exemplo, que mais pressionaram a presidente Dilma em 2011 a derrubar os juros e a desvalorizar o real sem que se cumprissem précondições mínimas para tanto. Imaginaram com isso garantir aumento da competitividade do sistema. As distorções que se seguiram produziram o contrário.




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O governo tentou corrigir a desestruturação da economia que se seguiu com artificialismos, todos eles aplaudidos pelas lideranças da indústria. Foram elas as primeiras a reivindicar a derrubada e o congelamento imediatos das tarifas de energia elétrica e dos combustíveis. A Fiesp chegou até a divulgar peça publicitária para comemorar a "vitória".

A indústria aplaudiu e exigiu a ampliação das desonerações - sempre seletivas - das contribuições sociais. Apoiou a redução de tributos às montadoras, ao setor de autopeças, ao de materiais de construção - tudo isso sem levar em conta que produziriam dois efeitos perniciosos: a mera antecipação de compras pelo consumidor sem aumento do mercado e a derrubada da arrecadação e, portanto, a deterioração das contas públicas.

Também foi a indústria que pediu e aprovou as políticas de distribuição de subsídios ao crédito de longo prazo, seja os promovidos pelo BNDES, seja os concedidos por outros bancos oficiais. E, por falar em BNDES, em todos esses anos, as lideranças da indústria se calaram sobre os efeitos corrosivos sobre as condições de livre concorrência produzidos pela política (também seletiva) dos campeões nacionais. Em nenhum momento denunciaram os efeitos inibitórios dessa política sobre o mercado interno de capitais. A indústria sempre defendeu (ou não combateu como deveria) a cartelização, o excessivo protecionismo comercial, as reservas de mercado e as políticas que exigiram exagerados conteúdos locais, como o caso dos fornecedores do setor de petróleo, que paralisaram a indústria e semearam desemprego.

Ninguém como o empresário sabe que nada deteriora mais o ambiente de negócios do que as incertezas e a falta de previsibilidade produzidas por pelo menos quatro anos de governo Dilma - para não ter de ir mais atrás.

A inflação disparou, o consumo despencou, o investimento e a poupança ficaram para trás, a capacidade ociosa foi aumentando e hoje está em torno de 25%. Enfim, o "curtoprazismo" e a política de puxadinhos acabam saindo caros demais. O afundamento da produção industrial é demonstração disso.

CONFIRA:




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No gráfico, a evolução da produção industrial nos últimos 12 meses terminados em janeiro.

Os números de janeiro

A queda menor do que a esperada, de 0,1%, na produção industrial de janeiro sobre dezembro e, mais do que isso, o aumento de 1,4% sobre janeiro do ano passado, estão sendo vistos como indicação de que o pior pode ter passado. Tomara que essas conclusões estejam certas. Mas parecem prematuras. Indício disso é o de que janeiro deste ano teve dois dias úteis a mais do que o do ano passado.

DR com a indústria - ZEINA LATIF

ESTADÃO - 09/03

O setor foi o primeiro a sentir as consequências de políticas equivocadas


A indústria é o setor mais sensível ao custo Brasil, sendo um setor importante para um país de renda média e heterogêneo. A fraqueza da indústria não é um bom sinal. A carga tributária é mais elevada na indústria (segundo a Firjan, em 45% em 2012), trazendo consigo os percalços da cumulatividade de impostos, que penaliza cadeias de maior valor agregado, e da complexidade de regras, que desvia recursos para o atendimento das leis tributárias.

A indústria é mais penalizada pela baixa qualificação da mão de obra. Sofre também com a complexidade de regulações e regras que impactam o setor.

A agropecuária é menos sensível ao custo Brasil, enquanto o setor de serviços consegue repassar mais facilmente pressões de custos a preços finais, pois concorre menos com o importado. A indústria sofre dos dois lados.

Assim, a indústria se mostra também mais sensível ao ciclo econômico. A desarrumação da economia no passado recente, com inflação elevada e salários subindo em ritmo incompatível com a estagnação da produtividade do trabalho, prejudicou particularmente o setor. O primeiro a sentir as consequências de políticas equivocadas e o que mais sofreu na crise.

Como agravante, o tratamento dado aos vários segmentos da indústria não é uniforme. Alguns são mais beneficiados com políticas setoriais que outros. Como não existe almoço grátis, o benefício de poucos prejudica os demais, pela elevação de custos, e os consumidores pagam mais caro pelo produto.

Exemplo disso é o tratamento tarifário. Alguns são mais beneficiados com tarifa de importação elevada sobre o produto final e baixa sobre insumos. O índice de proteção efetiva, que mede esses efeitos, difere muito entre os setores. Segundo a Fiesp, a indústria automobilística é a mais protegida. Muito mais protegida, com índice médio em torno de 130%, enquanto a tarifa efetiva média na indústria é de 26% (dados de 2014). Veículos mais caros, por exemplo, afetam o custo de transporte de toda a economia.

A fragilidade da indústria precisa ser enfrentada. Mas é necessário discutir as medidas de estímulo. O País é prolífero de políticas industriais fracassadas.
Muitos países recorrem a políticas setoriais. Políticas de conteúdo nacional, por exemplo, têm sido utilizadas mais intensamente desde a crise global de 2008.

Há recomendações gerais para sua eficácia. Metas de investimento precisam ser estabelecidas; as medidas não devem ser muito restritivas a ponto de exacerbar gargalos do lado da oferta; a política deve estar inserida em conjunto amplo de medidas que melhorem o ambiente de negócios e estimulem ganhos de produtividade; e não se pode descuidar do ambiente macroeconômico, cuja estabilidade é condição necessária para eficácia de qualquer política pública. Outro cuidado é o de atendimento à regulação do comércio mundial.

O Brasil falhou em todas essas recomendações; na política de conteúdo local para indústria petrolífera e para a indústria automobilística (Inovar Auto), esta última violando regras da OMC.

Além disso, a eficácia das políticas de conteúdo local é discutível. Ganhos de curto prazo muitas vezes se revertem no médio prazo, prejudicando o potencial de crescimento dos países, por conta das distorções geradas na economia. É o que revelam as pesquisas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Preços nos setores contemplados sobem, devido ao aumento do custo de produção, afetando os demais setores na cadeia produtiva e os consumidores. Setores não contemplados ficam menos competitivos e sofrem quedas nas exportações.

Esse instrumento precisa ser utilizado com critérios adequados (metas e prazos), parcimônia e cautela. Desmontar posteriormente é difícil, pois setores contemplados sofrem com a mudança de regras.

A indústria precisa de políticas horizontais que melhorem o ambiente de negócios e reduzam o custo Brasil. É o setor que mais irá se beneficiar com essa agenda.

Indústria para de rolar na ladeira - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 09/03

A PRODUÇÃO DA indústria na prática parou de cair. Está nas profundas do inferno. No abismo, não se sabe se vai ficar de joelhos, antes de caminhar e sair do buraco. Mas parou de rolar a ladeira.

Há motivos vários de cautela sobre o futuro da estabilização, que dirá da recuperação. A indústria se segura em um galho frágil. Quase parou de cair porque voltou a produzir mais ferro e/ou petróleo e porque exporta um tanto mais, caso, por exemplo, das montadoras de veículos.

Daí em diante, sabe-se lá. Exportações e melhoras extras na indústria extrativa são um tanto incertas. A venda de bens de consumo depende de taxas de juros, inflação e desemprego menos feroz e, tão cedo improvável, de que haverá crédito.

Mas tudo isso depende da política e do destino das "reformas". Goste-se ou não delas, se as "reformas" forem para o vinagre, a maionese desanda.
Isto posto, volte-se à notícia menos pior.

A indústria "quase" parou de cair, para ser mais preciso. No trimestre de novembro a janeiro, ainda encolheu 0,1%, ante o mesmo trimestre do ano passado. Mas, no trimestre anterior, encerrado em outubro, despencava ainda ao ritmo de 5,6%.

A indústria de transformação ("fábricas") ainda cai 1,3% no trimestre. Despiora, mas continua no vermelho. O resultado geral foi compensado pela indústria extrativa, que cresceu 7,9% no trimestre (ante o ano anterior). A indústria extrativa é, grosso modo, minério de ferro (56,5% do total) e petróleo e gás (35,5%).

A importância da exportação fica evidente no caso das montadoras de veículos. As vendas de carros nacionais ainda caíam 2,9% no trimestre encerrado em janeiro (ante o ano passado).

Mas contas com os dados da Anfavea mostram que as vendas da produção doméstica (carros nacionais vendidos aqui e exportados) aumentavam 8,6%. Melhora. As vendas da produção doméstica haviam caído sem parar de março de 2014 a novembro de 2016.

As exportações brasileiras de manufaturados voltaram a subir. Sim, é pouca coisa, mas estamos vivendo de migalhas, sem o que não daremos nem passinhos para sair do buraco.

No caso de bens de capital, para investimento em nova capacidade produtiva, a coisa está malparada ou ainda caindo pelas tabelas.

Em suma, as notícias são de "recuperação", como o governismo diz? Não. São apenas sinais mais seguros de estabilização. De que podemos ter chegado ao fundo do buraco e que, talvez, caminhemos aqui embaixo por algum tempo.

Há motivos melhores para acreditar que não vai haver frustração, como na segunda metade de 2016.

Como agora todo o mundo diz, as taxas de juros caem, apesar de os bancos ainda enfiarem a faca. A inflação cai muito (embora os reajustes salariais nominais também devam cair, de agora em diante). Haverá o micropacote de estímulo dos saques das contas inativas do FGTS.

É tudo muito frágil. Uma valorização extra do real pode matar exportações, assim como qualquer balançada na economia mundial, o que de resto afetaria as taxas de juros para empresas brasileiras. A despiora no consumo das famílias continua, mas longe do fundo do poço.

Por ora, é o que temos: alguns brotos verdes em uma fazenda queimada, ainda com vários focos de incêndio. Mas são brotos.

Retrocesso econômico provocado por políticas de Dilma Rousseff é um crime - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 09/03
Vamos tirar as luvas que encobrem as palavras duras e dizer, com toda a clareza, que o retrocesso econômico-social provocado pelas políticas de Dilma Rousseff é o equivalente a um crime. Um crime de lesa pátria.

Não há outra palavra adequada para qualificar a redução de quase 10% na renda de cada brasileiro.

Dilma Rousseff foi punida pelo crime. Que ninguém se iluda: ela não foi afastada pelas pedaladas fiscais. Foi vítima de um teorema clássico na política: um governo fracassa, o público se irrita, os políticos oportunistas abandonam o governante e se cria um pretexto para o impeachment, afinal consumado.

O problema é que, punida Dilma, ficou de pé todo o "sistema" que a sustentava, para chamá-lo de alguma maneira.

Cito meu guru na análise econômica, Vinicius Torres Freire, na coluna desta quarta-feira (8) :AQUI

O que trouxe o país a "esse abismo sórdido" foi "a 'pax luliana', o acordão entre petismo e agregados esquerdistas com os donos da grande empresa e do dinheiro grosso em geral".

O que se tem agora é a "pax temeriana". Saem o PT e os agregados esquerdistas, mas fica o PMDB, partido corresponsável de resto pelo crime de lesa pátria que é essa brutal recessão.

No lugar do PT, entra o PSDB, partidos que a Lava Jato tornou mais indistinguíveis do que já eram antes dela. Basta lembrar um detalhe: Henrique de Campos de Meirelles foi eleito, em 2002, pelo PSDB, mas se tornou, em 2003, o ministro da Fazenda de fato do governo petista, na condição de presidente do Banco Central. Volta, no novo acordão, como ministro "de jure" e de fato do governo Temer.

Claro que continuam no novo "sistema" os donos da grande empresa e do dinheiro grosso. Estão sempre com o governo, seja qual for o governo, e representam o que os argentinos gostam de chamar de "poderes fácticos".

Os que na verdade mandam.

É possível que o novo acordão ressuscite um país que respira por aparelhos? Que retire o país da UTI é perfeitamente possível e até esperável. De um lado porque nenhuma das invenções modernas ou antigas foi capaz de pôr um fim aos ciclos econômicos.

Do outro porque os novos gestores parecem determinados a não cometer mais os desatinos que arruinaram o país.

Mas, entre sair da UTI e se tornar hígido, há um espaço fundamental, que por enquanto não está nem remotamente no horizonte.

A crise não fez o país perder apenas renda, o que já é uma enormidade. Perdeu ambição. Como aponta essa excelente repórter que é Érica Fraga, "as estimativas do chamado PIB potencial brasileiro —capacidade de crescer sem gerar pressões inflacionárias— variam, atualmente, de 1,5% a 3,5%".

É muito pouco por si só, mas se torna um crescimento anêmico quando se pensa que, não faz tanto tempo assim, havia estimativas de que o país precisaria crescer 7% ao ano (na média, claro) para se tornar de fato desenvolvido.

Com essas perspectivas, calcula a Folha, apenas em 2023 o país retornará ao mesmo nível de renda média de 2013, "numa década inteira de estagnação".

É ou não um crime?

Algum respiro - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 09/03

A indústria respirou. Foram longos 34 meses caindo em relação ao mesmo mês do ano anterior para ter em janeiro o primeiro dado positivo. A quedinha, quase nenhuma, em relação a dezembro, de 0,1%, surpreendeu os economistas que fazem projeção e que estimavam um número pior. Muita coisa afeta a indústria e ela permanecerá fraca, mas este pode ser um ano positivo.

Ela caiu tanto nos últimos três anos que a alta pequena que se espera para 2017, em torno de 1%, não fará muita diferença nos grandes números do desabamento. Ela está hoje 19% abaixo do melhor momento, em julho de 2013. A indústria, na verdade, vive uma década perdida: está apenas 3% acima de dezembro de 2008, no auge da crise financeira internacional (veja no gráfico).

Os dados de ontem trouxeram algum alento, um pequeno respiro. O negativo de 0,1% não foi o que mais chamou a atenção. Mesmo nessa comparação com o mês anterior houve altas como 3,1% de bens semiduráveis e não duráveis, crescimento de 4% em derivados de petróleo e biocombustíveis e 5,5% no setor de bebidas. Farmacêutico e farmaquímicos saltaram 21%. Mas veículos tiveram queda de 10%, que não chegou a anular o resultado positivo de 18% que ficou acumulado do final do ano passado. É assim, a indústria fica oscilando: quando há um resultado positivo é porque teve queda forte demais antes, quando sobe, logo depois “devolve” parte em uma queda mais adiante. São fatores como reposição de estoques que justificam a alta.

Na comparação com janeiro de 2016, há inúmeras boas notícias e até a média móvel trimestral mostrou alta de 0,9%. Isso não salva a indústria nem a faz se levantar do tombo sofrido.

Esse é o período que ficará conhecido como a a grande recessão brasileira, tão autoprovocada quanto a do governo Collor, que derrubou em 4,3% o PIB em 1990 por aquele plano tresloucado de sequestrar os ativos financeiros das famílias e das empresas. Há crises que vêm de fora, mas essa e a do Collor foram feitas aqui mesmo por obra das loucuras dos governantes.

Nesta grande recessão, a maior atingida foi a indústria. Ela começou a cair antes e ficou em queda por mais tempo. Nada a protege contra recuos futuros. O que ficou provado é que não adiantaram os inúmeros benefícios dados a alguns setores. O país ficou mais endividado e com rombos maiores nas contas públicas porque a indústria foi ajudada com desconto de impostos e empréstimos a juros baixos, para os quais o Tesouro vendeu títulos no mercado. A ideia era que se o governo empurrasse o carro pegaria. Não funcionou porque não é assim que funciona.

O que dá certo é melhorar os fatores gerais de competitividade. Investir em logística, simplificar impostos, ter regulação previsível, reduzir os juros estruturais da economia. Há custos que pesam sobre todas as empresas, de todos os setores, e são travas ao crescimento.

Esses fatores que tiram a competitividade, o velho custo Brasil, ficaram ainda mais pesados com a abrupta queda de consumo das famílias, a recessão na qual o país foi jogado. Alguns segmentos haviam tido benefícios tão fortes que acabaram tendo antecipação de consumo, como caminhões. E isso tornou a queda ainda mais pronunciada.

Fora isso, a indústria encolhe no mundo inteiro e reduz sua participação no PIB. É preciso pensar em todos os fatores antes de sair por aí acreditando que há uma solução mágica, uma panaceia para fazer reviver os tempos áureos da indústria.


As reformas da hora - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 09/03

O que você prefere, trabalhar 49 anos e se aposentar aos 65 ou retirar-se aos 50 anos com pensão integral?



É verdade que está cada vez mais difícil colocar um político à esquerda ou à direita. Mas, quando se diz que a francesa Marine Le Pen é de extrema-direita, ninguém estranha. Pois então, ao se lançar oficialmente candidata à Presidência, Le Pen colocou em sua plataforma a redução da idade mínima de aposentadoria.

Já no Brasil, todos os partidos e organizações que se dizem de esquerda estão em campanha contra a “reforma direitista e golpista” do governo Temer que pretende aumentar a idade de aposentadoria para 65 anos.

E aí, quem está mesmo à esquerda ou à direita?

Nem tentem responder. Não será por aí que se classificarão as forças políticas. Essas reformas, que visam a equilibrar o gasto público e dar mais dinamismo à economia — a capitalista, claro —, dependem de visão de longo prazo e de líderes capazes de criar ou de aproveitar a oportunidade histórica de fazê-las.

Não é fácil liderar essas mudanças que só produzem efeitos a longo prazo. Pensando no imediato, não há dúvida: o que você prefere, trabalhar 49 anos e se aposentar aos 65 ou retirar-se aos 50 anos com pensão integral?

Para os trabalhadores que já estão no mercado há algum tempo, a coisa é ainda mais delicada. O cidadão achava que ia se aposentar em cinco anos e vai ter que encarar mais dez.

É por isso que essas mudanças em geral ocorrem quando o país está em crise, e as pessoas entendem que, bem, do jeito que está não dá para ficar. Ainda assim, é preciso que uma liderança saiba aproveitar a oportunidade.

Na edição em que trata da eleição francesa, a revista “The Economist” fez uma comparação exemplar. Em 2002, registrou, Alemanha e França tinham renda per capita equivalente. Naquele ano, o esquerdista Gerhard Schröder, do Partido Social Democrata, iniciou um programa de reformas de modo a recuperar a ameaçada competitividade da economia alemã. Na França, Jacques Chirac, da direita, falou em reformas, mas recuou diante das dificuldades políticas.

Hoje, o poder de compra dos alemães é 17% superior ao dos franceses. Os custos trabalhistas caíram na Alemanha e subiram na França. Assim, o desemprego, que era parecido nos dois países, caiu para 4% na Alemanha e permaneceu nos 10% na França, sendo de 25% entre os jovens de menos de 25 anos.

Chirac não fez as reformas porque cedeu à pressão da esquerda, dos sindicatos e dos populistas, para sustentar a “proteção e os direitos sociais dos trabalhadores”. Resultado concreto, 15 anos depois, observa “The Economist”: uma geração de jovens franceses cresceu à margem do famosamente protegido mercado de trabalho nacional.

Não há no Brasil de hoje uma liderança sequer parecida com a de Schröder dos anos 2000. Não apenas ele entendeu a necessidade das reformas como convenceu seu partido, alguns sindicatos, tradicionalmente ligados à social-democracia, e os eleitores.

Fernando Henrique Cardoso foi um líder assim nos anos 90. Vindo da esquerda, emplacou um programa de reformas liberais que mudou a cara do país e criou bases para o crescimento.

Mas, reparem: Schröder perdeu as eleições seguintes, e Lula ganhou atacando o “neoliberalismo” de FHC.

Hoje, se não temos um outro FHC, temos uma situação econômica tão ruim que cria a oportunidade para as reformas. Aliás, essas reformas necessárias hoje são, no essencial, as mesmas da era FHC e do primeiro mandato de Lula e que foram destruídas pelo próprio Lula e, especialmente, por Dilma. Trata-se de refazer o ajuste das contas públicas (com o teto de gastos, a reforma da Previdência e a recuperação fiscal dos Estados); dar mais competitividade ao ambiente de negócios (mudanças na lei trabalhista, terceirização e simplificação tributária) e trazer mais capital privado, com as privatizações.

O presidente Temer e o ministro Meirelles têm procurado aproveitar a circunstância. Seu discurso: ou saem as reformas já ou o país não retoma o crescimento e quebra mais à frente, quando o ajuste será feito da pior maneira possível.

É o que têm de fazer. O problema é a crise da representação política. Mas, de todo modo, há um ponto interessante: Temer só salva seu governo se fizer as reformas. Precisa convencer disso os outros políticos.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista