1. Como é triste a luta contra a ordem natural das coisas. Na França, sempre que uma modelo aparece em imagem comercial que tenha sido alterada digitalmente, esse abuso deve ser confessado na própria imagem. "Photographie retouchée", "fotografia retocada", eis a expressão para lutar contra a "ditadura da beleza".
Para as autoridades, as mulheres "normais" vivem oprimidas por ideais de beleza inatingíveis. O sofrimento físico e psicológico que isso provoca –distúrbios alimentares, ansiedade, depressão– exige medidas severas.
Dito e feito: se as francesas puderem ver uma Marion Cotillard sem Photoshop, dormirão descansadas depois de se confrontarem com a imagem de um ogro. "Vejam só como ela é grotesca!", dirá o bagulho redimido, com os olhos vidrados de asco.
Não tenciono perturbar as fantasias dos simples. Muito menos lembrar que essa exigência legal, com multas até R$ 140 mil, é de um paternalismo arrepiante para as mulheres. Prefiro contar uma história –a minha.
Sou colunista há 20 anos; faço televisão há praticamente metade. Isso levou-me a observar, e em certos casos a conhecer, fauna midiática diversa. Modelos, jornalistas, atores. Conclusão?
Existe a ideia difundida de que, sem maquiagem ou truques digitais, os belos não seriam tão belos. Eles mentem –e merecem ser denunciados como os falsários que são.
Não se iluda, leitor ou leitora. Ainda não conheci um só exemplar que comprove a esperança dos ressentidos. Em pessoa, os belos são quase sempre mais belos do que aquilo que aparentam. Em muitos casos, o excesso de maquiagem ou de Photoshop só estraga ou atrapalha.
A delirante medida francesa, tratando as mulheres como crianças, é uma expressão do "espírito do tempo": da ideia paranoica de que "nada é natural", tudo é uma "construção" (social ou, no caso, digital).
Na raiz dessa ideia está a mesma recusa em aceitar a inevitável injustiça da vida: a constatação melancólica de que existe alguém mais belo, mais inteligente, mais rico ou mais talentoso do que nós.
Eu, se fosse publicitário em Paris, começaria a produzir imagens comerciais com modelos "au naturel". Ou talvez não. Se o mundo descobrisse que a beleza existe mesmo, o mais certo era ilegalizá-la. Ou, no mínimo, criar cotas para a feiura.
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2. Almoço quase sempre sozinho. Escolha pessoal. Gosto de fazer uma pausa no dia para revisitar, em sossego, a minha mobília mental.
Hoje, porém, o cardápio foi outro: na mesa do lado, uma mãe conversava com o filho como se fosse da idade do filho.
Sim, eu sei: é comum nos adultos de meia-idade a tentação humana, demasiado humana, de negarem a idade. Nos homens, então, a coisa atinge proporções de farsa.
E, se existem filhos adolescentes, com namoradas adolescentes, pior ainda: eles vestem-se como os filhos, querem ser amigos dos mesmos amigos, seguir as mesmas "tendências", partilhar os mesmos gostos e desgostos. Com sorte, quem sabe, ainda ficam com as sobras sentimentais.
Mas a neurose da idade não é apenas uma questão de vestuário. Também é de vocabulário. A mãe, para criar uma ilusão de "juventude" e "cumplicidade", partilhava com o filho as suas primeiras experiências sexuais. Com linguagem e pormenores de fazerem corar o marquês de Sade.
O rapaz, que teria uns 16 anos, escutava tudo com o olhar baixo e envergonhado. A mãe, sem entender aquela "timidez", aconselhava mais "espírito de aventura".
Sem efeito. Quando o filho percebeu que eu percebia o que a mãe não percebia, seu pensamento de náufrago foi audível para mim: "Por favor, que se abra um buraco no chão e que eu possa desaparecer dentro dele".
No fim, a mãe pagou a conta e, orgulhosa da sua "modernidade", saiu do restaurante com a esperança de que o filho, tratado como um "voyeur", jamais a irá abandonar. Sobretudo quando a velhice se tornar inapagável.
Pobre mulher. Parafraseando a célebre máxima, todos os filhos acabam por matar aquilo que amam. Um processo que dá pelo nome de maturidade.
Aos pais está reservado um papel mais modesto –e mais importante: entregar os filhos à vida, mas mantendo a dignidade.