terça-feira, janeiro 31, 2017

O império da lei - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 31/01

O que mudou profundamente no Brasil nos últimos anos foi o que trouxe Eike Batista de volta e fez os dois doleiros de Sérgio Cabral revelarem o caminho que fizeram para esconder o dinheiro ilícito do ex-governador. Foi também o que levou a Odebrecht da postura agressiva e acusadora para a delação coletiva. O que mudou foi o poder que as instituições têm de fazer com que a lei seja cumprida.

O conceito é complexo. Não é apenas a lei, é a lei para todos, é a força que ela tem e o respeito que ela provoca. A palavra inglesa enforcement tem esse conceito, que era difícil traduzir antes. Chegou lentamente aqui e foi se fortalecendo.

Quando a Lava-Jato começou parecia ser coisa de um juiz só e de um grupo de policiais federais e de procuradores de Curitiba. Era como se fosse localizado. A República de Curitiba. Ontem, o empresário que já foi a sétima maior fortuna do mundo, que tem também passaporte alemão, voltou ao Brasil obedecendo à ordem de um juiz do Rio.

Em Brasília, outro lance dramático dessa história revelou que por mais importante que seja uma pessoa, as instituições são ainda maiores. A morte do ministro Teori Zavascki foi um golpe, por todas as razões que se conhece, mas não interrompeu os trabalhos da maior delação da Lava-Jato. Ontem, a ministra Cármen Lúcia, usando as prerrogativas de plantonista do Supremo, homologou as delações dos 77 acionistas e ex-executivos da Odebrecht. Elas passam a ter validade jurídica. Teori tinha, entre as suas qualidades, grande capacidade de trabalho, tanto que, dos 10 processos que seriam analisados na primeira semana de volta do recesso, oito eram dele. Mesmo assim, ele não trabalhava sozinho. Tinha três juízes auxiliares e a equipe. Eles puderam tomar a sequência final dos depoimentos dos delatores da empreiteira.

A Lava-Jato já é o maior ponto de virada da sociedade brasileira. São, segundo contagem do site "Jota", 250 denunciados, 54 ações penais, 82 condenados a mais de mil anos de prisão. E isso deve subir substancialmente com as delações da Odebrecht. O que era um caso em Curitiba já teve sequência. O que está acontecendo no Rio é a etapa "Eficiência" da Operação Calicute, que é um desdobramento da Lava-Jato. Em outros estados, podem surgir galhos assim, da mesma árvore.

Em declarações ao correspondente deste jornal Henrique Gomes Batista, o empresário Eike Batista falou que a Lava-Jato ajudará a inspirar confiança no Brasil. É exatamente isso. Agora é a travessia em meio a uma enorme crise, mas o que o país está construindo é a força de instituições do combate à corrupção. E isso levará, como tenho dito neste espaço, a uma economia mais saudável.

A Lava-Jato não ameaça a economia, ela a restaura. A corrupção distorce completamente o jogo econômico, a competição, a viabilidade dos negócios. Há ideias que não se sustentariam se não fosse o apadrinhamento excessivo pelo Estado. Eike é um empreendedor, mas em muitos dos seus negócios as bases eram frágeis, e ele se alavancava nesse ambiente de proximidade excessiva com os governantes. Não é por isso que foi para a prisão, mas todo o caso Eike, do seu apogeu à ruína de muitas empresas, em grande parte se explica pelas relações íntimas com os políticos. O que o levou para a prisão foi o dinheiro dado por ele ao ex-governador do Rio. Mas pode haver mais. Recentemente, ele contou parte do que sabe, quando disse que o exministro Guido Mantega pediu a ele dinheiro para pagar contas de campanha da ex-presidente Dilma. E ele o fez através de transferência para os marqueteiros João Santana e Mônica Moura. Eike achou que se contasse uma parte do que fez poderia se safar. Hoje já sabe que há outros caminhos pelos quais a Justiça brasileira consegue se informar.

Foi porque se sentiram encurralados que Eike decidiu voltar, os doleiros Renato e Marcelo Hasson Chebar decidiram quebrar a própria banca e falar, a maior empreiteira do país decidiu pagar bilhões e arregimentar suas sete dezenas de delatores. Foi esse mesmo sentimento que levou o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado a romper vetustas lealdades e contar o que sabia. Caminho que tomou também Delcídio Amaral. É mais difícil hoje escapar da lei.


sábado, janeiro 28, 2017

Na cultura sindical brasileira, ama-se o emprego e odeia-se quem os cria - RONALDO CAIADO

FOLHA DE SP - 28/01

Em medicina, a diferença entre o veneno e o remédio é a dosagem. Medicação em excesso, em vez de curar, mata. É o que, por analogia, ocorre no Brasil, no campo das relações do trabalho, em que a mais que septuagenária CLT (de 1943) tornou-se, em vez de garantia, obstáculo à expansão do emprego.

Contratar um empregado, em meio ao cipoal de regulações e leis protecionistas –e que protegem apenas um dos lados–, intimida o empregador, pelo custo adicional que lhe impõem impostos e benefícios legais. Um empregado, em regra, custa à empresa mais que o dobro do que efetivamente receberá. E não é só.

A CLT chega ao requinte de, no parágrafo 1º, do artigo 477, invalidar a homologação de um pedido de demissão, ainda que as partes estejam de pleno acordo, se não houver a anuência do sindicato, investido sempre de autoridade arbitral absoluta.

Como se não bastasse, a jurisprudência já admite o "recurso de revista", em que, mesmo depois de homologado, o acordo pode ser anulado.

Numa crise com 14 milhões de desempregados, a legislação a agrava, ao dificultar –ou mesmo impedir– a busca de soluções, anomalia que tem a chancela sindical.

E foi essa cultura esquerdista/sindicalista que consagrou entre nós um paradoxo: ama-se o emprego, mas odeia-se –e criminaliza-se– quem os cria, o empresário.

Há no Brasil, segundo o Ministério do Trabalho, nada menos que 11.257 sindicatos de trabalhadores, além de federações, confederações e centrais, todos sustentados pelo imposto sindical, pago inclusive pelos não sindicalizados.

O PT estimulou essa expansão, o que resultou em bizarrices tais como o Sindicato dos Empregados em Entidades Sindicais (SP) –o sindicato dos sindicalistas–, sem falar em outro das Indústrias de Camisas para Homens e Roupas Brancas de Confecção e Chapéus de Senhoras (RJ).

Em 2016, os sindicatos receberam R$ 3,6 bilhões; só as centrais sindicais, de 2008 a 2015, R$ 1 bilhão. E com um detalhe: as centrais, em face da lei 11.648, sancionada por Lula, não precisam prestar contas ao TCU do que fazem com esse dinheiro. Lula vetou exatamente o artigo da prestação de contas.

Sindicatos se expandiram, e os empregos se contraíram. Para agravar, houve uma inédita migração de empresas brasileiras para países vizinhos, sobretudo o Paraguai, onde a burocracia e o anacronismo da legislação não imperam.

Hoje, as empresas brasileiras respondem por dois terços da economia paraguaia, que, em três anos, ganhou 78 indústrias e 11 mil empregos diretos. Ou seja, estamos exportando empregos.

De acordo com a Associação Brasileira de Indústria Têxtil, as peças feitas no Paraguai, em 2015, já representavam mais de 2% das vendas no Brasil.

Por aí, se vê o que resulta do excesso de protecionismo estatal, sindical e legal. É o chamado tiro pela culatra. E aqui cito Roberto Campos: "Quanto mais regulamentos para os regulados, mais emolumentos para os reguladores...".

Esses dados evidenciam que, além da reforma trabalhista, impõe-se a do próprio Estado.

A aprovação da PEC dos gastos públicos foi um pálido começo. Demandas essenciais –saúde, educação e segurança– terão de ser atendidas a partir de cortes em despesas desnecessárias. Como a derrama sindical. Ou a renúncia fiscal –R$ 11,3 bilhões, em dez anos– decorrente da Lei Rouanet, beneficiando popstars e negligenciando museus e patrimônio histórico.

Gastou-se muito –e mal. A única vantagem da crise é que expôs o tumor, que precisa ser extirpado.

Esse é o legado do PT, acrescido da roubalheira desenfreada, que constitui o maior caso de corrupção da história da humanidade.

Ideologia no MP do Trabalho - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 28/01

MPT apresenta, como se estivesse cumprindo suas competências institucionais, um parecer de conteúdo essencialmente político, como se fosse uma entidade de classe



O recente estudo do Ministério Público do Trabalho (MPT), que afirma ser inconstitucional a reforma trabalhista defendida pelo governo federal, é uma clara demonstração de que não basta mudar a legislação trabalhista. Além de atualizar as normas jurídicas, é preciso rever o modo como habitualmente se interpretam as leis trabalhistas no País. O viés ideológico é tão descarado que o MPT – órgão pertencente ao Ministério Público da União – apresenta, como se estivesse cumprindo suas competências institucionais, um parecer de conteúdo essencialmente político, como se fosse uma entidade de classe.

Segundo os procuradores do MPT, “as alterações (atualmente em debate no Congresso) contrariam a Constituição Federal e as convenções internacionais firmadas pelo Brasil, geram insegurança jurídica, têm impacto negativo na geração de empregos e fragilizam o mercado interno”. Ao final, pedem a rejeição por completo do Projeto de Lei (PL) 6.787/2016, que, entre outras propostas, estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado, e do Projeto de Lei do Senado 218/2016, que institui o chamado contrato de trabalho intermitente, com carga horária flexível. Os procuradores também sugerem alterações na redação do PL 30/2015, que trata dos contratos de terceirização e das relações de trabalho daí decorrentes, e do PL 4.302-C/1998, que dispõe, entre outras matérias, sobre contratos temporários de trabalho.

Na opinião do MPT, a Constituição de 1988 impediria que alguma nova lei dê mais liberdade de negociação ao trabalhador do que a atualmente prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Também acha que a proibição da terceirização da chamada atividade-fim deve ser um dogma jurídico, não cabendo ao Congresso Nacional promover alterações nesse âmbito. É uma visão, no mínimo, peculiar, que aprisiona o ordenamento jurídico a uma determinada época, impedindo que o Direito cumpra sua função de regular adequadamente as relações sociais no tempo presente.

A atuação política do MPT não se resume ao estudo contrário às reformas trabalhistas. No mesmo dia em que apresentaram o parecer, procuradores reuniram-se com algumas centrais sindicais, associações e entidades – entre elas a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) – para a assinatura da chamada <CF742>Carta em defesa dos direitos sociais</CF> e a criação do Fórum Interinstitucional de Defesa do Direito do Trabalho e da Previdência Social, com o objetivo de “promover a articulação social em torno das propostas legislativas sobre a reforma trabalhista”.

Segundo o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, “o intuito não é qualquer atuação político-partidária, mas, sim, a atuação da defesa dos direitos sociais e a atuação na defesa dos direitos dos trabalhadores”. Aí está justamente o perigo. Tão impregnada de uma determinada ideologia política, a Justiça do Trabalho parece incapaz de perceber que sua atuação extrapola com folga a esfera jurídica e se aloja num âmbito que deveria estar reservado à política.

Com essa limitação ideológica, os procuradores do Trabalho não conseguem vislumbrar o manifesto desajuste no modo como o Estado regula as relações de trabalho e o entrave daí decorrente ao desenvolvimento econômico e social do País. Trata-se de um equívoco partir do pressuposto de que todo trabalhador é vítima indefesa do capital e, portanto, seus direitos necessitariam de uma forte intervenção do Estado. Tal raciocínio – amplamente difundido na Justiça do Trabalho – não é jurídico. É simples manifestação de uma determinada ideologia, que, por sinal, se ajusta com perfeição aos interesses corporativistas da Justiça do Trabalho, com a intransigente – e muitas vezes irracional – defesa de sua relevância e necessidade.

O País não pode ficar refém desse tipo de mentalidade. Além de não proteger o cidadão, o paternalismo da Justiça do Trabalho implodiu qualquer segurança jurídica e estimulou a indústria de reclamações trabalhistas. É mais que hora de rever as leis e o modo como elas são interpretadas.

Questão delicada - MERVAL PEREIRA

O Globo - 28/01

O novo relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), em substituição ao falecido ministro Teori Zavascki e que deve ser conhecido nos próximos dias, vai ter uma questão delicada pela frente: a possibilidade de o presidente da República, Michel Temer, vir a ser investigado devido à citação de algum dos executivos da Odebrecht.

Voltará a discussão, que aconteceu ainda no governo Dilma, sobre se o presidente da República pode ser investigado por fatos ocorridos fora do mandato presidencial, já que não há dúvida de que só pode ser processado por fatos que tenham relação com a função presidencial que exerce.

A principal proteção, razão pela qual o procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, já recusou investigar Dilma no início da Operação Lava-Jato, é a chamada “relativa e temporária irresponsabilidade” pela prática de atos estranhos ao exercício de suas funções, como está previsto no art. 86, § 4º da Constituição.

Nesse caso, há uma discussão teórica sobre se a proibição de o presidente ser “responsabilizado” por atos estranhos a seu mandato inclui a investigação do crime. Há juízes que consideram que o presidente não pode ser condenado no exercício do cargo, mas pode ser investigado.

Outros afirmam que a proteção à figura do presidente da República existe em diversos países para impedir que uma eventual investigação que o considere culpado produza uma crise institucional. O ministro Teori Zavascki acatou essa tese, apoiando Janot.

O procurador-geral insiste em que a jurisprudência do STF diz que o presidente não pode ser nem mesmo investigado, no que é contestado por vários ministros, como Gilmar Mendes, que na ocasião do debate garantiu que já existe jurisprudência no Supremo permitindo a investigação.

Ele se referia a um acórdão do ministro Celso de Mello, na época em que Fernando Collor era presidente da República, em que dizia o seguinte: não pode ser processado, a não ser por atos praticados durante seu mandato. No caso, o fato delituoso denunciado à época pelo PT teria sido praticado quando ele era mero candidato, incidindo a favor dele a imunidade penal temporária.

A decisão do plenário foi unânime, acatando o voto de Celso de Mello. Mas ele advertia: isso não impede que o presidente seja investigado, mesmo porque muitas vezes a prova se dilui com o passar do tempo, testemunhas morrem, documentos são destruídos.

Essa regra surgiu pela primeira vez no Brasil durante o regime do Estado Novo de Getulio Vargas na Carta Autocrática de 1937. As demais constituições republicanas jamais contemplaram a imunidade penal temporária, de tal modo que sob todas as outras constituições, o presidente da República poderia ser processado até por fatos estranhos ao desempenho do mandato presidencial.

A Constituição de 1988 trouxe de volta esse dispositivo que é compatível com a lógica autoritária do Estado Novo, inspirado por sua vez no Estado Novo português de 1933, quando já surgia na política de Portugal a figura dominante de Salazar. No entanto, outras constituições de outros Estados democráticos também conferem ao chefe de Estado essa imunidade. Na França, só é permitido que se instaure processe criminal contra o presidente da República na hipótese de crime de traição.

Essa questão certamente voltará a ser debatida durante a análise das delações premiadas dos executivos da Odebrecht. Com o novo relator, vamos retomar essa discussão, pois já foi revelado que seu nome aparece no acordo de delação de Cláudio Melo Filho, ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht.

Segundo Melo Filho, parte de R$ 10 milhões repassados ao PMDB para a campanha de 2014 foi entregue no escritório de José Yunes em São Paulo, um dos assessores mais ligados a Temer, que pediu demissão de suas funções no Palácio do Planalto devido a essa citação.

Como, no entanto, o Ministério Público é o senhor da ação penal, a iniciativa normalmente deve caber a ele, e se a posição do procurador-geral, Rodrigo Janot, não mudar, dificilmente vai haver um pedido de investigação. Mas nada impede que a questão seja debatida, aumentando o incômodo de uma eventual delação que atinja o presidente Michel Temer.

LULA FALA COM TEMER, FH E MAIA - COLUNA DO MORENO

O Globo - 28/01

JORGE BASTOS MORENO 



Nem o forte radicalismo político que assola o país conseguiu destruir uma das coisas mais belas da política: a solidariedade entre adversários na hora da dor. Lula, um dos que mais cultivou essa virtude, durante sua extensa vida pública, está recebendo neste momento grave da doença da sua mulher, dona Marisa Letícia, o conforto de adversários que não pensava reencontrar tão cedo na vida, como é o caso do presidente Michel Temer, um dos primeiros a lhe telefonar para saber sobre o estado de saúde da dona Marisa.

Na fila dessa corrente de solidariedade ao ex-presidente estava o ex-presidente Fernando Henrique, que fora confortado pessoalmente por Lula na morte da sua mulher, dona Ruth Cardoso.

Depois, foi a vez de outro adversário, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Lula contou ao deputado do DEM sobre o procedimento a que estava sendo submetida dona Marisa e disse que estava rezando pela mulher.

Não faz bem
É uma agressão à inteligência de qualquer um a versão de que Temer saiu da sua casa para a casa de Renan para discutirem perfil e não nomes dos candidatos à vaga no Supremo. Renan defende o nome de Bruno Dantas para o lugar de Teori Zavascki.

Temer, como presidente da República, tem o direito e até dever de conversar com todo mundo. O que espanta não é ele conversar com o presidente do Senado, mas discutir a sucessão na Suprema Corte justamente com um réu, alvo de mais de nove investigações autorizadas pelo STF.

Dança de nomes
Na verdade, não é apenas Renan, outros políticos da base também têm sugerido nomes. Mas o maior lobby, reconhece o Planalto, vem do próprio STF. A exemplo dos políticos, cada ministro tem um nome diferente para a vaga de Teori Zavascki.

Sem toga na língua
A gente pensa que só políticos, artistas e jornalistas é que falam mal, entre si, dos seus colegas.

Veja este diálogo entre dos ministros da 2ª Turma do Supremo:

— Você leu o artigo de Fulano sobre o Teori? — Li e reli. — Gostou tanto assim? — Não! É que, na primeira leitura, não acreditei no que estava escrito. — Por quê? — Ele tentou fazer um necrológio do morto. Mas, como é muito autorreferente, acabou fazendo um autonecrológio, antecipado.

Bem na fita
O presidente Temer jantou ontem à noite com FH, em São Paulo.

O que foi conversado nesse encontro só saberemos na oitava publicação dos “book rosa” de FH, aqueles nos quais só ele se sai bem e o interlocutor muito mal.

Ufa!
Por falar em Temer, o presidente, cinco meses depois de efetivado no cargo, resolveu mudar na semana que vem para o Palácio da Alvorada.

Sabido

O presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Jorge Picciani (PMDB-RJ), não queria ir à coletiva em que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o governador Luiz Fernando Pezão anunciaram o acordo de ajuda financeira ao Rio de Janeiro.

Depois de muita pressão da equipe econômica e de um pedido direto de Temer, Picciani cedeu. O presidente da Alerj não queria ter que admitir em pleno Palácio do Planalto que as medidas do acordo vão enfrentar fortes dificuldades para serem aprovadas pelo Legislativo. Mas respirou aliviado porque não recebeu sequer uma pergunta dos jornalistas.

Na terra e na água
Marcelo Crivella decidiu criar linhas de transporte aquaviário nas lagoas da Barra e do Recreio para fazer integração do metrô.

Normas
O BC fez um limpa em regras obsoletas e modernizou outras normas como a que limitou o crédito rotativo do cartão nesta semana.

Entre as mudanças, está a nova regra de evitar os gerúndios nos documentos oficiais.

Mãe Dinah
Se o governo não atrapalhar, Rodrigo Maia poderá ser reeleito na próxima semana presidente da Câmara.

Operação tartaruga
O colunista entra de férias e só volta em março, quando espera que Temer já tenha escolhido o sucessor de Teori Zavascki no STF.

Ilusões desfeitas - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 28/01


Expedido pela Justiça Federal no Rio de Janeiro, o mandado de prisão do empresário Eike Batista constitui mais um sinal de que as iniciativas de combate à corrupção não se limitam à chamada República de Curitiba.

Ramificando-se a partir da Operação Lava Jato, as investigações incidiram sobre as atividades do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), preso desde novembro de 2016, e agora sobre Eike.

Diferentemente de outras figuras atingidas pela Lava Jato, não foi com uma empreiteira, mas com atividades na mineração, que o empresário se tornou conhecido.

O apogeu de sua carreira nos negócios coincidiu com o surto de otimismo que acompanhou o boom internacional das commodities e os anos de bonança vividos pelo governo Lula. Em 2012, o empresário era considerado a sétima pessoa mais rica do mundo.

Foi rápida a derrocada de seu império, cuja construção, como não é raro acontecer no Brasil, veio cercada de projeções imaginárias e comemorações prematuras. É como se, de tempos em tempos, fosse necessário atribuir a algum grande herói empresarial —e não à multiplicidade dos esforços de muitos empreendedores— o papel de símbolo da passagem do país ao clube das potências mundiais.

É comum, e não só por aqui, que conglomerados econômicos visem a exercer influência sobre o Legislativo e os contratos estatais. O que se desvenda no Brasil, contudo, é o desequilíbrio entre a dimensão dos negócios privados e o estágio arcaico das instituições públicas.

As barras de ouro e as joias apreendidas pela polícia entre os bens clandestinos do ex-governador Sérgio Cabral, os quais totalizam R$ 270 milhões, talvez exemplifiquem com clareza esse descompasso.

Contratos gigantescos, envolvendo empresas de porte mundial, passam pelo gargalo de políticos primitivos e paroquiais.

Favores concedidos a Cabral, como constantes viagens num jatinho, nutrem as suspeitas que agora pesam sobre Eike Batista. Faltando ainda muito a investigar, e sem dúvida não pouco a esperar de uma eventual delação premiada, cabe relembrar a questão que prisões desse tipo suscitam.

Haveria de fato "periculosidade", para usar o termo do mandado, nas ações atuais de um empresário já sem crédito e, ao que tudo indica, destituído da influência de que antes desfrutava? A prisão preventiva se dá num clima de euforia judicial que, talvez, repita a euforia empresarial de anos atrás.

Que as investigações prossigam, de modo a dirimir, quanto antes, as eventuais distorções que o momento atual, como no passado, pode impor aos olhos da sociedade.

Campeão da roubalheira - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 28/01

O esquema de corrupção comandado por Sergio Cabral é simplesmente fantástico



A história da República registra proezas de cleptocratas extremamente proficientes na arte de meter a mão nos cofres públicos – que o diga a São Paulo dos tempos do ademarismo e do malufismo. O que talvez não se esperasse é que sobre os protagonistas daquelas épocas reinasse agora, impávido, um fantástico “campeão nacional” da roubalheira, cujas proezas levaram à falência todo um Estado da Federação, o Rio de Janeiro: o hoje encarcerado ex-governador Sergio Cabral, em seus melhores dias amigo do peito dos presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff.

De acordo com o que foi até agora apurado pela força-tarefa da Lava Jato no âmbito da Operação Eficiência, o esquema de corrupção comandado por Cabral é simplesmente fantástico: pelo menos US$ 100 milhões foram encontrados em contas no exterior ligadas ao grupo criminoso, dos quais cerca de US$ 80 milhões pertenceriam ao ex-governador, dono também de US$ 1,8 milhão em diamantes que serão igualmente repatriados. Assim mesmo, segundo revelaram procuradores e delegados da operação, “o patrimônio da organização criminosa comandada por Cabral é um oceano não completamente mapeado”. Para o Ministério Público, “as cifras são indubitavelmente astronômicas” e “esses US$ 100 milhões são apenas uma parte do dinheiro do esquema”.

O jornal O Globo revela que Sergio Cabral, em 25 anos de carreira política, fez seu patrimônio crescer gradativamente, sempre por conta de recursos de origem suspeita. Como deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa fluminense, entre 1991 e 2002, inicialmente filiado ao PSDB e depois ao PMDB, Cabral acumulou um patrimônio de US$ 2 milhões em contas no exterior. Como senador, de 2003 a 2006, seu patrimônio não declarado fora do País já era de US$ 7 milhões. Como governador, de 2007 a 2014, a movimentação de suas contas secretas no exterior foi de US$ 152 milhões, o que equivale a inacreditáveis US$ 18,1 milhões por ano de governo. Dinheiro que financiou um alto padrão de vida não apenas para Sergio Cabral e família, mas também para parentes próximos, como um irmão, a ex-mulher e toda uma quadrilha que se encarregava da captação e distribuição dos recursos de origem escusa depositados em 12 contas no exterior.

Essas novas descobertas foram feitas pela Operação Eficiência – e, mais uma vez, não se trata de coincidência – a partir de investigações que tinham como objeto o empresário Eike Batista, que, conforme já havia sido anteriormente descoberto, teria pagado a Cabral propina de US$ 16,6 milhões por “favores” diversos. Por ironia, as novas revelações sobre o ex-governador fluminense vêm a público simultaneamente com aquelas relativas ao empresário, que cinco anos atrás, surfando nas prerrogativas de “campeão nacional” do empreendedorismo a que fora elevado pelo lulopetismo, foi apontado pela revista Forbes como o sétimo homem de negócios mais rico do mundo. Só o BNDES contribuiu com US$ 6 bilhões para os planos mirabolantes de Eike Batista que se revelaram inexequíveis e o acabaram levando à falência.

A prisão de Sergio Cabral e seu bando não chega a ser um consolo para a população do Estado do Rio de Janeiro, que não consegue honrar suas contas, nem mesmo a obrigação elementar de pagar em dia seus milhares de funcionários. Mas, se essa desgraça pode ser atribuída, em boa parte, à corrupção deslavada de quem governou o Estado por mais de sete anos, o conjunto da obra é responsabilidade de um poder central que anos a fio vendeu ao País a ilusão da Pátria Grande lastreada na gastança irresponsável que alimentou programas sociais, necessários, mas insustentáveis, e a ilusão de importantes empreendimentos privados reservados para “campeões nacionais” politicamente escolhidos e descuidadosamente financiados por abundantes recursos públicos.

Essa foi uma experiência dispendiosa e frustrada da qual Eike Batista e seu império de fachada são um triste exemplo. Assim, o título de “campeão nacional”, que o lulopetismo não conseguiu garantir para empreendedores amigos de Lula e Dilma, é ironicamente ostentado agora – finalmente por direito de conquista – por um político corrupto que privava da intimidade do gabinete presidencial.

quarta-feira, janeiro 18, 2017

É mais doloroso arrumar a casa quando o BC descuida da inflação - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 18/01

Houve muita discussão sobre a eficácia da política monetária para reduzir a inflação. Segundo o argumento geográfico, que defende que as relações vigentes no hemisfério Norte se invertem ao cruzar a linha do Equador, não faltou quem afirmasse que a elevação da taxa de juros não resultaria em inflação mais baixa.

Uma busca rápida pelo Google revela dezenas de comentários nessa linha, incluindo um Prêmio Nobel em Economia, Joseph Stiglitz, que não perde a chance de falar sobre assuntos que pouco domina.

Apesar disso, a inflação caiu quase 4,5 pontos percentuais. É verdade que parte da queda reflete a desaceleração dos preços administrados, que subiram 6,6% em 2016, ante 18,5% no ano anterior.

Como já notado por Samuel Pessôa, isso colaborou para uma redução de três pontos percentuais no IPCA. Houve, contudo, também queda de dois pontos na chamada inflação de preços livres, de 8,5% em 2015 para 6,5% em 2016.

Da mesma forma, a média dos "núcleos" de inflação (menos sensíveis a aumentos de preços localizados e não persistentes) recuou de 8,5% para 6,3% no período.

Por fim, em que pesem as dificuldades de comparar o comportamento do núcleo de inflação em meses diferentes, nossa análise dos números "limpos" dos efeitos sazonais sugere queda expressiva da inflação, de 7% a 8% ao ano, durante a maior parte de 2016, para 4% a 5% anuais nos últimos meses do ano.

É, porém, fato que a queda foi demorada e custosa em termos de atividade. Em parte, creio, porque nenhuma pessoa minimamente informada acreditava na capacidade da administração Dilma de avançar no campo da reforma fiscal.

Não que tenhamos 100% de certeza disso hoje, mas são inegáveis as melhoras nessa frente com a aprovação do teto para a despesa federal, bem como a proposta de reforma previdenciária. Não faltam obstáculos, mas a paralisia política ficou para trás.

Em segundo lugar porque o histórico da diretoria anterior do Banco Central era lastimável. Alexandre Pombini não atingiu a meta em nenhum ano de sua administração, registrando inflação média superior a 7% ao ano em seu mandarinato no BC.

Não apenas deu mostras de que em nenhum momento buscou a meta de 4,5%, contentando-se com o limite do intervalo de tolerância, como tipicamente reagiu lentamente à aceleração inflacionária.

Sua condução desastrada da política monetária contribuiu assim para desancorar as expectativas de inflação, assim como para fazer com que a inflação passada ganhasse maior peso na formação das expectativas. Esses dois desenvolvimentos aumentaram a inércia inflacionária e, por consequência, o custo da desinflação.

É revelador, portanto, que as expectativas de inflação só tenham começado a se mover em direção à meta com a substituição da antiga diretoria por outra que conseguiu convencer a sociedade, por atos, não conversa, acerca de seu compromisso com a convergência da inflação.

As lições que ficam deveriam ser óbvias, mas são sempre negligenciadas.

A política monetária é eficaz para reduzir a inflação, desde que apoiada pela perspectiva de uma política fiscal responsável.

Adicionalmente, o Banco Central não pode se curvar às pressões políticas e descuidar da inflação, pois o custo de arrumar a casa no futuro se torna muito maior, como aprendemos (ou não!) do jeito mais doloroso possível.

Para não virar Colômbia - MERVAL PEREIRA

O Globo - 18/01

As Forças Armadas vão fazer uma operação limpeza nos presídios, utilizando toda a tecnologia mais moderna, e ao lado disso o governo federal vai financiar os estados para a aquisição de bloqueadores, raios-X e scanners. Essas varreduras serão realizadas aleatoriamente, nos 12 meses seguintes à requisição do governador.

Para cada autorização haverá um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que dará amparo legal à operação e transferirá totalmente a responsabilidade das ações para as Forças Armadas. As polícias Militares, a Força Nacional, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e as polícias Civis dos estados participarão das operações, mas sob a coordenação das Forças Armadas.

Os militares não lidarão com os presos diretamente, mas com as instalações. O presidente Michel Temer tomou a decisão baseado em sua experiência, quando foi secretário de Segurança em São Paulo logo depois do massacre do Carandiru. Ele relatou a seus ministros que implantou uma sistemática que deu certo: mensalmente, sem avisar, a PM fazia uma varredura minuciosa nos presídios.

Com base nessa experiência, e também achando que havia necessidade do emprego das Forças Armadas, pelo simbolismo, pela força e prestígio que representam, decidiu que era importante essa resposta porque entendia que a questão se transformou em ameaça à segurança nacional.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, concorda com a decisão, a partir da análise da atual conjuntura. Embora o artigo 142 da Constituição, de modo geral, atribua aos estados a responsabilidade pela Segurança Pública, ficando para o governo federal uma atribuição complementar, por meio da Polícia Federal — que cuida da questão de drogas, do contrabando de armas nas fronteiras, dos crimes interestaduais de grande repercussão e dos internacionais —, os estados já não dão conta desse combate.

O crime se nacionalizou, e nenhum governador tem mais condições de fazer o enfrentamento de uma questão nacional, analisa. Problema acrescido da situação fiscal dos estados, que repercute de modo desigual sobre os diversos setores. A Segurança Pública exige despesas elevadas, um contingente numeroso, combustível, carros, equipamentos especiais, e é evidente que a crise financeira fragilizou esse sistema de Segurança, que já não era o necessário. E os bandidos sabem disso e se aproveitam da situação, explicita Jungmann.

O elo mais frágil desse esquema de Segurança muito complexo é o sistema penitenciário. Nele, a rigor, diz o ministro Jungmann, não há demanda da sociedade para investimento, existem demandas em outras áreas numa agenda que é o inverso disso. Hoje, fruto do fato de que a sociedade se sente amedrontada, atemorizada e vulnerável perante o crime, ela não vê na Segurança Pública uma defesa compatível com esse sentimento de fragilidade, e em consequência há um salto regressivo, a sociedade começa a apoiar o “olho por olho, dente por dente”, e isso se reflete nas prioridades dos políticos.

Essa situação fez com que esse processo fosse escalando e se nacionalizasse. Nas análises dos órgãos de inteligência, as gangues estruturadas no Sudeste, no Rio e em São Paulo, se nacionalizaram e até se internacionalizaram. Elas já têm o controle da distribuição das drogas e das armas, e agora buscam o controle da produção. Estão procurando, em termos econômicos, integrar e verticalizar. Hoje tem o PCC e seus associados, e o Comando Vermelho e seus associados, em todo o país, e eles começam a afrontar as instituições.

O ministro Raul Jungmann lembra o ocorrido nas eleições municipais no Maranhão e no Rio Grande do Norte — as gangues ameaçaram até mesmo a realização das eleições, queimando ônibus e escolas que seriam postos de votação. O crime, no seu crescimento, começa a transitar para uma afronta ao sistema democrático, o caminho do Cartel de Medellín.

O governo, segundo Jungmann, tomou uma decisão corajosa para cortar esse caminho “para que não cheguemos ao ponto em que a Colômbia chegou, e agora o México vive”.

Brasil 2017 tem de pegar no tranco - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 18/01

AGORA QUE as taxas de juros começaram a cair de fato e abriram-se, pois, algumas velas antes enroladas, a economia depende dos ventos. Não há gasolina no motor do barco. Vai ter de soprar pelo menos uma brisa.

Trocando em outros miúdos grossos, a economia vai ter de pegar no tranco, com o empurrãozinho que temos. No curto prazo, não há nada mais que o governo possa fazer, dados os limites da política que propôs e a ruína deixada pela administração da antecessora.

O corte da Selic na semana passada levou a taxa de juro real "básica" no mercado para 6% ao ano. No começo de dezembro, ainda estava em cerca de 7%, em torno do qual flutuou em 2016. Pode cair ainda mais, logo.

Nesta terça-feira (17), o Banco Central publicou a exposição de motivos da decisão que levou a Selic de 13,75% para 13% ao ano, na semana passada. Pelo jeitão do comunicado do BC, economistas e o povo que negocia dinheiro passaram a acreditar que a Selic pode cair a 11,5% até abril.

Feitas outras contas, é possível dizer que a taxa de juro real "básica" no mercado baixe para menos de 5% lá por abril. A última vez que rondou tal nível foi no início de 2014.

Vai acontecer? Esqueça-se por um momento de Donald Trump, de outros infortúnios internacionais e da baderna sórdida da política brasileira. Considere-se que os riscos permaneçam na mesma e que não sobrevenham acidentes novos. Assim, os juros vão depender do ritmo de baixa da inflação e do grau de catatonia da economia deste país.

O que podemos dizer sobre o futuro da variação dos preços e da recessão? A julgar pela mediana das previsões dos economistas de consultorias e instituições financeiras, não seria possível dizer grande coisa confiável. Para falar francamente, as estimativas recentes de inflação estavam furadas de modo alarmante.

Até o começo de outubro de 2016, faz três meses, previa-se que o IPCA terminaria o ano passado em 7,23%. Terminou em 6,29%. Se erraram feio o alvo de tão perto, a gente fica tentado a duvidar das previsões para daqui a 12 meses.

Suponha-se que as miras agora estejam mais ajustadas. A queda da taxa de juro real no mercado para 5% ou menos lá por abril afasta as expectativas sombrias de nova regressão do PIB em 2017, caso mais nada dê errado.

O que pode dar errado? Governo tendo que fugir da polícia ou naufrágio nas "reformas".

Por outro lado, pode ser até que consumidores e empresas respondam a inflação e juros mais baixos de modo mais animado do que o padrão registrado nas estatísticas, jogando para cima as possibilidades de crescimento. Não é impossível.

No mais, não tem outro empurrão. A julgar pelo que dizem os bancões, o estoque de crédito não vai crescer neste ano. Se tudo correr bem, as concessões de dinheiro novo começam a aumentar entrado o segundo semestre.

É possível que o governo tenha até de cortar mais investimentos. Não está no horizonte melhora relevante das exportações –ao contrário. O programa de concessões de obras e serviços de infraestrutura para o setor privado está com cara de ficar quase inteiro para 2018, no que teria de efeito prático.

Ameaça à segurança jurídica dos contratos - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 18/01

Liminar em São Paulo ignora contratos de concessão

As grandes manifestações de rua ocorridas no país em meados de 2013 mostraram que parcela expressiva dos brasileiros está insatisfeita com o óbvio: a baixa qualidade dos serviços públicos nas três esferas de poder (União, Estados e municípios). Os protestos começaram por causa de um reajuste de 6,7% na tarifa de ônibus de São Paulo, mas, nos dias seguintes, ganharam corpo, expandiram-se para outras capitais e passaram a tratar de outros temas - entre os quais, educação, segurança, saúde, a gestão do governo daquele momento (de Dilma Rousseff), reforma política, democracia, combate à corrupção.

As reações das autoridades aos protestos trouxeram mais riscos do que soluções aos anseios da população. Prefeitos e governadores, com medo de perder popularidade na mesma velocidade com que o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e a presidente Dilma perderam por causa das manifestações, adotaram uma série de medidas populistas. Cancelaram reajustes de pedágios previstos em contratos de concessão, suspenderam aumentos da passagem de ônibus e até proibiram a correção de tarifas de energia elétrica.

As decisões trouxeram algum alívio político no curto prazo, mas criaram distorções que, no fundo, só contribuíram para piorar a qualidade dos serviços públicos. Na prática, esse tipo de deliberação está longe de ser uma solução porque introduz um desnecessário risco político nas concessões. São deliberações que certamente desestimulam, nos vários segmentos do setor de serviços, investimentos tanto do setor privado quanto do setor público. Quem vai investir num negócio cuja remuneração não segue regras previamente estabelecidas?

Mais recentemente, a Justiça passou a fazer deliberações que ignoram a existência de contratos. Foi assim no caso do reajuste das tarifas de integração da região metropolitana de São Paulo. Nos contratos de concessão firmados entre o governo de São Paulo e empresas de transporte intermunicipal estão previstos reajustes anuais das tarifas. Funciona assim em qualquer contrato de concessão e a razão da existência dessas cláusulas é uma só: o Brasil ainda tem uma inflação muito alta.

Em países com inflação baixa - realidade atual tanto de nações em desenvolvimento quanto das emergentes -, os reajustes dos preços não obedecem a regras de indexação dos contratos à inflação. Se a correção não é automática, todos buscam eficiência para tirar lucro de algum lugar. Outro aspecto relevante é que preços que variam de acordo com o valor de commodities, como o petróleo, mudam de acordo com as cotações internacionais - por aqui, pelo menos isso já está melhorando: na atual gestão, a Petrobras está alterando os preços dos combustíveis com base nas cotações do petróleo.

As tarifas de integração são pagas por passageiros de trem e metrô que usam ônibus da capital paulista. Em São Paulo, um passageiro pode percorrer 340 Km, por meio de seis linhas de metrô e seis de trem, ao custo de R$ 3,80. Se, além disso, subir num ônibus, ele precisa pagar a tarifa de integração. Foi esse preço que subiu. Antes, a tarifa básica, que não foi reajustada, somada à de integração chegava a R$ 5,92; com o reajuste, foi para R$ 6,80, uma correção, portanto, de 14,8%.

Por razões políticas, a bancada do PT na Assembleia Legislativa entrou na Justiça com uma ação popular contra o reajuste. O curioso é que ação popular cabe em casos de prejuízo ao erário. O juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho decidiu conceder liminar a essa ação, suspendendo, na semana passada, o aumento da tarifa de integração entre ônibus e trilhos de São Paulo. Na última sexta-feira, o governo paulista recorreu para derrubar a liminar.

Nos últimos anos, e talvez o marco inicial desse fenômeno tenha sido o julgamento do escândalo do mensalão, o primeiro a colocar atrás das grades políticos e empresários envolvidos naquele caso de corrupção, a Justiça ganhou enorme protagonismo na cena nacional, bem como o Ministério Público. Para uma sociedade pouco acostumada ao cumprimento das leis, isso é bom, mas não pode ocorrer ao arrepio... das leis!

Empresas privadas se tornam concessionárias de serviço público por meio de licitações. A relação entre governo (União, Estado ou município) e empresas é regida por contratos. As condições do negócio estão estabelecidas em contratos plenos de direito. É legítimo contestar as condições de uma licitação, especialmente se forem constatados - o que infelizmente é comum no Brasil - vícios, suspeitas de fraude ou abuso do poder econômico.

É preciso, porém, olhar as coisas de perto para conhecer melhor a realidade. A maioria da população que vive em São Paulo usa apenas um tipo de transporte, segundo dados oficiais do governo paulista: 51% dos usuários usam apenas o metrô; 62%, somente os trens; e 2/3, os ônibus. Não se trata de afirmar, portanto, que a tarifa de integração não tem importância para a maioria dos passageiros, apenas que o reajuste não atingiu parcela expressiva dos usuários de transporte público na região metropolitana.

Com a suspensão do aumento, o governo paulista precisa arrecadar, em outra fonte, R$ 404 milhões para cumprir os contratos com as concessionárias. Os efeitos da liminar foram estendidos a todos os contratos de concessão de transporte intermunicipal administrados pelo Estado - além da região metropolitana da capital, o governo estadual cuida desse modal em Campinas, Santos, São José dos Campos e Sorocaba.

Esse tipo de decisão é ainda mais perigoso no momento em que o governo federal prepara um ambicioso programa de concessões à iniciativa privada em vários setores. O programa está sendo desenhado justamente para ampliar a infraestrutura do país e melhorar sua eficiência, o que no fim será bom para todos. Uma logística moderna e eficiente ajuda a reduzir custos de produção e a aumentar a produtividade da economia, o que, por sua vez, gera produtos e serviços mais baratos.

Suspender os efeitos de um contrato pleno de direito provoca insegurança jurídica, e o Poder Judiciário precisa levar isso em consideração, do contrário, afugentará investidores, principalmente estrangeiros, de setores vitais da economia nacional.


O desmonte da inteligência - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 18/01

Não há explicação aceitável para desligar os equipamentos do Palácio do Planalto, o centro do poder brasileiro



Ao revelar que o sistema de monitoramento por câmeras no Palácio do Planalto está desligado desde 2009, o general Sérgio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), deu um exemplo prosaico do desmonte do aparato de segurança do Estado durante os governos petistas, em especial na gestão de Dilma Rousseff. A título de combater o que via como resquício da ditadura, a ex-guerrilheira Dilma permitiu que esse aparato fosse subordinado não mais a uma política de Estado, mas aos interesses de seu partido político, o PT. E as câmeras desligadas, ainda no governo de Lula da Silva, são apenas um aspecto insólito desse movimento, que se prestava a fazer da sede da Presidência da República um lugar de sombras, por onde puderam transitar à vontade os desqualificados que dilapidaram o País.

Como lembrou Etchegoyen em entrevista à jornalista Eliane Cantanhêde, do Estado, qualquer condomínio residencial dispõe de câmeras para gravar imagens de pessoas que entram e saem. Por essa razão, não há explicação aceitável para desligar os equipamentos do Palácio do Planalto, o centro do poder brasileiro. Nem é preciso ser muito perspicaz para concluir, como fez o general em entrevista à revista Veja, que o desligamento das câmeras atendeu a certas conveniências. Diríamos nós que, entre elas, estava a de manter no conforto do anonimato os agentes da corrupção. “O Palácio passou anos em que, convenientemente, não se registrou nada”, disse Etchegoyen. Segundo ele, a Justiça de tempos em tempos requisita imagens de algum suspeito de corrupção, “mas não tem imagem”. E o general conclui: “Não sei se a decisão de retirar as câmeras foi para obstruir a Justiça, mas pode ter sido para evitar esses registros”.

O desmantelamento do aparato de inteligência da Presidência sob a gestão petista atingiu seu auge em 2015, quando Dilma extinguiu o Gabinete de Segurança Institucional, cuja função é fornecer informações estratégicas ao presidente da República. Oficialmente, a decisão foi motivada pela necessidade de realizar cortes orçamentários, mas a manobra tinha claros objetivos políticos. As atribuições da pasta, até então chefiada pelo general José Elito, foram absorvidas pela Secretaria de Governo da Presidência da República, órgão que na época era dirigido pelo petista e ex-sindicalista Ricardo Berzoini.

Ou seja, a propósito de tirar dos militares e entregar aos civis o comando do serviço de inteligência da Presidência – uma reivindicação do sindicato dos funcionários da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), subordinada ao GSI –, Dilma acabou por entregá-lo ao PT. Esta foi também uma decisão muito “conveniente”. Ao desestruturar o sistema de inteligência, que por princípio desempenha funções de Estado, e não do governo de turno, Dilma e os petistas transformaram a segurança institucional em questão partidária – como foi feito, aliás, com todos os demais setores da administração pública na época.

Felizmente, o governo de Michel Temer, em uma de suas primeiras decisões, restabeleceu o Gabinete de Segurança Institucional, que voltou a ter sob seu comando a Abin. A chefia do GSI foi restituída a um militar, o general Etchegoyen, num movimento que contraria o sindicato dos funcionários da Abin, e a ordem é reestruturar todo o setor de inteligência. É claro que essa decisão foi usada pelos petistas como mais uma prova de que o País está retrocedendo aos tempos da ditadura, depois do “golpe” que destituiu a presidente Dilma.

Não é sensato perder tempo com mais essa provocação petista, cujo objetivo é apenas causar confusão em matéria que, em países civilizados, é cristalina: o Estado tem o dever de manter em bom funcionamento um aparato de inteligência que forneça ao governo as informações necessárias para tomar decisões estratégicas, inclusive para conter grupos que, sob o disfarce de “movimentos sociais”, pretendem desestabilizar o País. Confundir esse trabalho com qualquer intenção ditatorial é muito mais do que ignorância acerca das funções do Estado. É má-fé.


terça-feira, janeiro 17, 2017

Sobreviver a grandes naufrágios é uma via estreita e de final incerto - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 17/01

Entro na livraria e pasmo: duas mesas, longas, cheias, com títulos que se repetem. A lista é exaustiva mas exaustão é preciso: "Como Viver sem Ansiedade"; "Livre de Ansiedade"; "As 10 Melhores Técnicas para Vencer a Ansiedade" etc., etc.

Depois, os dramas sobem de tom: "Cure os Seus Medos"; "As Regras Essenciais para Viver sem Medo"; "Como Parar o Envelhecimento"; "A Dieta Anti-idade" etc., etc.

Finalmente, e após todas as tormentas, o santo graal: "Pequenos Passos para a Imortalidade"; "Curar para a Imortalidade"; "A Promessa de Imortalidade" etc., etc.

A moda não começou hoje. Mas só hoje reparei na moda. Duas conclusões. A primeira é que a nossa sociedade já não admite certos traços da condição humana que os nossos antepassados compreendiam e com os quais conviviam do berço até a cova. Ansiedade. Medo. Velhice. Mortalidade.

A história da literatura, desde Homero, é um catálogo desse rio permanente. Hoje, é uma mancha que estraga a "euforia perpétua", como a chamou Pascal Bruckner, e que humilha os seus sofredores.

Amigos meus, ansiosos, não sofrem apenas de ansiedade. Eles sofrem com a ansiedade de terem ansiedade. Eles têm medo de terem medo. Eles olham para a velhice e para a morte como os homens primitivos olhavam para trovões e tempestades.

Mas os títulos mostram outra coisa: a pós-modernidade não passa de uma ilusão. Vivemos ainda tempos racionalistas: se existe um problema, qualquer problema, então existe uma solução para ele. Nem a morte escapa a estes "engenheiros de almas humanas". A ideia de que alguns problemas não têm solução –uma solução clara e distinta, como diriam os cartesianos– é intolerável para a sociedade "prêt-à-porter". Que fazer?

Sugestão: assistir ao filme "Manchester à Beira-Mar", que estreia nesta semana, uma espécie de "missa solemnis" filmada por Kenneth Lonergan. Então encontramos Lee (Casey Affleck, em papel que só aparece uma vez na vida), um "handyman" que vive em Boston.

Ele cumpre o trabalho com o entusiasmo dos condenados. Bebe forte e bate forte, normalmente no mesmo bar. Não admite os floreados sociais que decoram as nossas existências –conversas, alegrias, intimidades. Para quem gosta de mortos-vivos, Lee é a prova de que é possível encontrar um fora da fantasia.

Mas eis que chega um telefonema com uma notícia funesta. É o primeiro momento em que Lee permite a sombra de uma emoção. De volta à cidade de Manchester, de onde saiu anos antes, Lee volta também ao passado –um passado brutal, infernal, inominável.

"Manchester à Beira-Mar", apesar de alguns excessos formais que se dispensam (quem ainda usa a música de Albinoni para momentos dramáticos?), cumpre duas ideias antiquadas.

A primeira, explorada em tempos por um certo escritor russo, é a certeza de que não existe nada de tão insuportável como um crime sem castigo –e, por essa via, sem expiação.

Nesse passado, que se vai revelando em sutis "flashbacks", Lee confessou à polícia a sua tragédia. A polícia escutou-o, compreendeu-o e liberou-o.

A reação de Lee é uma mistura de incredulidade e revolta –a revolta de quem não terá punição externa; apenas interna. Em dez minutos, Kenneth Lonergan joga no lixo a ideia simpática de que a "culpa" não passa de uma relíquia judaico-cristã.

Mas existe uma segunda ideia que nos permite medir a vida de Lee e a vida daqueles que "seguiram em frente", para usar a expressão das novelas. Acontece quando ele conversa com a ex-mulher, ou melhor, quando contemplamos a incapacidade de haver qualquer conversa porque até as palavras têm limites.

Só então perguntamos qual dos destinos será pior: o mundo petrificado de Lee ou a busca desesperada de fugir desse mundo rumo a um simulacro de normalidade.

"Manchester à Beira-Mar" não é o filme ideal para quem lê "Como Viver sem Ansiedade" ou "Cure os Seus Medos". Mas é o filme ideal para uma classe de adultos que sabe, ou pelo menos suspeita, que sobreviver a grandes naufrágios é uma via estreita, longa e de final incerto.

No primeiro diálogo do filme, quando a vida ainda era uma vida, Lee conversa com o sobrinho pequeno para lhe perguntar quem ele levaria para uma lha deserta: o pai ou o tio?

Ironicamente, para essa ilha deserta só viajou Lee. E quando nos perguntamos se algum dia haverá um barco para o visitar ou até resgatar, o pano desce com pudor. O futuro é um porto distante para quem navega um dia de cada vez.


Futuro das empreiteiras - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 17/01

Que horizonte têm as empresas que se envolveram na corrupção investigada pela Lava-Jato? Essa pergunta está presente na economia brasileira, porque são grandes empresas e foram fundo demais na corrupção. A punição financeira tem que ser alta, mas não pode ser maior do que a capacidade da empresa de pagar, porque aí ela não consegue ressarcir a sociedade.

Quase três anos depois de iniciada a Lava-Jato, mas ainda longe do fim, grandes empresas do país estão pagando o preço alto da corrupção, vendendo ativos, ficando sem contratos, vendo seus controladores e executivos encurralados pela Justiça, e, mesmo assim, ainda não se sabe quais delas vão sobreviver.

Recentemente, a Petrobras decidiu reativar as obras do Comperj, mas chamou 20 empresas para participar da disputa, todas estrangeiras. Isso faz sentido no momento, mas e no futuro? As empresas que assinarem acordo de leniência poderão voltar a fazer negócios com o governo? Esse dilema permanece. E esse é o dado principal para saber se as empresas têm viabilidade econômica ou não. O BNDES suspendeu 25 financiamentos de projetos de empreiteiras brasileiras no exterior. Depois, aceitou retomar um projeto da Queiroz Galvão em Honduras, porque a empresa cumpriu os requisitos para esta retomada. Outra obra, da OAS, na Argentina, não terá mais desembolso do banco porque passará a ter financiamento local. Os outros 23 contratos suspensos estão sendo analisados. No mercado financeiro, os acordos de leniência têm permitido avanços para as empresas. A Moody’s, por exemplo, elevou a nota de crédito da subsidiária Odebrecht Engenharia e colocou-a em perspectiva positiva, indicando que novas elevações poderiam acontecer nos próximos meses. No relatório, a Moody’s diz que a empresa de engenharia teve receita líquida de R$ 48,8 bilhões nos 12 meses encerrados em junho de 2016. Apesar de alto, o volume de negócios caiu 33% desde o começo da Lava-Jato.

A empreiteira está fazendo acordos em outros países onde praticou o mesmo crime: Peru, Colômbia, Panamá, Argentina e Equador. Além do pagamento das indenizações aos governos, muitos desses executivos que confessaram participação em crimes cumprirão pena de restrição de liberdade. Marcelo Odebrecht ficará preso em regime fechado por mais um ano. A empresa terá que manter três profissionais do mercado como auditores internos, com amplo acesso às informações. A dúvida que se tem no mercado é se em algum momento ela poderá participar de novas concorrências no país.

Empresas de outros países quando são apanhadas em delito e fazem acordo de leniência pagam o que devem, mas continuam nos negócios. Foi o que acabou de acontecer com a Volkswagen no caso das manipulações dos índices de poluição dos motores a diesel descoberto pelo governo americano. A indústria terá que pagar US$ 4,3 bilhões para encerrar todos os processos civis e criminais contra ela e US$ 15 bilhões aos consumidores. Ela teve apenas um executivo preso, apesar de a fraude ter atingido 11 milhões de veículos, e terá que manter também três consultores dentro da companhia fiscalizando a sua gestão. Mesmo assim, foi a fabricante do setor que mais vendeu veículos no ano passado.

Algumas das empreiteiras envolvidas em casos de corrupção já estavam em situação financeira difícil, como a OAS. A Camargo Correa está voltando às investigações pelo muito que omitiu durante o primeiro acordo de leniência. Por tudo o que houve até agora, não se pode dizer quais empresas vão sobreviver a esse processo no qual entraram pelo continuado crime de corrupção, mas o país terá que responder à dúvida sobre a possibilidade, ou não, dessas empresas participarem de novas concorrências ou obterem novos financiamentos junto a bancos públicos.

Caso não possam, não sobreviverão, caso possam, há o risco de que elas voltem a delinquir. A presença dos fiscais, as novas normas de conduta, a fiscalização da Justiça podem evitar que elas voltem a praticar crime. Nos próximos anos é que se saberá se novas empresas de engenharia, com outras práticas, ocuparam o espaço deixado vago pelas grandes empreiteiras ou se as atuais empresas apanhadas na prática sistemática de crimes vão sobreviver e mudar a forma de fazer negócios no Brasil.

Uma revolução no campo - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA

O agronegócio brasileiro é intenso usuário de tecnologia digital e de satélites


AINDA É FORTE no Brasil a crença de que a indústria representa a fonte básica do desenvolvimento, de inovações e de geração de empregos de melhor qualidade e renda. Essa é a visão de uma época, particularmente do século XX, em que países menos desenvolvidos se industrializavam copiando tecnologia das nações desenvolvidas. Essa visão orientou estratégias de industrialização por substituição de importações e forte dirigismo estatal no Brasil. O modelo se esgotou nos anos 1980 sob 0 peso de suas ineficiências. Faltaram-lhe incentivos à inovação e mecanismos de avaliação de resultados.

Surgiram outras fontes de dinamismo. No mundo, a globalização, a tecnologia, a integração das cadeias produtivas e a terceirização contribuíram decisivamente para fomentar a produtividade e o crescimento econômico. A indústria continuou relevante, é verdade, mas perdeu participação no PIB, como nos Estados Unidos (12,4%), onde mesmo assim a economia se manteve sólida e em expansão.

A agricultura foi a prima pobre da estratégia brasileira, principalmente por causa da valorização cambial. A indústria podia importar insumos e equipamentos mais baratos, mas isso equivalia a uma tributação da agricultura, que recebia menos por suas exportações de café e açúcar. Além disso, a agricultura era prejudicada pelo controle de seus preços, para combater a inflação.

As perdas eram compensadas com crédito subsidiado do Banco do Brasil e do Banco Central, que prevalecia como forma de apoio ao setor rural. Isso obscureceu o papel de políticas mais adequadas, como as de inovação e renda. O esquema faliu nos anos 1980, acarretando a quase extinção do subsídio. Nada surgiu em seu lugar. Ironicamente, foi uma bênção.

A agricultura, agora entendida como agronegócio, iria superar o desafio de viabilizar-se sem o crédito subsidiado generoso. Talvez sem paralelo no mundo, tornou-se pouco ou nada dependente de subvenções e protecionismo. Sua competitividade viria da tecnologia, do empreendedorismo e do enorme potencial dos cerrados e de outras regiões. A Embrapa (1973) e outras organizações públicas e privadas de pesquisa viraram fonte poderosa de inovação e de ganhos de produtividade. Desde 1975, a área de grãos dobrou, enquanto a produção quadruplicou. O preço dos alimentos caiu 80%. O Brasil é um dos cinco maiores produtores de 36 commodities e o primeiro nas exportações de soja, açúcar, café, frango, carne e suco de laranja. O agronegócio é intenso usuário de tecnologia digital e de satélites, ombreando-se com países ricos.

O agronegócio está na base da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Está nos biocombustíveis, na energia elétrica, na eliminação do desmata-mento ilegal, na restauração florestal e na recuperação de áreas degradadas de pastagens, para citar as principais. O setor contribuiu na formulação dos compromissos do Brasil para o acordo sobre o clima (a COP 21 de Paris). Isso significa que as emissões serão 37% inferiores às de 2005 (43% em 2030). Aumentará a participação de bioenergia sustentável na matriz energética. O consumo de biocombustíveis passará dos atuais 28 bilhões para 50 bilhões de litros em 2030. A biomassa contribuirá para o maior uso de fontes de energia não fósseis. Os investimentos na ampliação da oferta de etanol atingirão 40 bilhões de dólares. Surgirão 250 000 empregos diretos e 500 000 indiretos.

O Brasil revolucionou a agricultura tropical. Uma das melhores análises desse feito é a de Fabio Chaddad (1969-2016) no livro The Economics and Organization of Brazilian Agriculture (Elsevier, 2016), do qual extraí muitas das informações deste artigo.

O agronegócio ainda enfrenta muitas dificuldades: logística deficiente, sistema tributário caótico, restrições infantis à terceirização e custos de uma política de reforma agrária do século XIX. Superar tudo isso é essencial. O setor poderá, assim, ampliar sua contribuição para a prosperidade do país.


Da crise à pauta de reformas - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 17/01/17

Destravar a economia envolve também uma revisão das normas burocráticas, para torná-las menos pesadas e menos custosas. É um erro tão grave quanto comum confundir a eficácia das normas com a sua complexidade



A nova projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Brasil – crescimento de apenas 0,2% neste ano, bem abaixo da média global de 3,4% – já era conhecida horas antes de o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, iniciar seus contatos com empresários, financistas e autoridades congregados em Davos para a reunião do Fórum Econômico Mundial. Uma semana antes o Banco Mundial havia divulgado sua estimativa de 0,5% de expansão, semelhante às previsões correntes no mercado. Esses números descrevem uma economia ainda muito longe do ritmo da maioria dos emergentes e até de várias das maiores potências mais avançadas. Pior que isso: enquanto os economistas do Fundo apontam perspectivas melhores para Estados Unidos, União Europeia, Japão, China e outros atores importantes, a do Brasil é revista para baixo, com uma projeção 0,3 ponto menor que a publicada em outubro.

O ministro Henrique Meirelles perderia tempo se apenas tentasse contestar esses números. Nem as autoridades brasileiras prometem resultados muito melhores. No quarto trimestre deste ano, segundo o ministro, o Produto Interno Bruto (PIB) deverá ser 2% maior que o dos três meses finais de 2016. Pelos cálculos do FMI, a diferença entre os dois trimestres será de 1,4%. Não chega a ser um cenário muito pior que o pintado pelo ministro. Para produzir algum efeito, a mensagem apresentada em Davos teria de ser de outra ordem.

Antes de embarcar, o ministro indicou sua agenda essencial. Sua tarefa mais importante seria explicar a nova política. Em vez de simplesmente expor previsões de crescimento, seria preciso expor uma pauta de reformas desenhadas para facilitar a expansão da economia. “Vamos mostrar”, disse ele, “que o Brasil está, finalmente, enfrentando seus problemas.” Neste momento, enfrentar problemas significa arrumar as contas públicas, destroçadas em anos de irresponsabilidades e desmandos, e criar condições para o equilíbrio de longo prazo. A reforma da Previdência é parte importante desse esforço.

Mas criar condições para o crescimento envolve também um conjunto de ações para destravar a economia. Isso inclui uma reforma trabalhista formulada com realismo, concebida para favorecer a criação de empregos e a eficiência do mercado de trabalho. Maior espaço para negociação entre assalariados e empregadores deve ser parte dessa mudança.

Não há efetiva proteção ou promoção de direitos quando o sistema dificulta a abertura e até a preservação de postos de trabalho. Uma boa oferta de empregos é precondição para salários melhores, mas este é um dos fatos elementares frequentemente negligenciados por dirigentes sindicais e por muitos autointitulados defensores da classe trabalhadora.

Destravar a economia envolve também uma revisão das normas burocráticas, para torná-las menos pesadas e menos custosas. É um erro tão grave quanto comum confundir a eficácia das normas com a sua complexidade. A experiência aponta o contrário. Regras são mais eficazes quando são cumpridas mais facilmente e quando há menos estímulos à informalidade ou à fraude.

Essas mudanças estão na pauta da nova política econômica. Se forem realizadas, apesar da forte resistência à racionalização das instituições, o resultado mais visível será a liberação de energias produtivas há muito reprimidas. Reformas desse tipo são indispensáveis para o aumento da produtividade e da competitividade do Brasil. Nenhuma dessas propostas é realmente nova. Sua necessidade tem sido comprovada pela experiência e repetidamente apontada por estudos comparativos de competitividade. Nessas comparações o Brasil sempre aparece em posição muito ruim.

Alguns desses estudos têm sido elaborados por iniciativa do Fórum Econômico Mundial, sempre com participação de pesquisadores brasileiros. Também por isso Davos é um lugar apropriado para o governo brasileiro expor, finalmente, um programa de modernização institucional e de liberação do potencial produtivo do País. Durante muitos anos o Fórum foi palco para a exibição de arrogância de autoridades do governo petista. O fundamento real dessa arrogância foi mostrado por um desastre econômico de proporções incomuns. Nada mais oportuno, agora, que um discurso pragmaticamente reformista.

segunda-feira, janeiro 16, 2017

Abandonados, "os burros" sentem que seu esforço cotidiano não tem valor - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 16/01/17

Passado o frenesi da indignação com o ocorrido nas prisões, podemos pensar um pouco sobre aquele inferno. Digo de cara que não acredito na indignação regada a queijos e vinhos.

Vamos dos argumentos mais óbvios (e nem por isso menos verdadeiros), aos menos óbvios. Chegando mesmo aos que parecem obscuros aos inteligentinhos.

Óbvios: o Estado brasileiro é canalha, irresponsável, os dirigentes mentem, não estão nem aí para a vida dos presos (nem de ninguém), prender todo mundo num cubículo de lata é querer que se matem, o crime organizado cresce em meio ao vácuo do poder público, há uma crise no sistema prisional, há corrupção, as autoridades não fazem diferença entre um ladrão de galinha e um serial killer, pobre e preto sempre vai mais preso do que branco coxinha. Tudo verdade.

Menos óbvios: esse tema dá aos foucaultianos um gozo que beira o orgasmo porque Foucault achava que soltando os presos faríamos a verdadeira revolução. Será que ele alguma vez teve que encarar algum bandido querendo mata-lo?

O PCC chega mesmo a tirar lágrimas de alguns foucaultianos com sua declaração de fundação regada a direitos humanos. Uma das razões que torna muito do que os intelectuais falam risível é o fato de que vivem uma vida muito segura em seus casulos corporativos em universidades blindadas ao conhecimento e a qualquer tipo de risco.

Para foucaultianos sofisticados, os bandidos são vítimas da ordem social repressiva e mostram em seu comportamento a doença social, por isso, os trancamos nas cadeias para "esquecermos" de nossa patologia social. Esse tom surgiu em algumas indignações, mas com um certo cuidado porque essa moçada está um pouco assustada com a "revolta dos burros".

Quase obscuros: o que vem a ser essa "revolta dos burros"? Primeiro um reparo geopolítico mais amplo. Com a vitória de Trump, a inteligência pública começou a falar de novo em populismo. O segredo do Trump é ele falar o que o povo americano "burro" pensa. Os "burros" que falam inglês. A inteligência pública há muito tempo está alienada do "povo", entrincheirada nas universidades e nas redações da mídia, falando sempre a mesma coisa: "como esse povo é burro e fala que bandido bom é bandido morto?"

A inteligência pública está de costas para o povo comum e preocupada com sua carreira e seu sucesso nas redes sociais. Avancemos um pouco mais nesses argumentos obscuros.

Pois é. Os populistas atuais crescem na mesma medida em que insistimos em pensar que vivemos uma "revolta dos burros", mesmo que não digamos dessa forma explícita. A inteligência está tão acostumada com queijos e vinhos que esquece o tal do povo.

Os populistas crescem na mesma medida em que os "burros" sentem que o sistema político profissional e os inteligentes não estão nem aí pra eles. Por isso sentem que os inteligentes "só defendem os bandidos". Um adendo: existe "burro" preto e pobre e "burro" branco e rico, ok?

Vamos "ouvir os burros" um pouco? Pelo menos imaginar que podemos ouvi-los. Quem sabe essa "revolta dos burros" pode indicar algo importante por detrás?

Eu arriscaria dizer que esses "burros" se sentem abandonados pelo Estado e pela inteligência pública de forma crassa no seu dia a dia. Esquecidos em seus impostos, acharcados por uma burocracia assassina e destruidora de qualquer iniciativa profissional que não seja apenas viver de salário e "direitos trabalhistas", em suas filas da saúde e do transporte público. Escolas são um lixo. Andam com medo nas ruas. E não dá pra convencer ninguém que de fato pode ser assaltado ou morto por um bandido de que Foucault tem razão e que quando você é assaltado, você é o bandido, e o bandido é a vítima. Risadas?

Abandonados a sua solidão de "cidadãos honestos" (atenção! Os inteligentinhos acham que ninguém é mais honesto do que um traficante de drogas), "os burros" sentem que seu esforço cotidiano para viver dentro da lei, cuidando de suas famílias (mas que coisa mais classe média, não?) não tem nenhum valor. E estão aprendendo a dizer o que pensam. Ai virá a "revolta dos burros" de carga.