O Globo
Se ministros envolvidos em tramoias não caírem fora, Temer terá que arranjar um jeito de se livrar da turma, e logo
Vamos imaginar a seguinte situação: você é ministro do governo Temer e sabe que está, digamos, envolvido nas tramoias da Lava-Jato e naquelas que levaram Eduardo Cunha à cadeia e possivelmente a uma delação premiada. O que fazer?
O dilema está colocado porque, falando em termos simples, quem meteu a mão no dinheiro ilegal sabe perfeitamente o que fez. A questão é: vão pegar ou não vão pegar?
Com a prisão de Cunha e a delação da Odebrecht, a probabilidade de ser apanhado aumentou, e muito.
Você, sendo ministro, tem a prerrogativa do fórum especial, ou seja, vai para o Supremo Tribunal Federal. Os ministros do STF ficam de bronca quando se diz que é uma vantagem sair da jurisdição de Curitiba e ir para a suprema de Brasília.
Mas é uma vantagem. No mínimo, o STF demora mais para aceitar denúncia, abrir inquérito, processar, julgar, mandar para a cadeia. Além disso, o Supremo também não costuma decretar essas prisões preventivas que o juízes de primeira instância têm aplicado.
Por outro lado, pode-se dizer que demora, mas acaba sendo julgado. Tudo bem, mas o tempo ajuda aqui. Sabe como é: no turbilhão da Lava-Jato, com tanta gente mais importante sendo condenada e presa, pode haver alguma esperança de que se esqueçam de você. Ficando para o fim da fila já estaria bom, não é mesmo?
Então, caro ministro envolvido, o que fazer? Se agarrar na rapadura ou pedir demissão?
Se agarrando no cargo, o ministro cria um constrangimento enorme para o presidente Temer, seu governo e, claro, um obstáculo para o programa de reformas econômicas. O assunto corrupção/delação torna-se dominante, desmoraliza o governo, que vai passar o tempo todo se explicando.
Portanto, se quiser ajudar o presidente Temer, o ministro-que-se-sabe enrolado deveria renunciar. Limpa o caminho.
Aliás, todos os enrolados deveriam sair — e juntos, porque o primeiro que renunciar neste momento estará fazendo uma quase-confissão. Na verdade, mesmo saindo em bando, todos também estarão praticamente admitindo algum rolo, mas fazer o quê? Se não tem mais como virar o jogo. . .
Mesmo porque, se os caras não saírem, o presidente Temer, para manter a capacidade de administrar, vai ter que demitir os denunciados e/ou enrolados e/ou apanhados.
Verdade que Temer desqualificou recentes denúncias envolvendo seu pessoal mais próximo. São apenas alegações, disse.
Pois é, mas essas alegações se aproximam perigosamente da verdade. Em países como Japão e Alemanha, não tem nem conversa. Em situações como essa, aliás, em casos bem menos graves, a autoridade pede demissão, se desculpa e vai cuidar de sua defesa.
Aqui tem sido diferente — o sujeito nega até a última evidência. O problema é que essa evidência fica cada vez mais luminosa.
A regra de cair fora para não atrapalhar vale não apenas para ministros, mas para as demais autoridades, seja em que nível estiverem.
Se não caírem fora, Temer terá que arranjar um jeito de se livrar da turma, e logo.
Vejam, o ambiente econômico está claramente melhorando: inflação em queda sustentada, juros baixos no mundo todo, confiança em recuperação. Até a recessão, neste momento, é uma ajuda: com a atividade tão baixa, o Banco Central tem mais um poderoso argumento para uma “agressiva” queda dos juros. Já há especialistas prevendo que a taxa básica chegue ao final de 2017 na casa dos 9%.
Mas é parte essencial desse cenário o ajuste das contas públicas e as reformas que vão iniciar o longo trabalho de reconstrução da economia nacional. Ora, tudo isso depende do Congresso e, pois, da capacidade política do governo Temer de conduzir a votação das reformas.
Como poderá fazer isso um governo envolvido em Lava-Jato, Cunha, Odebrecht, delações sem fim?
Do mesmo modo, como o Congresso poderá votar essa pauta tão importante com tantos membros já apanhados e tantos outros por apanhar nas prováveis delações de Cunha e da Odebrtecht?
Tudo considerado, ficamos assim: ou se faz uma limpeza geral ou o governo e as reformas não andam. Difícil? Ok, mas quem for comandar as reformas não pode estar envolvido na Lava-Jato.
E já imagino a pergunta do leitor: e se o próprio Temer estiver envolvido?
Pois a história vale para ele também: será preciso arrumar um outro presidente, um outro governo. Nesse caso, o último serviço útil de Temer seria o de ajudar nessa transição.
quinta-feira, outubro 20, 2016
PEC 241 não é pecado, é penitência - ROBERTO MACEDO
ESTADÃO - 20/10
Desconforta saber que pecados de governantes levam o povo à penitência
Essa proposta de emenda constitucional (PEC) recentemente passou em primeiro turno na Câmara dos Deputados. Na sua essência, estabelece um teto para o aumento do total das despesas primárias do governo federal. São as que excluem os juros da dívida – uma despesa enorme – e outros encargos financeiros de menor magnitude. O teto se instalaria em 2017, e determinado pelas despesas primárias pagas em 2016, incluídos restos a pagar quitados, e demais operações que afetam o resultado primário, corrigidas em 7,2%. A partir de 2018 a correção seria pela taxa do IPCA no período de 12 meses encerrado em junho do ano anterior.
Em síntese, uma correção pela inflação, o que é um risco, pois a arrecadação pode não aumentar tanto. Outro limite poderia ter sido a taxa desse crescimento, a que fosse menor. Na discussão na Câmara, os gastos em educação e saúde foram preservados de cortes, mas seus pisos só poderiam aumentar em termos reais se reduzidas outras despesas.
Ainda que com imperfeições, a PEC é um inaudito e bem-vindo ajuste fiscal pelas despesas. A prática usual era aumentá-las sem maior cuidado e, até onde possível, financiadas por mais impostos e endividamento. No período 2008-2015 as despesas primárias subiram 51% acima da inflação e a receita, apenas 14,5%.
Em 2014 e 2015 a “gerentona” Dilma agravou muito o desequilíbrio, no primeiro ano com gastança eleitoreira que levou então a um insólito déficit primário. Ou seja, um em que o governo fica sem dinheiro até para pagar parte dos juros de sua dívida, estes “honrados” com endividamento adicional, assim como o déficit primário, o que se repetiu com maior vigor em 2015 e 2016, ampliando fortemente a dívida pública.
As piores sequelas desse desastre vieram rápida e cumulativamente. Disseminou-se o medo quanto a que poderia levar, como à insolvência do governo, o maior ente da economia. Com isso se retraíram decisões de investir e consumir, a economia entrou em recessão, caíram as receitas tributárias e a situação ficou ainda pior.
O forte desequilíbrio fiscal foi o pecado e, agora, deve vir a PEC como penitência. Quem o cometeu jamais o confessou. Pior, pecou novamente ao mentir com sua narrativa de que nada fez de errado. E houve quem acreditasse nessa conversa, alguns até se contorcendo para dar-lhe frágeis fundamentos jurídicos. Desconforta saber que não é a primeira vez na História, nossa e mundial, que pecados de governantes levam o povo à penitência.
Pecado porque violou mandamentos da boa gestão financeira, pessoal, empresarial ou governamental, em particular o que prega moderação nos déficits orçamentários e no endividamento. Lembra também um pecado capital, a gula, pois o que houve aqui dá razão ao que disse Ronald Reagan, ex-presidente dos EUA: “O governo é como um bebê, um tubo digestivo com grande apetite numa ponta e nenhum senso de responsabilidade na outra”. Como nunca antes neste país, o nosso se comportou como um bebê guloso de enormes dimensões. E sem trocar a fralda.
Alternativas à PEC? Há quem ainda proponha aumentar impostos, mas mesmo políticos que fizeram isso reconhecem que a carga tributária já é pesada demais. E os “contribuintes”, a quem chamo de tributados, já sentem isso e execrarão eleitoralmente quem optar por esse caminho.
Saudosistas da “nova política econômica”, que no governo Dilma balizou o desastre fiscal, seguem inebriados por ideias de um famoso economista, Keynes, que pregava mais gastos públicos para estimular economias em recessão. Mas não aprenderam ou se esqueceram de que uma coisa é fazer isso numa economia como a americana, cujo governo emite dólares, e com dívida sob controle; aqui, esse caminho agravaria a recessão, amedrontando ainda mais os consumidores, investidores e o mercado financeiro nas suas avaliações e tomadas de decisões.
A PEC 241 diz ter como objetivo um novo regime fiscal, o que sobre-estima sua amplitude e seu impacto. Para se credenciar como tal precisaria ser seguida por outras medidas. A mais importante e urgente é reformar a Previdência Social, pois com a população envelhecendo, e várias distorções nos seus benefícios, suas despesas continuarão subindo acima da inflação. Com o teto da PEC 241, outras precisariam ser reduzidas, com novas distorções nos gastos.
Num autêntico regime fiscal novo, caberia corrigir várias outras distorções. Entre elas, a excessiva concentração de recursos tributários na União, a ausência de uma avaliação caso a caso de custos e benefícios dos gastos públicos, os ínfimos investimentos públicos, o excessivo peso dos impostos indiretos – como sobre produção e vendas, que oneram com maior força os segmentos mais pobres da população –, os supersalários no governo, vários privilégios tributários e o acesso a serviços públicos por quem pode custeá-los, com nas universidades.
Como toda penitência, a PEC 241 também pode trazer outros benefícios, pois deverá levar a uma grande reflexão sobre o que aumentar e o que diminuir no contexto de um teto para o total das despesas primárias, ensejando a correção de distorções fiscais como as citadas.
Mas existe um excesso delas e não há como arrumar várias numa mesma PEC. Ademais, ampliar a 241 prejudicaria a sua urgência e só aumentaria o exército de seus opositores. Assim, é melhor não mexer no seu texto e lutar para que chegue rapidamente à promulgação. E que venham outras medidas como as citadas.
Vivemos hoje um momento que lembra com esperança o que disse Winston Churchill, em 1936: “Devido a negligências no passado, apesar de claras advertências, entramos num período perigoso. A era da procrastinação, de meias medidas, de atrasos que aliviavam e enganavam está chegando ao final. No seu lugar, estamos adentrando um período de consequências. Não podemos evitá-lo”.
*Economista (UFMG, Usp e Harvard), consultor econômico e de ensino superior
Desconforta saber que pecados de governantes levam o povo à penitência
Essa proposta de emenda constitucional (PEC) recentemente passou em primeiro turno na Câmara dos Deputados. Na sua essência, estabelece um teto para o aumento do total das despesas primárias do governo federal. São as que excluem os juros da dívida – uma despesa enorme – e outros encargos financeiros de menor magnitude. O teto se instalaria em 2017, e determinado pelas despesas primárias pagas em 2016, incluídos restos a pagar quitados, e demais operações que afetam o resultado primário, corrigidas em 7,2%. A partir de 2018 a correção seria pela taxa do IPCA no período de 12 meses encerrado em junho do ano anterior.
Em síntese, uma correção pela inflação, o que é um risco, pois a arrecadação pode não aumentar tanto. Outro limite poderia ter sido a taxa desse crescimento, a que fosse menor. Na discussão na Câmara, os gastos em educação e saúde foram preservados de cortes, mas seus pisos só poderiam aumentar em termos reais se reduzidas outras despesas.
Ainda que com imperfeições, a PEC é um inaudito e bem-vindo ajuste fiscal pelas despesas. A prática usual era aumentá-las sem maior cuidado e, até onde possível, financiadas por mais impostos e endividamento. No período 2008-2015 as despesas primárias subiram 51% acima da inflação e a receita, apenas 14,5%.
Em 2014 e 2015 a “gerentona” Dilma agravou muito o desequilíbrio, no primeiro ano com gastança eleitoreira que levou então a um insólito déficit primário. Ou seja, um em que o governo fica sem dinheiro até para pagar parte dos juros de sua dívida, estes “honrados” com endividamento adicional, assim como o déficit primário, o que se repetiu com maior vigor em 2015 e 2016, ampliando fortemente a dívida pública.
As piores sequelas desse desastre vieram rápida e cumulativamente. Disseminou-se o medo quanto a que poderia levar, como à insolvência do governo, o maior ente da economia. Com isso se retraíram decisões de investir e consumir, a economia entrou em recessão, caíram as receitas tributárias e a situação ficou ainda pior.
O forte desequilíbrio fiscal foi o pecado e, agora, deve vir a PEC como penitência. Quem o cometeu jamais o confessou. Pior, pecou novamente ao mentir com sua narrativa de que nada fez de errado. E houve quem acreditasse nessa conversa, alguns até se contorcendo para dar-lhe frágeis fundamentos jurídicos. Desconforta saber que não é a primeira vez na História, nossa e mundial, que pecados de governantes levam o povo à penitência.
Pecado porque violou mandamentos da boa gestão financeira, pessoal, empresarial ou governamental, em particular o que prega moderação nos déficits orçamentários e no endividamento. Lembra também um pecado capital, a gula, pois o que houve aqui dá razão ao que disse Ronald Reagan, ex-presidente dos EUA: “O governo é como um bebê, um tubo digestivo com grande apetite numa ponta e nenhum senso de responsabilidade na outra”. Como nunca antes neste país, o nosso se comportou como um bebê guloso de enormes dimensões. E sem trocar a fralda.
Alternativas à PEC? Há quem ainda proponha aumentar impostos, mas mesmo políticos que fizeram isso reconhecem que a carga tributária já é pesada demais. E os “contribuintes”, a quem chamo de tributados, já sentem isso e execrarão eleitoralmente quem optar por esse caminho.
Saudosistas da “nova política econômica”, que no governo Dilma balizou o desastre fiscal, seguem inebriados por ideias de um famoso economista, Keynes, que pregava mais gastos públicos para estimular economias em recessão. Mas não aprenderam ou se esqueceram de que uma coisa é fazer isso numa economia como a americana, cujo governo emite dólares, e com dívida sob controle; aqui, esse caminho agravaria a recessão, amedrontando ainda mais os consumidores, investidores e o mercado financeiro nas suas avaliações e tomadas de decisões.
A PEC 241 diz ter como objetivo um novo regime fiscal, o que sobre-estima sua amplitude e seu impacto. Para se credenciar como tal precisaria ser seguida por outras medidas. A mais importante e urgente é reformar a Previdência Social, pois com a população envelhecendo, e várias distorções nos seus benefícios, suas despesas continuarão subindo acima da inflação. Com o teto da PEC 241, outras precisariam ser reduzidas, com novas distorções nos gastos.
Num autêntico regime fiscal novo, caberia corrigir várias outras distorções. Entre elas, a excessiva concentração de recursos tributários na União, a ausência de uma avaliação caso a caso de custos e benefícios dos gastos públicos, os ínfimos investimentos públicos, o excessivo peso dos impostos indiretos – como sobre produção e vendas, que oneram com maior força os segmentos mais pobres da população –, os supersalários no governo, vários privilégios tributários e o acesso a serviços públicos por quem pode custeá-los, com nas universidades.
Como toda penitência, a PEC 241 também pode trazer outros benefícios, pois deverá levar a uma grande reflexão sobre o que aumentar e o que diminuir no contexto de um teto para o total das despesas primárias, ensejando a correção de distorções fiscais como as citadas.
Mas existe um excesso delas e não há como arrumar várias numa mesma PEC. Ademais, ampliar a 241 prejudicaria a sua urgência e só aumentaria o exército de seus opositores. Assim, é melhor não mexer no seu texto e lutar para que chegue rapidamente à promulgação. E que venham outras medidas como as citadas.
Vivemos hoje um momento que lembra com esperança o que disse Winston Churchill, em 1936: “Devido a negligências no passado, apesar de claras advertências, entramos num período perigoso. A era da procrastinação, de meias medidas, de atrasos que aliviavam e enganavam está chegando ao final. No seu lugar, estamos adentrando um período de consequências. Não podemos evitá-lo”.
*Economista (UFMG, Usp e Harvard), consultor econômico e de ensino superior
Antissemitismo ou antissionismo? - PAULO MALTZ
O Globo - 20/10
Poucos judeus acham que Israel seja um país perfeito e imune a críticas. É a demonização seletiva que nos incomoda
Criticar Israel é ser antissemita? Até onde vai o limite do antissionismo (ódio a Israel) e começa o do antissemitismo (ódio aos judeus)? Nestes dois anos em que tive a honra de liderar a comunidade judaica do Rio de Janeiro, sempre que surgiu uma declaração violenta contra Israel, fomos cobrados a agir em nome do combate ao antissemitismo. Nessas horas, temos de deixar a indignação de lado e nos guiarmos por parâmetros claramente definidos.
Para iniciarmos esta discussão, precisamos esclarecer um ponto importante. Nenhum judeu acredita que você seja antissemita somente porque critica Israel. É exatamente o contrário. Apenas reconhecemos que, se você é antissemita, seu preconceito contra os judeus certamente influencia suas posições sobre Israel. Assim como, se você for racista, isto também afetará suas opiniões sobre a África. Simples assim.
Em seguida, precisamos identificar o que é uma crítica legítima a Israel e o que é um ódio ao país movido principalmente pela repulsa ao povo que majoritariamente o habita. Não é difícil. Um dos recursos que usamos é pesquisar em que medida este crítico tão ferrenho das ações israelenses e defensor tão apaixonado da causa palestina dedica-se a algum outro tema nas áreas da política internacional e dos direitos humanos.
Basta uma busca rápida na internet para obtermos a resposta. Em grande parte das vezes, vê-se que esta mesma pessoa, publicação ou instituição jamais perde seu precioso tempo denunciando as atrocidades na Síria, as mutilações genitais no Sudão ou os bombardeios a civis no Iêmen. Nem mesmo as desumanas condições nos presídios e hospitais no Brasil a sensibilizam. Mas quando o acontecimento envolve Israel, lá está ele, revoltado, vociferando contra a “opressão” do Estado Judeu.
Poucos judeus acham que Israel seja um país perfeito e imune a críticas. É a demonização seletiva que nos incomoda, que nos convence cada vez mais de que ela não é apenas fruto da observação dos fatos, mas de um sentimento mais profundo. Um sentimento tão ruim, responsável por tantas tragédias ao longo dos séculos, que acaba provocando um comportamento de negação naquele que o nutre.
“Não sou antissemita, sou antissionista” ou “não tenho nada contra os judeus, apenas contra Israel”, costumam justificar. A estes, temos um recado. Se você faz vista grossa a todas as injustiças do mundo, mas olha com lupa qualquer ação de Israel em seu conflito com os palestinos; se acha que a fonte dos problemas de mais de 20 países árabes é o único Estado judeu da região; se repete e compartilha qualquer denúncia macabra contra Israel sem sequer checar antes, você tem um problema. Ele se chama antissemitismo e negá-lo não irá mascará-lo.
Poucos judeus acham que Israel seja um país perfeito e imune a críticas. É a demonização seletiva que nos incomoda
Criticar Israel é ser antissemita? Até onde vai o limite do antissionismo (ódio a Israel) e começa o do antissemitismo (ódio aos judeus)? Nestes dois anos em que tive a honra de liderar a comunidade judaica do Rio de Janeiro, sempre que surgiu uma declaração violenta contra Israel, fomos cobrados a agir em nome do combate ao antissemitismo. Nessas horas, temos de deixar a indignação de lado e nos guiarmos por parâmetros claramente definidos.
Para iniciarmos esta discussão, precisamos esclarecer um ponto importante. Nenhum judeu acredita que você seja antissemita somente porque critica Israel. É exatamente o contrário. Apenas reconhecemos que, se você é antissemita, seu preconceito contra os judeus certamente influencia suas posições sobre Israel. Assim como, se você for racista, isto também afetará suas opiniões sobre a África. Simples assim.
Em seguida, precisamos identificar o que é uma crítica legítima a Israel e o que é um ódio ao país movido principalmente pela repulsa ao povo que majoritariamente o habita. Não é difícil. Um dos recursos que usamos é pesquisar em que medida este crítico tão ferrenho das ações israelenses e defensor tão apaixonado da causa palestina dedica-se a algum outro tema nas áreas da política internacional e dos direitos humanos.
Basta uma busca rápida na internet para obtermos a resposta. Em grande parte das vezes, vê-se que esta mesma pessoa, publicação ou instituição jamais perde seu precioso tempo denunciando as atrocidades na Síria, as mutilações genitais no Sudão ou os bombardeios a civis no Iêmen. Nem mesmo as desumanas condições nos presídios e hospitais no Brasil a sensibilizam. Mas quando o acontecimento envolve Israel, lá está ele, revoltado, vociferando contra a “opressão” do Estado Judeu.
Poucos judeus acham que Israel seja um país perfeito e imune a críticas. É a demonização seletiva que nos incomoda, que nos convence cada vez mais de que ela não é apenas fruto da observação dos fatos, mas de um sentimento mais profundo. Um sentimento tão ruim, responsável por tantas tragédias ao longo dos séculos, que acaba provocando um comportamento de negação naquele que o nutre.
“Não sou antissemita, sou antissionista” ou “não tenho nada contra os judeus, apenas contra Israel”, costumam justificar. A estes, temos um recado. Se você faz vista grossa a todas as injustiças do mundo, mas olha com lupa qualquer ação de Israel em seu conflito com os palestinos; se acha que a fonte dos problemas de mais de 20 países árabes é o único Estado judeu da região; se repete e compartilha qualquer denúncia macabra contra Israel sem sequer checar antes, você tem um problema. Ele se chama antissemitismo e negá-lo não irá mascará-lo.
PEC do Teto do governo nem roça problemas estruturais do Brasil - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 20/10
O principal problema do teto de gastos, se for definitivamente aprovado pelo Congresso, não é que leve a uma redução das verbas para setores como saúde e educação. Seria, de fato, um problemão, mas há dúvidas consistentes sobre a inevitabilidade da redução.
Além disso, políticos não costumam se suicidar, cortando verbas que o eleitorado costuma reivindicar. No fim do dia, acabarão por dar um jeitinho: ou cortarão em outros itens orçamentários ou derreterão, de alguma maneira, a rigidez do teto, o que seria mais coerente com o histórico do PMDB e do centrão, majoritários no Congresso.
Por tudo isso, o principal problema é que o teto não estabelece nem mesmo um piso para o crescimento da economia, que, bem feitas as contas, é o verdadeiro nó.
Qual seria então o ponto a ser atacado? Recorro a Gray Newman, professor adjunto na Escola de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade Columbia, ex-diretor-gerente e economista-chefe para a América Latina do banco Morgan Stanley.
"O maior obstáculo para o crescimento do Brasil tem muitas faces, mas pode ser resumido em uma única palavra: produtividade", escreve Newman em capítulo de recente livro sobre a economia brasileira, adaptado para o número mais recente da Americas Quarterly.
Os dados que Newman esgrime para sustentar sua tese são de fato impressionantes, já resumidos nesta Folha, aliás, a propósito do índice de competitividade global do Fórum Econômico Mundial, muito recente.
Há três pontas no problema. A eles:
1 - Capital humano - A qualidade do ensino básico brasileiro, cronicamente deficiente, ficou na 132ª colocação em 140 países, no ranking do Fórum. É sempre bom lembrar que, no ensino superior, o desempenho não é exatamente brilhante.
2 - Capital físico - A qualidade das estradas brasileiras ficou no 121º lugar no ranking, e a dos portos, no 120º, o que, comenta Newman, "representa um enorme desafio aos agricultores para o que deveria ser um dos pontos fortes do Brasil —suas exportações agrícolas".
3 - Ambiente regulatório - Pesquisa do Banco Mundial coloca o Brasil na 174ª colocação entre 189 economias quando se trata de começar um negócio, e na 178ª colocação em dificuldade de pagar impostos.
Conclui o economista: "Meu medo é que a maioria dos planos macroeconômicos e propostas sendo discutidos hoje provavelmente tenha pouco efeito sobre a trajetória de crescimento de longo prazo do Brasil, se essas barreiras, certamente mais importantes, não forem removidas".
Outro ponto a propósito do teto é esgrimido por economistas ortodoxos como Monica de Bolle e Felipe Salto, em artigo para o blogue do último: argumentam que um deficit primário (fora juros da dívida) de 2% a 3% do PIB já bastaria para estabilizar a dívida (que é o grande objetivo do teto).
Perguntam: "De que serve, então, aprovar regra que produz um primário de quase 6,5% do PIB ao final de 20 anos?" [que é o que calculam que o teto entregará, tal como está desenhado].
Tudo somado, vê-se que o teto não é a bala de prata.
O principal problema do teto de gastos, se for definitivamente aprovado pelo Congresso, não é que leve a uma redução das verbas para setores como saúde e educação. Seria, de fato, um problemão, mas há dúvidas consistentes sobre a inevitabilidade da redução.
Além disso, políticos não costumam se suicidar, cortando verbas que o eleitorado costuma reivindicar. No fim do dia, acabarão por dar um jeitinho: ou cortarão em outros itens orçamentários ou derreterão, de alguma maneira, a rigidez do teto, o que seria mais coerente com o histórico do PMDB e do centrão, majoritários no Congresso.
Por tudo isso, o principal problema é que o teto não estabelece nem mesmo um piso para o crescimento da economia, que, bem feitas as contas, é o verdadeiro nó.
Qual seria então o ponto a ser atacado? Recorro a Gray Newman, professor adjunto na Escola de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade Columbia, ex-diretor-gerente e economista-chefe para a América Latina do banco Morgan Stanley.
"O maior obstáculo para o crescimento do Brasil tem muitas faces, mas pode ser resumido em uma única palavra: produtividade", escreve Newman em capítulo de recente livro sobre a economia brasileira, adaptado para o número mais recente da Americas Quarterly.
Os dados que Newman esgrime para sustentar sua tese são de fato impressionantes, já resumidos nesta Folha, aliás, a propósito do índice de competitividade global do Fórum Econômico Mundial, muito recente.
Há três pontas no problema. A eles:
1 - Capital humano - A qualidade do ensino básico brasileiro, cronicamente deficiente, ficou na 132ª colocação em 140 países, no ranking do Fórum. É sempre bom lembrar que, no ensino superior, o desempenho não é exatamente brilhante.
2 - Capital físico - A qualidade das estradas brasileiras ficou no 121º lugar no ranking, e a dos portos, no 120º, o que, comenta Newman, "representa um enorme desafio aos agricultores para o que deveria ser um dos pontos fortes do Brasil —suas exportações agrícolas".
3 - Ambiente regulatório - Pesquisa do Banco Mundial coloca o Brasil na 174ª colocação entre 189 economias quando se trata de começar um negócio, e na 178ª colocação em dificuldade de pagar impostos.
Conclui o economista: "Meu medo é que a maioria dos planos macroeconômicos e propostas sendo discutidos hoje provavelmente tenha pouco efeito sobre a trajetória de crescimento de longo prazo do Brasil, se essas barreiras, certamente mais importantes, não forem removidas".
Outro ponto a propósito do teto é esgrimido por economistas ortodoxos como Monica de Bolle e Felipe Salto, em artigo para o blogue do último: argumentam que um deficit primário (fora juros da dívida) de 2% a 3% do PIB já bastaria para estabilizar a dívida (que é o grande objetivo do teto).
Perguntam: "De que serve, então, aprovar regra que produz um primário de quase 6,5% do PIB ao final de 20 anos?" [que é o que calculam que o teto entregará, tal como está desenhado].
Tudo somado, vê-se que o teto não é a bala de prata.
Prisão de Cunha é um tapa na imagem do Supremo - ROBERTO DIAS
FOLHA DE SP - 20/10
SÃO PAULO - A prisão de Eduardo Cunha não deixa de representar um tapa na imagem do Supremo.
Há uma semana, o juiz Sergio Moro, de primeira instância, recebeu um processo que tramitava no mais alto tribunal do país porque Cunha tinha foro especial como deputado. Em seis dias, fez a polícia prendê-lo.
Há mais de um ano, esse processo foi entregue ao ministro Teori Zavascki, do STF. Desde então, tentou-se prender Cunha. Pediu isso dizendo que ele poderia interferir nas investigações, argumento próximo ao utilizado por Moro em sua decisão.
Até os pares do ex-deputado, porém, foram menos lentos. Tiraram seu mandato, e então Teori decidiu que, por causa disso, o pedido de prisão não fazia mais sentido.
O ex-deputado não era um novato no STF —abertura de inquérito contra ele existe há mais de dez anos– nem é homem de um rolo só –além de Moro, juízes do Rio e do DF acabam de receber processos de Cunha.
As discussões sobre esse personagem expuseram algumas pontas soltas na corte. Numa sessão, o ministro Edson Fachin afirmou que o plenário deveria examinar a questão do flagrante exigido para prisão de congressista. Em Oxford, Luís Roberto Barroso disse: "O Supremo não tem condições para julgar processos penais com celeridade".
A novela de Cunha reforça a visão de que o foro especial protege os poderosos. Sobretudo porque envolveu alguém de muita visibilidade, cercado por grande indignação popular.
O timing da prisão também não é bom para a imagem do STF por outro motivo. Neste momento, o principal nome do mensalão só está detido por causa da Lava Jato –o Supremo acaba de dar indulto a José Dirceu.
Sem foro especial, Cunha voltou a usar avião oficial, direito que detinha como presidente da Câmara. Agora não mais a pedido, mas por obrigação. Pelo menos não correu risco de apanhar no desembarque.
SÃO PAULO - A prisão de Eduardo Cunha não deixa de representar um tapa na imagem do Supremo.
Há uma semana, o juiz Sergio Moro, de primeira instância, recebeu um processo que tramitava no mais alto tribunal do país porque Cunha tinha foro especial como deputado. Em seis dias, fez a polícia prendê-lo.
Há mais de um ano, esse processo foi entregue ao ministro Teori Zavascki, do STF. Desde então, tentou-se prender Cunha. Pediu isso dizendo que ele poderia interferir nas investigações, argumento próximo ao utilizado por Moro em sua decisão.
Até os pares do ex-deputado, porém, foram menos lentos. Tiraram seu mandato, e então Teori decidiu que, por causa disso, o pedido de prisão não fazia mais sentido.
O ex-deputado não era um novato no STF —abertura de inquérito contra ele existe há mais de dez anos– nem é homem de um rolo só –além de Moro, juízes do Rio e do DF acabam de receber processos de Cunha.
As discussões sobre esse personagem expuseram algumas pontas soltas na corte. Numa sessão, o ministro Edson Fachin afirmou que o plenário deveria examinar a questão do flagrante exigido para prisão de congressista. Em Oxford, Luís Roberto Barroso disse: "O Supremo não tem condições para julgar processos penais com celeridade".
A novela de Cunha reforça a visão de que o foro especial protege os poderosos. Sobretudo porque envolveu alguém de muita visibilidade, cercado por grande indignação popular.
O timing da prisão também não é bom para a imagem do STF por outro motivo. Neste momento, o principal nome do mensalão só está detido por causa da Lava Jato –o Supremo acaba de dar indulto a José Dirceu.
Sem foro especial, Cunha voltou a usar avião oficial, direito que detinha como presidente da Câmara. Agora não mais a pedido, mas por obrigação. Pelo menos não correu risco de apanhar no desembarque.
Uma prisão exemplar - MERVAL PEREIRA
O Globo - 20/10
Para se ter uma ideia de como a prisão de Eduardo Cunha afetou o mundo político, bastam dois fatos. O presidente Michel Temer antecipou seu regresso do Japão, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, respondeu assim a uma pergunta: “Nem é bom comentar”.
Temer é um dos cinco amigos de uma fábula que Cunha gostava de contar, como maneira de constrangê-los. “Era uma vez cinco amigos que faziam tudo junto, viajavam, faziam negócios. Então, um virou presidente, três viraram ministros, e o último foi abandonado… E isso não vai ficar assim”.
Dos três outros, há certeza de dois ministros: Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, e Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil. O terceiro tanto pode ser Romero Jucá, que já foi ministro do Planejamento, como Moreira Franco, secretário do Programa de Privatizações.
Moreira nunca foi muito ligado a Cunha, e ultimamente vinha sendo seu alvo preferido, pois atribui a ele a indicação do deputado Rodrigo Maia, genro de Moreira, para a presidência da Câmara em sua substituição.
Vê-se pelos dois exemplos como a prisão de Eduardo Cunha mexeu com a cúpula do PMDB, até mesmo com Renan, que nunca se deu bem com Cunha e tentava contrastá-lo no comportamento diante das acusações. Cunha decidiu confrontar o Judiciário, e fez críticas até mesmo ao STF, quando tinha foro privilegiado, e apenas o plenário do STF podia julgá-lo, enquanto Renan optou por uma postura mais dócil, na ilusão de que contaria com a benevolência dos ministros. Por enquanto a tática está dando certo.
Mas não apenas no PMDB a prisão de Cunha repercutiu. Prisão tão emblemática é um sinal para a classe política de que acabou a brincadeira, assim como a condenação do ex-senador Gim Argello a 19 anos de cadeia deixou a classe em polvorosa.
A prisão preventiva decretada pelo juiz Sérgio Moro também serve para desacreditar de vez a tese de que o PT e Lula, seu principal líder, estavam sendo perseguidos seletivamente por Moro e os procuradores de Curitiba. Parecia óbvio, quando foi anunciada, que a prisão por tempo indeterminado se baseava na atuação de Cunha de obstrução da Justiça, e foi isso que Moro alegou. Os procuradores da Lava-Jato sustentam que a liberdade do ex-parlamentar representava risco à instrução do processo, à ordem pública, e abria brecha para uma eventual fuga do acusado, em virtude da disponibilidade de recursos ocultos do peemedebista no exterior, com que concordou Moro.
Segundo o despacho do juiz de Curitiba, foi o “modus operandi” de Eduardo Cunha que motivou sua prisão. “Considerando o histórico de conduta e o modus operandi, remanescem riscos de que, em liberdade, possa o acusado Eduardo Cosentino da Cunha, diretamente ou por terceiros, praticar novos atos de obstrução da Justiça, colocando em risco a investigação, a instrução e a própria definição, através do devido processo, de suas eventuais responsabilidades criminais. (...) Presente, portanto, risco à investigação, à instrução e de forma mais geral à integridade do processo, o que é causa para a prisão preventiva”.
Moro classificou Cunha de “criminoso serial”, e embora esteja sendo processado neste caso pela propina que é acusado de ter recebido pela compra de um campo de petróleo pela Petrobras em Benin, na África, o ex-presidente da Câmara tem diversas outras acusações contra ele sendo investigadas e provavelmente será condenado a pena grave.
Por isso, a possibilidade de uma delação premiada por parte dele é vista como alta. Vai ser preciso, porém, negociar com muita paciência, pois o Ministério Público acha que a prisão de Cunha é exemplar, e quer deixá-lo atrás das grades por muito tempo.
Além do mais, será preciso investigar bem para saber o que é verdade e o que é simples vingança de Cunha contra os que considera que o traíram.
Para se ter uma ideia de como a prisão de Eduardo Cunha afetou o mundo político, bastam dois fatos. O presidente Michel Temer antecipou seu regresso do Japão, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, respondeu assim a uma pergunta: “Nem é bom comentar”.
Temer é um dos cinco amigos de uma fábula que Cunha gostava de contar, como maneira de constrangê-los. “Era uma vez cinco amigos que faziam tudo junto, viajavam, faziam negócios. Então, um virou presidente, três viraram ministros, e o último foi abandonado… E isso não vai ficar assim”.
Dos três outros, há certeza de dois ministros: Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, e Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil. O terceiro tanto pode ser Romero Jucá, que já foi ministro do Planejamento, como Moreira Franco, secretário do Programa de Privatizações.
Moreira nunca foi muito ligado a Cunha, e ultimamente vinha sendo seu alvo preferido, pois atribui a ele a indicação do deputado Rodrigo Maia, genro de Moreira, para a presidência da Câmara em sua substituição.
Vê-se pelos dois exemplos como a prisão de Eduardo Cunha mexeu com a cúpula do PMDB, até mesmo com Renan, que nunca se deu bem com Cunha e tentava contrastá-lo no comportamento diante das acusações. Cunha decidiu confrontar o Judiciário, e fez críticas até mesmo ao STF, quando tinha foro privilegiado, e apenas o plenário do STF podia julgá-lo, enquanto Renan optou por uma postura mais dócil, na ilusão de que contaria com a benevolência dos ministros. Por enquanto a tática está dando certo.
Mas não apenas no PMDB a prisão de Cunha repercutiu. Prisão tão emblemática é um sinal para a classe política de que acabou a brincadeira, assim como a condenação do ex-senador Gim Argello a 19 anos de cadeia deixou a classe em polvorosa.
A prisão preventiva decretada pelo juiz Sérgio Moro também serve para desacreditar de vez a tese de que o PT e Lula, seu principal líder, estavam sendo perseguidos seletivamente por Moro e os procuradores de Curitiba. Parecia óbvio, quando foi anunciada, que a prisão por tempo indeterminado se baseava na atuação de Cunha de obstrução da Justiça, e foi isso que Moro alegou. Os procuradores da Lava-Jato sustentam que a liberdade do ex-parlamentar representava risco à instrução do processo, à ordem pública, e abria brecha para uma eventual fuga do acusado, em virtude da disponibilidade de recursos ocultos do peemedebista no exterior, com que concordou Moro.
Segundo o despacho do juiz de Curitiba, foi o “modus operandi” de Eduardo Cunha que motivou sua prisão. “Considerando o histórico de conduta e o modus operandi, remanescem riscos de que, em liberdade, possa o acusado Eduardo Cosentino da Cunha, diretamente ou por terceiros, praticar novos atos de obstrução da Justiça, colocando em risco a investigação, a instrução e a própria definição, através do devido processo, de suas eventuais responsabilidades criminais. (...) Presente, portanto, risco à investigação, à instrução e de forma mais geral à integridade do processo, o que é causa para a prisão preventiva”.
Moro classificou Cunha de “criminoso serial”, e embora esteja sendo processado neste caso pela propina que é acusado de ter recebido pela compra de um campo de petróleo pela Petrobras em Benin, na África, o ex-presidente da Câmara tem diversas outras acusações contra ele sendo investigadas e provavelmente será condenado a pena grave.
Por isso, a possibilidade de uma delação premiada por parte dele é vista como alta. Vai ser preciso, porém, negociar com muita paciência, pois o Ministério Público acha que a prisão de Cunha é exemplar, e quer deixá-lo atrás das grades por muito tempo.
Além do mais, será preciso investigar bem para saber o que é verdade e o que é simples vingança de Cunha contra os que considera que o traíram.
Lula quer desmoralizar o Brasil - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 20/10
O herói faz agora o papel de vítima e é assim que doravante se apresentará na grande encenação para o público, daqui e do exterior, na qual o pérfido antagonista é a Justiça brasileira. Réu até agora em três processos que resultaram de investigações sobre corrupção – e na falta de sólidos argumentos de defesa –, Lula da Silva está armando um espetáculo circense para mostrar aos desavisados que o Mal cooptou a Justiça, que se empenha na missão abjeta de condenar um inocente, o homem “mais honesto do Brasil”, punindo-o pelo crime de governar para os pobres.
A politização dos processos judiciais em que Lula está envolvido como réu ou apenas investigado faz parte da estratégia concebida pelo lulopetismo, com a assessoria de uma chusma de advogados, para desviar a atenção da opinião pública das fortes evidências de envolvimento do ex-presidente da República e sua família numa série de episódios suspeitos nos quais se teriam beneficiado de tráfico de influência, de recebimento de vantagens materiais e financeiras indevidas ou pura e simplesmente de propina. Essa estratégia envolve também a tentativa de envolvimento dos brasileiros que ainda apoiam o ex-presidente num clima emocional alimentado por fantasiosas notícias sobre a iminente prisão de Lula. Na última segunda-feira, por exemplo, algumas dezenas de pessoas, munidas de farto material de propaganda impresso, postaram-se diante do apartamento de Lula em São Bernardo para uma “vigília cívica” contra a “ameaça iminente” da prisão do ex-presidente.
No dia seguinte, a Folha de S.Paulo publicou artigo assinado por Lula com o sugestivo título Por que querem me condenar. Começa por afirmar que, desde que ingressou na vida pública sua vida pessoal foi “permanentemente vasculhada”, mas “jamais encontraram um ato desonesto de minha parte”. Acrescenta: “Não posso me calar, porém, diante dos abusos cometidos por agentes do Estado que usam a lei como instrumento de perseguição política”. E explica: “Não é o Lula que pretendem condenar: é o projeto político que represento junto com milhões de brasileiros”. E conclui, dramaticamente: “O que me preocupa, e a todos os democratas, são as contínuas violações ao Estado de Direito”.
Os advogados de Lula, que tentaram em vão, várias vezes, contestar a autoridade e isenção dos magistrados responsáveis por processo em que o ex-presidente está envolvido, voltaram à carga interpelando o desembargador Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, relator dos recursos da Lava Jato, a quem acusam de ter “amizade íntima” com o juiz Sergio Moro. Segundo o ex-ministro Gilberto Carvalho, fiel escudeiro de Lula, essa nova iniciativa obedece “à ordem de não ficar calado”, num processo permanente de “questionamento” de tudo o que já foi ou vier a ser levantado contra Lula.
A até recentemente bem-sucedida trajetória política de Lula foi alavancada pelo marketing. E é com o marketing que ele pretende sair da grossa enrascada em que se meteu. Sem ter elementos concretos e convincentes de defesa, apresenta-se como vítima dos “inimigos do povo”.
Os acontecimentos desta semana revelam, portanto, que se pode esperar daqui para a frente a intensificação e maior contundência da contraofensiva lulista nas áreas judicial e popular. Pode até haver quem entenda que a prisão de Lula poderia favorecer a “causa”, na medida em que criaria uma “enorme comoção nacional” manipulável em benefício dos “interesses populares”. Quem conhece bem o ex-presidente sabe que esse tipo de sacrifício jamais lhe passaria pela cabeça. É claro, portanto, que a estratégia lulista contempla também a necessidade de manter formadores de opinião e detentores do poder considerados confiáveis no exterior providos de argumentos políticos que sejam úteis para a eventualidade de que se torne premente a necessidade de preservar a liberdade de Lula. Ou seja, condenado aqui, procuraria refúgio em regime amigo, apresentando-se, assim, como exilado político.
O homem está disposto a pagar qualquer preço por todas essas precauções. Inclusive o de tentar desmoralizar a Justiça e de apresentar o Brasil, aos olhos da opinião pública mundial, como uma reles ditadura. Mas esse ato de desespero lhe será cobrado pela consciência cívica do País.
O herói faz agora o papel de vítima e é assim que doravante se apresentará na grande encenação para o público, daqui e do exterior, na qual o pérfido antagonista é a Justiça brasileira. Réu até agora em três processos que resultaram de investigações sobre corrupção – e na falta de sólidos argumentos de defesa –, Lula da Silva está armando um espetáculo circense para mostrar aos desavisados que o Mal cooptou a Justiça, que se empenha na missão abjeta de condenar um inocente, o homem “mais honesto do Brasil”, punindo-o pelo crime de governar para os pobres.
A politização dos processos judiciais em que Lula está envolvido como réu ou apenas investigado faz parte da estratégia concebida pelo lulopetismo, com a assessoria de uma chusma de advogados, para desviar a atenção da opinião pública das fortes evidências de envolvimento do ex-presidente da República e sua família numa série de episódios suspeitos nos quais se teriam beneficiado de tráfico de influência, de recebimento de vantagens materiais e financeiras indevidas ou pura e simplesmente de propina. Essa estratégia envolve também a tentativa de envolvimento dos brasileiros que ainda apoiam o ex-presidente num clima emocional alimentado por fantasiosas notícias sobre a iminente prisão de Lula. Na última segunda-feira, por exemplo, algumas dezenas de pessoas, munidas de farto material de propaganda impresso, postaram-se diante do apartamento de Lula em São Bernardo para uma “vigília cívica” contra a “ameaça iminente” da prisão do ex-presidente.
No dia seguinte, a Folha de S.Paulo publicou artigo assinado por Lula com o sugestivo título Por que querem me condenar. Começa por afirmar que, desde que ingressou na vida pública sua vida pessoal foi “permanentemente vasculhada”, mas “jamais encontraram um ato desonesto de minha parte”. Acrescenta: “Não posso me calar, porém, diante dos abusos cometidos por agentes do Estado que usam a lei como instrumento de perseguição política”. E explica: “Não é o Lula que pretendem condenar: é o projeto político que represento junto com milhões de brasileiros”. E conclui, dramaticamente: “O que me preocupa, e a todos os democratas, são as contínuas violações ao Estado de Direito”.
Os advogados de Lula, que tentaram em vão, várias vezes, contestar a autoridade e isenção dos magistrados responsáveis por processo em que o ex-presidente está envolvido, voltaram à carga interpelando o desembargador Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, relator dos recursos da Lava Jato, a quem acusam de ter “amizade íntima” com o juiz Sergio Moro. Segundo o ex-ministro Gilberto Carvalho, fiel escudeiro de Lula, essa nova iniciativa obedece “à ordem de não ficar calado”, num processo permanente de “questionamento” de tudo o que já foi ou vier a ser levantado contra Lula.
A até recentemente bem-sucedida trajetória política de Lula foi alavancada pelo marketing. E é com o marketing que ele pretende sair da grossa enrascada em que se meteu. Sem ter elementos concretos e convincentes de defesa, apresenta-se como vítima dos “inimigos do povo”.
Os acontecimentos desta semana revelam, portanto, que se pode esperar daqui para a frente a intensificação e maior contundência da contraofensiva lulista nas áreas judicial e popular. Pode até haver quem entenda que a prisão de Lula poderia favorecer a “causa”, na medida em que criaria uma “enorme comoção nacional” manipulável em benefício dos “interesses populares”. Quem conhece bem o ex-presidente sabe que esse tipo de sacrifício jamais lhe passaria pela cabeça. É claro, portanto, que a estratégia lulista contempla também a necessidade de manter formadores de opinião e detentores do poder considerados confiáveis no exterior providos de argumentos políticos que sejam úteis para a eventualidade de que se torne premente a necessidade de preservar a liberdade de Lula. Ou seja, condenado aqui, procuraria refúgio em regime amigo, apresentando-se, assim, como exilado político.
O homem está disposto a pagar qualquer preço por todas essas precauções. Inclusive o de tentar desmoralizar a Justiça e de apresentar o Brasil, aos olhos da opinião pública mundial, como uma reles ditadura. Mas esse ato de desespero lhe será cobrado pela consciência cívica do País.