ESTADÃO - 15/10
Nos anos 50 fazia sentido a dicotomia direita x esquerda, mas no Brasil de hoje...
Desde o final de agosto, o status quo político brasileiro foi atingido por três belas pancadas: o impeachment de Dilma Rousseff, a contundente derrota do PT na eleição municipal e a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 (teto de gastos públicos), esta em primeiro turno, mas por larga margem. Considerando, ainda, que as três decorreram direta ou indiretamente da Operação Lava Jato, é razoável conjecturar que o próprio sistema político tende a se alterar em profundidade, e para muito melhor.
O impeachment concretizou-se apesar da fábula do “golpe”, que as forças ditas de esquerda se encarregaram de propagar pelo mundo afora, com zelo suficiente para levar na conversa alguns respeitáveis órgãos da imprensa internacional. Na eleição, o PT venceu em Rio Branco, capital do Acre, mas perdeu em São Bernardo. Em São Paulo, a joia da coroa, o estreante Doria derrotou o incumbente Haddad e, de quebra, três figuras já curtidas desde outros carnavais: Russomanno, Marta Suplicy e Luiza Erundina. No mesmo sentido, a PEC 241 foi aprovada com uma folgada margem de 255 votos (366 a 111), deixando ao menos temporariamente em suspenso aquele monstro a que se convencionou denominar “presidencialismo de coalizão”.
Os efeitos produzidos pela avalanche de corrupção desvendada pela Lava Jato e pelos três episódios que venho de mencionar certamente levarão os pesquisadores políticos acadêmicos e os jornalistas de um modo geral a repensar os esquemas que utilizam em suas análises. Embora não os veja como um grupo homogêneo, creio que a maioria observa a cena pública brasileira por um prisma ideológico, esforçando-se para enquadrar a variedade das questões e dos agentes políticos na dicotomia direita x esquerda. Esse tipo de exercício às vezes abeira-se ao simplório, como na análise do Movimento Brasil Livre (MBL) escrita por dois jornalistas argentinos, Diego González e Julia Muriel Dominzain, publicada esta semana num site denominado America’s Program. Descrevendo o movimento como um dos grupos promotores do “golpe institucional”, os signatários o caracterizam como uma das faces da “nova direita” brasileira, embasando tal caracterização no fato de o MBL pedir o fim da Lei Rouanet, a simplificação do sistema tributário, a privatização dos bancos oficiais e a abertura da economia.
Mas tudo bem, os dois jornalistas citados são argentinos, e quiçá jovens. O problema é que o prisma ideológico a que me refiro remonta aos anos 1950 e raramente é questionado, mantendo uma presença incomodamente dominante no circuito de formação da opinião. Naqueles tempos, inegavelmente, a dicotomia direita x esquerda (ou conservador x progressista) fazia sentido, não exatamente porque uma tivesse mais “sensibilidade social” que a outra, mas porque eram os tempos da guerra fria, que dividira nesses termos não só o Brasil, mas o mundo inteiro. No Brasil de hoje, não há como não entrar na substância. Quem quer conservar o quê? Faz sentido afirmar que é progressista o defensor de estatais semifalidas e do corporativismo sindical, sendo conservador e até reacionário o defensor do mérito, da probidade na administração pública, do mercado e de uma economia mais aberta?
Num livrinho intitulado Partidos Conservadores no Brasil Contemporâneo, publicado no ano 2000, os cientistas políticos Scott Mainwaring, Rachel Meneguello e Timothy Power esmeraram-se no manejo das estatísticas, mas parecem não ter percebido a fragilidade do esquema de análise fundado na dicotomia direita-esquerda, já insinuada no título da obra. “Partidos conservadores” no Brasil contemporâneo? Quais são eles? O polo “não conservador”, como é fácil adivinhar, compreende o PT, o PDT e as pequenas siglas comunistas. Fernando Collor de Mello, cujo PRN era para inglês ver, é descrito como um mero populista, mas esse adjetivo não é aplicado a Lula, sutileza que implicitamente o transforma numa liderança “verdadeiramente” ideológica.
No centro os autores colocam o PMDB e o PSDB – este, porém, pendendo para a direita por causa do papel proeminente que nele desempenha o “neoliberal” Fernando Henrique Cardoso. Do ponto de vista programático, os autores informam que o traço distintivo dos conservadores, nos anos 90, foi o papel dos Estados e mercados (o neoliberalismo tornou-se a bandeira unificadora da agenda política da direita). No Brasil, além do apoio ao governo “neoliberal” de Fernando Henrique, o que distinguiu os conservadores dos partidos de centro e de esquerda foi o fato de enfatizarem mais o crescimento econômico do que a distribuição, bem como o enxugamento da máquina estatal, a redução dos gastos públicos e a privatização. Sobre a iminência da hiperinflação em meados dos anos 90 os autores não se detiveram.
Do ponto de vista eleitoral, os conservadores geralmente se davam mal nas grandes cidades, angariando mais votos nos pequenos municípios que nos grandes centros. Quanto a este ponto, louve-se a isenção valorativa dos autores citados. Em outros tempos, era comum contrapor-se a iluminação ateniense dos grandes centros à treva perpétua dos “grotões”, como se o voto daqueles fosse portador de uma legitimidade superior à destes.
Embora sucintas, as citações acima devem ser suficientes para evidenciar o arcaísmo dessa estrutura conceitual e as distinções arbitrárias a que ela conduz. Contudo o ponto que desejo frisar é a urgente revisão de tal esquema à luz dos acontecimentos recentes. O que derrubou eleitoralmente o PT não foi a prévia ocorrência do “neoliberalismo” de Fernando Henrique, mas o paleoestatismo ideológico pelo qual se orienta, seus colossais erros de política econômica e a dimensão amazônica da corrupção posta a nu pela Lava Jato.
*Cientista político, é sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro da Academia Paulista de Letras
sábado, outubro 15, 2016
PEC do Teto surge do reconhecimento de que Cocanha só existe na utopia - DEMÉTRIO MAGNOLI
FOLHA DE SP - 15/10
Antonio Palocci está na cadeia. Há 11 anos, à frente do Ministério da Fazenda, ele apresentou a proposta de uma política fiscal contracíclica, que faria a curva do gasto público declinar (em relação ao PIB) nas fases de expansão econômica e crescer nas de recessão.
"Despesa corrente é vida", retrucou a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, crismando como "rudimentar" a ideia de ancorar a trajetória dos gastos na morfologia do ciclo econômico. A colisão no núcleo do governo Lula opunha a política à demagogia. A PEC do Teto, uma resposta ao triunfo da segunda, implica a restauração da primeira.
A divergência entre as curvas do PIB e do gasto público começou no outono do regime militar, acentuando-se com o pacto da redemocratização. Desde 1980, as despesas aumentam, quase incessantemente, em ritmo mais acelerado que o do PIB. No início, financiou-se a cisão insustentável pela emissão de dinheiro, um expediente não negociado politicamente que desaguou na hiperinflação. Mais tarde, com o Plano Real, adotou-se a solução pactuada de ampliação da carga tributária. Finalmente, no primeiro mandato de Dilma, face à impossibilidade política de elevar ainda mais os impostos, o governo decidiu preservar as sacrossantas despesas pelo recurso a uma nova saída não negociada: o crescente endividamento público.
A demagogia ganhou, então, uma auréola virtuosa, fantasiando-se como teoria: "Nova Matriz Econômica". O reino da Cocanha, um mito de raízes medievais, é a terra de abundância e prazeres na qual nenhum desejo será interditado.
Na Cocanha dilmista, a riqueza pública ilimitada propiciaria o atendimento simultâneo de todas as demandas. Podíamos elevar os proventos dos magistrados e aumentar o salário mínimo, erguer as arenas da Copa e construir hospitais, sustentar o crescimento inercial dos dispêndios previdenciários e ampliar os recursos destinados à Educação, garantir tanto o Bolsa-Empresário quanto o Bolsa-Família. A PEC do Teto surge do tardio reconhecimento de que a Cocanha só existe no mundo da utopia.
A política substitui a politicagem quando termina a demagogia. Na disjunção entre uma e outra, nasce um elemento fundamental das democracias: o Orçamento. Sob o paradigma demagógico do endividamento sem limites, como sob a inflação descontrolada, a previsão orçamentária é uma peça ficcional, fabricada por atos rituais do Executivo e do Congresso.
A PEC do Teto estabelece parâmetros políticos para a produção do Orçamento, impondo o debate sobre as prioridades nacionais. Se a riqueza não é infinita, precisamos escolher entre diversas demandas, atribuindo valor a cada uma delas. Política é isso: decidir, pacificamente, entre interesses legítimos conflitantes.
Os inimigos da PEC recusam-se a abandonar o ninho quente da demagogia para levar seus argumentos à áspera praça da política. A discórdia de fundo repousa na forma como se define a sociedade. Os demagogos não enxergam a sociedade como uma comunidade contratual de indivíduos, mas como uma coleção de corporações demandantes -e prometem realizar as vontades delas todas, começando pelas mais articuladas e barulhentas.
A virulenta reação à PEC do Teto evidencia a extensão da derrota sofrida pelos demagogos: eles não perdem uma batalha singular, mas o privilégio de borrar as regras do jogo político.
Nada, na PEC do Teto, autoriza a conclusão de que serão cortados os recursos da Educação ou da Saúde. A PEC tão difamada apenas explicita o conflito distributivo, suprimindo a crença na infinitude de recursos. De agora em diante, a alocação dos gastos públicos dependerá do jogo político.
No fim das contas, os demagogos que clamam contra a "PEC do fim do mundo" têm uma certa razão: a limitação dos gastos implode o reino da Cocanha, esse estranho mundo destinado a consumir-se na falência do Estado.
Antonio Palocci está na cadeia. Há 11 anos, à frente do Ministério da Fazenda, ele apresentou a proposta de uma política fiscal contracíclica, que faria a curva do gasto público declinar (em relação ao PIB) nas fases de expansão econômica e crescer nas de recessão.
"Despesa corrente é vida", retrucou a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, crismando como "rudimentar" a ideia de ancorar a trajetória dos gastos na morfologia do ciclo econômico. A colisão no núcleo do governo Lula opunha a política à demagogia. A PEC do Teto, uma resposta ao triunfo da segunda, implica a restauração da primeira.
A divergência entre as curvas do PIB e do gasto público começou no outono do regime militar, acentuando-se com o pacto da redemocratização. Desde 1980, as despesas aumentam, quase incessantemente, em ritmo mais acelerado que o do PIB. No início, financiou-se a cisão insustentável pela emissão de dinheiro, um expediente não negociado politicamente que desaguou na hiperinflação. Mais tarde, com o Plano Real, adotou-se a solução pactuada de ampliação da carga tributária. Finalmente, no primeiro mandato de Dilma, face à impossibilidade política de elevar ainda mais os impostos, o governo decidiu preservar as sacrossantas despesas pelo recurso a uma nova saída não negociada: o crescente endividamento público.
A demagogia ganhou, então, uma auréola virtuosa, fantasiando-se como teoria: "Nova Matriz Econômica". O reino da Cocanha, um mito de raízes medievais, é a terra de abundância e prazeres na qual nenhum desejo será interditado.
Na Cocanha dilmista, a riqueza pública ilimitada propiciaria o atendimento simultâneo de todas as demandas. Podíamos elevar os proventos dos magistrados e aumentar o salário mínimo, erguer as arenas da Copa e construir hospitais, sustentar o crescimento inercial dos dispêndios previdenciários e ampliar os recursos destinados à Educação, garantir tanto o Bolsa-Empresário quanto o Bolsa-Família. A PEC do Teto surge do tardio reconhecimento de que a Cocanha só existe no mundo da utopia.
A política substitui a politicagem quando termina a demagogia. Na disjunção entre uma e outra, nasce um elemento fundamental das democracias: o Orçamento. Sob o paradigma demagógico do endividamento sem limites, como sob a inflação descontrolada, a previsão orçamentária é uma peça ficcional, fabricada por atos rituais do Executivo e do Congresso.
A PEC do Teto estabelece parâmetros políticos para a produção do Orçamento, impondo o debate sobre as prioridades nacionais. Se a riqueza não é infinita, precisamos escolher entre diversas demandas, atribuindo valor a cada uma delas. Política é isso: decidir, pacificamente, entre interesses legítimos conflitantes.
Os inimigos da PEC recusam-se a abandonar o ninho quente da demagogia para levar seus argumentos à áspera praça da política. A discórdia de fundo repousa na forma como se define a sociedade. Os demagogos não enxergam a sociedade como uma comunidade contratual de indivíduos, mas como uma coleção de corporações demandantes -e prometem realizar as vontades delas todas, começando pelas mais articuladas e barulhentas.
A virulenta reação à PEC do Teto evidencia a extensão da derrota sofrida pelos demagogos: eles não perdem uma batalha singular, mas o privilégio de borrar as regras do jogo político.
Nada, na PEC do Teto, autoriza a conclusão de que serão cortados os recursos da Educação ou da Saúde. A PEC tão difamada apenas explicita o conflito distributivo, suprimindo a crença na infinitude de recursos. De agora em diante, a alocação dos gastos públicos dependerá do jogo político.
No fim das contas, os demagogos que clamam contra a "PEC do fim do mundo" têm uma certa razão: a limitação dos gastos implode o reino da Cocanha, esse estranho mundo destinado a consumir-se na falência do Estado.
Petrobras e os preços - MÍRIAM LEITÃO
O Globo - 15/10
Os preços dos combustíveis caíram, e a ação da Petrobras subiu. Isso, segundo o presidente da empresa, Pedro Parente, é sinal de que o mercado olhou menos para a redução, em si, e mais para o sinal de que a empresa tem agora liberdade para a formação dos seus preços. A Petrobras havia perdido, na média de janeiro a setembro, 14% de participação do mercado de diesel e 4% no de gasolina.
‘Mas isso é na média desses meses, porque, na ponta do período, a empresa estava perdendo em torno de 20%”, disse Pedro Parente.
Outro a comemorar, além da Bovespa, foi o ministro Henrique Meirelles, que considerou que a queda será uma ajuda para reduzir a inflação. No que depender dos revendedores, isso pode não acontecer. Eles dizem que tentarão recompor as margens que teriam sido reduzidas durante os últimos meses. Se o preço não cair na ponta, será uma enorme frustração para o consumidor porque a expectativa é de que caia. Se houver competição entre os postos, entretanto, é possível que o consumidor acabe levando parte dessa diminuição. Em alguns lugares, a redução do preço da Petrobras será maior. No Nordeste, por exemplo, será de 6%, porque lá tem entrado mais combustíveis de outros importadores. Pedro Parente conta que alguns desses importadores fazem operações de transbordo no meio do Rio Amazonas, o que acaba representando também um risco ambiental.
A decisão anunciada ontem pela Petrobras mostra autonomia de gestão, mas não é o anúncio de uma fórmula matemática, como chegou a ser pensada, e usada, no passado.
— A fórmula seria um tabelamento de preços, seria determinística. Colocaríamos algumas variáveis e o preço seria determinado por ela. Isso acabaria sendo uma camisa de força para a empresa também. Na nova política, são levados em consideração vários elementos, mas haverá também um grau de liberdade para a Petrobras — diz Parente.
O controle de preços foi mais um dos raios que caíram sobre a Petrobras nos últimos anos. Os outros foram a corrupção e a má gestão. A interferência do governo impediu o reajuste e elevou o rombo da companhia. Quanto a Petrobras perdeu e o que ela conseguiu recuperar nestes tempos em que os preços ficaram acima dos níveis internacionais? Há cálculos no mercado, mas a empresa não os confirma.
Parente prefere falar da política estabelecida para os preços daqui para diante:
— O que a gente quer é que esse assunto seja natural. Em outros países, a alta e a queda dos combustíveis são normais e não viram notícia de primeira página. Pela avaliação feita na empresa, quanto mais frequente for o ajuste de preços, em todas as direções, mais natural se tornará.
A nova política foi formulada depois de muitos debates internos, que ficaram restrito a um grupo pequeno de pessoas. A partir de agora, o Grupo Executivo de Mercados e Preços vai avaliar os custos, pelo menos uma vez por mês, seguindo a diretriz de nunca ficar abaixo da paridade internacional.
A grande vantagem é que isso dá previsibilidade à política de formação de preços. Por outro lado, sempre se temeu que a Petrobras formulasse seus próprios preços, porque ela tem enorme poder de mercado. O que os dados apresentados agora mostram é que os importadores conseguem empurrar para baixo quando a Petrobras estiver cobrando muito acima do nível internacional. Como empresa que exerceu por décadas o monopólio na lei, ou na prática, ela não tinha concorrentes. Desta vez, a importação conseguiu se organizar para pegar nacos do mercado.
Parente confirma que tem havido enorme interesse na compra da participação na BR Distribuidora no novo modelo em que a Petrobras permanece como a maior acionista, mas com uma fatia abaixo de 49%. A próxima etapa é os interessados assinarem termo de confidencialidade com a empresa. Ele acha que as propostas vinculantes devem ser apresentadas no final do primeiro trimestre de 2017. Se houver igualdade de condições, a decisão será pelo preço. O tempo de conclusão do processo dependerá de quem for o comprador. Se for uma empresa revendedora, precisará ser ouvido o CADE, que pode levar 11 meses para decidir. Se for uma empresa sem atuação na distribuição de combustíveis, o fechamento do negócio será simplificado.
Os preços dos combustíveis caíram, e a ação da Petrobras subiu. Isso, segundo o presidente da empresa, Pedro Parente, é sinal de que o mercado olhou menos para a redução, em si, e mais para o sinal de que a empresa tem agora liberdade para a formação dos seus preços. A Petrobras havia perdido, na média de janeiro a setembro, 14% de participação do mercado de diesel e 4% no de gasolina.
‘Mas isso é na média desses meses, porque, na ponta do período, a empresa estava perdendo em torno de 20%”, disse Pedro Parente.
Outro a comemorar, além da Bovespa, foi o ministro Henrique Meirelles, que considerou que a queda será uma ajuda para reduzir a inflação. No que depender dos revendedores, isso pode não acontecer. Eles dizem que tentarão recompor as margens que teriam sido reduzidas durante os últimos meses. Se o preço não cair na ponta, será uma enorme frustração para o consumidor porque a expectativa é de que caia. Se houver competição entre os postos, entretanto, é possível que o consumidor acabe levando parte dessa diminuição. Em alguns lugares, a redução do preço da Petrobras será maior. No Nordeste, por exemplo, será de 6%, porque lá tem entrado mais combustíveis de outros importadores. Pedro Parente conta que alguns desses importadores fazem operações de transbordo no meio do Rio Amazonas, o que acaba representando também um risco ambiental.
A decisão anunciada ontem pela Petrobras mostra autonomia de gestão, mas não é o anúncio de uma fórmula matemática, como chegou a ser pensada, e usada, no passado.
— A fórmula seria um tabelamento de preços, seria determinística. Colocaríamos algumas variáveis e o preço seria determinado por ela. Isso acabaria sendo uma camisa de força para a empresa também. Na nova política, são levados em consideração vários elementos, mas haverá também um grau de liberdade para a Petrobras — diz Parente.
O controle de preços foi mais um dos raios que caíram sobre a Petrobras nos últimos anos. Os outros foram a corrupção e a má gestão. A interferência do governo impediu o reajuste e elevou o rombo da companhia. Quanto a Petrobras perdeu e o que ela conseguiu recuperar nestes tempos em que os preços ficaram acima dos níveis internacionais? Há cálculos no mercado, mas a empresa não os confirma.
Parente prefere falar da política estabelecida para os preços daqui para diante:
— O que a gente quer é que esse assunto seja natural. Em outros países, a alta e a queda dos combustíveis são normais e não viram notícia de primeira página. Pela avaliação feita na empresa, quanto mais frequente for o ajuste de preços, em todas as direções, mais natural se tornará.
A nova política foi formulada depois de muitos debates internos, que ficaram restrito a um grupo pequeno de pessoas. A partir de agora, o Grupo Executivo de Mercados e Preços vai avaliar os custos, pelo menos uma vez por mês, seguindo a diretriz de nunca ficar abaixo da paridade internacional.
A grande vantagem é que isso dá previsibilidade à política de formação de preços. Por outro lado, sempre se temeu que a Petrobras formulasse seus próprios preços, porque ela tem enorme poder de mercado. O que os dados apresentados agora mostram é que os importadores conseguem empurrar para baixo quando a Petrobras estiver cobrando muito acima do nível internacional. Como empresa que exerceu por décadas o monopólio na lei, ou na prática, ela não tinha concorrentes. Desta vez, a importação conseguiu se organizar para pegar nacos do mercado.
Parente confirma que tem havido enorme interesse na compra da participação na BR Distribuidora no novo modelo em que a Petrobras permanece como a maior acionista, mas com uma fatia abaixo de 49%. A próxima etapa é os interessados assinarem termo de confidencialidade com a empresa. Ele acha que as propostas vinculantes devem ser apresentadas no final do primeiro trimestre de 2017. Se houver igualdade de condições, a decisão será pelo preço. O tempo de conclusão do processo dependerá de quem for o comprador. Se for uma empresa revendedora, precisará ser ouvido o CADE, que pode levar 11 meses para decidir. Se for uma empresa sem atuação na distribuição de combustíveis, o fechamento do negócio será simplificado.
Pensando em 2018 - MERVAL PEREIRA
O Globo - 15/10
Mistura de siglas nas conversas para a eleição de 2018. A ideia de que o vice Michel Temer não tem nada a ver com o presidente Michel Temer é engenhosa, nascida da reconhecida especialidade do constitucionalista Michel Temer, e vai ser ajudada pela mistura de siglas que está em gestação nas conversas políticas para a disputa presidencial de 2018.
Uma chapa Alckmin e Ciro Gomes, o primeiro pelo PSB e o outro pelo PDT, é uma impossibilidade que está sendo aventada nessas especulações. Haverá alguém mais diferente um do outro que esses dois? O que serão capazes de arquitetar juntos? Tão diferentes quanto a ex-presidente, a seca e distante Dilma Rousseff (quem se lembra dela?), e o afável e melífluo Temer.
A política brasileira é interessante. Antes, era possível eleger presidente e vice de chapas diferentes, e deu no que deu. A chapa Jânio-Jango (Jan-Jan) venceu as eleições e resultou numa crise política. Agora que só se pode votar numa chapa, também colhemos crises.
Ressaltar as diferenças faz parte da estratégia do presidente para separar suas responsabilidades das de Dilma nas campanhas de 2010 e 2014, agora manchadas por diversas evidências de corrupção.
A campanha dos petistas contra Temer paradoxalmente o ajuda. Ele se disse em uma carta pessoal um “vice decorativo”. Já estaria com a intenção de demarcar sua separação da titular do cargo? Como os petistas dizem que ele é um usurpador porque não foi eleito presidente, negam-lhe os votos que recebeu, mas, ao mesmo tempo, dão-lhe razão de considerar-se completamente à parte das decisões de campanha.
A chapa Alckmin-Ciro citada acima deve ser alucinação de algum marqueteiro, mas é falada como alternativa caso Alckmin não consiga ser o candidato do PSDB à Presidência em 2018. Iria para o PSB, de seu vice Marcio França, que ganharia de bandeja o governo de SP, podendo até mesmo se candidatar à reeleição.
Mas Ciro mais provavelmente será candidato do PDT em coligação com o PT, que, diz Carlos Lupi, presidente da sigla brizolista, tem de “cair na real” e ver que não tem condições de apresentar nome viável. Mas o peso do PT ainda representa vantagem numa coligação?
Para se ter ideia, nem Lula quer assumir a presidência da sigla, alegando, com razão, que ela precisa de renovação. Mas, nessa misturada de legendas sem programas, o mais provável a assumir a renovação do PT seria o prefeito Fernando Haddad, de SP.
Que, porém, não foi para o 2º turno e está agora trocando afagos com seu algoz, o tucano João Doria, que, mesmo contra parte de seu próprio partido, cena muito própria do PSDB, conseguiu vencer no 1º turno e se impor como um dos novos trunfos da sigla.
Doria disse que Haddad é melhor e maior que o PT, e não se surpreendam se os dois estiverem juntos adiante. Não foi Lula quem disse que escolheu Haddad para candidato a prefeito porque ele tinha pinta de tucano?
O ex-presidente Fernando Henrique, que anda mais preocupado com o clima de tensão política que vivemos do que com costuras partidárias imediatas, revelou outro dia que combinou com Haddad, com quem se dá bem, de irem juntos a um concerto em SP, e depois jantaram em público, apenas para mostrar que não é preciso ser inimigo para ser adversário político.
As declarações frequentes de FH sobre Lula, quando diz, sempre que perguntado, que eventual prisão de Lula não seria de seu agrado, revela a preocupação de distender o ambiente. Embora seja quase certo que Lula considere os comentários um modo indireto de seu inimigo preferido tripudiar de sua situação.
Mas, no próprio PSDB, a disputa entre os 3 potenciais candidatos — Alckmin, Serra e Aécio — vai ter de ser resolvida na base da prévia, que não deu muito certo na disputa da prefeitura de SP. O vereador Andrea Matarazzo, preferido da cúpula tucana, foi derrotado e deixou o partido para ser vice de Marta Suplicy no PMDB. Não deu certo também, e hoje está sendo chamado de volta ao ninho.
FH acha que, como sempre aconteceu, o partido encontrará maneira de manter os três caciques juntos. Mas esta é a 1ª vez que os possíveis derrotados já se posicionam para deixar a legenda. Como o senador Aécio Neves tem o domínio hoje da máquina partidária, Alckmin já estica o olho para o PSB, e o ministro José Serra se posiciona dentro do PMDB.
Talvez por isso Aécio já negocie com Moreira Franco aliança para 2018 entre as duas siglas. Há mais um detalhe para complicar a situação partidária atual, já complicada em excesso. Com a possível aprovação de reforma que reduzirá o número de partidos, e os possíveis efeitos da Lava-Jato sobre algumas das principais legendas, como PT, PMDB e PP, provavelmente nada será como antes quando 2018 chegar.
Mistura de siglas nas conversas para a eleição de 2018. A ideia de que o vice Michel Temer não tem nada a ver com o presidente Michel Temer é engenhosa, nascida da reconhecida especialidade do constitucionalista Michel Temer, e vai ser ajudada pela mistura de siglas que está em gestação nas conversas políticas para a disputa presidencial de 2018.
Uma chapa Alckmin e Ciro Gomes, o primeiro pelo PSB e o outro pelo PDT, é uma impossibilidade que está sendo aventada nessas especulações. Haverá alguém mais diferente um do outro que esses dois? O que serão capazes de arquitetar juntos? Tão diferentes quanto a ex-presidente, a seca e distante Dilma Rousseff (quem se lembra dela?), e o afável e melífluo Temer.
A política brasileira é interessante. Antes, era possível eleger presidente e vice de chapas diferentes, e deu no que deu. A chapa Jânio-Jango (Jan-Jan) venceu as eleições e resultou numa crise política. Agora que só se pode votar numa chapa, também colhemos crises.
Ressaltar as diferenças faz parte da estratégia do presidente para separar suas responsabilidades das de Dilma nas campanhas de 2010 e 2014, agora manchadas por diversas evidências de corrupção.
A campanha dos petistas contra Temer paradoxalmente o ajuda. Ele se disse em uma carta pessoal um “vice decorativo”. Já estaria com a intenção de demarcar sua separação da titular do cargo? Como os petistas dizem que ele é um usurpador porque não foi eleito presidente, negam-lhe os votos que recebeu, mas, ao mesmo tempo, dão-lhe razão de considerar-se completamente à parte das decisões de campanha.
A chapa Alckmin-Ciro citada acima deve ser alucinação de algum marqueteiro, mas é falada como alternativa caso Alckmin não consiga ser o candidato do PSDB à Presidência em 2018. Iria para o PSB, de seu vice Marcio França, que ganharia de bandeja o governo de SP, podendo até mesmo se candidatar à reeleição.
Mas Ciro mais provavelmente será candidato do PDT em coligação com o PT, que, diz Carlos Lupi, presidente da sigla brizolista, tem de “cair na real” e ver que não tem condições de apresentar nome viável. Mas o peso do PT ainda representa vantagem numa coligação?
Para se ter ideia, nem Lula quer assumir a presidência da sigla, alegando, com razão, que ela precisa de renovação. Mas, nessa misturada de legendas sem programas, o mais provável a assumir a renovação do PT seria o prefeito Fernando Haddad, de SP.
Que, porém, não foi para o 2º turno e está agora trocando afagos com seu algoz, o tucano João Doria, que, mesmo contra parte de seu próprio partido, cena muito própria do PSDB, conseguiu vencer no 1º turno e se impor como um dos novos trunfos da sigla.
Doria disse que Haddad é melhor e maior que o PT, e não se surpreendam se os dois estiverem juntos adiante. Não foi Lula quem disse que escolheu Haddad para candidato a prefeito porque ele tinha pinta de tucano?
O ex-presidente Fernando Henrique, que anda mais preocupado com o clima de tensão política que vivemos do que com costuras partidárias imediatas, revelou outro dia que combinou com Haddad, com quem se dá bem, de irem juntos a um concerto em SP, e depois jantaram em público, apenas para mostrar que não é preciso ser inimigo para ser adversário político.
As declarações frequentes de FH sobre Lula, quando diz, sempre que perguntado, que eventual prisão de Lula não seria de seu agrado, revela a preocupação de distender o ambiente. Embora seja quase certo que Lula considere os comentários um modo indireto de seu inimigo preferido tripudiar de sua situação.
Mas, no próprio PSDB, a disputa entre os 3 potenciais candidatos — Alckmin, Serra e Aécio — vai ter de ser resolvida na base da prévia, que não deu muito certo na disputa da prefeitura de SP. O vereador Andrea Matarazzo, preferido da cúpula tucana, foi derrotado e deixou o partido para ser vice de Marta Suplicy no PMDB. Não deu certo também, e hoje está sendo chamado de volta ao ninho.
FH acha que, como sempre aconteceu, o partido encontrará maneira de manter os três caciques juntos. Mas esta é a 1ª vez que os possíveis derrotados já se posicionam para deixar a legenda. Como o senador Aécio Neves tem o domínio hoje da máquina partidária, Alckmin já estica o olho para o PSB, e o ministro José Serra se posiciona dentro do PMDB.
Talvez por isso Aécio já negocie com Moreira Franco aliança para 2018 entre as duas siglas. Há mais um detalhe para complicar a situação partidária atual, já complicada em excesso. Com a possível aprovação de reforma que reduzirá o número de partidos, e os possíveis efeitos da Lava-Jato sobre algumas das principais legendas, como PT, PMDB e PP, provavelmente nada será como antes quando 2018 chegar.
Preços livres - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 15/10
Com a nova política de preços de combustíveisanunciada nesta sexta-feira (14), a Petrobras indica que daqui para a frente pautará suas decisões pela própria saúde financeira e operacional, e não mais pelas injunções políticas.
Trata-se de mudança radical em relação ao padrão das gestões anteriores, que se submetiam à vontade do governo para alterar os preços.
A partir de agora, membros da diretoria se reunirão mensalmente para determinar os valores com base sobretudo no preço internacional, considerando além disso uma margem para cobrir riscos e compensar impostos.
A concorrência de outras empresas na distribuição de combustíveis no mercado local também entra na conta. A manutenção de preços muito acima dos internacionais vinha prejudicando a participação de mercado da Petrobras —de janeiro a setembro, houve recuo de 4% e 14% para gasolina e diesel, respectivamente.
Em nenhuma hipótese o preço doméstico será inferior ao internacional. O populismo praticado na gestão de Dilma Rousseff (PT) com o intuito de conter a inflação custou à Petrobras um total aproximado de R$ 55 bilhões de 2011 a 2014 —desde então, a inversão das condições possibilitou a compensação de cerca de metade disso.
Dada a melhor situação financeira da Petrobras e o prêmio de 20% ainda existente nos preços locais, a primeira decisão sob a nova política foi no sentido de reduzir a cobrança pelo diesel em 2,7% e pela gasolina em 3,2%. É a primeira vez que isso ocorre desde 2009.
Apesar de essa iniciativa implicar uma diminuição de lucro operacional —contração estimada em R$ 4,5 bilhão—, as ações da estatal subiram 3% na Bolsa. Sinal de que os novos critérios foram bem recebidos pelos acionistas.
Outro efeito indireto benéfico, de curto prazo, é que o corte ajudará a reduzir a inflação de outubro e novembro, contribuindo, ainda que modestamente, para que o Banco Central possa cortar a taxa de juros, na próxima semana.
Se os preços internacionais permanecerem onde estão, deve haver espaço para maior recuo das cotações internas nos próximos meses.
Seja como for, o aspecto positivo a destacar não é a queda dos preços da gasolina no mercado doméstico, mas a liberdade da Petrobras para determiná-los.
Reforça-se a credibilidade da estatal e, indiretamente, também do governo, que pode ter repercussão em outros setores regulados, como geração de energia e infraestrutura. Maior confiança na estabilidade de regras é essencial para a retomada dos investimentos.
Com a nova política de preços de combustíveisanunciada nesta sexta-feira (14), a Petrobras indica que daqui para a frente pautará suas decisões pela própria saúde financeira e operacional, e não mais pelas injunções políticas.
Trata-se de mudança radical em relação ao padrão das gestões anteriores, que se submetiam à vontade do governo para alterar os preços.
A partir de agora, membros da diretoria se reunirão mensalmente para determinar os valores com base sobretudo no preço internacional, considerando além disso uma margem para cobrir riscos e compensar impostos.
A concorrência de outras empresas na distribuição de combustíveis no mercado local também entra na conta. A manutenção de preços muito acima dos internacionais vinha prejudicando a participação de mercado da Petrobras —de janeiro a setembro, houve recuo de 4% e 14% para gasolina e diesel, respectivamente.
Em nenhuma hipótese o preço doméstico será inferior ao internacional. O populismo praticado na gestão de Dilma Rousseff (PT) com o intuito de conter a inflação custou à Petrobras um total aproximado de R$ 55 bilhões de 2011 a 2014 —desde então, a inversão das condições possibilitou a compensação de cerca de metade disso.
Dada a melhor situação financeira da Petrobras e o prêmio de 20% ainda existente nos preços locais, a primeira decisão sob a nova política foi no sentido de reduzir a cobrança pelo diesel em 2,7% e pela gasolina em 3,2%. É a primeira vez que isso ocorre desde 2009.
Apesar de essa iniciativa implicar uma diminuição de lucro operacional —contração estimada em R$ 4,5 bilhão—, as ações da estatal subiram 3% na Bolsa. Sinal de que os novos critérios foram bem recebidos pelos acionistas.
Outro efeito indireto benéfico, de curto prazo, é que o corte ajudará a reduzir a inflação de outubro e novembro, contribuindo, ainda que modestamente, para que o Banco Central possa cortar a taxa de juros, na próxima semana.
Se os preços internacionais permanecerem onde estão, deve haver espaço para maior recuo das cotações internas nos próximos meses.
Seja como for, o aspecto positivo a destacar não é a queda dos preços da gasolina no mercado doméstico, mas a liberdade da Petrobras para determiná-los.
Reforça-se a credibilidade da estatal e, indiretamente, também do governo, que pode ter repercussão em outros setores regulados, como geração de energia e infraestrutura. Maior confiança na estabilidade de regras é essencial para a retomada dos investimentos.
Pente-fino em benefícios gera economia nos gastos - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 15/10
Resultados preliminares de auditoria feita em auxílios-doença e aposentadorias por invalidez indicam haver muito o que avançar na redução de despesas
A grave crise fiscal em andamento tem mostrado em toda a dimensão distorções sérias na forma como o dinheiro do contribuinte é gasto. É quando falta dinheiro que se começa a rever despesas, embora não devesse ser assim em governos, que têm missão delegada pelos eleitores para, entre outras funções, zelar pela melhor aplicação possível dos recursos do contribuinte.
Não tem sido assim. A mesma eficiência em fiscalizar e taxar o pagador de impostos não é adotada nos gastos. E um dos campos em que o desleixo, para dizer o mínimo, fica mais evidente é o das despesas “sociais”.
Com o déficit da Previdência apontando para acima de R$ 100 bilhões e uma recessão que corta receitas, mesmo no governo Dilma já se programava um pente-fino nesses gastos. Com Temer no Planalto, essa espécie de auditoria passou a ser executada, a começar pelo auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez. Os primeiros resultados são aterradores: o exame de 5 mil casos implicou suspensão de 80% dos benefícios.
Metade das pessoas — supostamente impedidas de exercer alguma atividade produtiva — trabalhava e até contribuía para o INSS, algo vetado. Outra parcela, de 20%, sequer era inscrita no INSS. Havia sido beneficiada por decisões judiciais, prova de que há juízes que consideram dever do Estado sustentar qualquer pessoa, mesmo que não tenha contribuído para a Previdência.
A proporção de pessoas que se valeram de veredictos judiciais para se tornar beneficiárias do INSS é bem maior que 20%: das 530.157 pessoas que recebem auxílio-doença, 99,2% conseguiram o benefício ao bater à porta de um juiz.
O critério do pente-fino é rever todo auxílio concedido há mais de dois anos, sem que o beneficiário tenha sido periciado desde então. O resultado desta pequena amostra de 5 mil auxílios-doença prenuncia situações absurdas.
Um dos filões a serem garimpados é a Loas, a Lei Orgânica de Assistência Social. Ela paga um salário mínimo a quem se declare de baixa renda e tenha no mínimo 60 anos ou seja deficiente. Não precisa ter contribuído um mês sequer para a Previdência. De 2002 a 2015, a Loas, de R$ 7,5 bilhões passou a representar R$ 39,6 bilhões na contabilidade das despesas do sistema. As regras do benefício até desestimulam idosos a contribuir para o INSS, porque receberão um salário mínimo de qualquer forma.
Todo este universo de gastos sociais vai se revelando um bilionário espaço vazio em que faltam controles mínimos e normas adequadas a um país de renda média, e em queda. Não se tem receita de economia escandinava para bancar um “estado de bem-estar” de Primeiro Mundo. E, mesmo lá, os tempos já foram melhores.
Emerge também deste pente-fino a confirmação do entendimento equivocado de que cofre público não tem fundo e dinheiro do Tesouro não tem dono. Disso também resulta a crise fiscal.
Resultados preliminares de auditoria feita em auxílios-doença e aposentadorias por invalidez indicam haver muito o que avançar na redução de despesas
A grave crise fiscal em andamento tem mostrado em toda a dimensão distorções sérias na forma como o dinheiro do contribuinte é gasto. É quando falta dinheiro que se começa a rever despesas, embora não devesse ser assim em governos, que têm missão delegada pelos eleitores para, entre outras funções, zelar pela melhor aplicação possível dos recursos do contribuinte.
Não tem sido assim. A mesma eficiência em fiscalizar e taxar o pagador de impostos não é adotada nos gastos. E um dos campos em que o desleixo, para dizer o mínimo, fica mais evidente é o das despesas “sociais”.
Com o déficit da Previdência apontando para acima de R$ 100 bilhões e uma recessão que corta receitas, mesmo no governo Dilma já se programava um pente-fino nesses gastos. Com Temer no Planalto, essa espécie de auditoria passou a ser executada, a começar pelo auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez. Os primeiros resultados são aterradores: o exame de 5 mil casos implicou suspensão de 80% dos benefícios.
Metade das pessoas — supostamente impedidas de exercer alguma atividade produtiva — trabalhava e até contribuía para o INSS, algo vetado. Outra parcela, de 20%, sequer era inscrita no INSS. Havia sido beneficiada por decisões judiciais, prova de que há juízes que consideram dever do Estado sustentar qualquer pessoa, mesmo que não tenha contribuído para a Previdência.
A proporção de pessoas que se valeram de veredictos judiciais para se tornar beneficiárias do INSS é bem maior que 20%: das 530.157 pessoas que recebem auxílio-doença, 99,2% conseguiram o benefício ao bater à porta de um juiz.
O critério do pente-fino é rever todo auxílio concedido há mais de dois anos, sem que o beneficiário tenha sido periciado desde então. O resultado desta pequena amostra de 5 mil auxílios-doença prenuncia situações absurdas.
Um dos filões a serem garimpados é a Loas, a Lei Orgânica de Assistência Social. Ela paga um salário mínimo a quem se declare de baixa renda e tenha no mínimo 60 anos ou seja deficiente. Não precisa ter contribuído um mês sequer para a Previdência. De 2002 a 2015, a Loas, de R$ 7,5 bilhões passou a representar R$ 39,6 bilhões na contabilidade das despesas do sistema. As regras do benefício até desestimulam idosos a contribuir para o INSS, porque receberão um salário mínimo de qualquer forma.
Todo este universo de gastos sociais vai se revelando um bilionário espaço vazio em que faltam controles mínimos e normas adequadas a um país de renda média, e em queda. Não se tem receita de economia escandinava para bancar um “estado de bem-estar” de Primeiro Mundo. E, mesmo lá, os tempos já foram melhores.
Emerge também deste pente-fino a confirmação do entendimento equivocado de que cofre público não tem fundo e dinheiro do Tesouro não tem dono. Disso também resulta a crise fiscal.