terça-feira, outubro 11, 2016

Viajar de táxi era conviver com Donald Trump sem sofrer consequências - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 11/10

O serviço Uber foi legalizado em Portugal. Os motoristas de táxi não gostaram. Prometeram violência ("Porrada não vai faltar!", anunciaram os beneméritos) e alguns cogitam subir os preços em dias feriados.

Sobre a violência, nada de novo: antes da legalização, porrada não faltava. De tal forma que houve espancamentos por engano: o cidadão passava no aeroporto para pegar um amigo e deixava a dentadura como lembrança.

Sobre os preços, será realmente inteligente apimentar a tarifa dos táxis quando a palavra do momento deveria ser "competição"? Até porque os táxis têm uma vantagem competitiva: os respectivos motoristas.

Sei do que falo. Por razões sociológicas, experimentei o Uber. Difícil não ficar impressionado com as qualidades técnicas do serviço: rapidez no atendimento, higiene do automóvel, preços que deixam qualquer cliente a salivar por mais.

Pena que os motoristas do Uber acrescentem pouco à viagem. Uma pessoa faz um comentário –sobre o tempo, sobre o trânsito, sobre a política e seu bestiário– e eles, com uma educação de mordomos ingleses, apenas sorriem ou respondem com monossílabos de psicanalista.

Podemos continuar a picar o bicho, esperando que ele entre na arena com as narinas fumegantes, mas o bicho não se perturba.

Então nós, frustrados e entristecidos, fechamos os olhos e lembramos com saudade de todos os motoristas de táxi que passaram pela nossa vida.

Para começar, os motoristas de táxi com quem convivi eram os mais puros representantes do pessimismo lusitano. As coisas, para eles, não estavam boas nem más; estavam péssimas. E quando havia um elogio meu à cidade, ao trânsito, à vida, eles reagiam como se alguém tivesse insultado suas mães.

Em anos e anos de circulação, só uma vez encontrei um otimista. Ou, pelo menos, alguém que não rebentou com meu otimismo. "Está um belo dia, não acha?", perguntei eu, olhando para o céu radioso de Lisboa.

"Já vi melhor", respondeu ele, angustiado por não conseguir desmentir o óbvio. "Já vi melhor" representa essa feroz resistência às alegrias do presente –e uma nostalgia melancólica, quase patológica, pelo passado.

A filosofia do "já vi melhor" acontece nas pequenas coisas ("antigamente, havia mais respeito") ou nas grandes ("o que era preciso era um Salazar em cada esquina").

Mas os motoristas de táxi que eu conheci não são apenas reacionários genuínos. Alguns vão mais longe e são autênticas preciosidades para um cientista político. Foi nos táxis que aprendi como funciona a mentalidade revolucionária. Políticos incompetentes? Corrupção no governo? Crise no país?

"Era tudo encostadinho na parede" –outra expressão que relembro com carinho. A solução para os problemas sociais –e todos eles tinham a solução– passava por dizimar um número indeterminado de pessoas.

Depois da chacina, era só fazer repousar sobre a pátria uma espécie de lei marcial eterna e tudo encaixava por milagre. O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, não passa de um amador.

Naturalmente, nem todos os motoristas que encontrei sonhavam com a carreira de Pol Pot. Havia os confessionais (que partilhavam desgostos amorosos), os poetas incompreendidos (que me liam os seus sonetos) e até os sábios do cosmos (recordo um que passou a viagem inteira a convencer-me de que os alienígenas éramos nós).

Sem falar dos pequenos Sades (que relatavam aventuras escabrosas com donzelas ocasionais) ou amantes da eugenia (que dissertavam abundantemente sobre as diferentes raças). Viajar de táxi era como conviver com Donald Trump durante alguns minutos sem sofrer as consequências.

Quando o automóvel chegava ao destino, o passageiro sentia que pagava dobrado: pela viagem e pela experiência única de ter visitado um universo paralelo.

Minha pergunta é saber qual o destino desse universo. Que tipo de literatura oral não iremos perder com o Uber? E não será possível arranjar um compromisso?

O Uber veio para ficar –e triunfar. Mas há clientes que sentem falta da velha adrenalina: no fundo, são como fãs de cinema de horror condenados a assistir novelas.

Para esses, o Uber deveria contratar os motoristas de táxi que promete jogar no desemprego. Para que eles ensinassem aos novos motoristas alguns repertórios clássicos –"já vi melhor", "era um Salazar em cada esquina", "tudo encostadinho na parede" etc. Há gostos para tudo –e os gostos, até para evitar porrada, não se discutem.


Teto para todos - EDITORIAL ZERO HORA - RS

ZERO HORA - 11/10

Até se compreende que parlamentares de oposição, por motivos políticos, atuem com o propósito de barrar a proposta de emenda constitucional que estabelece teto para os gastos públicos e que começou a ser votada ontem na Câmara Federal. Difícil de entender — e de aceitar — é a resistência de corporações de servidores públicos, especialmente da Procuradoria-Geral da República, que apela para o princípio constitucional da separação dos poderes com o intuito de manter o direito a reajustes salariais futuros. A independência entre os poderes não pode ser confundida com autonomia administrativa e financeira ilimitada. Os orçamentos de todos os órgãos públicos devem seguir os limites estabelecidos pela lei de diretrizes orçamentárias.

No momento em que o país mexe na Constituição para conter gastos públicos em vez de elevar ainda mais a carga tributária, que já é escorchante, o sacrifício tem que ser compartilhado pelos três poderes. Não pode haver exceção. Os recursos para o custeio das despesas vêm da mesma fonte, o Tesouro Nacional. E a Constituição diz claramente que cabe ao Congresso Nacional definir regras e limites para o uso do dinheiro público.

A nota crítica do Ministério Público, as restrições levantadas pela presidente do Superior Tribunal de Justiça e o movimento das Forças Armadas para ficar fora do teto refletem apenas o apego a situações privilegiadas em relação a outras categorias. Uma eventual abertura de precedente para qualquer dessas organizações poderá comprometer o objetivo da medida, que é exatamente evitar a deterioração das instituições do Estado pelo aprofundamento da crise. Para controlar o crescimento da dívida pública sem disparar o gatilho da inflação, o governo precisa gastar menos do que arrecada. E o caminho mais lógico e sensato é, sem dúvida, o controle de gastos.

Evitar o pior - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 11/10

A PEC do teto de gastos não resolve o problema, mas sem ela a situação se agravaria muito. O economista José Márcio Camargo disse que, se nada fosse feito, o déficit se acumularia e levaria a dívida a 160% do PIB. Hoje, o déficit brasileiro é maior do que o de países da Europa que estiveram em crise, e a dívida bruta chegou a 70%, ponto mais alto da série. A vitória por 366 votos foi significativa, mas é só o primeiro passo.

As projeções são feitas para que possam ser evitadas. Uma dívida de 160% do PIB, como a que foi calculada por Camargo, levaria o país a quebrar antes de ser atingida. A herança mais complexa deixada pelo governo Dilma foi ter posto o país numa dinâmica de elevação da dívida que exigirá do país anos para reverter. No início do seu primeiro mandato, a dívida era 52% do PIB.

No debate na Câmara, ontem, a oposição protestava contra o limite para os gastos, afirmando que levaria à redução de investimentos de saúde e educação, esquecendo que quem levou o país a esta situação dramática foi o governo Dilma. Pelas contas do professor José Márcio Camargo, que as apresentou no jantar de domingo para os deputados, se a PEC for aprovada em todas as várias etapas de tramitação, a dívida vai se estabilizar em 2023 em 90%. A conta foi feita com o cenário de o país crescer em média 2,5% ao ano. Se o país crescer um ponto percentual do PIB a mais, o ajuste será mais rápido.

— Os juros também alteram muito a projeção, mas não funcionaria cortar a Selic na marra, como foi feito entre 2011 e 2013, porque a taxa relevante é o que os investidores cobram para financiar o governo — diz o economista.

A PEC do teto de gastos está longe de ser consenso, mesmo entre os economistas mais próximos ao governo. Felipe Salto, que fez parte da assessoria do senador licenciado José Serra, e a economista Monica de Bolle escreveram juntos um artigo, postado no Blog do Salto, falando dos defeitos da PEC. “Não dá para aprovar algo geral e esperar que pela força da gravidade tudo se resolva.”

Eles criticam o tempo, que acham longo demais, e dizem que o projeto, na prática, “coloca a política fiscal no piloto automático”. Acham ainda que a medida terá efeito nulo no curto prazo porque as despesas serão corrigidas de acordo com a inflação do ano anterior, numa época em que a taxa estará caindo. De fato, as despesas serão corrigidas por 7% em 2017, quando a inflação corrente do ano pode ser de 5% ou menos. Mas isso evitaria as distorções de um corte abrupto.

A crítica feita pela esquerda é que serão cortados os gastos com saúde e educação numa época em que, pela crise e por problemas estruturais, o país precisaria elevar os gastos. A oposição só não diz como aumentar despesas em um país que entrou em crise fiscal aguda por culpa do governo que eles defenderam ou do qual fizeram parte.

O que o governo tenta fazer com essa mudança constitucional é evitar que as despesas continuem com sua forte alta em termos reais e, ao mesmo tempo, dar um horizonte que leve à queda futura dos déficits primário e nominal. Como se sabe, na economia, os eventos futuros são trazidos a valor presente e passam a fazer efeito agora. Se as projeções levarem a uma explosão da dívida/PIB, a crise de confiança acontece agora. Se, ao contrário, são tomadas medidas para evitar essa explosão, os efeitos benéficos acontecem no presente.

Só acha que nada precisa ser feito quem não se importa com a responsabilidade fiscal, quem não tem noção dos efeitos perversos que a desorganização das contas do governo provoca na economia. Para se ter uma ideia de como o país se agravou nos últimos anos, o déficit nominal do Brasil, quando entram na conta os gastos com juros, já é pior do que o de todos os países da zona do euro, incluindo Grécia, Espanha, Irlanda e Portugal. A Irlanda chegou a ter um déficit de 32% do PIB em 2010, com o socorro que o governo deu aos bancos do país após a crise financeira. De lá para cá, fez um forte ajuste, e para este ano o FMI estima uma taxa negativa de apenas 0,6% do PIB. Os gregos tiveram perdão da dívida, mas para este ano já têm um déficit estimado de 3,3%. Espanha e Portugal já têm números entre 3% e 4%. O do Brasil é 9,6%. Deixar tudo como está é flertar com o despenhadeiro.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

Proclamar a República - MARCO ANTONIO VILLA

O GLOBO - 11/10

Lula para presidente, só se for para Presidente Bernardes, presídio de segurança máxima no interior paulista



O 2 de outubro pode ser um divisor de águas na história política brasileira. O recado das urnas foi claro: um rotundo não ao projeto criminoso de poder liderado pelo PT. A fragorosa derrota petista não escolheu lugar. Ocorreu tanto em municípios que eram administrados há pouco tempo pelo partido, como também em outros onde esteve vinculado historicamente, como em São Bernardo do Campo. Lá o candidato petista ficou em terceiro lugar, e o filho do comandante máximo da organização criminosa, no dizer do procurador Deltan Dallagnol, Marcos Lula da Silva, que tentava permanecer na Câmara dos Vereadores, obteve apenas 1.500 votos. E mais, o domínio das áreas pobres da cidade de São Paulo pelo discurso rancoroso petista foi destroçado: das 58 zonas eleitorais, João Doria venceu em 56 e Marta Suplicy em duas. Não custa recordar que o PT tinha vencido três vezes a eleição para a prefeitura da capital paulista: 1988, 2000 e 2012 — e no resto do Estado de São Paulo, das 80 prefeituras restaram apenas sete. Tudo isso onde o partido nasceu e esteve ao longo da mais de 30 anos, com a seção mais bem organizada.

No restante do Brasil, o PT foi derrotado nos principais colégios eleitorais. Mais ainda naqueles onde Lula resolveu fazer campanha. Muitos ainda se iludiram com o potencial de votos que o chefe do petrolão poderia transferir. Mas, como um verdadeiro rei Midas às avessas, por onde passou deixou um território eleitoral devastado. Fortalecendo a análise de que Lula, hoje, nada representa na política brasileira. Que não passa de uma falácia sua candidatura em 2018. Lula para presidente, só se for para Presidente Bernardes, presídio de segurança máxima no interior paulista.

A derrota do projeto criminoso de poder e de seus asseclas abriu um novo momento na política brasileira. A contradição PT versus anti-PT é coisa do passado. Marcou este novo século, mas agora foi relegada a plano secundário. O PT luta para garantir seu registro partidário — isto enquanto a Justiça Eleitoral não colocar em prática a lei 9096/95, artigo 28, especialmente os incisos II e III — e para manter longe das grades suas principais lideranças, especialmente Lula. Neste sentido, o país deu um passo adiante. E que deverá ter um reflexo direto na qualidade do debate político-ideológico, que deve sair do noticiário policial para as editorias de política e economia.

Também no campo do Legislativo os resultados foram positivos. Não ocorreu uma ampla renovação, que seria inimaginável em tão curto espaço de tempo. Mas em várias câmaras municipais foram eleitas novas lideranças. Muitos dos tradicionais puxadores de votos não foram reconduzidos, e as sempre presentes celebridades eleitorais foram derrotadas. E o número de vereadoras eleitas chegou a dobrar, como em São Paulo. Tudo indica que os legislativos municipais poderão, finalmente, exercer suas atribuições constitucionais. E deixar de lado as tristes práticas antirrepublicanas, sendo meros chanceladores da vontade do Executivo. Também nesse caso não significa que será um processo geral, nacional, mas, nos principais colégios eleitorais, a prática política dos vereadores deve mudar.

O Poder Judiciário acabou sendo partícipe direto das eleições. A Lava-Jato foi uma das estrelas. Poucas vezes em um processo eleitoral municipal esteve tão presente temas nacionais. A figura de Sérgio Moro pairou sobre as eleições. E a derrota do PT nos principais colégios eleitorais teve uma ligação direta com as investigações e condenações da 13ª Vara Federal do Paraná. Isto pode ser comprovado comparando-se a eleição paulistana de 1992 com a de 2016. Na primeira, em meio ao processo de impeachment de Fernando Collor, quem venceu foi Paulo Maluf, notabilizado pela trato da coisa pública como coisa privada. Já em 2016, João Doria, o candidato vencedor, deixou bem claro sua oposição ao petismo e às suas práticas administrativas.

A questão que se coloca é se o resultado eleitoral, além da rejeição ao PT, representa uma mudança na política brasileira e na participação dos cidadãos. Ao que parece, pois ainda estamos em pleno calor dos acontecimentos, houve um salto de qualidade. Como estamos em um processo democrático e num país de transições políticas incompletas, não haverá profundas rupturas. O cenário é de alterações pontuais, graduais e de questionamentos das instituições. Há um sentimento de cobrança, de exigência cidadã para que o Estado funcione e trate todos de forma igualitária. Em outras palavras, é o desejo de que a República seja proclamada, pois só foi anunciada em 15 de novembro de 1889.

Para este novo tempo são necessárias novas lideranças ou, ao menos, que as atuais tenham sensibilidade e compromisso com as mudanças. É um desafio complexo, pois a elite está comprometida com a velha forma de fazer política. Este é o principal nó a ser desatado. A crise econômica, neste caso, é de menor importância. O cerne é ter dirigentes que ajam de forma republicana, sintonizados com os sentimentos que as ruas demonstraram neste histórico ano de 2016. As escolhas de bons caminhos para retirar o país da crise depende de bons políticos, daqueles comprometidos com o interesse nacional — e não de grupos que lesam sistematicamente o Erário.

Para que o amanhã não seja o hoje, caberá à sociedade civil — que teve papel central na derrubada do projeto criminoso de poder — continuar mobilizada. E este é um recado também para os dirigentes recém-eleitos. A sociedade amorfa está dando adeus. O Brasil mudou.

Marco Antonio Villa é historiador

O fim da bonança - JOSÉ CASADO

O Globo - 11/10

Queda do preço do petróleo desmontou caixa de corrupção. Inquéritos começam a demonstrar que operações em Angola (e Venezuela) financiavam subornos da Odebrecht.


Passava da meia noite quando Taiguara Rodrigues chamou seu amigo Fábio Del Agnollo no WhatsApp: “Hoje, quando o HOMEM me ligou fiquei felizão”, escreveu. “Mandei SMS e 05 segundos ele me ligou... Quarta estarei com ele”.

Velhos amigos, eles seguiram rotas diferentes no mesmo ramo, o comércio, a partir da mesma cidade, Santos, no litoral paulista. Taiguara atravessou o Atlântico em 2004 e foi ganhar dinheiro em Angola, aproveitando a bonança do petróleo e a circunstância de ser identificado como “sobrinho” do então presidente do Brasil — os laços não eram de sangue, mas de família, pois era sobrinho da primeira mulher do presidente.

“Que show. Ele gosta de vc bastante, nem”, respondeu-lhe Fábio. “Foi online”, contou Taiguara, “Ficou um puta tempo no telefone... Aí ele falou: ‘O que é que está acontecendo, companheiro?’”

“Contei em partes”, continuou Taiguara, “e pedi a reunião.”

“Vai mexer os pauzinhos a teu favor.”

“Vai! Sempre fez.”

“Mesmo tendo muita coisa, África, não pode parar assim, neh”

“Foi o que eu falei pro Presidente de lá... E falei pra ele: ‘Chefe, não me deixa morrer agora! Não estava preparado pra coisas pararem assim de repente... Ele entendeu e vai ajudar ...tenho certeza...”

"E o TIO dando um empurrãozinho... Vai andar...”

“Não tem um cara igual a esse na minha vida. Ele me trata melhor que os filhos”.

No verão daquela sexta-feira de verão, 31 de janeiro do ano passado, o petróleo caíra a um terço do que custava quando Taiguara, o “sobrinho” do presidente, sócio de uma empresa que nunca teve um único empregado, faturou US$ 20 milhões como contratada do grupo Odebrecht em obras do governo de Angola, financiadas com dinheiro do BNDES.

Durante o ciclo de valorização do petróleo, a Odebrecht extraiu lucros anuais de US$ 1 bilhão na Petrobras e de US$ 500 milhões por ano em Angola e Venezuela. Entre 2004 e 2013, as empreiteiras brasileiras exportaram US$ 13 bilhões (R$ 42,9 bilhões) com apoio do banco estatal. O grupo Odebrecht ficou com US$ 7 de cada US$ 10 vendidos, somando US$ 9,8 bilhões, (equivalentes a R$ 32,3 bilhões). Concentrou 96% de todo o crédito público dado às exportações de engenharia.

O fim da bonança petrolífera deixou expostos buracos nas finanças dos governos de Angola e Venezuela, da Odebrecht e da Petrobras. As investigações sobre corrupção no Brasil começam a demonstrar que operações em Angola (e também na Venezuela) sustentavam os pagamentos de subornos da Odebrecht, em operações cruzadas entre Brasil-Portugal-Angola.

Procuradores brasileiros indicam uma rede de negócios obscuros capitaneada pelo empreiteiro Marcelo Odebrecht, em parceria com o ex-presidente Lula e seu antigo ministro da Fazenda Antonio Palocci. As investigações estendem-se por três países.

No Brasil concentra-se em Odebrecht, Lula e Palocci. O ex-ministro da Fazenda, por exemplo, foi preso sob a acusação de intermediar repasses ilegais de R$ 128 milhões, o equivalente a US$ 38,7 milhões, já identificados.

O “sobrinho” de Lula, Taiguara, e seus parceiros João Germano, empresário português, e Helder Beji, funcionário público angolano, são personagens de inquérito no Brasil e em Portugal, assim como os diretores do grupo Asperbras, de Penápolis (SP), cujos contratos em Angola teriam sido intermediados por Palocci. Dois diretores da Asperbras estão presos em Portugal. Seus acionistas, os irmãos Colnaghi, também são investigados na Suíça.

Depois da bonança, sobram agonias.


Ódio a Holiday evidencia farsa do discurso em defesa das 'minorias' - KIM KATAGUIRI

FOLHA DE SP - 11/10

Fernando Holiday, coordenador do MBL, é o vereador eleito mais jovem da cidade de São Paulo. Além disso, é negro, gay, pobre e nasceu na periferia. Seguindo a lógica dos simpatizantes do PT, PSOL, PC do B e afins, essa espécie de "combo" de minorias numa pessoa só deveria servir como símbolo do empoderamento dessas ditas minorias que são, de alguma forma, sistematicamente oprimidas pela sociedade. Na realidade, o que vimos foi uma verdadeira enxurrada de discursos de ódio contra o ativista.

Nos últimos dias, diversos blogs, "intelectuais" e militantes viúvos do petismo desferiram insultos absolutamente abjetos contra Holiday. Com delicadezas que vão de "capitão do mato", "negro da casa-grande" a "bicha homofóbica" e expressões ainda mais baixas, os monopolistas da virtude e da moral mostraram sua verdadeira natureza.

Tudo isso porque Holiday se nega a aceitar o cabresto ideológico dessa gente e pensa com os próprios miolos. Para o pessoal da patrulha, é um absurdo um negro ser contra as cotas, um gay ser contra as "políticas LGBT" –seja lá o que isso significa– ou um pobre ser a favor de privatizações. O discurso em favor dos pobres, contra o racismo e a homofobia desaparece quando a pessoa em questão discorda dos acólitos dessa antilógica.

A onda aumentou quando o jovem vereador eleito se posicionou a favor do corte de pastas como a Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial. Falam como se fosse impossível haver uma política pública contra o racismo sem que haja uma secretaria dedicada exclusivamente à pauta. É a mentalidade da "secretariocracia": tem de haver secretaria das mulheres, dos negros, dos gays, dos ruivos, dos japoneses, etc.

O fato é que secretarias em excesso só servem para manter cabides de emprego e facilitar a vida de quem quer parasitar o dinheiro público. A defesa desse tipo de discurso não passa de puro fisiologismo. Priorizar gastos com cargos inúteis em detrimento de investimentos essenciais em saúde e educação é pura canalhice.

Holiday defende, sim, os negros, os pobres e os gays. Mas não acredita que a solução para os seus problemas esteja em fazer com que o Estado os trate como seres incapazes, inferiores. Ele é uma inspiração, um exemplo e, como diz a máxima latina, "verba mouent exempla trahunt". Holiday quer mostrar que, apesar de todas as dificuldades e de todo tipo de discriminação que sofreu, está conseguindo alcançar o sucesso. A mensagem é simples, poderosa e passa bem longe da demagogia do discurso vitimista: você é senhor da sua própria vida e não há preconceito que o impeça de vencer.

No final das contas, o discurso "pró-minorias" mostra-se mero fruto do oportunismo eleitoral de uma esquerda que não sabe debater pautas econômicas e está desmoralizada demais para discutir o problema da corrupção. Gente que defende esse tipo de discurso não dá a mínima para os negros, os gays, os pobres e as mulheres. Eles apenas os utilizam como bandeira para promover interesses partidários. Se você discorda da ideologia deles, então você pode ser alvo de racismo, machismo e homofobia.

O contrato social - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 11/10

SÃO PAULO - A votação da PEC que limita os gastos públicos é uma votação acerca de qual país queremos ser. Nesse contexto, ela lembra um pouco as teorias contratualistas, que conjecturavam momentos míticos em que a sociedade se reunia para definir quais seriam os pressupostos e as regras sob as quais funcionaria, uma tradição filosófica que começa de forma mais explícita com Hobbes, passa por Locke e Rousseau e chega até John Rawls.

Podemos, é claro, rejeitar a PEC, imaginando que, com isso, generosamente asseguraremos mais dinheiro para investimentos sociais. O problema dessa posição é que ela ignora que os recursos à disposição da sociedade são finitos –e que nós já estamos raspando o tacho.

Se o governo não ajustar voluntariamente suas contas, o mercado fará isso por ele, mas de forma bem mais atabalhoada. O resultado será inflação nas alturas, aperto ainda maior do crédito, quebra de empresas etc.

É verdade que a contenção de gastos não é a única saída. A sociedade também pode decidir que vai equilibrar as contas cobrando mais impostos, receita que estamos seguindo desde os anos 90. O problema aqui é que, de modo geral, quanto mais tributos o Estado joga sobre a sociedade, menos eficiente se torna a economia. E o Brasil já conta com uma carga tributária extremamente elevada para o seu nível de desenvolvimento.

Também é possível, durante certo tempo, adiar decisões difíceis, convertendo a diferença entre o que o governo gasta e o que arrecada em dívida pública. A dificuldade é que já abusamos dessa cartada, e a dívida está assumindo contornos que fazem com que os credores duvidem da capacidade de o Estado honrá-la no futuro e exijam juros cada vez maiores para continuar emprestando.

Diante das pouco atrativas opções, eu votaria a favor da PEC, que tem a virtude de tornar explícitos os conflitos distributivos com os quais lidaremos. O populismo ficará mais difícil.

Sem teto e sem limite - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 11/10

A votação da chamada “PEC dos gastos”, tão fundamental para interromper a caminhada rumo ao abismo, é um excelente momento para uma reflexão nacional: todo mundo se diz a favor das reformas, da austeridade, da responsabilidade fiscal, desde que... não atinja a sua própria corporação e seus privilégios.

Afora uma exceção ou outra, os economistas e especialistas são majoritariamente a favor de um teto de gastos públicos durante os próximos 20 anos, quando o aumento do gasto estará atrelado à inflação do ano anterior. Tem, usa. Não tem, não usa. Mas grupos específicos se armam até os dentes, principalmente de pareceres técnicos, para bombardear uma medida que interessa a todo o País, mas pode, um dia, quem sabe, vir a prejudicá-los.

Foi assim que surgiu do nada, na noite de sexta-feira, a três dias do início da votação, uma “nota técnica” da Procuradoria-Geral da República, mas sem a assinatura de Rodrigo Janot, declarando que a PEC fere a cláusula pétrea da Constituição que estabelece a independência entre os Poderes. Pela nota, o Executivo estaria se arvorando um “superórgão” controlador dos demais Poderes, inviabilizando o cumprimento das funções constitucionais e institucionais do Ministério Público e prejudicando o combate à corrupção.

Nesta segunda-feira, 10, também a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef) recriminou a PEC. No primeiro parágrafo, reclamou genericamente que a medida “reduzirá os gastos federais em educação, saúde e em programas sociais relevantes”. Só no segundo, foi ao ponto central: “A proposta compromete e limita a atuação da Defensoria Pública da União”, pois vai “na contramão da garantia ao acesso à Justiça pela população de baixa renda”. Para bom leitor, o recado é claro: Não mexam nos nossos privilégios!

Pragmático, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso respondeu indiretamente a essas duas críticas ao negar um pedido do PT e do PCdoB para interromper a votação da PEC na Câmara. Ele argumentou que não houve uma “clara violação de cláusula pétrea” e que o Congresso é a instância própria para os debates públicos sobre escolhas políticas feitas pelo Estado e pela sociedade. Sua conclusão: “Salvo hipóteses extremas, não deve o Judiciário coibir a discussão de qualquer matéria de interesse nacional”. Atenção ao “interesse nacional”.

A seu estilo, e sem os limites de um parecer oficial, o também ministro Gilmar Mendes classificou a nota dos procuradores de “absurdo total”, ironizando: “Ela foge ao meu alcance, talvez seja algo muito elevado para a minha inteligência”. E emendou a pergunta incômoda: “Será que a União deve se endividar para pagar os ricos procuradores da República?”. A origem de Gilmar é o MP...

Por falar em “ricos procuradores”, o pesquisador da FGV José Roberto Afonso levantou, e o Estadopublicou, que seis das dez categorias mais bem pagas no País são do serviço público. Num momento, aliás, em que os Estados mal conseguem pagar salários em dia e seis deles, mais o DF, nem têm como pagar o 13.º salário dos funcionários. Uma herança maldita, claro, de gestões populistas que, em nome do estatismo e de um nacionalismo arcaico, incharam a máquina, afugentaram investimentos e deixaram 12 milhões de cidadãos e cidadãs sem emprego.

Apesar de tudo isso, é justamente do serviço público que partem os maiores ataques contra o ajuste fiscal, o teto de gastos, a reforma da Previdência e outras medidas essenciais para reaquecer a economia e combater o dramático desemprego. Todo mundo deve ter direito a bons salários, mas a calamidade atual não está em quem tem renda garantida e, na prática, não pode ser demitido. Está, sim, em quem não tem emprego nem renda. Essa é a prioridade.

Controle sem ideologia - MERVAL PEREIRA

O Globo - 11/10

Com 11 anos de atraso, estamos, afinal, aprovando uma proposta feita pelo então ministro da Fazenda petista, Antonio Palocci, de limitar os gastos do governo. E quem a rejeitara foi a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ao recusar a proposta, classificando-a de “rudimentar”, Dilma alegou que “gasto público é vida”.

O que aconteceu de lá para cá, todos estão sentindo na carne, os mais pobres mais que os outros. Palocci, já notando naquela época que as contas públicas estavam ficando descontroladas, queria limitar os gastos do governo ao crescimento do PIB, e agora o governo Temer propõe a limitação baseada na inflação.

O interessante é que a proposta de limitação de gastos tem um DNA petista. Primeiro Palocci, agora Henrique Meirelles, que Lula queria para ministro da Fazenda de Dilma.

O objetivo comum das duas propostas é equilibrar as contas públicas, que ficaram deterioradas devido à crença de Dilma de que o gasto público não tem limites. Foi o que levou às “pedaladas fiscais”, para gastar o dinheiro que já não havia, e ao seu impeachment.

Ontem, nos debates em plenário, o PT e aliados insistiram que a limitação dos gastos públicos prejudicará as verbas para Educação e Saúde, e foram rebatidos pelos governistas, que ressaltaram que hoje, sim, os serviços públicos, a Saúde e a Educação estão prejudicados pelo fato de o Estado não ter dinheiro para manter os compromissos assumidos. A cifra recorde de 12 milhões de desempregados foi um dos mais fortes argumentos dos governistas.

A posição de diversas corporações, como o Ministério Público Federal, através do parecer do procurador-geral, Rodrigo Janot, teve resposta objetiva de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A Procuradoria-Geral da República definiu a medida como “flagrantemente inconstitucional”, entendendo que daria ao Executivo poderes de um “super órgão”. Gilmar Mendes se colocou em oposição direta ao Ministério Público, mostrando que, num momento de crise, corporações pretendem manter seus privilégios.

Já o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, indeferiu o recurso do PT e do PCdoB contra a PEC 241, ressaltando que “a responsabilidade fiscal é fundamento das economias saudáveis e não tem ideologia”. O ministro Barroso defendeu em seu voto que desrespeitar esse princípio “significa predeterminar o futuro com déficits, inflação, juros altos, desemprego e todas as consequências negativas que dessas disfunções advêm. A democracia, a separação de Poderes e a proteção dos direitos fundamentais decorrem de escolhas orçamentárias transparentes e adequadamente justificadas, e não da realização de gastos superiores às possibilidades do Erário, que comprometem o futuro e cujos ônus recaem sobre as novas gerações”.

Barroso afirmou ainda que é “inadiável” o debate sobre o tamanho do Estado e sobre o limite de gastos. “O Estado no Brasil ficou grande demais, e a sociedade já não consegue sustentá-lo. Trata-se de uma estrutura cara, inchada e que presta serviços deficientes”.

Os parlamentares de oposição alegaram que a PEC 241 objetiva “abolir a separação dos Poderes”, e, como exemplo, afirmaram que o reajuste anual seguiria o IPCA pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma autarquia federal, o que daria uma “proeminência do Poder Executivo sobre os demais”. Barroso, porém, rejeitou essa ilação, afirmando que a ligação do IBGE e do governo “não compromete a credibilidade do instituto”.

No seu voto, Barroso tocou num ponto fundamental: quem decidirá sobre a emenda será o Congresso Nacional, e não a Presidência da República, que não tem poder de sanção ou veto de PECs. “Assim, o papel do Executivo é até menor no processo legislativo ora em questão do que no da elaboração das leis orçamentárias em geral. Tudo isso reforça que a eventual aprovação de emenda constitucional, por quorum parlamentar qualificado, que resulte na imposição de limites à elaboração dos orçamentos, não viola a cláusula pétrea do artigo 60, parágrafo 4º, III, da CRFB/1988”, escreveu, referindo-se às situações que impedem a mudança da Constituição.

Uma luz no fim do túnel - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 11/10

Com o início da votação na Câmara dos Deputados da PEC 241, delineia-se o perfil do governo Temer



A firmeza demonstrada pelo presidente Michel Temer e por seus principais auxiliares na defesa da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que estabelece um teto para os gastos públicos, bem como a cobrança pública, por Temer, de fidelidade dos parlamentares situacionistas na votação da matéria criaram as condições políticas para tornar possível o urgente ajuste das contas públicas e a consequente retomada do crescimento econômico. Com o início da votação na Câmara dos Deputados da PEC 241 – que vem recebendo amplo apoio da sociedade e até de parlamentares da oposição –, delineiam-se o perfil do governo Temer e a esperança nacional de se ver uma luz no fim do túnel. Com intensa atuação na defesa da PEC, o presidente mostrou que não está disposto a permitir que surpresas possam comprometer sua estratégia de combate ao devastador legado do lulopetismo.

A gastança descontrolada promovida pelo populismo irresponsável do governo petista, a pretexto de impor ao País uma “nova matriz econômica” de viés “progressista”, não foi a única, mas é certamente a principal causa da derrocada econômica cujo único benefício proporcionado ao País foi promover o fim do ciclo de poder de Lula e sua tigrada. A correção dos graves erros cometidos ao longo dos 13 anos do domínio lulopetista exige remédios amargos.

A aprovação da PEC 241, tanto por sua importância intrínseca, como pelo sentido simbólico, abrirá caminho para outras propostas de reforma que na sequência serão submetidas ao Congresso Nacional. Foi com essa preocupação que o presidente intensificou seus contatos com os congressistas, dos quais depende a aprovação das medidas – a PEC precisa ser aprovada em votação de dois turnos, por maioria qualificada, na Câmara e depois no Senado –, bem como promoveu o lançamento de ampla campanha de esclarecimento das propostas e de sua necessidade, fortalecida por iniciativa semelhante das principais entidades empresariais do País.

São iniciativas vitais para conquistar o apoio da população às mudanças e reduzir a resistência a elas. Tanto a oposição partidária quanto interesses corporativos de toda natureza estão mobilizados para barrar no Congresso as medidas anticrise. O PT e as organizações partidárias à sua esquerda o fazem por razões ideológicas ou para tentar mostrar que têm algum papel a desempenhar. Nada os dissuade de propagar a falsa ideia de que qualquer medida proposta pelo atual governo está a serviço de uma conspiração permanente das “elites” contra os interesses “do povo”.

Por outro lado, só interesses corporativos podem explicar a iniciativa da Procuradoria-Geral da República (PGR) de solicitar ao Congresso o arquivamento ou a alteração da PEC 241, sob o argumento de que se trata de matéria inconstitucional porque “ofende” a independência e autonomia dos Poderes e, de quebra, pode ameaçar o combate à corrupção via redução de recursos para as investigações. Tanto o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, quanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, reagiram energicamente à iniciativa da PGR. Em nota oficial, o Planalto garantiu que não há “qualquer tratamento discriminatório que possa configurar violação ao princípio da separação dos Poderes”. A resposta mais contundente partiu da liderança do governo na Câmara, assinada por 22 deputados, afirmando que nenhum órgão da administração pública “deve fazer pressão no intuito de manter suas benesses”. O ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, disse não saber qualificar “o absurdo dessa divagação do Ministério Público”.

A PEC do teto foi aprovada, na semana passada, pela comissão especial criada na Câmara para avaliá-la. Ontem, o plenário aprovou, por 255 a 9, a eliminação do intervalo de duas sessões entre a aprovação da PEC na comissão especial e sua votação no plenário. Até o deputado Silvio Costa (PTdoB-PE), feroz defensor da ex-presidente Dilma Rousseff e atual vice-líder da oposição, apoiou a proposta. “Vou votar a favor de 204 milhões de brasileiros, dos homens e mulheres que vão dormir todo o dia com medo de perder o emprego, que não têm estabilidade, dos que estão desempregados”, justificou. Um governista não faria melhor.

Patologia judicial - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 11/10

Pelas boas razões que se conhecem, têm crescido no Brasil o prestígio e a credibilidade de instituições como o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal. Seu ativismo e sua influência no cenário político, contudo, parecem cada vez mais trazer consigo o risco de desfigurar-se em atitudes salvacionistas ou prepotentes.

O noticiário dos últimos dias oferece exemplos lamentáveis dessa exaltação na subjetividade de atores sociais aos quais cumpre, acima de tudo, manter o equilíbrio de julgamento e o respeito à lei.

A pedido de um delegado da PF e contando com a anuência de uma procuradora da República no Distrito Federal, uma juíza de primeira instância em Brasília determinou a quebra do sigilo telefônico de um jornalista da revista "Época", que havia publicado reportagem sobre uma lista de correntistas brasileiros num banco suíço.

A relação constava de relatório sigiloso do Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras). A lei prevê punições aos responsáveis por vazamentos desse tipo.

Convocado pelas autoridades, o jornalista recusou-se a revelar suas fontes. Seu silêncio é garantido pela Constituição; trata-se de princípio adotado em qualquer democracia, no intuito de proteger o exercício dessa profissão. Violá-lo seria fazer da imprensa não um representante do interesse público, mas linha auxiliar das forças policiais.

Zelar pelos segredos sob sua guarda é dever do Estado. À imprensa cabem outros papéis, entre os quais lutar pela transparência em assuntos republicanos.

Enquanto se tenta romper o sigilo telefônico de um jornalista, projeta-se do Ministério Público Federal uma bizarra iniciativa contra a liberdade de expressão.

Um cartaz aparece no portão de um colégio no Rio de Janeiro. Dizia "Fora, Temer". Indignado, o pai de um aluno pede providências. Num equivocado acesso de partidarismo, a diretora da instituição diz concordar com o teor da faixa. Não se tratava disso, evidentemente, mas de garantir o direito dos alunos à livre expressão.

O MPF solicita o enquadramento dos funcionários da escola em delitos administrativos e a retirada dos cartazes. É censura, e das mais ridículas, haja vista a disseminação de tais mensagens.

Também a internet está na mira. A fim de retirar do ar uma simples página que continha ataques a um candidato à Prefeitura de Joinville, um juiz eleitoral ameaçou suspender as atividades do Facebook por 24 horas, o que prejudicaria milhões de usuários da rede no país.

Quando se abandonam o senso de proporção e o respeito aos pilares da democracia, o desequilíbrio e a onipotência surgem como verdadeira patologia dos responsáveis pela guarda da lei e da justiça.

Petrobras pode voltar a crescer na exploração - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 11/10

Desmonte da regulação estatista do pré-sal atrairá investimentos externos para o setor, e a estatal voltará a atuar na área dentro de suas condições financeiras

A aprovação final, na quarta-feira da semana passada, pela Câmara, do texto básico do projeto de lei que retira de sobre a Petrobras o enorme peso de ser monopolista na operação no pré-sal e de ter, de forma compulsória, pelo menos 30% de todos os consórcios que atuem na área foi um passo enorme para a estatal voltar a atuar nesta promissora fronteira de exploração de petróleo e gás.

A agenda do país estava pesada naquele dia. As atenções já se concentravam na PEC do teto e houve o julgamento decisivo no Supremo para firmar a jurisprudência de que pena mantida em segunda instância, por colegiado de juízes, pode começar a ser cumprida. Tratava-se não apenas de tema de grande relevância para reduzir a impunidade em geral, como, em especial, no mundo da corrupção, do criminoso de colarinho branco, como os investigados pela Lava-Jato.

Por isso, a aprovação do projeto de lei, com a exceção de alguns destaques, passou despercebida. As regras estatistas que tornaram o pré-sal pouco atrativo para grandes empresas globais foram idealizadas pelo lulopetismo com base na mesma lógica das políticas de substituição de importações da ditadura militar: impor a fabricação no país do máximo de componentes da indústria do petróleo, o que exigiria uma atuação da Petrobras acima das possibilidades financeiras dela mesma.

Dilapidada pelo esquema também lulopetista do petrolão, a empresa, já superendividada, não teve condições de cumprir o seu novo papel no pré-sal planejado pelo PT. Este projeto megalômano ainda desmorona, enquanto distribui prejuízos bilionários entre bancos estatais e privados, além de fundos de pensão de funcionários de empresas públicas.

Também complicou para o país o fim da era do petróleo acima de US$ 100 o barril — caiu a pouco acima de US$ 20 e agora está em US$ 50 —, o que levou grandes grupos a reduzir investimentos, independentemente da guinada estatizante do Brasil do lulopetismo, já um fator de desestímulo.

Houve ainda a decisão do segundo governo Lula, em 2008, de suspender os leilões, em nome do “bilhete premiado” do pré-sal, para formular o modelo de partilha a ser usado na área. Foram cinco anos sem rodadas de licitações. Perda de tempo e de centenas de milhões de dólares.

As mudanças feitas na regulação do pré-sal pelo projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP) eram pedidas pela Petrobras ainda com Dilma Rousseff no Planalto. Monopolista na operação e sócia compulsória em 30% de todo consórcio, a Petrobras, em séria crise financeira, não podia participar de leilões. Logo, eles não eram marcados.

Agora, como a estatal passou a escolher o consórcio do qual participará, e sem ser obrigada a operar a exploração em todo o pré-sal, voltarão os leilões e os investimentos no setor. E a economia necessita deles de forma vital.

Mas nem todo o terreno está aplainado. Falta redefinir para níveis realistas os índices de nacionalização dos equipamentos a serem usados nestes investimentos. Por serem muito elevados, na regulação estatista do pré-sal, não apenas desestimulam empresas, como elevam o custo de operação da Petrobras e reduzem sua eficiência. Espera-se que seja questão de tempo remover mais este entulho regulatório.