FOLHA DE SP - 05/09
Uma coisa me chama a atenção nos tais jovens críticos: sua intolerância
Nosso mundo contemporâneo é cheio de fetiches sobre seu próprio avanço em relação ao passado. Hoje vou dar dois exemplos de fetiches típicos. O primeiro a ver com a ideia de crítica e de pessoas críticas. O segundo a ver com a ideia de revolução, mais precisamente a revolução sexual.
O primeiro fetiche proponho chamarmos de fetiche da crítica. Este é um dos mais comuns e mais bobos do mundo contemporâneo. Nunca vi gente mais longe de qualquer pensamento que valha a pena do que gente "crítica". Não conheço gente mais chata do que gente "crítica".
O fetiche da crítica aparece muito associado à educação, à arte e à cultura. Você pode ouvir gente falando dele em todo lugar em que muita gente se reúna para pensar a educação, a arte e a cultura.
Como fazer um aluno crítico? Como criar uma arte crítica? Como produzir uma cultura crítica? Minha primeira aposta é que, se você perguntar diretamente para um desses defensores de uma educação crítica, de uma arte crítica e de uma cultura crítica o que é ser crítico, ele vai responder mostrando uma selfie dele numa manifestação na Paulista.
Eu vou dizer para você uma coisa: não conheço aluno mais fechado ao diálogo do que alunos que se consideram críticos. Ser "crítico" nesse caso, basicamente, significa falar mal do capitalismo, do patriarcalismo e dos EUA. Uma banalidade que se ensina em qualquer aula barata de filosofia e sociologia.
Mas uma coisa me chama a atenção nos tais jovens críticos: sua intolerância. Torquemada ficaria com complexo de inferioridade. Não conte com nenhuma autocrítica em gente crítica. Normalmente lê pouco, é afogado em certeza banais do tipo "o mundo seria melhor se fosse como eu descrevi em minha tese", e tem pouco afeto pelo estudo profundo de qualquer coisa.
Aí vai uma característica chocante em gente crítica: não gosta de estudar de fato. Quando fala, fala a partir de uma posição inquestionável. Acho que o motivo dessa atitude é justamente aquele tipo de ignorância marcante em quem conhece pouco de qualquer coisa. Por isso, acho mais importante procurarmos levar um aluno a entender o que um texto quer dizer simplesmente e não levá-lo a ser "crítico". Antes de tudo, podemos perguntar: crítico do que, se, normalmente, mesmo os professores não são críticos de nada a não ser daquilo de que não gostam?
Portanto temo pela educação, pela arte e pela cultura quando se busca formar críticos. O fetiche os leva ao gozo porque, usando essa palavra "crítica", você pode dizer qualquer banalidade que ela soa ungida pelo véu da inteligência.
De minha parte, acho que devemos evitar a palavra "crítica" da mesma forma que devemos evitar palavras como "cabala" ou "energia". Em si, as duas são coisas sérias, mas, no mundo do fetiche da informação como o nosso, as duas não significam muito mais do que palavras vazias de sentido.
Outro fetiche é o da revolução. Toda pessoa crítica faz uma revolução por fim de semana. Mas, entre todas, a mais ridícula é a revolução sexual, aquela que matou o desejo e o afeto entre homens e mulheres. Quando, no futuro, estudarem nossa época, perceberão que, entre as baixas causadas pela gente crítica, estarão o afeto e o desejo. Nunca ambos foram tão falados e tão combatidos a pauladas. Afogados na banalidade das quantidades.
Vejo mesmo uma manifestação de gente crítica e revolucionária na Paulista no futuro. Essa manifestação que tenho na cabeça acontecerá em poucos anos. Se focarmos melhor nossas câmeras, veremos alguns cartazes, claro, todos revolucionários. Perguntará o leitor ingênuo: "A favor do que ou contra o quê?" Gente crítica e revolucionária sempre é a favor de algo ou contra algo.
Alguns desses cartazes dirão frases assim: "Pelo incesto como forma de crítica sexual!", "Por que não posso amar a minha mãe sexualmente?", "Freud morreu: viva o incesto como forma plena do desejo antiedípico!". Teses pelo mundo afora discutirão a nova forma de amor livre: o direito ao incesto.
E, no meio dos cartazes, um outro: "Pelo direito de casar com o meu dobermann!".
FOLHA DE SP - 05/09
BRASÍLIA - Ao voltar da China, Michel Temer começará, de fato, seu governo. Sem as incertezas da interinidade, terá de mudar de estilo. Governar e não ser governado é o que muitos esperam dele.
Sua fala na reunião ministerial, logo depois que tomou posse definitivamente do comando do país, indicou sua maior disposição de governar do que ser governado pelas circunstâncias e pelos apoiadores.
Mandou recados duros aos aliados que flertam com a infidelidade, como os que deram um doce à petista Dilma Rousseff no julgamento do impeachment ao poupar seus direitos de ocupar funções públicas. Foi além. Disse aos insatisfeitos que desembarquem logo na saída.
Temer, se não quiser repetir o final de mandato melancólico de Sarney, não poderá ficar apenas no discurso. Terá de enfrentar temas espinhosos: limitar gastos e fazer as reformas da Previdência e trabalhista.
Iniciativa de propor, ele já indicou que tem. O difícil será convencer seus aliados no Congresso, que ainda parecem sonhar com a fantasia do período dilmista, quando se gastava sem conexão com a realidade.
O fato é que a arte de governar demanda firmeza, algo que andou um pouco em falta na interinidade, mas Temer sinalizou, antes de zarpar para China, que está disposto a vestir este figurino a partir de agora.
Enfim, o destino e a repulsa de boa parte da classe política à petista Dilma Rousseff entregaram a Temer a missão de governar o Brasil. Não é tarefa fácil, num país tomado por corporações, minorias que sugam a maior parte dos recursos dos contribuintes em detrimento da maioria.
Mas governar é isto. Colocar o essencial como inegociável e mostrar a todos sua coragem de defender o interesse da maioria, sem desprezar toda e qualquer minoria.
Uma boa dica, nesta largada, é evitar o risco de tropeçar nas palavras. Mais de 40 foram às ruas neste domingo. E eles fazem parte do Brasil que Temer terá de governar.
ESTADÃO - 05/09
Fecha-se um ciclo, abre-se um novo. Eis o foco do qual não nos podemos desviar
Terminou o longo e penoso ciclo de poder petista. Após 13 anos, o País, enfim, acordou podendo ver uma realidade que lhe era subtraída. O peso da ficção e da ideologia impediam de ver tudo o que estava, contudo, aí! A agora ex-presidente, com sua soberba, foi o triste – e muitas vezes ridículo – epílogo desse período. O Brasil foi a sua vítima.
O profeta da salvação revelou-se um farsante! A promessa de redenção dos pobres levou a um desemprego de aproximadamente 12 milhões de pessoas que, num certo dia, acreditaram na ficção de um discurso, cujos maiores beneficiários foram o PT e as suas empreiteiras. Muitos enriqueceram, enquanto outros, na sociedade, não tinham mais do que viver. Uns falavam em nome dos pobres, enquanto estes ficavam sem dicção.
Lula, o criador, gabava-se de eleger um poste, também denominado criatura. Cioso de sua onipotência, fez com que aos pés deste país se abrisse um abismo, o da recessão, da queda abrupta de renda, da inflação que corrói os salários, da desestruturação do Estado, do sucateamento da Petrobrás, privatizada partidariamente, e assim por diante. Para muitos, a ascensão do PT ao poder foi como um sonho e a sua realização, um poderoso pesadelo.
No atual contexto, o de aprovação do impeachment da agora ex-presidente Dilma Rousseff, deve-se ter em vista que este é o fato essencial, não devendo a visão ser obscurecida pelas artimanhas de último minuto que não a inabilitaram para o exercício de cargos públicos. O principal não pode ceder lugar ao secundário.
De alguns senadores tudo se pode esperar, menos preocupação com o bem coletivo, algo exposto pelo fatiamento bizarro de um artigo constitucional. É como se a Constituição fosse um bolo do qual se pudessem cortar fatias à conveniência de alguns que se pretendem poderosos ou simplesmente gulosos!
A presidente foi apeada do poder e, constitucionalmente, assumiu o vice-presidente, no exercício pleno de suas funções. Fecha-se um ciclo, abre-se um novo. Eis o foco de que não nos podemos desviar. O ganho é imenso! Há apenas um ano, poucos eram os que estavam convencidos de que o PT seria, conforme todas as leis deste país, afastado do poder.
O diferencial reside, neste momento, em que o novo presidente da República deverá continuar perseverando numa mudança da política econômica e das políticas públicas em geral, mostrando que um novo País é possível. Suas sinalizações já foram muito positivas, faltando-lhes, ainda, a concretização em futuro próximo. Vários projetos de lei e emendas constitucionais já se encontram no Congresso Nacional e outros deverão ser enviados em breve espaço de tempo, como os das reformas previdenciária e trabalhista.
O Brasil não pode mais conviver com o descalabro e a herança petistas. A manifestação pública de Michel Temer assumindo o compromisso com essas reformas e propugnando pela pacificação nacional é a expressão clara de que o País caminha para uma transformação decisiva, sem que se perca a percepção de que esse caminho está cheio de percalços e armadilhas. Algumas delas foram bem armadas, como a do aumento salarial para vários setores do funcionalismo público quando, em contraste, quase 12 milhões de pessoas estão desempregadas.
O secundário consiste na manobra conduzida pelo PT e por setores do PMDB, capitaneados pelos senadores Renan Calheiros e Kátia Abreu, para não inabilitar a presidente definitivamente afastada para assumir cargos públicos. O objetivo da manobra estaria em aliviar a pena da ex-presidente, num prenúncio, perigoso, de que a mesma “interpretação” possa ser eventualmente aplicada a condenados pela Operação Lava Jato.
Eis uma amostra dos obstáculos que o presidente Temer terá de enfrentar quando os setores menos qualificados do Senado e da Câmara dos Deputados se insurgirem contra qualquer proposta governamental. Aparentemente, dir-se-ão, por exemplo, defensores de determinados “direitos sociais”, quando, na verdade, estarão apenas atendendo a interesses corporativos e aos seus próprios. Barganhas dos mais diferentes tipos continuarão a aparecer, no molde dessa entre o PT e setores do PMDB, sempre contra os interesses da Nação.
Um exemplo particularmente ilustrativo foi o de uma senadora que produziu uma esquisita “justificativa”, a de que a presidente não deveria ser inabilitada para o exercício de cargos públicos por não poder viver com um rendimento de R$ 5 mil. O discurso foi piegas e teve como suposto argumento o de que a condenação, se não fatiada, seria uma “injustiça”. Estranha noção de injustiça.
O absurdo é visível: uma criminosa por responsabilidade fiscal, responsável pela maior crise recente da História brasileira, com o País arruinado, estaria sendo tratada “injustamente”. Nem uma palavra sobre os milhões de brasileiros que tiveram redução salarial ou lutam para sobreviver e para quem viver com R$ 5 mil por mês não passa de um sonho. Estes, sim, foram tratados injustamente pelo conjunto da obra petista e, em particular, pela presidente que vem de se afastar.
A inversão é total: a responsável por esta calamidade não deveria ser injustamente responsabilizada!
A ex-presidente Dilma, se tem problemas financeiros, poderia procurar emprego nas empresas favorecidas por seu governo. Deveria, isso sim, ser por elas recompensada pelos altos lucros que tornou viáveis. Empreiteiros poderiam empregá-la, claro que agora sem o pagamento de propinas por contratos que irrigavam seus cofres. Deveria ser contratada por sua “competência” administrativa.
O mesmo valeria para alguns bancos que eram recebidos no Palácio do Planalto com tapete vermelho e indicavam ministros da área econômica. Os seus dirigentes eram tratados com o maior esmero. Seria, aliás, o momento da retribuição e da recompensa.
Injusto é o contribuinte pagar por mais esta falta de decoro de senadores, comprometidos em salvar a cara da corrupção petista e da ruína produzida pela ex-presidente Dilma.
*Professor de filosofia na UFRGS.
FOLHA DE SP - 05/09
De cada 100 policiais militares brasileiros, 49 declaram-se pretos ou pardos. Um soldado paulista ganha menos de cinco mínimos mensais. Já protestos de esquerda têm menos pretos e pardos. A renda do militante supera a de uma família chefiada por um soldado PM e, por muito, a de um lar brasileiro típico.
A elite vermelha pretende falar em nome da maioria da população, mas está distante dela. Policiais, desafiados nas ruas a cada manifestação, estão mais próximos da rotina das classes trabalhadoras.
Ninguém se iluda com críticas furiosas da esquerda ao menor sinal de excesso na repressão. A preocupação com a integridade das pessoas —somente das que se chocam com a polícia, nunca das que são vítimas da brutalidade militante— é mero pretexto de uma disputa de poder.
O PT, em autocrítica sincera, arrependeu-se de não ter infiltrado sua ideologia nas Forças Armadas. Lamentou-se por não ter favorecido a ascensão de oficiais alinhados ao partido. A diretriz para as PMs estaduais há de ser a mesma.
Nesse delírio autoritário, elas serão tratadas como inimigas apenas até o momento em que o partido arrebatar-lhes o comando. Depois disso, poderão produzir feridos e cadáveres sem ser incomodadas pelos intelectuais a serviço do futuro.
A esquerda brasileira, da velha e da nova geração, não sepultou a violência política. Nas derivações subletradas do marxismo de hoje, o culto da revolução —o banho de sangue que abriria caminho para o mundo pacificado— deu lugar ao prazer estético da depredação e do confronto provocado com a polícia.
O comitê central circula os alvos: empresários, imprensa, parlamentares, procuradores e juízes são atingidos dia e noite pela acusação de "golpistas". As tropas de assalto nas ruas entendem o recado e partem para a ação. Dilma Rousseff pronuncia a fatwa e vai morar em Ipanema.
ESTADÃO - 05/09
Menos de 5% da população consome 46% do PIB (contado só o por dentro)
Ricardo Lewandowski é o Eduardo Cunha do Judiciário. Não que seja venal ou tenha aquela atitude temerária do outro, mas, no escurinho, anda sempre “tinindo nos cascos” para manipular regimentos e votações colegiadas para “amaciar” penas para meliantes e transformar alhos em bugalhos.
Na semana passada deu um susto no Brasil quando emergiu dos mais recônditos bastidores da “narrativa do golpe” cheio de anotações e deu um tirombaço abaixo da linha d’água do “seu” próprio STF, guardião da Constituição, colocando-a – e a ele até segunda ordem – abaixo do regimento interno do Senado de Renan Calheiros e pondo a bandidagem política como um todo em festa.
Se os seus presididos aceitarem essa demissão virtual por “extinção de função” ou jogarem nas costas do Brasil o ônus do golpe que houve, como querem os autores da “narrativa” do golpe que não houve, terá sido o fim final da batalha épica para fazer a lei e a segurança jurídica imperarem um dia no Brasil.
Esperemos que não o façam. Se alguém tem de ficar desmoralizado, porque não há como sair da encalacrada sem isso, que não sejam o STF, a Constituição e o Brasil. Quem pariu Mateus que o embale...
No mais, vamos perdidos, como sempre, no vácuo entre o Brasil real e o Brasil “da narrativa”, que não se restringe à do golpe ou não golpe.
O governo Temer, tangido pela opinião pública ou por iniciativa própria, tem voltado sempre para o canal certo, até porque não há alternativa para ele fora do canal certo.
O barulho todo que o PT fez, como não se cansam de repetir seus batedores de bumbo, era apenas para “construir a narrativa do golpe” a ser usada mais adiante, quando levar ao nível de saturação do costume a atribuição aos bombeiros do incêndio que ateou. Na verdade, precisa livrar-se do desastre ambulante Dilma Rousseff tanto quanto você e eu e, mais que dela, da herança desses 13 anos de tramoias para nos impor, pela tangência das instituições democráticas, esse “socialismo do século 21” que assola os países que retiraram seus embaixadores em solidariedade ao Chefe de Todos os Chefes caído. Mas não quer dizer que tenham desistido do poder em que tão gostosamente se têm lambuzado.
O impeachment é a única chance de sobrevivência do PT. Se tivesse de descascar sozinho o abacaxi que plantou, não sobraria nem o pouco que sobrou. O problema é que deixar ao PT o comando do naufrágio do navio cujo casco arrombou implicava o suicídio do Brasil, e já. De modo que, com ou sem vaidades e más intenções na carona, assumir a “trolha” era inevitável. Assim se inverteram os papéis: evitar o naufrágio passou a ser a única chance de sobrevivência da oposição. E não há como evitá-lo senão fazendo a coisa certa e, mais ainda, na dose certa.
O Brasil está arrebentado pelo inchaço além de qualquer limite suportável não só do numero de funcionários públicos, mas também do excesso de privilégios que lhes foram concedidos, especialmente à minoria dentro dessa minoria, os “comissionados” e chefetes de encruzilhadas estratégicas do “Sistema” que constituem o núcleo duro da militância do PT que nunca caiu, antes ou depois da ascensão ou da queda do partido. Segundo especialistas acima de qualquer suspeita como Ricardo Paes de Barros, formulador do programa Bolsa Família, esse grupo desfruta salários diretos e indiretos e vantagens tais que “distorcem a estatística de distribuição da renda nacional”. Trata-se, portanto, de uma minoria dentro da minoria que é o funcionalismo como um todo, menos de 5% da população que consome quase a metade do PIB (46% contado só o “por dentro”) e não devolve aos 95% dos quais surrupia esse balúrdio senão humilhações, escândalos e o cipoal legislativo, tributário e burocrático tramado com o propósito específico de impedi-los de trabalhar a menos que comprem por bom preço a isenção a esse inferno.
No campo da Previdência a distorção é maior ainda. Apenas 980 mil aposentados e pensionistas da União produzem um déficit anual de R$ 93 bi, mais que o gerado pelos 32,7 milhões de aposentados e pensionistas do setor privado somados. E há ainda os dos 25 Estados e 5.570 municípios...
Este, não obstante, continua sendo um “não problema” que os governantes e administradores públicos não podem sequer mencionar porque, sendo esse tema uma pauta rigorosamente banida de uma imprensa decidida a não enxergar aquilo que lhe bate na cara, essas contas e a sua tradução “cênica” de tão ricas possibilidades mobilizatórias são mantidas fora do horizonte consciente do brasileiro médio, o que tira dos políticos e administradores públicos bem-intencionados o “álibi” que se requer dentro dessa ditadura velada em que vivemos para jogar a favor dos 95%. Falar do tema por iniciativa própria dentro de qualquer instância política, partidária ou de governo é morte certa.
Prevalece, assim, “a narrativa”, que a imprensa e seus “especialistas” amestrados coonestam, que fala numa vaga “desorganização da economia” herdada de Dilma Rousseff, sem nunca mencionar uma causa localizada, precisa e escandalosamente definida como é de fato a única que existe e, consequentemente, só pode ser combatida por “medidas impopulares” ou “de redução de direitos” não de quem permanece flutuando acintosamente por cima da crise e exigindo mais sangue, mas de quem já está morrendo de anemia.
Se o seu jornal ou canal de TV está entre os que lhe servem toneladas de matérias para demonstrar, por exemplo, que o maior problema do país mais miscigenado e libertino do mundo são o racismo e a repressão sexual, e nem um grama de manchetes e cenas pungentes para cotejar as agruras da “via-crúcis” em que penam os 95% com as doçuras da abundância e da segurança inabalável em que permanecem escondidos os 5% que fabricam crises, mas não as vivem, ele é um dos que estão cometendo o crime de responsabilidade que mantém o País refém dessa máfia. Você deveria cobrá-lo com o rigor que um crime desses merece.
O Globo - 05/09
Ela sempre teve o seu próprio método. Nunca quis aliados, mas devedores de obrigação. Sentia seus desejos como exigência
Ettore Scola, advogado e cineasta italiano, não viveu para filmar o magistrado brasileiro Ricardo Lewandowski, que suavizou, seguro que só tem o céu acima de sua cabeça, a pena da presidente. Mas “Nós que nos amávamos tanto”, seu filme de mais de 40 anos atrás, deveria ser visto por ele, Dilma, Renan e Lula, juntos, para observarem por que a esperança saiu do catálogo das virtudes.
Não aceitar ser julgada, bom Deus, vamos condenar a democracia brasileira à desordem. O político não é lotado no Estado, como o tijolo na parede! A verdade enfrenta um tráfego pesado no mundo. Sou a versão para gringos, o gigante que se debruça sobre ela. Ótimo, a história inicial se perdeu, não vale a pena procurar o seu começo. Encontrei muitas pessoas dispostas a me amarem, mas nada de promiscuidade, meritíssimo. Mantenho meu passado! São sujos! Ora, moça, se aceitou assentar ali bem comportada, enterrou sua ilusão retrospectiva. Acione seus punhos de ferro, mas pense, sua vergonha não passa de orgulho.
Todo julgamento, para conter alguma possibilidade de sucesso para o acusado, deve carregar uma dúvida razoável e necessária, que paralise a consciência de quem julga. Ela sempre teve seu próprio método. Nunca quis aliados, mas devedores de obrigação. Sentia seus desejos como exigência. E, assim, não reconhecia a ninguém o direito de entendê-la. Czarina do czar que a escolheu, caminhava negligente se fazendo dura. Para dar credibilidade à sua história, multiplicou por dez seus inimigos. Povoava seus dias contando traições. Ampliava sua angústia, mas as coisas não ficavam nisso. E aquele quase nada para a razão do outro era reforçado por interlocutores que a faziam escapar mais ainda da realidade. Eles temiam complicações com aquele nenhum talento para a reciprocidade. Sua bossa é botar culpa nos outros. Ela se fatigava e seus amigos a mimavam, dizendo que caminhava para a perfeição.
Tempestade sem relâmpago confundiu seu desencanto com virtude, sua incapacidade com a verdade. Embora vivendo no rebanho comum da política desde sempre, só não era joão-ninguém quem a tolerava. E foi assim, só reconhecendo legitimidade em quem a inocentasse, que entrou naquela sala azul de quase 200 anos.
Ao nomear a realidade de escândalo, a política traz o escândalo para a realidade. E fica dispensada de se convencer que desvios políticos costumam ser sempre obra de panelinhas. Grupos que conquistaram posição estrutural e material acima das condições da sociedade e se alienaram em relação a ela. Suas ideias perdem a maturidade para representar o interesse e a consciência da maioria. E o ciclo histórico de onde vieram se esgota, com seus principais personagens ainda vivos.
Não há necessidade mais de crítica. O argumento tornou-se parasita do problema velho. São anomalias, que serão melhor retratadas pela literatura e o cinema. O que precisamos, agora, é de um movimento abolicionista de práticas antigas.
Não é que ela venha de fora, da conversa, das leituras, da experiência. A liberdade que sustenta a coerência e o respeito à opinião dos outros vem de dentro da pessoa que já tenha dentro dela o gosto pela liberdade.
ESTADÃO - 05/09
O governo deve recuar da decisão de encaminhar a reforma da Previdência ao Congresso antes das eleições de outubro. A desistência será anunciada depois que o presidente Michel Temer voltar ao Brasil, e se deve à pressão da base aliada. Deputados e senadores fizeram chegar ao Planalto que seria um fardo pesado demais defender o projeto que altera as regras para aposentadoria numa campanha já marcada pela dificuldade de financiamento e pelo tempo mais curto para a apresentação dos candidatos.
Temer havia prometido ao PSDB mandar a reforma ao Congresso antes de outubro. Disse aos tucanos, inclusive, que isso resguardaria o governo de ser acusado de cometer “estelionato eleitoral”, deixando a proposta – que é controversa e impopular – para depois que as urnas fossem abertas, poupando candidatos do PMDB e de siglas aliadas do bombardeio de adversários.
Internamente, a decisão de postergar o envio da reforma foi defendida pelo ministro Geddel Vieira Lima, o responsável pela articulação política. O titular da Casa Civil, Eliseu Padilha, que advogava o envio imediato do texto como forma de sinalizar ao mercado o compromisso de Temer com a reforma, está sendo convencido de que atrasá-lo em um mês causará menos prejuízo que não ter o aval imediato da coalizão nem conseguir quórum para começar a discutir o projeto. Depois do feriado, Temer vai reunir o colégio de líderes e os presidentes dos partidos e tirar deles o compromisso com um cronograma e com o mérito da reforma. “Mil caminhos levam a Roma, uns mais curtos e outros mais longos. O mais importante é enviar um projeto que sinalize um compromisso inequívoco deste governo de não deixar a Previdência quebrar, porque é disso que se trata”, afirmou Geddel.
Sem teto solar. Se a reforma pode esperar, a ordem de Temer é pressão total para votar antes de dezembro a proposta de emenda constitucional que limita o crescimento dos gastos do setor público federal à inflação por 20 anos, sem concessões no texto para facilitar sua aprovação. “Teto é teto, e nesse não haverá nenhuma claraboia”, diz Eliseu Padilha.
Xing Ling. Pegou mal a foto do presidente comprando um par de sapatos chinês. Temer ainda aproveitou para comprar um robozinho para o filho, Michelzinho. Acontece que a balança comercial do Brasil com a China é deficitária para calçados e brinquedos. Exportadores brasileiros mandaram recados de que não gostaram das comprinhas.
Como está fica. Embora exista no Supremo Tribunal Federal enorme desconforto com a decisão do Senado de “fatiar” o artigo 52 da Constituição e manter a habilitação de Dilma Rousseff a exercer função pública, a corte deve decidir que os senadores eram os “juízes naturais” do impeachment e, por isso, sua decisão é soberana e tem de prevalecer. Assim pensam três ministros que aceitaram conversar sobre o assunto reservadamente. A outra opção, de rever a decisão, levaria à instabilidade política e institucional mais prejudicial ao país, dizem os magistrados.
Deixa rolar. Se o STF deve fazer vista grossa ao “bypass” constitucional aplicado sob as bênçãos de Ricardo Lewandowski, o governo fará o mesmo na polêmica do reajuste salarial dos ministros da Corte. Mesmo com a chiadeira do PSDB, o Planalto considera inevitável a aprovação do aumento, e diz que ele já está “precificado” no Orçamento. O problema maior é dos Estados.
FOLHA DE SP - 05/09
Acaba de ser encerrado o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, pondo fim a um período de desacato à Constituição e de mentiras sistematicamente construídas para manipular a percepção da população sobre a realidade.
Foi uma importante vitória da democracia brasileira. Mas o desfecho do processo foi imperfeito. Na última volta do ponteiro, partidários da ex-presidente e seus aliados, fiéis ou de ocasião, desrespeitaram a Constituição.
A decisão de fatiar a punição aplicada à ex-presidente é uma afronta à nossa lei maior, às instituições e às regras democráticas do país.
A Constituição é claríssima. Prevê a perda do mandato com inabilitação por oito anos para exercício da função pública em caso de prática de crime de responsabilidade pelo presidente da República. Cindir essas duas penalidades, como fez o Senado, a partir de um mero destaque apresentado pela bancada do PT, é atentar contra o que determina a Carta Magna.
Decisões dessa magnitude não podem ter caráter pessoal, mas institucional. Não se pode interpretar a Constituição de acordo com simpatias pessoais e partidárias ou de acordo com conveniências e circunstâncias.
A decisão que foi tomada vai na contramão das seguranças política e jurídica necessárias ao país e fortalece, na população, a percepção da política como território de conchavos e interesses particulares. Como espaço de impunidade.
Com o tempo, é possível que as verdadeiras motivações do acordo, aparentemente realizado no Senado entre o PT e setores do PMDB, fiquem claras. De todas, a mais constrangedora para os que votaram a favor da tese será a eventual confirmação de que o objetivo final teria sido a possibilidade de garantia de foro privilegiado à ex-presidente. Mas, como disse, essa é uma resposta que só o futuro dará aos brasileiros.
Pelo simbolismo, não passou despercebida, no mesmo dia, a entrevista por ela concedida ao fim da votação do impeachment. Nessa entrevista, ao deixar o governo, o PT ofereceu ao país mais do mesmo: intolerância e mistificação.
Ao invés do reconhecimento da realidade, o engodo da vitimização. Ao invés de uma satisfação aos brasileiros pelo caos a que trouxeram o país, a convocação a uma oposição raivosa ao novo governo.
Ironicamente, foi justamente essa oposição intolerante ao governo do PMDB que parte do PMDB do Senado apoiou ao votar com o PT em defesa da manutenção dos direitos políticos da ex-presidente.
O tempo demonstrará a falácia do discurso do golpe. Mas temos pressa: é preciso que, a partir de agora, haja convergência entre as ações e as palavras do novo governo em uma só direção: a da reconstrução do país.
O Globo - 05/09
A cláusula de votação em bloco teria garantido todos os votos do PMDB contra o fatiamento e também a favor das reformas econômicas
O impeachment presidencial é denunciado por dilmistas e petistas como um “golpe parlamentar”. Seria uma versão politicamente aceitável, nas modernas democracias, do antigo “golpe militar”. E o que teria sido o impeachment de Collor? Um “golpe parlamentar” dos derrotados nas urnas contra o primeiro presidente eleito pelo voto direto após a redemocratização? Teria uma “esquerda” golpista derrubado um fenômeno de
popularidade que ameaçava sua hegemonia sem recorrer a um “golpe revolucionário”?
Seriam os experimentos bolivarianos do “socialismo do século XXI”, com a asfixia do Congresso e do Judiciário, o remédio contra os riscos desse “golpe parlamentar”? Ou teria sido o “fatiamento” do julgamento de Dilma um golpe contra a Constituição, na qual o impedimento e a inabilitação são indissociáveis? Teríamos sido vítimas de um “golpe senatorial” tornado possível pelo presidente do STF? “O que nós assistimos foi o regimento do Senado se impondo sobre a Constituição, algo esdrúxulo”, diz o senador Aécio Neves, em entrevista ao GLOBO deste domingo. “Esse destaque para votação em separado, em relação à Constituição, é no mínimo bizarro, para ser bastante delicado”, comenta Gilmar Mendes, também ministro do STF, sobre o fatiamento da pena. “O episódio do fatiamento demonstrou, mais uma vez, a ambiguidade com que o PMDB atua. Sem o PMDB agindo de forma coesa, as dificuldades de Temer serão quase intransponíveis. A fragilidade das posições do PMDB será o argumento para que outras forças políticas não se exponham na defesa das reformas”, diagnostica Aécio Neves, cobrando de Michel Temer “acabar com as ambiguidades e abandonar os vícios adquiridos na convivência com o PT”.
Ora, faça algo a respeito, diríamos ao presidente do PSDB. Encaminhe uma proposta de reforma política com “cláusulas de desempenho”. Além da “cláusula de representatividade”, inadequadamente designada como “cláusula de barreira”, uma “cláusula de votação em bloco” teria garantido todos os votos do PMDB contra o fatiamento e também a favor das reformas econômicas, por representar o posicionamento majoritário do partido em uma democracia representativa. Os dissidentes poderiam depois abandonar o partido, perdendo o mandato pela “cláusula de fidelidade partidária”.
O Globo - 05/09
Abre-se, finalmente, uma nova era para o Brasil. A Era sem Dilma e sem Dunga.
O que você responderia à pergunta: “Gosta de café com leite”? Que gosta ou que não. A pergunta não comporta outra resposta. Mas se lhe perguntassem se gosta de café e de leite, você poderia responder que gosta dos dois. Ou então que gosta de um deles. A Constituição diz que presidente cassado pelo Senado perde seu mandato e seus direitos políticos. Ponto. É café com leite. Não é café e leite.
ESTÁ NO parágrafo único do artigo 52: “(...) limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. Dito de outra maneira: uma vez condenado, o presidente perderá o cargo com inabilitação, etc e tal...
MAS O MINISTRO Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), aceitou o pedido do PT de fazer duas votações: uma para cassar o mandato de Dilma; a outra para inabilitá-la para o exercício de função pública. Procedeu com base na interpretação de artigos do regimento interno do Senado. Ora, desde quando um regimento pode ser superior à Constituição?
SE O MINISTRO entendeu possível cassar o mandato de Dilma sem inabilitá-la, o contrário poderia ser possível: inabilitá-la para o exercício de cargo público, permitindo, contudo, que presidisse o país até o fim do seu mandato. Que tal? Faria sentido? Dilma continuaria no cargo até 2018 apesar de ter sido condenada por crime de responsabilidade e perdido os direitos políticos.
DILMA ACUSA seus adversários de rasgarem a Constituição para poder cassá-la. Lewandowski fez o mesmo em parceria com um grupo de senadores liderados por Renan Calheiros, que responde a mais processos no STF do que o deputado Eduardo Cunha. Ao que parece, Lewandowski, um jurista sem brilho, ainda paga pedágio por ter sido indicado pelo casal Lula para ministro do STF.
LEWANDOWSKI JOGOU no impeachment como muitas vezes joga um time de várzea. Foi bem até quase o fim. Aí fez uma lambança e perdeu o jogo. Na semana passada, Renan acusou o Senado de ter virado um hospício. Pelo visto, não só o Senado. Dilma falou 16 vezes em “golpe” no seu discurso de despedida do cargo. Mas calou-se sobre o verdadeiro golpe que foi a manutenção dos seus direitos.
“ESTAMOS JUNTOS”, disse Temer a Renan ao tomar posse como presidente da República. Para menos de uma hora depois, reunido com seus ministros, criticar o “acórdão” que salvou os direitos políticos de Dilma. Antes, autorizara o senador Romero Jucá, presidente do PMDB, a recorrer ao STF da bizarra decisão do Senado. Temer de nada sabia, ele jura.
FOSSE VERDADE que Renan e 12 dos 19 senadores do PMDB passaram a perna em Temer, tenderia a agravar-se a situação de um presidente contestado no comando de um governo fraco. Melhor que ele soubesse e que, acostumado a ceder, tivesse abençoado o acordo. Temer quer passar à História como quem arrumou a economia e pacificou o país.
A CRISE POLÍTICA contaminou o STF. Mas se ele quiser, poderá cingi-la ao governo e ao Congresso. Basta anular a decisão monocrática de Lewandowski que permitiu fatiar o resultado do impeachment. A valer a Constituição, o Senado cassou os direitos de Dilma quando lhe cassou o mandato. É bem verdade que o reajuste salarial do Judiciário, a ser votado em breve, depende do Senado. Aí... sei não.
GAZETA DO POVO - PR - 05/09
O presidente tem a oportunidade de realizar as reformas – previdenciária, tributária, trabalhista – que precisam ser levadas a cabo e pode deixar um legado para o país
É compreensível que, antes da votação definitiva do impeachment de Dilma Rousseff no Senado, Michel Temer não pudesse encaminhar ao Congresso Nacional todos os projetos de que gostaria para tirar o país da crise – afinal, o fato de estar ocupando a Presidência da República interinamente era um fator que dificultava as negociações. Mas o cenário mudou radicalmente depois de 31 de agosto. Com o afastamento definitivo de Dilma Rousseff, Temer se livrou da interinidade e tem nas suas mãos uma oportunidade única de conduzir as reformas urgentes e imprescindíveis de que o Brasil tanto precisa.
O contexto atual em que o presidente se encontra lembra, em alguns aspectos, o início do governo de Itamar Franco. Quando assumiu após o impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, Itamar pegou um país com sérios problemas macroeconômicos, dos quais o maior era a hiperinflação que diversos planos econômicos anteriores não haviam conseguido derrotar. O mineiro conseguiu articular um governo de coalizão nacional (do qual o PT se recusou a participar) e implantou o Plano Real, que, no último ano do mandato tampão, debelou a inflação, condição imprescindível para que se pudesse pensar em colocar o país nos trilhos do crescimento para os anos seguintes, especialmente graças ao aumento do poder aquisitivo da população e à estabilidade da economia.
Diferentemente dos tempos de Itamar, Temer leva a vantagem de estar administrando o país em um cenário mais estável, apesar da crise atual. A inflação hoje é alta, mas nem se compara ao período de hiperinflação – em 1993, primeiro ano inteiro sob o governo Itamar, o índice chegou a 2.477,15%. Mesmo assim, conter a inflação continua sendo um desafio, como também o é tirar o país da recessão e reduzir o desemprego. Animador é o fato de que a equipe econômica de Temer é, provavelmente, a melhor desde a época do Plano Real.
Aí reside a chance de Temer deixar um legado para o país, como Itamar deixou o Plano Real. Ele tem a oportunidade de realizar as reformas – previdenciária, tributária, trabalhista – que precisam ser levadas a cabo. Precisará resistir à tentação de ceder ao populismo e às pressões que virão de todos os lados. E deverá, também, se cercar de pessoas competentes e acima de qualquer suspeita, ao contrário dos dias iniciais de sua interinidade, quando levou para a Esplanada até mesmo investigados pela Lava Jato.
E na Lava Jato residem alguns dos fantasmas de Temer. Seu nome é citado em algumas delações, e a operação, por sua vez, tem reflexos na ação que corre no Tribunal Superior Eleitoral contra a chapa vitoriosa de 2014 e cujo desfecho pode levar à perda do cargo. O presidente também precisará demonstrar que ele e sua equipe não irão provocar interferências no trabalho da força-tarefa.
Também no Congresso o presidente não terá vida tão fácil. O fator Eduardo Cunha (PMDB-RJ) precisa ser considerado. Ele ainda detém influência na Câmara e pode usá-la para atrapalhar votações importantes, se isso lhe ajudar a atingir os próprios interesses. Já no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) demonstrou o tamanho de sua força ao conseguir fatiar a votação do impeachment de Dilma Rousseff e preservar os direitos políticos da petista. Calheiros pode usar o poder de articulação que tem dentro do Legislativo para dificultar a aprovação de projetos importantes.
Temer encontra-se diante de uma chance única de fazer a coisa certa, mas terá de ser habilidoso para negociar com as duas casas do Congresso e conseguir avançar no processo de reformas do Estado brasileiro.
ZERO HORA - 05/09
O presidente Michel Temer tem procurado minimizar as reações internas ao seu governo, atitude semelhante à resposta oficial dirigida a desconfianças externas em relação às mudanças políticas no Brasil. Em sua primeira visita oficial ao Exterior depois da posse, o próprio presidente da República admitiu na China ser "mais do que natural" o fato de seu governo não ter apoio unânime nesta fase inicial, definindo o momento como "politicamente complicado" devido ao impeachment. Num país com pressa para fazer sua economia crescer, a persistência de dificuldades políticas além do previsível precisa merecer atenção especial e imediata de integrantes do novo governo.
A primeira missão externa acabou colaborando para uma tentativa de reversão de temores em relação ao cenário político e suas repercussões no plano econômico. Foi a oportunidade de ratificar, perante alguns dos principais parceiros internacionais, prioridades a serem buscadas a partir de agora, e para as quais é vital contar com o apoio do Congresso, sobretudo neste momento de pressão nas ruas.
Além de confirmar o ajuste, com ênfase na fixação de um teto de gastos que contenha a expansão da dívida pública, o presidente também se comprometeu na China em gerar condições mais favoráveis aos negócios. E enumerou entre as prioridades os investimentos em infraestrutura, principalmente na área de concessões de estradas, portos, aeroportos, ferrovias e sistemas de geração e transmissão de energia, que só irão se confirmar num cenário de estabilidade.
Assim como a continuidade do combate à corrupção, a definição de um ambiente favorável aos negócios é precondição para o país reconquistar a confiança dos investidores. Sem crescimento econômico e a consequente recuperação do nível de emprego, será mais difícil para o país livrar-se da instabilidade pela qual todos os brasileiros vêm pagando um preço elevado demais.
ESTADÃO - 05/09
A consumação do segundo impeachment de um presidente da República em pouco mais de duas décadas obriga a uma profunda reflexão sobre a disfuncionalidade do sistema de representação em vigor no Brasil. Desse defeito estrutural decorrem graves riscos para a estabilidade política do País. Tanto no caso de Fernando Collor de Mello em 1992 como no de Dilma Rousseff agora, o que se viu foi o uso do impeachment para apear da Presidência governantes incapazes de arregimentar, por meios legítimos e legais, apoio suficiente no Congresso nem sequer para salvar a pele, que dirá para governar o País.
Os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, como a Lei 1.079, de 1950, previstos para salvaguardar o interesse nacional em casos extremos, são razoavelmente eficazes. Por eles se resolvem os excessos cometidos contra a lei orçamentária e a administração do dinheiro público, como foi o caso de Dilma, e de quebra de decoro, como aconteceu com Collor. O problema, portanto, não reside aí.
O que condena o País a viver crises políticas periódicas é a estrutura viciosa e viciante do sistema partidário e eleitoral. A pretexto de permitir-se a livre manifestação das ideias, foram criadas imensas facilidades para a formação de partidos. São mais de 30, e há outros tantos no forno. Criam-se partidos com mais facilidade do que se abrem negócios de secos e molhados. Não há ideologias e programas para tantos partidos. E muitos deles, de propósito ou por falta do que melhor fazer, se tornam, de fato, agentes de negócios, tendo por capital tempo de propaganda gratuita e como avalistas eleitores ingênuos que sufragam os mais espertos do grupo.
Nesse sistema é praticamente impossível um candidato eleger-se para cargo majoritário – de prefeito a presidente da República – e, ao mesmo tempo, conquistar maioria no Legislativo. Esse sistema é uma fábrica de governos de minoria. É consequência da tendência parlamentarista que teve certo predomínio nos trabalhos da Constituinte de 1988. Mas acabou prevalecendo a ideia presidencialista, o que resultou nesta extravagância que temos de suportar.
Completa sua irracionalidade a clausura em que se transformaram os partidos, devido ao facilitário legal. São eles, na maioria, propriedade titulada de alguns que, para não perder suas posses, restringem o debate interno ao mínimo e impedem a renovação de quadros. Assim, a vida partidária se estiola, nela ficando os de sempre e dela se afastando a juventude idealista disposta a servir à Nação.
Graças ao sistema eleitoral proporcional em vigor, esses partidos conseguem eleger nulidades sem nenhuma representatividade, mas com grande apetite pelas sinecuras que os governos costumam oferecer para compor sua base de apoio. Tal maioria, como é possível depreender, não é nem fiel nem programática: reúne-se e vota a favor do governo somente se for devidamente alimentada. A cada votação, cada um dos parlamentares, como se fosse um partido de si mesmo, apresenta sua fatura ao governo.
Para recuperar o valor do voto, e acabar com esse mercado indecente, seria necessário aprovar um sistema que restabelecesse a relação do eleitor com o eleito. O sistema distrital seria a solução óbvia – cada partido apresenta apenas um candidato por distrito, e quem tiver mais votos leva a vaga. Hoje, o sistema é proporcional, por meio do qual muitos candidatos se elegem sem que o eleitor saiba quem são, fenômeno agravado pela possibilidade de coligações, que permitem a eleição até de quem teve apenas um punhado de votos. A ausência de uma cláusula de barreira suficiente para barrar partidos de aluguel completa a desmoralização do Congresso.
E assim se chega ao centro do problema, que mina o edifício da democracia brasileira. O Congresso deixou de ser o local em que se negociam projetos para o País. Prevalecem os interesses paroquiais, quando não a mais desbragada corrupção, sempre por meio de maiorias de ocasião. Estabelece-se, assim, um círculo vicioso, que nada tem a ver com o desejado mecanismo de freios e contrapesos entre os Poderes, muito menos com governabilidade. Esse sistema não é a causa da corrupção que devora o Tesouro e pisoteia a dignidade da Política. Há sempre a considerar o mal que habita a alma humana. Mas o despautério do sistema é um convite à transgressão. É preciso, com urgência, fazer uma reforma política decente.
O GLOBO - 05/09
O debate mais aceso sobre política fiscal vem de longe. Mais precisamente desde o final do segundo governo Lula, quando a crise mundial, agravada em fins de 2008 pelo estouro definitivo da bolha especulativa imobiliária-financeira americana, serviu de pretexto para, por meio da então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o governo adotar o velho programa econômico do PT — intervencionista e estatista.
A política “anticíclica” de aumento de gastos de custeio também via injeção de recursos do Tesouro em bancos oficiais, para a concessão de créditos subsidiados, era terapia indicada. Mas de forma tópica. Tornou-se, no entanto, perene, entre outros equívocos cometidos.
Os superávits primários — sem considerar os gastos com juros —, imprescindíveis para manter a dívida pública sob controle, passaram a minguar. Lula, quando assumiu, acertou ao manter a política responsável que herdou da gestão de Fernando Henrique, para desgosto da militância lulopetista. Manteve os juros num patamar compatível com a meta de inflação de 4,5% e um superávit numa faixa ligeiramente acima dos 3% do PIB.
Com Dilma no comando da economia, por meio do ministro da Fazenda Guido Mantega, essa política do “tripé” — câmbio flutuante, meta de inflação e responsabilidade fiscal — começou a ser desmontada. Sob o álibi da crise mundial.
Ao assumir a Presidência, em janeiro de 2011, Dilma Rousseff teve poderes absolutos para aprofundar seu modelo, o “novo marco macro-econômico”. Subordinou o Banco Central a seus desígnios, e os juros foram cortados na base da “vontade política”.
Esta estratégia voluntarista, aplicada desde o início de 2009, havia levado o PIB a subir pouco mais de 7% em 2010, ideal para embalar a campanha de Dilma com fanfarras. Como sempre acontece nesses aquecimentos induzidos, a ressaca vem depois.
A inflação se distanciou do centro da meta e encostou no teto de 6,5%, algo muito arriscado numa economia ainda com vários mecanismos de indexação. Em 2011, foi aprovada lei que passou a atrelar o reajuste do salário mínimo à inflação e ao crescimento do PIB. Foi armada uma bomba-relógio fiscal, porque subordinados ao salário mínimo estão os benefícios previdenciários e uma série de outros gastos ditos sociais, a maior parcela do Orçamento.
A insistência nos gastos não reanimou a economia e, pior, passou a reduzir a confiança na própria solvência do Tesouro. A campanha da reeleição, em 2014, jogaria o país no chão — e o próprio governo no impeachment —, pela série de truques contábeis usados para maquiar a real situação da economia e esconder atropelamentos da Lei de Responsabilidade e regras orçamentárias. A desaceleração se aprofundou e criou-se a tempestade perfeita: recessão e a consequente queda de receitas; inflação em alta e, devido à indexação de gastos, despesas ladeira acima. A fórmula da quebra do Tesouro está posta.
Não há como sair da hecatombe sem reformas estruturais, para que os gastos parem de crescer mais que as receitas e o próprio PIB. Trata-se de uma questão aritmética.
FOLHA DE SP - 05/09
A julgar pelo primeiro pronunciamento do presidente Michel Temer (PMDB), o governo se empenhará em aprovar mudanças na legislação trabalhista com vistas a flexibilizar as regras da CLT e fortalecer a negociação coletiva. Insinua que também patrocinará a regulamentação da terceirização.
Não há dúvida que é preciso reformar as arcaicas regras brasileiras, que impõem pesado custo de contratação e demissão e resultam em elevado nível de insegurança jurídica. O Brasil é campeão mundial em ações trabalhistas, contadas aos milhões por ano. A insegurança e o custo redundam em menos empregos de qualidade.
É preciso cautela, porém, no processo de reforma. O paternalismo da lei parte do princípio da fragilidade do empregado frente ao empregador, algo difícil de refutar num país com tamanha desigualdade de renda e instrução.
Por isso, quando se considera reforçar a negociação em relação às garantias da lei, algo que não afronta os preceitos da Organização Internacional do Trabalho, cabe indagar em que condições tais negociações ocorreriam.
Por exemplo, a desigualdade de poder entre empregado e empregador é menor nos segmentos modernos do mercado. Não faz sentido travar ou disciplinar em excesso as tratativas entre iguais, ou quase iguais, que devem ser livres para contratar do modo que melhor entenderem.
Da mesma forma, o crescente setor de serviços exige contratos de trabalho simples e flexíveis. Não se devem tolher novas formas de organização com uma legislação talhada para um capitalismo industrial em boa medida superado.
Presume-se que funcionário representado por um sindicato na negociação coletiva esteja bem protegido, o que recomenda que esta prevaleça sobre o legislado, desde que preservadas garantias constitucionais, com 13º salário e férias.
Outra questão fundamental a ser enfrentada é como conciliar a liberdade de negociação com a estrutura sindical presente, monopolista, sustentada por imposto obrigatório e, muitas vezes, comandada por castas corrompidas que se perpetuam na defesa de seus próprios interesses, mais que os de seus representados.
Para que a autonomia coletiva se consolide sobre a tutela estatal, é necessário caminhar para maior liberdade sindical, algo outrora defendido pela CUT, antes de se acomodar na vizinhança do poder.
O assunto, já se vê, é complexo. Precisa ser debatido sem o recurso fácil de rotular qualquer mudança como perda de direitos.