FOLHA DE SP - 04/09
Escrevo este artigo em 1º de setembro. É um dia simbólico para os dois processos de impeachment vividos pelo país e separados por quase 25 anos. A data é o único ponto em comum entre eles.
Em 1992, nesse dia, duas entidades entraram com uma representação contra mim. Em 1º de setembro de 2015, renomados juristas apresentaram denúncia (aditada em outubro) contra a ex-presidente por crime de responsabilidade.
Aqui acaba a semelhança e aqui começam as disparidades, desde os primeiros aos últimos atos de duas peças que beiram a ficção.
O cotejamento entre os números dos dois processos mostra que, sob a mesma Constituição, sob a mesma lei e sob o mesmo rito, adotaram-se dois pesos, duas medidas.
Basta verificar: o processo da ex-presidente dispôs do triplo do tempo gasto em 1992 -um ano versus quatro meses. A apresentação da denúncia e seu acolhimento pelo presidente da Câmara, naquele ano, deram-se no mesmo dia, 1º de setembro. Dois dias depois, a comissão especial foi instalada.
Em 2015, entre a denúncia inicial (1º/9), o seu acolhimento (2/12) e a instalação da comissão especial (17/3/16) passaram-se 198 dias.
Para o meu afastamento provisório (2/10) bastaram 31 dias. No recente processo, isso se deu em 12/5/16, ou seja, 254 dias após a denúncia inicial. Na fase de admissibilidade no Senado, não houve qualquer participação de minha defesa na comissão. Em 2016, só nessa fase, foram sete participações, incluindo advogado, juristas e ministros de Estado.
Em 1992, o parecer de admissibilidade continha 17 linhas, em meia página, e foi discutido e votado, simbolicamente, em três minutos no Plenário do Senado. Em 2016, o parecer de 128 páginas demandou 20 horas de sessão, foi votado nominalmente e com a participação da defesa.
A sessão de meu julgamento, incluída a suspensão dos trabalhos em função da renúncia e para a posse do vice-presidente, deu-se no dia 29/12 e na madrugada do dia 30. Em 2016, foram cinco dias úteis de intenso trabalho que adentraram madrugadas.
O processo de 1992 foi todo ele reunido em quatro volumes de documentos. O de agora já conta com 72 volumes.
A maior abstração, contudo, foi o ato final das peças. Em 1992, minha renúncia separou as penas de destituição (perda do cargo) da inabilitação para função pública (perda dos direitos políticos).
A resolução do Senado nº 101/92, resultante do processo, é clara: o impeachment ficou prejudicado pela renúncia, mas não a inabilitação por oito anos. Ou seja, o Senado agregou a penalidade, mesmo com a renúncia prévia que extinguiu o objeto do julgamento.
Em 2016, deu-se o inverso. O parágrafo único do artigo 52 da Constituição traz a penalização literalmente conjugada ("perda do cargo com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública"). No entanto, mesmo sem renúncia, o Senado fatiou a pena e transformou o "com" em "e/ou". O mesmo dispositivo diz: "a condenação", e não "as condenações".
Até a questão que respondemos na votação, prevista na lei e reproduzida no painel eletrônico, referia-se textualmente à inabilitação como "consequência" da perda do mandato. O trecho, inconstitucionalmente destacado, não era uma pergunta, era uma assertiva.
Decisões amparadas na subjetividade política precisam de limites da objetividade jurídica. Ontem e hoje, o desacerto prevaleceu.
Ao comparar os dois processos, cabe repetir: o rito era o mesmo; o ritmo, o rigor e, agora, o remate, não. O Senado atentou contra o vernáculo, reescreveu a Constituição. Criou insegurança jurídica e, praticamente, decretou a inexistência da lei no Brasil. Foi um vilipêndio ao bom senso e à razão.
FERNANDO COLLOR, 67, senador por Alagoas (PTC), foi presidente da República
domingo, setembro 04, 2016
Delírio tropical - JORGE MARANHÃO
O GLOBO - 04/09
O país é que exigiu nas ruas o impeachment
A senadora Gleisi Hoffmann sugere que o Senado seja casa de tolerância. Já o cacique Renan rebate que parece hospício. E a presidenta não percebe que está sendo condenada enquanto chefa de governo. Para além do show de horrores — o que é mais grave — perde-se a oportunidade única de enfrentar a questão de fundo do sistema de nossa representação política. Ou não seria total falha de juízo que os senadores tenham promovido “um destaque regimental no texto constitucional”?
O delírio tropical parece ter sido o fundamento sobre o qual construímos nossa cultura de impunidade e jeitinho, nosso pacto pelo fingimento de reduzir tudo a um mero pastiche “para inglês ver”, como na lei da abolição do tráfico de escravos, que retardou em 40 anos a Abolição. Quando culturas politicamente mais maduras se pautam exatamente pela premissa oposta: por ter rabo de palha, a própria condição humana de errar pelo falho juízo para discernir, é que tenho o dever cívico de dar ao outro o direito de me julgar, instaurando-se assim a cultura da mútua responsabilidade da cidadania! Fato a que se referiu Miguel Reale Júnior no seu libelo final, quando desmontou a frágil tese da chantagem de Eduardo Cunha lançada pela defesa: o país é que exigiu nas ruas o impeachment pelo estelionato eleitoral cometido pela presidente eleita na sua campanha de 2014. O problema de tentar enganar a todos a todo tempo é que nem o PT percebeu a gravíssima contradição de que se estava ali a julgar um chefe de Estado por atos típicos de chefe de governo, pois nosso presidencialismo de coalizão não separa as responsabilidades de uma e de outra função.
Nossos senadores insistiram em discutir questões de governo a partir de uma alegada objetividade da acusação que se cingia a dois crimes contra a Lei Orçamentária. Mas retornavam sempre ao bate-boca faccioso, num cenário que mais parecia a Escolinha do Professor Raimundo. Em momento algum tentaram fundamentar o debate em doutrina política séria, mas na mera disputa populista, sabendo que estavam sendo televisados.
O ponto fundamental a ser debatido é o sistema político. Há décadas são pautadas, mas nunca tramitadas, as propostas de reforma política e, no caso deste processo, se evidencia claramente um parlamentarismo de facto, embora não o seja de jure. É de se perguntar se este impeachment nada mais foi do que um recall usurpado pelo Senado, que condenou um presidente da República por crime de responsabilidade por atos típicos de chefe de governo.
Como o chefe de governo coexiste com o chefe de Estado numa só pessoa, sacrifica-se a função do chefe de Estado com a condenação do chefe de governo. Como é inviável transformar nosso presidencialismo de jure, mas não de facto, por que não mitigá-lo, delegando de vez a chefia do governo ao Congresso, num processo muito menos danoso ao país e sem carecer de uma PEC de custosa tramitação? Missão que um Temer tem condições de articular se o melhor de nossa cidadania botar a boca no trombone da mídia.
Perdemos uma grande oportunidade de um sério debate sobre os custos da (in)governabilidade do presidencialismo de coalizão que só provoca corrupção e crises. A gambiarra de um destaque regimental atropelar o texto constitucional, para além da demanda judicial que renderá, mais parece um samba do crioulo doido, o máximo “para inglês ver”.
Jorge Maranhão é diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão
O país é que exigiu nas ruas o impeachment
A senadora Gleisi Hoffmann sugere que o Senado seja casa de tolerância. Já o cacique Renan rebate que parece hospício. E a presidenta não percebe que está sendo condenada enquanto chefa de governo. Para além do show de horrores — o que é mais grave — perde-se a oportunidade única de enfrentar a questão de fundo do sistema de nossa representação política. Ou não seria total falha de juízo que os senadores tenham promovido “um destaque regimental no texto constitucional”?
O delírio tropical parece ter sido o fundamento sobre o qual construímos nossa cultura de impunidade e jeitinho, nosso pacto pelo fingimento de reduzir tudo a um mero pastiche “para inglês ver”, como na lei da abolição do tráfico de escravos, que retardou em 40 anos a Abolição. Quando culturas politicamente mais maduras se pautam exatamente pela premissa oposta: por ter rabo de palha, a própria condição humana de errar pelo falho juízo para discernir, é que tenho o dever cívico de dar ao outro o direito de me julgar, instaurando-se assim a cultura da mútua responsabilidade da cidadania! Fato a que se referiu Miguel Reale Júnior no seu libelo final, quando desmontou a frágil tese da chantagem de Eduardo Cunha lançada pela defesa: o país é que exigiu nas ruas o impeachment pelo estelionato eleitoral cometido pela presidente eleita na sua campanha de 2014. O problema de tentar enganar a todos a todo tempo é que nem o PT percebeu a gravíssima contradição de que se estava ali a julgar um chefe de Estado por atos típicos de chefe de governo, pois nosso presidencialismo de coalizão não separa as responsabilidades de uma e de outra função.
Nossos senadores insistiram em discutir questões de governo a partir de uma alegada objetividade da acusação que se cingia a dois crimes contra a Lei Orçamentária. Mas retornavam sempre ao bate-boca faccioso, num cenário que mais parecia a Escolinha do Professor Raimundo. Em momento algum tentaram fundamentar o debate em doutrina política séria, mas na mera disputa populista, sabendo que estavam sendo televisados.
O ponto fundamental a ser debatido é o sistema político. Há décadas são pautadas, mas nunca tramitadas, as propostas de reforma política e, no caso deste processo, se evidencia claramente um parlamentarismo de facto, embora não o seja de jure. É de se perguntar se este impeachment nada mais foi do que um recall usurpado pelo Senado, que condenou um presidente da República por crime de responsabilidade por atos típicos de chefe de governo.
Como o chefe de governo coexiste com o chefe de Estado numa só pessoa, sacrifica-se a função do chefe de Estado com a condenação do chefe de governo. Como é inviável transformar nosso presidencialismo de jure, mas não de facto, por que não mitigá-lo, delegando de vez a chefia do governo ao Congresso, num processo muito menos danoso ao país e sem carecer de uma PEC de custosa tramitação? Missão que um Temer tem condições de articular se o melhor de nossa cidadania botar a boca no trombone da mídia.
Perdemos uma grande oportunidade de um sério debate sobre os custos da (in)governabilidade do presidencialismo de coalizão que só provoca corrupção e crises. A gambiarra de um destaque regimental atropelar o texto constitucional, para além da demanda judicial que renderá, mais parece um samba do crioulo doido, o máximo “para inglês ver”.
Jorge Maranhão é diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão
A hora da reconstrução - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
ESTADÃO - 04/09
Finalmente, encerrou-se a interminável novela do impedimento da ex-presidente da República. É verdade que o brilho desse processo foi empanado por uma operação jurídica totalmente “tabajara”, como muito bem descrito por Joaquim Barbosa. Comandada por Ricardo Lewandowski e Renan Calheiros transformou-se o que está escrito no Artigo 52 da Constituição (perda do cargo, COM inabilitação) em (perda de cargo, SEM inabilitação). Convenhamos que esse é um feito extraordinário, mas que apenas reafirma a este antigo observador que a lei no Brasil não é, necessariamente, para ser cumprida, mas para ser interpretada.
De todo modo, Michel Temer é presidente pleno e terá pela frente a dura tarefa de reconstruir as condições para o retorno do crescimento no País. Dada a destruição comandada pela ex-presidente e a situação difícil revelada pela queda do PIB no segundo trimestre e pela contínua alta do desemprego, resulta evidente que bons resultados econômicos só aparecerão lentamente. Entretanto, eles são possíveis, como argumentamos a seguir. O novo governo parte com algumas vantagens.
A oposição, apesar de sua estridente gritaria, será fraca, como deverá ficar claro quando soubermos os resultados das eleições municipais. Apenas um dado ilustra o ponto: considerando-se o número de candidatos a prefeito e vereadores, o PT está em oitavo lugar, apenas, entre todas as siglas atuais. Ademais, como vários analistas apontaram, estratégias de vitimização do partido não darão certo, pois os episódios de assalto ao Estado e de corrupção generalizada falam muito mais alto para a população. Como nada é perfeito, os episódios dessa semana mostram que o presidente Temer tem de se preocupar mais com o “fogo amigo”.
É evidente que o governo tem de se posicionar como de transição, única forma de conseguir suporte para avançar na reconstrução econômica.
Também é claro que não existe mais “compreensão” para concessões às corporações, Estados e municípios.
Finalmente, a agenda prioritária é obvia, exceto para os derrotados que estão fora do poder. Como já foi colocado por muitos analistas, o presidente Temer tem dois exemplos históricos a considerar: Sarney, que contemporizou e criou uma enorme crise econômica, ou Itamar, que acabou por enfrentar o problema da inflação. Também por esse lado, é muito evidente qual o caminho que o novo governo terá de seguir.
Essas considerações, que são de pleno conhecimento do Palácio do Planalto, sugerem que veremos algum avanço nos ajustes e nas reformas.
Essa é a nossa hipótese-chave a sustentar uma visão cautelosa, porém, otimista, com uma projeção de crescimento de 2% para 2017, que se seguirá à estabilização do PIB neste segundo semestre do ano.
Esperamos os seguintes avanços da pauta deste semestre: a recente aprovação da DRU; a aprovação, até dezembro, da emenda constitucional que limita o gasto público; aprovação final da lei que retira da Petrobrás a obrigatoriedade de comandar pelo menos 30% dos projetos do pré-sal; e avanços na regulamentação do programa de concessão e privatizações. Ademais, devem ser apresentados ao Congresso pontos da reforma da Previdência e trabalhista, cuja eventual aprovação ficará para o ano que vem.
Por outro lado, projetamos, como apontado, crescimento do próximo ano resultante da melhora das expectativas, exportações líquidas menores, mais ainda positivas, crescimento da produção agrícola após um ano de clima muito ruim e continuação da retomada de investimento. Esta é, aliás, a chave mais importante, pois esperamos que alguns projetos de petróleo do setor elétrico e de concessões possam ser destravados.
Acho que os pessimistas estão subestimando duas coisas: algum ajuste fiscal em Estados e municípios acontecerá pela impossibilidade, mais uma vez, de empurrar o ajuste para o Tesouro Federal.
Por outro lado, boa parte do setor privado já percebeu o tamanho das limitações do Tesouro e, em vez de pedir favores em Brasília, está correndo atrás de construir uma visão de futuro, elevar a produtividade e reestruturar operações.
Finalmente, encerrou-se a interminável novela do impedimento da ex-presidente da República. É verdade que o brilho desse processo foi empanado por uma operação jurídica totalmente “tabajara”, como muito bem descrito por Joaquim Barbosa. Comandada por Ricardo Lewandowski e Renan Calheiros transformou-se o que está escrito no Artigo 52 da Constituição (perda do cargo, COM inabilitação) em (perda de cargo, SEM inabilitação). Convenhamos que esse é um feito extraordinário, mas que apenas reafirma a este antigo observador que a lei no Brasil não é, necessariamente, para ser cumprida, mas para ser interpretada.
De todo modo, Michel Temer é presidente pleno e terá pela frente a dura tarefa de reconstruir as condições para o retorno do crescimento no País. Dada a destruição comandada pela ex-presidente e a situação difícil revelada pela queda do PIB no segundo trimestre e pela contínua alta do desemprego, resulta evidente que bons resultados econômicos só aparecerão lentamente. Entretanto, eles são possíveis, como argumentamos a seguir. O novo governo parte com algumas vantagens.
A oposição, apesar de sua estridente gritaria, será fraca, como deverá ficar claro quando soubermos os resultados das eleições municipais. Apenas um dado ilustra o ponto: considerando-se o número de candidatos a prefeito e vereadores, o PT está em oitavo lugar, apenas, entre todas as siglas atuais. Ademais, como vários analistas apontaram, estratégias de vitimização do partido não darão certo, pois os episódios de assalto ao Estado e de corrupção generalizada falam muito mais alto para a população. Como nada é perfeito, os episódios dessa semana mostram que o presidente Temer tem de se preocupar mais com o “fogo amigo”.
É evidente que o governo tem de se posicionar como de transição, única forma de conseguir suporte para avançar na reconstrução econômica.
Também é claro que não existe mais “compreensão” para concessões às corporações, Estados e municípios.
Finalmente, a agenda prioritária é obvia, exceto para os derrotados que estão fora do poder. Como já foi colocado por muitos analistas, o presidente Temer tem dois exemplos históricos a considerar: Sarney, que contemporizou e criou uma enorme crise econômica, ou Itamar, que acabou por enfrentar o problema da inflação. Também por esse lado, é muito evidente qual o caminho que o novo governo terá de seguir.
Essas considerações, que são de pleno conhecimento do Palácio do Planalto, sugerem que veremos algum avanço nos ajustes e nas reformas.
Essa é a nossa hipótese-chave a sustentar uma visão cautelosa, porém, otimista, com uma projeção de crescimento de 2% para 2017, que se seguirá à estabilização do PIB neste segundo semestre do ano.
Esperamos os seguintes avanços da pauta deste semestre: a recente aprovação da DRU; a aprovação, até dezembro, da emenda constitucional que limita o gasto público; aprovação final da lei que retira da Petrobrás a obrigatoriedade de comandar pelo menos 30% dos projetos do pré-sal; e avanços na regulamentação do programa de concessão e privatizações. Ademais, devem ser apresentados ao Congresso pontos da reforma da Previdência e trabalhista, cuja eventual aprovação ficará para o ano que vem.
Por outro lado, projetamos, como apontado, crescimento do próximo ano resultante da melhora das expectativas, exportações líquidas menores, mais ainda positivas, crescimento da produção agrícola após um ano de clima muito ruim e continuação da retomada de investimento. Esta é, aliás, a chave mais importante, pois esperamos que alguns projetos de petróleo do setor elétrico e de concessões possam ser destravados.
Acho que os pessimistas estão subestimando duas coisas: algum ajuste fiscal em Estados e municípios acontecerá pela impossibilidade, mais uma vez, de empurrar o ajuste para o Tesouro Federal.
Por outro lado, boa parte do setor privado já percebeu o tamanho das limitações do Tesouro e, em vez de pedir favores em Brasília, está correndo atrás de construir uma visão de futuro, elevar a produtividade e reestruturar operações.
Quanto ganha um servidor? - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 04/09
Os aposentados do Poder Judiciário federal recebem em média R$ 25.659 por mês. Quem recebe pensão desses funcionários leva R$ 23.077 por mês, em média.
É muito? Para começar, o salário médio de quem está na ativa do Judiciário, sem penduricalhos, é de R$ 17.629. Não faz sentido a aposentadoria valer 45% mais que o salário da ativa. Isso é sinal de grossas distorções no passado e de coisa pior.
Ainda assim, R$ 17 mil por mês é muito? No Executivo federal, a média é de R$ 9.800. O rendimento médio do trabalho ("salário") dos brasileiros anda pela casa de R$ 1.985.
A comparação imediata é indevida porque, por exemplo, a qualificação dos servidores do Executivo é maior. No Brasil, 13,5% dos ocupados tinham mais de 15 anos de estudo (curso superior) em 2014 (Pnad mais recente). Entre os servidores civis do Executivo, são 74,5%. Os com doutorado são 13,7% do total.
A discussão é, óbvio, imensa e complexa.
Ainda assim, consideradas as diferenças de formação, a disparidade salarial se justifica? A disparidade ainda maior entre aposentadorias públicas e privadas é aceitável? As médias contam toda a história? Não, não, não.
"Evidências anedóticas": o salário inicial dos motoristas de certa autarquia é de R$ 5.176. O dos escreventes de polícia dos ex-territórios Acre, Amapá, Roraima e Rondônia pagos pela União é de R$ 8.699. Basta passar os olhos pelas tabelas de cargos federais para perceber injustiças entre os servidores e a disparidade entre salários privados e públicos.
Para piorar, os salários médios de quem tem carteira assinada no setor privado estão caindo ao ritmo de mais de 4% ao ano. No funcionalismo (federal, estadual, municipal), crescem 2% ao ano. Nem se fale da estabilidade no emprego.
Dadas as iniquidades, fica ainda mais difícil aceitar o aumento para a elite do funcionalismo, ministros do Supremo, que querem R$ 39,2 mil (sem penduricalhos). Por tabela, haverá reajuste de salários do serviço público pelo país todo.
Não há dinheiro. Será necessário cortar despesas de investimento "em obras" ou fazer mais dívida pública, que paga juros indecentes aos mais ricos.
Considere-se ainda a desigualdade. Pelos dados da Pnad de 2014, apenas 1,8% de quem trabalhava recebia na faixa de 10 a 20 salários mínimos, o que na média daria hoje uns R$ 11.400; apenas 0,7% recebia mais de 20 mínimos. No funcionalismo federal civil, 20% recebem mais de R$ 11.500.
O valor médio da aposentadoria do INSS é de R$ 1.200. A pensão média, de R$ 1.066. No Legislativo federal, o aposentado leva em média R$ 28.587; o pensionista, R$ 21.491.
No INSS, 64% dos beneficiários recebem menos de dois salários mínimos (R$ 1.742); 99,8%, menos de seis mínimos, cerca de R$ 5.226 por mês. Aliás, o teto atual de quem se aposenta pelo INSS é de R$ 5.147,38.
Sim, a despesa com o funcionalismo federal tem caído, como fatia do PIB, da renda nacional. Baixou dos 5,5% do PIB de 1995 para 4,2% do PIB, que, porém, cresceu bem nos anos antes de Dilma Rousseff. Como parcela da receita do governo, essa despesa flutua em torno de 18% desde FHC 2.
Esses números, porém, contam pouco dessa história de desigualdades e distorções. Vamos falar mais disso nos próximos dias.
Os aposentados do Poder Judiciário federal recebem em média R$ 25.659 por mês. Quem recebe pensão desses funcionários leva R$ 23.077 por mês, em média.
É muito? Para começar, o salário médio de quem está na ativa do Judiciário, sem penduricalhos, é de R$ 17.629. Não faz sentido a aposentadoria valer 45% mais que o salário da ativa. Isso é sinal de grossas distorções no passado e de coisa pior.
Ainda assim, R$ 17 mil por mês é muito? No Executivo federal, a média é de R$ 9.800. O rendimento médio do trabalho ("salário") dos brasileiros anda pela casa de R$ 1.985.
A comparação imediata é indevida porque, por exemplo, a qualificação dos servidores do Executivo é maior. No Brasil, 13,5% dos ocupados tinham mais de 15 anos de estudo (curso superior) em 2014 (Pnad mais recente). Entre os servidores civis do Executivo, são 74,5%. Os com doutorado são 13,7% do total.
A discussão é, óbvio, imensa e complexa.
Ainda assim, consideradas as diferenças de formação, a disparidade salarial se justifica? A disparidade ainda maior entre aposentadorias públicas e privadas é aceitável? As médias contam toda a história? Não, não, não.
"Evidências anedóticas": o salário inicial dos motoristas de certa autarquia é de R$ 5.176. O dos escreventes de polícia dos ex-territórios Acre, Amapá, Roraima e Rondônia pagos pela União é de R$ 8.699. Basta passar os olhos pelas tabelas de cargos federais para perceber injustiças entre os servidores e a disparidade entre salários privados e públicos.
Para piorar, os salários médios de quem tem carteira assinada no setor privado estão caindo ao ritmo de mais de 4% ao ano. No funcionalismo (federal, estadual, municipal), crescem 2% ao ano. Nem se fale da estabilidade no emprego.
Dadas as iniquidades, fica ainda mais difícil aceitar o aumento para a elite do funcionalismo, ministros do Supremo, que querem R$ 39,2 mil (sem penduricalhos). Por tabela, haverá reajuste de salários do serviço público pelo país todo.
Não há dinheiro. Será necessário cortar despesas de investimento "em obras" ou fazer mais dívida pública, que paga juros indecentes aos mais ricos.
Considere-se ainda a desigualdade. Pelos dados da Pnad de 2014, apenas 1,8% de quem trabalhava recebia na faixa de 10 a 20 salários mínimos, o que na média daria hoje uns R$ 11.400; apenas 0,7% recebia mais de 20 mínimos. No funcionalismo federal civil, 20% recebem mais de R$ 11.500.
O valor médio da aposentadoria do INSS é de R$ 1.200. A pensão média, de R$ 1.066. No Legislativo federal, o aposentado leva em média R$ 28.587; o pensionista, R$ 21.491.
No INSS, 64% dos beneficiários recebem menos de dois salários mínimos (R$ 1.742); 99,8%, menos de seis mínimos, cerca de R$ 5.226 por mês. Aliás, o teto atual de quem se aposenta pelo INSS é de R$ 5.147,38.
Sim, a despesa com o funcionalismo federal tem caído, como fatia do PIB, da renda nacional. Baixou dos 5,5% do PIB de 1995 para 4,2% do PIB, que, porém, cresceu bem nos anos antes de Dilma Rousseff. Como parcela da receita do governo, essa despesa flutua em torno de 18% desde FHC 2.
Esses números, porém, contam pouco dessa história de desigualdades e distorções. Vamos falar mais disso nos próximos dias.
Sinais contraditórios - AFFONSO CELSO PASTORE
ESTADÃO - 04/09
O governo tomou a decisão correta de realizar o ajuste controlando as despesas. Mas ainda que a PEC dos reajustes nominais gastos seja aprovada juntamente com uma reforma da Previdência com pagamento de benefícios compatível com a realidade demográfica do País, terá de enfrentar o fato de que, sem a retomada do crescimento econômico, não haverá redução gradual dos déficits primários em proporção ao PIB, e nem a relação dívida/PIB entrará em uma trajetória de queda.
Ou seja, o sucesso do ajuste requer a volta do crescimento econômico. Atualmente, a taxa de investimentos está em torno de 17% do PIB, que é a mais baixa desde que o IBGE passou a publicar as contas nacionais trimestrais. Reconheço que a atual recessão tem, também, uma componente de contração de demanda, particularmente do consumo das famílias, mas a força dominante vem da redução dos investimentos, que somada à queda pró-cíclica da produtividade levou ao encolhimento do PIB potencial. Como a crise fiscal impede que os investimentos sejam estimulados por aumentos de gastos e cortes de impostos, tal estímulo somente pode ser gerado pela queda dos riscos e da taxa real de juros.
O instrumento para a redução dos riscos é a aprovação das reformas estruturais que levem ao ajuste fiscal, e não apenas da PEC da correção nominal de gastos. Porém, a queda dos riscos é apenas a condição necessária. A condição suficiente é a queda da taxa real de juros. Se essa queda fosse apenas um movimento voluntarista, como ocorreu em 2012, não levaria à percepção de queda permanente do custo de capital, falhando em incentivar os investimentos.
O Banco Central conta com a ajuda desinflacionária da recessão e das elevadas taxas de desemprego, mas hesita em iniciar o ciclo de queda da taxa de juros enquanto não contar com uma clara evidência de sucesso do governo com o ajuste fiscal. Cabe à autoridade fiscal – e ao governo como um todo – tomar consciência de que, sem a queda da taxa de juros, o crescimento não poderá retornar, e cabe ao Banco Central, sem que abandone o objetivo de levar a inflação para a meta, reconhecer que a retomada do crescimento é, nas condições atuais da economia brasileira, um objetivo extremamente importante para remover o risco de insolvência do setor público.
Taxa de juros. Nos últimos meses assistimos a uma acentuada redução de prêmios de risco e à valorização do real. Se o governo mantiver o rumo do ajuste, o mais provável é que a intensificação do ingresso de capitais manterá a trajetória de valorização do real, e a única reação consistente por parte do Banco Central será a queda da taxa de juros.
Há quem preferisse que ele interviesse comprando dólares e acumulando reservas, mas diante do profundo desequilíbrio fiscal, isso seria um erro: a esterilização dos efeitos da compra de reservas levaria ao aumento da dívida bruta; e o custo fiscal dessa esterilização seria enorme, diante da diferença entre as taxas doméstica e internacional de juros.
O que fazer diante da perda de competitividade da indústria gerada por um real mais forte? Nas recentes discussões sobre as reformas há quase que uma total omissão à necessidade de reformar o mercado de trabalho. Os empresários não se sentem confortáveis para pressionar pela reforma no mercado de trabalho, mas se transformam em leões nas suas conversas com as autoridades, em Brasília, clamando por um câmbio de R$ 3,80 o dólar. Há uma forma fácil de obter este câmbio – basta interromper o ajuste fiscal fazendo crescer o risco, como vinha ocorrendo até o fim de 2015.
Meu temor é que, diante do bombardeio por parte da indústria, o governo caminhe para as soluções fáceis, intervindo, sob aplausos, para sustentar o real e acumulando reservas, o que complica o ajuste fiscal e eleva os riscos, reduzindo o estímulo aos investimentos, em vez de promover o crescimento.
O governo tomou a decisão correta de realizar o ajuste controlando as despesas. Mas ainda que a PEC dos reajustes nominais gastos seja aprovada juntamente com uma reforma da Previdência com pagamento de benefícios compatível com a realidade demográfica do País, terá de enfrentar o fato de que, sem a retomada do crescimento econômico, não haverá redução gradual dos déficits primários em proporção ao PIB, e nem a relação dívida/PIB entrará em uma trajetória de queda.
Ou seja, o sucesso do ajuste requer a volta do crescimento econômico. Atualmente, a taxa de investimentos está em torno de 17% do PIB, que é a mais baixa desde que o IBGE passou a publicar as contas nacionais trimestrais. Reconheço que a atual recessão tem, também, uma componente de contração de demanda, particularmente do consumo das famílias, mas a força dominante vem da redução dos investimentos, que somada à queda pró-cíclica da produtividade levou ao encolhimento do PIB potencial. Como a crise fiscal impede que os investimentos sejam estimulados por aumentos de gastos e cortes de impostos, tal estímulo somente pode ser gerado pela queda dos riscos e da taxa real de juros.
O instrumento para a redução dos riscos é a aprovação das reformas estruturais que levem ao ajuste fiscal, e não apenas da PEC da correção nominal de gastos. Porém, a queda dos riscos é apenas a condição necessária. A condição suficiente é a queda da taxa real de juros. Se essa queda fosse apenas um movimento voluntarista, como ocorreu em 2012, não levaria à percepção de queda permanente do custo de capital, falhando em incentivar os investimentos.
O Banco Central conta com a ajuda desinflacionária da recessão e das elevadas taxas de desemprego, mas hesita em iniciar o ciclo de queda da taxa de juros enquanto não contar com uma clara evidência de sucesso do governo com o ajuste fiscal. Cabe à autoridade fiscal – e ao governo como um todo – tomar consciência de que, sem a queda da taxa de juros, o crescimento não poderá retornar, e cabe ao Banco Central, sem que abandone o objetivo de levar a inflação para a meta, reconhecer que a retomada do crescimento é, nas condições atuais da economia brasileira, um objetivo extremamente importante para remover o risco de insolvência do setor público.
Taxa de juros. Nos últimos meses assistimos a uma acentuada redução de prêmios de risco e à valorização do real. Se o governo mantiver o rumo do ajuste, o mais provável é que a intensificação do ingresso de capitais manterá a trajetória de valorização do real, e a única reação consistente por parte do Banco Central será a queda da taxa de juros.
Há quem preferisse que ele interviesse comprando dólares e acumulando reservas, mas diante do profundo desequilíbrio fiscal, isso seria um erro: a esterilização dos efeitos da compra de reservas levaria ao aumento da dívida bruta; e o custo fiscal dessa esterilização seria enorme, diante da diferença entre as taxas doméstica e internacional de juros.
O que fazer diante da perda de competitividade da indústria gerada por um real mais forte? Nas recentes discussões sobre as reformas há quase que uma total omissão à necessidade de reformar o mercado de trabalho. Os empresários não se sentem confortáveis para pressionar pela reforma no mercado de trabalho, mas se transformam em leões nas suas conversas com as autoridades, em Brasília, clamando por um câmbio de R$ 3,80 o dólar. Há uma forma fácil de obter este câmbio – basta interromper o ajuste fiscal fazendo crescer o risco, como vinha ocorrendo até o fim de 2015.
Meu temor é que, diante do bombardeio por parte da indústria, o governo caminhe para as soluções fáceis, intervindo, sob aplausos, para sustentar o real e acumulando reservas, o que complica o ajuste fiscal e eleva os riscos, reduzindo o estímulo aos investimentos, em vez de promover o crescimento.
E na área social, Temer? - SUELY CALDAS
ESTADÃO - 04/09
O presidente Michel Temer tem à frente dois anos e quatro meses para dar conta de uma agenda que, apesar de antiga, debatida e madura, continua urgente
Passado o impeachment, o presidente Michel Temer tem à frente dois anos e quatro meses para dar conta de uma agenda que, apesar de antiga, debatida e madura, continua urgente, porque seus antecessores dela desistiram ou até a conduziram em marcha à ré (caso do galopante desequilíbrio fiscal no governo Dilma).
Reverter o quadro de depressão econômica (mais de 6% de queda no PIB em dois anos), aliviar o desemprego que leva sofrimento a 12 milhões de trabalhadores e suas famílias, frear o ritmo acelerado de crescimento da dívida pública, que subtraiu R$ 367,7 bilhões só em 2015, aprovar no Congresso reformas indispensáveis e impopulares (Previdência, trabalhista, fiscal) e recuperar a confiança para retomar investimentos privados e gerar empregos são os itens desta agenda mais difundidos por Temer e seus ministros.
Todos eles e o que mais precisa ser feito na economia só ganham sentido se resultarem em progresso social e bem-estar da população, o que implica aumentar a renda dos mais pobres, reduzir desigualdades e suprir o País de saúde e educação de melhor qualidade. Pois é justamente na área social que o governo Temer mais tem sofrido derrotas, que se ampliam e ganham corpo na batalha da comunicação. Nas redes sociais e no boca a boca popular circulam boatos transformados em apavorantes verdades que tomam proporções progressivas, principalmente entre a população de regiões e bairros pobres das grandes cidades.
Os direitos trabalhistas serão suprimidos, começando por férias e 13.º salário; o INSS vai acabar; aposentados terão cortes nos salários; o valor do Bolsa Família vai baixar, minguar até desaparecer, como o Minha Casa, Minha Vida e as bolsas de estudo para estudantes pobres em universidades. E por aí vai, o boca a boca prospera, amplia-se e tem dado força política ao movimento Fora Temer nas ruas. O governo não responde e seu silêncio tem incentivado os propagadores de boatos a inventar outros. Nem sequer tratou de propagar que o valor do Bolsa Família, depois de congelado dois anos seguidos por Dilma, foi reajustado em 12,5%.
A resposta do governo, obviamente, deveria ser dada por meio de uma detalhada e massiva divulgação de seus planos para a área social. Afinal, as prioridades para reduzir despesas vão prejudicar direitos trabalhistas e os programas sociais herdados de Lula e Dilma? Pouco ou nada se sabe. Vagamente, o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, anunciou que vai “repaginar” cinco programas: Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Ciência sem Fronteiras, Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e a Transposição do Rio São Francisco. Não detalhou como será essa “repaginação”. Mas tratou de acrescentar um programa novo denominado “Criança Feliz” (?), cuja gestão será entregue à advogada e primeira-dama Marcela Araújo Temer, sem experiência na área.
A reforma trabalhista – que Lula tentou fazer e desistiu por pressão das centrais sindicais – tem pronta sua estrutura básica, diz o governo, e deve consistir em regulamentar a terceirização no trabalho e privilegiar acordos entre sindicatos de trabalhadores e empresários, em detrimento do que está contemplado na CLT, o chamado negociado sobre o legislado. É, por exemplo, aceitar reduzir temporariamente os salários em troca da não demissão do conjunto de empregados quando a empresa enfrentar dificuldades financeiras decorrentes de depressão econômica. É o que o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, vem chamando de flexibilização das leis trabalhistas. Mas a reforma trabalhista é muito mais do que isso. Se o governo tem só dois anos e quatro meses de gestão, já está atrasado em enviar sua proposta de reforma ao Congresso, esclarecer o que pretende, começar a trabalhar pela sua aprovação e se preparar no plano político para enfrentar a oposição aguerrida e barulhenta das centrais sindicais.
Por fim, saúde e educação, no que se gasta muito mal, precisam mais de regras dirigidas para dar eficiência aos gastos e eliminar desperdícios do que mais dinheiro.
O presidente Michel Temer tem à frente dois anos e quatro meses para dar conta de uma agenda que, apesar de antiga, debatida e madura, continua urgente
Passado o impeachment, o presidente Michel Temer tem à frente dois anos e quatro meses para dar conta de uma agenda que, apesar de antiga, debatida e madura, continua urgente, porque seus antecessores dela desistiram ou até a conduziram em marcha à ré (caso do galopante desequilíbrio fiscal no governo Dilma).
Reverter o quadro de depressão econômica (mais de 6% de queda no PIB em dois anos), aliviar o desemprego que leva sofrimento a 12 milhões de trabalhadores e suas famílias, frear o ritmo acelerado de crescimento da dívida pública, que subtraiu R$ 367,7 bilhões só em 2015, aprovar no Congresso reformas indispensáveis e impopulares (Previdência, trabalhista, fiscal) e recuperar a confiança para retomar investimentos privados e gerar empregos são os itens desta agenda mais difundidos por Temer e seus ministros.
Todos eles e o que mais precisa ser feito na economia só ganham sentido se resultarem em progresso social e bem-estar da população, o que implica aumentar a renda dos mais pobres, reduzir desigualdades e suprir o País de saúde e educação de melhor qualidade. Pois é justamente na área social que o governo Temer mais tem sofrido derrotas, que se ampliam e ganham corpo na batalha da comunicação. Nas redes sociais e no boca a boca popular circulam boatos transformados em apavorantes verdades que tomam proporções progressivas, principalmente entre a população de regiões e bairros pobres das grandes cidades.
Os direitos trabalhistas serão suprimidos, começando por férias e 13.º salário; o INSS vai acabar; aposentados terão cortes nos salários; o valor do Bolsa Família vai baixar, minguar até desaparecer, como o Minha Casa, Minha Vida e as bolsas de estudo para estudantes pobres em universidades. E por aí vai, o boca a boca prospera, amplia-se e tem dado força política ao movimento Fora Temer nas ruas. O governo não responde e seu silêncio tem incentivado os propagadores de boatos a inventar outros. Nem sequer tratou de propagar que o valor do Bolsa Família, depois de congelado dois anos seguidos por Dilma, foi reajustado em 12,5%.
A resposta do governo, obviamente, deveria ser dada por meio de uma detalhada e massiva divulgação de seus planos para a área social. Afinal, as prioridades para reduzir despesas vão prejudicar direitos trabalhistas e os programas sociais herdados de Lula e Dilma? Pouco ou nada se sabe. Vagamente, o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, anunciou que vai “repaginar” cinco programas: Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Ciência sem Fronteiras, Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e a Transposição do Rio São Francisco. Não detalhou como será essa “repaginação”. Mas tratou de acrescentar um programa novo denominado “Criança Feliz” (?), cuja gestão será entregue à advogada e primeira-dama Marcela Araújo Temer, sem experiência na área.
A reforma trabalhista – que Lula tentou fazer e desistiu por pressão das centrais sindicais – tem pronta sua estrutura básica, diz o governo, e deve consistir em regulamentar a terceirização no trabalho e privilegiar acordos entre sindicatos de trabalhadores e empresários, em detrimento do que está contemplado na CLT, o chamado negociado sobre o legislado. É, por exemplo, aceitar reduzir temporariamente os salários em troca da não demissão do conjunto de empregados quando a empresa enfrentar dificuldades financeiras decorrentes de depressão econômica. É o que o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, vem chamando de flexibilização das leis trabalhistas. Mas a reforma trabalhista é muito mais do que isso. Se o governo tem só dois anos e quatro meses de gestão, já está atrasado em enviar sua proposta de reforma ao Congresso, esclarecer o que pretende, começar a trabalhar pela sua aprovação e se preparar no plano político para enfrentar a oposição aguerrida e barulhenta das centrais sindicais.
Por fim, saúde e educação, no que se gasta muito mal, precisam mais de regras dirigidas para dar eficiência aos gastos e eliminar desperdícios do que mais dinheiro.
As raposas que nos governam - FERNANDO GABEIRA
O Globo - 04/09
Cheguei a Brasília no seu típico calor seco, sabendo que não haveria surpresas no resultado final. Dilma seria cassada. Restavam-me apenas as peripécias, essas sim imprevisíveis. Pela primeira vez, vi Renan Calheiros perder a calma no plenário. E olha que, ao microfone, já disse coisas bem pesadas para ele, e sua máxima reação foi suspender os trabalhos por algum tempo. Renan disse que o Senado parecia um hospício. Lembrou-me de Maura Lopes Cançado que escreveu o livro “Hospício é Deus”. E la colaborava com o suplemento literário do “JB”. Ficou internada por muito tempo. O livro mostra que o hospício, além de todos os seus horrores, era também um espaço de negociação. Renan ficou próximo da realidade ao reconhecer o lado maluco do plenário do Senado, assim como Maura contribuiu ao sugerir o lado parlamentar do hospício. O problema é o equilíbrio entre os dois. Há visões mais céticas, como a do filósofo inglês John Gray.
“De qualquer forma”, escreve ele, “apenas alguém milagrosamente inocente em relação à História poderia acreditar que a competição entre ideias possa resultar no triunfo da verdade. Certamente, as ideias competem umas com as outras, mas os vencedores são aqueles que têm o poder e a loucura humana ao seu lado”.
Renan disse também, ao microfone, que a burrice humana era infinita. Na verdade, repetia o final de um famosa frase de Albert Einstein, para quem o universo e a estupidez humana eram infinitos. Alguns cientistas ainda pesquisam se o universo é mesmo infinito. Mas a parte final da frase sobre a estupidez humana nunca foi contestada. Refletindo sobre isso em Brasília, no corre-corre do trabalho cotidiano, constatei que também a esperteza humana é infinita. Renan e a bancada do PMDB fatiaram a Constituição: condenaram Dilma por irresponsabilidade fiscal e mantiveram seus direitos políticos. Não me parece que fizeram isso por Dilma. No fundo, é também uma manobra defensiva, prevendo o próprio futuro. Quando Romero Jucá disse que era preciso estancar a Lava-Jato, não estava brincando. O objetivo da cúpula do PMDB é o de bloquear investigações e neutralizar o trabalho das instituições que combatem a corrupção no Brasil.
Nessa empreitada, contam com o deslumbramento de Temer, para quem um pedaço do mandato presidencial é um presente dos céus. E com a timidez dos tucanos, que temem romper uma aliança num momento de reconstrução. O sonho das raposas é continuar depenando o galinheiro. Se as pessoas não se derem conta, elas liquidam os avanços das instituições de controle e continuarão roubando o país até o último centavo. Se o quadro é tão ameaçador, não teria sido melhor manter o mandato do PT até 2018?
Acontece que são forças com objetivos diferentes. As raposas do PMDB querem apenas enriquecer em paz. O PT tinha um projeto hegemônico que passava pelo crescente controle do Parlamento, dos juízes e, também, se tudo desse certo, da própria imprensa. Com sua vasta experiência política, as raposas recebem as críticas, lamentando apenas que estamos sendo injustos com elas. O PT seguia arruinando o país mas recebia as críticas com uma agressiva tática de defesa. Questionar a corrupção oficial era coisa da elite, da burguesia, de gente loura de olhos azuis que não aceita que o filho da lavadeira estude Medicina nem que os pobres viajem ao seu lado nos aviões.
A mudança no discurso oficial é insidiosa, sedutora. Cúmplice de toda a política que arruinou o país, num misto de incompetência e corrupção, o PMDB se dispõe a conduzi-lo a um porto seguro.
O lugar para onde as raposas sonham em nos conduzir é um oásis ameno, onde possam continuar enriquecendo, posando, ao mesmo tempo, de estimados líderes nacionais.
Assim como setores da esquerda toleram a corrupção sob o argumento de que a vida do povo melhorou, os liberais tendem a olhá-la com complacência desde que se façam as reformas sonhadas pelo mercado. Num livro sobre a tolerância na idade moderna, Wendy Brown lembra aos estudiosos que ela é uma descendente da superação das sangrentas guerras que separaram política e religião. Modernamente, existe um espaço maior para o indivíduo, diante do Estado e da Igreja. Mas existe também um certo cansaço diante das tramas políticas, uma vontade de se concentrar apenas na sua própria vida. O novo governo traz um perigo de natureza diferente. Ele não quer transformar o país num paraíso bolivariano. Nem se meter na liberdade individual, classificando as pessoas como reacionárias, progressistas ou preconceituosas. Quando Renan disse que a estupidez humana era infinita, concordei com ele pela primeira vez. Se estivesse no plenário, apenas acrescentaria: a malandragem humana também. O país apenas se livrou de um tipo de exploração. Por falar em tortura, tema que Dilma trouxe à tona, não se pode esquecer que uma boa equipe é sempre dividida entre os bons e os maus torturadores. Uns mordem, outros sopram.
Cheguei a Brasília no seu típico calor seco, sabendo que não haveria surpresas no resultado final. Dilma seria cassada. Restavam-me apenas as peripécias, essas sim imprevisíveis. Pela primeira vez, vi Renan Calheiros perder a calma no plenário. E olha que, ao microfone, já disse coisas bem pesadas para ele, e sua máxima reação foi suspender os trabalhos por algum tempo. Renan disse que o Senado parecia um hospício. Lembrou-me de Maura Lopes Cançado que escreveu o livro “Hospício é Deus”. E la colaborava com o suplemento literário do “JB”. Ficou internada por muito tempo. O livro mostra que o hospício, além de todos os seus horrores, era também um espaço de negociação. Renan ficou próximo da realidade ao reconhecer o lado maluco do plenário do Senado, assim como Maura contribuiu ao sugerir o lado parlamentar do hospício. O problema é o equilíbrio entre os dois. Há visões mais céticas, como a do filósofo inglês John Gray.
“De qualquer forma”, escreve ele, “apenas alguém milagrosamente inocente em relação à História poderia acreditar que a competição entre ideias possa resultar no triunfo da verdade. Certamente, as ideias competem umas com as outras, mas os vencedores são aqueles que têm o poder e a loucura humana ao seu lado”.
Renan disse também, ao microfone, que a burrice humana era infinita. Na verdade, repetia o final de um famosa frase de Albert Einstein, para quem o universo e a estupidez humana eram infinitos. Alguns cientistas ainda pesquisam se o universo é mesmo infinito. Mas a parte final da frase sobre a estupidez humana nunca foi contestada. Refletindo sobre isso em Brasília, no corre-corre do trabalho cotidiano, constatei que também a esperteza humana é infinita. Renan e a bancada do PMDB fatiaram a Constituição: condenaram Dilma por irresponsabilidade fiscal e mantiveram seus direitos políticos. Não me parece que fizeram isso por Dilma. No fundo, é também uma manobra defensiva, prevendo o próprio futuro. Quando Romero Jucá disse que era preciso estancar a Lava-Jato, não estava brincando. O objetivo da cúpula do PMDB é o de bloquear investigações e neutralizar o trabalho das instituições que combatem a corrupção no Brasil.
Nessa empreitada, contam com o deslumbramento de Temer, para quem um pedaço do mandato presidencial é um presente dos céus. E com a timidez dos tucanos, que temem romper uma aliança num momento de reconstrução. O sonho das raposas é continuar depenando o galinheiro. Se as pessoas não se derem conta, elas liquidam os avanços das instituições de controle e continuarão roubando o país até o último centavo. Se o quadro é tão ameaçador, não teria sido melhor manter o mandato do PT até 2018?
Acontece que são forças com objetivos diferentes. As raposas do PMDB querem apenas enriquecer em paz. O PT tinha um projeto hegemônico que passava pelo crescente controle do Parlamento, dos juízes e, também, se tudo desse certo, da própria imprensa. Com sua vasta experiência política, as raposas recebem as críticas, lamentando apenas que estamos sendo injustos com elas. O PT seguia arruinando o país mas recebia as críticas com uma agressiva tática de defesa. Questionar a corrupção oficial era coisa da elite, da burguesia, de gente loura de olhos azuis que não aceita que o filho da lavadeira estude Medicina nem que os pobres viajem ao seu lado nos aviões.
A mudança no discurso oficial é insidiosa, sedutora. Cúmplice de toda a política que arruinou o país, num misto de incompetência e corrupção, o PMDB se dispõe a conduzi-lo a um porto seguro.
O lugar para onde as raposas sonham em nos conduzir é um oásis ameno, onde possam continuar enriquecendo, posando, ao mesmo tempo, de estimados líderes nacionais.
Assim como setores da esquerda toleram a corrupção sob o argumento de que a vida do povo melhorou, os liberais tendem a olhá-la com complacência desde que se façam as reformas sonhadas pelo mercado. Num livro sobre a tolerância na idade moderna, Wendy Brown lembra aos estudiosos que ela é uma descendente da superação das sangrentas guerras que separaram política e religião. Modernamente, existe um espaço maior para o indivíduo, diante do Estado e da Igreja. Mas existe também um certo cansaço diante das tramas políticas, uma vontade de se concentrar apenas na sua própria vida. O novo governo traz um perigo de natureza diferente. Ele não quer transformar o país num paraíso bolivariano. Nem se meter na liberdade individual, classificando as pessoas como reacionárias, progressistas ou preconceituosas. Quando Renan disse que a estupidez humana era infinita, concordei com ele pela primeira vez. Se estivesse no plenário, apenas acrescentaria: a malandragem humana também. O país apenas se livrou de um tipo de exploração. Por falar em tortura, tema que Dilma trouxe à tona, não se pode esquecer que uma boa equipe é sempre dividida entre os bons e os maus torturadores. Uns mordem, outros sopram.
Choro de Cardozo e campanha suja de João Santana - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 04/09
Choro de Cardozo e campanha suja de João Santana têm a mesma fonte
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), considera o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff um golpe qualificado, institucional. Destituir a presidente observando todos os ritos legais qualificaria o golpe. A definição do prefeito encerra uma contradição em termos.
Fazendo um esforço de racionalização da lógica de nosso pre- feito, eu diria que golpe qualifica- do seria atuar nas zonas cinzen- tas da lei. Funciona assim: todo contrato é incompleto. Não é pos- sível prever todas as injunções e estados da natureza. Para que as instituições funcionem, é neces- sário haver compreensão compartilhada dos participantes e, além do cumprimento dos ritos legais, boa vontade na observância do espírito da lei.
O golpe qualificado seria infringir o espírito da lei, mesmo que observando todos os ritos legais. Impedir a presidente por causa de pecadilhos fiscais seria punição excessiva. Emprega-se detalhe legal menor como subterfúgio para atingir o objetivo maior: tirar o PT do poder. Esse seria o golpe.
Em que pese o juízo de valor de nosso prefeito de considerar a gestão fiscal de Dilma detalhe legal menor, ele não percebeu que a sua definição de golpe qualificado transforma a eleição de Dilma em golpe qualificado.
Dilma foi eleita observando todos os ritos legais. O grupo po- lítico petista, para não perder a e- leição, se dispôs a tudo. Produ- ziu deficit fiscal, já "despedala- do", a preços de hoje, de quase R$ 100 bilhões; mentiu à larga; demonizou os adversários etc. O PT, para se perpetuar no poder, atuou em todas as zonas cinzentas possíveis e imagináveis no processo eleitoral.
Mentir sobre a situação fiscal do país é tão grave quanto esconder da população que há uma epidemia de meningite, por exemplo.
No presidencialismo brasileiro, o presidente é extremamente for- te. Tem imenso poder de criar re- cursos e distribuir gastos. Um grupo político disposto a tudo fazer para se perpetuar no poder cons- titui enorme risco ao funcionamento da democracia. Degenera-se facilmente em tirania. A Venezuela demonstra.
O suposto golpe qualificado corrige o golpe qualificado anterior, a eleição da presidente.
Entende-se agora a fonte do choro de José Eduardo Cardozo. Ela vem do mesmo lugar de onde veio a campanha suja de João Santana. Da soberba do PT e de sua superioridade moral autoconcedida.
O choro é do João valentão que bate em todos na rua. Um dia, uma nova família se muda para o bairro. Aparece outro maior e mais forte e bate no João. Que retorna à casa chorando.
Oxalá o impedimento da presidente Dilma civilize o PT para a convivência com nossas instituições políticas extremamente consensuais e ensine que responsabilidade fiscal é um valor caro à nossa sociedade, do qual não se pode dispor ao sabor dos projetos de grupos políticos de alma autoritária.
Choro de Cardozo e campanha suja de João Santana têm a mesma fonte
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), considera o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff um golpe qualificado, institucional. Destituir a presidente observando todos os ritos legais qualificaria o golpe. A definição do prefeito encerra uma contradição em termos.
Fazendo um esforço de racionalização da lógica de nosso pre- feito, eu diria que golpe qualifica- do seria atuar nas zonas cinzen- tas da lei. Funciona assim: todo contrato é incompleto. Não é pos- sível prever todas as injunções e estados da natureza. Para que as instituições funcionem, é neces- sário haver compreensão compartilhada dos participantes e, além do cumprimento dos ritos legais, boa vontade na observância do espírito da lei.
O golpe qualificado seria infringir o espírito da lei, mesmo que observando todos os ritos legais. Impedir a presidente por causa de pecadilhos fiscais seria punição excessiva. Emprega-se detalhe legal menor como subterfúgio para atingir o objetivo maior: tirar o PT do poder. Esse seria o golpe.
Em que pese o juízo de valor de nosso prefeito de considerar a gestão fiscal de Dilma detalhe legal menor, ele não percebeu que a sua definição de golpe qualificado transforma a eleição de Dilma em golpe qualificado.
Dilma foi eleita observando todos os ritos legais. O grupo po- lítico petista, para não perder a e- leição, se dispôs a tudo. Produ- ziu deficit fiscal, já "despedala- do", a preços de hoje, de quase R$ 100 bilhões; mentiu à larga; demonizou os adversários etc. O PT, para se perpetuar no poder, atuou em todas as zonas cinzentas possíveis e imagináveis no processo eleitoral.
Mentir sobre a situação fiscal do país é tão grave quanto esconder da população que há uma epidemia de meningite, por exemplo.
No presidencialismo brasileiro, o presidente é extremamente for- te. Tem imenso poder de criar re- cursos e distribuir gastos. Um grupo político disposto a tudo fazer para se perpetuar no poder cons- titui enorme risco ao funcionamento da democracia. Degenera-se facilmente em tirania. A Venezuela demonstra.
O suposto golpe qualificado corrige o golpe qualificado anterior, a eleição da presidente.
Entende-se agora a fonte do choro de José Eduardo Cardozo. Ela vem do mesmo lugar de onde veio a campanha suja de João Santana. Da soberba do PT e de sua superioridade moral autoconcedida.
O choro é do João valentão que bate em todos na rua. Um dia, uma nova família se muda para o bairro. Aparece outro maior e mais forte e bate no João. Que retorna à casa chorando.
Oxalá o impedimento da presidente Dilma civilize o PT para a convivência com nossas instituições políticas extremamente consensuais e ensine que responsabilidade fiscal é um valor caro à nossa sociedade, do qual não se pode dispor ao sabor dos projetos de grupos políticos de alma autoritária.
Sociedade autônoma - DORA KRAMER
ESTADÃO - 04/09
O atrito entre PSDB e PMDB por causa da manobra para mitigar os efeitos do impeachment de Dilma Rousseff e as constantes cobranças dos tucanos contra as concessões do governo no plano de ajuste de contas desenharam no horizonte um cenário de turbulências entre parceiros, semelhante ao que marcou as relações entre pemedebistas e petistas nos últimos anos.
Confere? Depende. Sobretudo do cumprimento do compromisso do presidente Michel Temer de “recolocar o País nos trilhos” mediante a reconstrução dos fundamentos de uma economia estável e a aprovação das reformas mais urgentes: Previdência, relações trabalhistas, sistema político/eleitoral e distribuição de recursos entre União, Estados e municípios.
De razoavelmente longa consulta ao presidente do PSDB, senador Aécio Neves, depreende-se em resumo o seguinte: o PSDB não pretende ser para o PMDB o que o PMDB foi para o PT. Em miúdos, os tucanos não aceitam um papel acessório e pretendem fazer valer o acerto programático feito quando aceitaram a condição de aliados do governo de transição.
“Nosso acordo não incluiu distribuição de cargos, teve como parâmetro a retomada de políticas (notadamente na economia) responsáveis. Respeitados os termos, estaremos juntos para fazer dar certo. Afinal, queremos ser sócios do êxito e não parceiros do fracasso”, diz Aécio, com meridiana clareza sobre razões e intenções do PSDB.
“Nós temos um projeto político de retomada da Presidência da República e, por isso, a manutenção firme do elo com a sociedade é imprescindível”, alega o senador, questionado em seguida sobre a contradição entre o projeto eleitoral e o plano de administração da economia; óbvia, extrema e necessariamente impopular. “É a única possibilidade de obter o êxito pretendido. Foi a minha proposta na eleição de 2014, é a agenda de arrumação adotada agora pelo PSDB.”
Corpo presente. Como ocorreu com Fernando Henrique Cardoso quando era ministro da Fazenda de Itamar Franco, que precisava desesperadamente deixar claro o detalhe como seria o Plano Real, Michel Temer pretende investir pessoalmente na explicação das reformas.
Na reunião ministerial de quarta-feira última pediu aos ministros presença constante no Congresso. A depender do grau de dificuldade irá ele mesmo à Câmara e ao Senado para se reunir com as bancadas dos partidos e explicitar ponto a ponto as questões das reformas.
Estilo é o homem. Em meio às tratativas para conseguir separar a cassação de Dilma da pena de inabilitação para funções públicas, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), prometeu ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que só viajaria com Temer para a China depois de lido o requerimento de urgência para a proposta de aumento do teto salarial do Poder Judiciário.
No mesmo dia da votação do impeachment, Renan pôs o assunto na pauta do Senado, mas o requerimento não foi lido e mesmo assim ele viajou, deixando Lewandowski no ora veja. Como havia deixado os defensores do impeachment (Michel Temer incluído) horas antes na defesa da anistia parcial a Dilma.
Modelagem. Aliados (do PMDB e fora do partido) de Temer ficam um pouco aflitos com seu estilo por vezes excessivamente ameno. E o aconselham a adotar o modelo de Fernando Henrique: conciliador, mas absolutamente implacável no quesito “quem manda aqui sou eu”. Sem perder a ternura. Se é que há.
O atrito entre PSDB e PMDB por causa da manobra para mitigar os efeitos do impeachment de Dilma Rousseff e as constantes cobranças dos tucanos contra as concessões do governo no plano de ajuste de contas desenharam no horizonte um cenário de turbulências entre parceiros, semelhante ao que marcou as relações entre pemedebistas e petistas nos últimos anos.
Confere? Depende. Sobretudo do cumprimento do compromisso do presidente Michel Temer de “recolocar o País nos trilhos” mediante a reconstrução dos fundamentos de uma economia estável e a aprovação das reformas mais urgentes: Previdência, relações trabalhistas, sistema político/eleitoral e distribuição de recursos entre União, Estados e municípios.
De razoavelmente longa consulta ao presidente do PSDB, senador Aécio Neves, depreende-se em resumo o seguinte: o PSDB não pretende ser para o PMDB o que o PMDB foi para o PT. Em miúdos, os tucanos não aceitam um papel acessório e pretendem fazer valer o acerto programático feito quando aceitaram a condição de aliados do governo de transição.
“Nosso acordo não incluiu distribuição de cargos, teve como parâmetro a retomada de políticas (notadamente na economia) responsáveis. Respeitados os termos, estaremos juntos para fazer dar certo. Afinal, queremos ser sócios do êxito e não parceiros do fracasso”, diz Aécio, com meridiana clareza sobre razões e intenções do PSDB.
“Nós temos um projeto político de retomada da Presidência da República e, por isso, a manutenção firme do elo com a sociedade é imprescindível”, alega o senador, questionado em seguida sobre a contradição entre o projeto eleitoral e o plano de administração da economia; óbvia, extrema e necessariamente impopular. “É a única possibilidade de obter o êxito pretendido. Foi a minha proposta na eleição de 2014, é a agenda de arrumação adotada agora pelo PSDB.”
Corpo presente. Como ocorreu com Fernando Henrique Cardoso quando era ministro da Fazenda de Itamar Franco, que precisava desesperadamente deixar claro o detalhe como seria o Plano Real, Michel Temer pretende investir pessoalmente na explicação das reformas.
Na reunião ministerial de quarta-feira última pediu aos ministros presença constante no Congresso. A depender do grau de dificuldade irá ele mesmo à Câmara e ao Senado para se reunir com as bancadas dos partidos e explicitar ponto a ponto as questões das reformas.
Estilo é o homem. Em meio às tratativas para conseguir separar a cassação de Dilma da pena de inabilitação para funções públicas, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), prometeu ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que só viajaria com Temer para a China depois de lido o requerimento de urgência para a proposta de aumento do teto salarial do Poder Judiciário.
No mesmo dia da votação do impeachment, Renan pôs o assunto na pauta do Senado, mas o requerimento não foi lido e mesmo assim ele viajou, deixando Lewandowski no ora veja. Como havia deixado os defensores do impeachment (Michel Temer incluído) horas antes na defesa da anistia parcial a Dilma.
Modelagem. Aliados (do PMDB e fora do partido) de Temer ficam um pouco aflitos com seu estilo por vezes excessivamente ameno. E o aconselham a adotar o modelo de Fernando Henrique: conciliador, mas absolutamente implacável no quesito “quem manda aqui sou eu”. Sem perder a ternura. Se é que há.
O que houve, afinal - MÍRIAM LEITÃO
O Globo - 04/09
O fracasso de Dilma na administração do país não é a derrota das mulheres, da mesma forma que o impeachment de Fernando Collor não desqualifica os homens para o poder. O fim da era PT não pode enfraquecer bandeiras da inclusão e da redução da pobreza e desigualdades, da mesma forma que o fim da era tucana não representou o abandono do valor da estabilidade monetária pela sociedade brasileira.
Muita confusão é feita neste momento difícil, mas é preciso entender o que houve, afinal. Dilma errou e provocou uma crise econômica, e ela trouxe de volta inflação alta e recessão. Isso provoca rejeição a qualquer governo. O pensamento extremado, de um lado e de outro, considera que a partir de agora serão abandonadas as políticas sociais. Os petistas dirão isso porque se acham os donos dessas bandeiras. Conservadores pensam que a saída do PT do poder vai representar o silêncio das incômodas discussões sobre incluir brasileiros discriminados no progresso. Estão enganados. O Brasil tem enormes injustiças e qualquer projeto para o futuro inclui políticas para enfrentar as desigualdades.
O PT favoreceu os muito ricos com uma política econômica equivocada e muitos subsídios. Agora, na oposição, vai abraçar ainda mais a causa corporativista. Isso não é de esquerda. A esquerda nasceu para defender desprotegidos. O PT quando luta por aumento de salários de servidores, num contexto de desemprego crescente, está defendendo quem já tem privilégios.
A partir da saída da presidente Dilma muitos dirão que a democracia se enfraqueceu. Os petistas e seus aliados, porque perderam o poder e porque discordam da dinâmica dos eventos que a levou para fora do Planalto prematuramente. Os de pensamento autoritário tentarão desmoralizar a democracia, dizendo que os políticos são todos corruptos e ninguém os aguenta mais.
Duro momento este em que o pensamento extremo parecerá mais lógico do que o equilíbrio e a temperança. Dilma não caiu por ser mulher nem por ser petista. Há muita corrupção na política, mas um país com Congresso fechado e sem eleições está próximo da barbárie.
O país derrubou a ditadura, venceu a hiperinflação, tem reduzido a pobreza e combate de forma corajosa a corrupção. Esse processo representa avanços civilizatórios que não pertencem a um partido, a um grupo político, nem a um líder. Foram escolhas brasileiras, que precisam ser confirmadas agora, antes que, na confusão, percamos o melhor dos últimos anos.
Foi fundamental ampliar políticas de transferência de renda, discutir o racismo, abrir as portas para as mulheres nos espaços de poder e proteger o meio ambiente. Porque é assim que se faz o progresso. A questão ambiental tinha no governo do PT defensores da preservação e os aliados do desmatadores.
O Brasil não é simples. Basta ver que de um lado e de outro da luta travada nos últimos dias havia líderes do ruralismo. O senador Ronaldo Caiado entrou na política no Brasil através da União Democrática Ruralista. A senadora Kátia Abreu era presidente da CNA quando a organização defendia empresas apanhadas com trabalho escravo. Caiado é da base de Temer; Kátia Abreu, defensora de Dilma. Alguém dirá que um é conservador e a outra é progressista? O Brasil tem sido assim. Na luta da abolição, havia conservadores e liberais dos dois lados do embate.
Há muita confusão sobre o que é progresso na economia. No debate dos últimos dias, a ideia do “gasto meritório” foi defendida para justificar a gastança. E o aumento da despesa foi apresentado como forma de manter o crescimento. Esqueceram de combinar com o contribuinte. Progresso na economia é ter inflação baixa e estável para, sobre essa base, construir o projeto de país. A presidente Dilma produziu um surto inflacionário, uma recessão de dimensões históricas e perdeu o cargo. Quem desorganiza as contas públicas acaba machucando mais os mais pobres. Não existe o desequilíbrio fiscal do bem. Ele sempre provocará efeitos perversos.
O novo governo ainda não demonstra ter entendido a natureza das escolhas feitas pelo Brasil. Há muito risco de revogação de avanços sociais e de repetição de erros econômicos. Se isso acontecer, seu tempo no poder será mais curto do que imagina.
O fracasso de Dilma na administração do país não é a derrota das mulheres, da mesma forma que o impeachment de Fernando Collor não desqualifica os homens para o poder. O fim da era PT não pode enfraquecer bandeiras da inclusão e da redução da pobreza e desigualdades, da mesma forma que o fim da era tucana não representou o abandono do valor da estabilidade monetária pela sociedade brasileira.
Muita confusão é feita neste momento difícil, mas é preciso entender o que houve, afinal. Dilma errou e provocou uma crise econômica, e ela trouxe de volta inflação alta e recessão. Isso provoca rejeição a qualquer governo. O pensamento extremado, de um lado e de outro, considera que a partir de agora serão abandonadas as políticas sociais. Os petistas dirão isso porque se acham os donos dessas bandeiras. Conservadores pensam que a saída do PT do poder vai representar o silêncio das incômodas discussões sobre incluir brasileiros discriminados no progresso. Estão enganados. O Brasil tem enormes injustiças e qualquer projeto para o futuro inclui políticas para enfrentar as desigualdades.
O PT favoreceu os muito ricos com uma política econômica equivocada e muitos subsídios. Agora, na oposição, vai abraçar ainda mais a causa corporativista. Isso não é de esquerda. A esquerda nasceu para defender desprotegidos. O PT quando luta por aumento de salários de servidores, num contexto de desemprego crescente, está defendendo quem já tem privilégios.
A partir da saída da presidente Dilma muitos dirão que a democracia se enfraqueceu. Os petistas e seus aliados, porque perderam o poder e porque discordam da dinâmica dos eventos que a levou para fora do Planalto prematuramente. Os de pensamento autoritário tentarão desmoralizar a democracia, dizendo que os políticos são todos corruptos e ninguém os aguenta mais.
Duro momento este em que o pensamento extremo parecerá mais lógico do que o equilíbrio e a temperança. Dilma não caiu por ser mulher nem por ser petista. Há muita corrupção na política, mas um país com Congresso fechado e sem eleições está próximo da barbárie.
O país derrubou a ditadura, venceu a hiperinflação, tem reduzido a pobreza e combate de forma corajosa a corrupção. Esse processo representa avanços civilizatórios que não pertencem a um partido, a um grupo político, nem a um líder. Foram escolhas brasileiras, que precisam ser confirmadas agora, antes que, na confusão, percamos o melhor dos últimos anos.
Foi fundamental ampliar políticas de transferência de renda, discutir o racismo, abrir as portas para as mulheres nos espaços de poder e proteger o meio ambiente. Porque é assim que se faz o progresso. A questão ambiental tinha no governo do PT defensores da preservação e os aliados do desmatadores.
O Brasil não é simples. Basta ver que de um lado e de outro da luta travada nos últimos dias havia líderes do ruralismo. O senador Ronaldo Caiado entrou na política no Brasil através da União Democrática Ruralista. A senadora Kátia Abreu era presidente da CNA quando a organização defendia empresas apanhadas com trabalho escravo. Caiado é da base de Temer; Kátia Abreu, defensora de Dilma. Alguém dirá que um é conservador e a outra é progressista? O Brasil tem sido assim. Na luta da abolição, havia conservadores e liberais dos dois lados do embate.
Há muita confusão sobre o que é progresso na economia. No debate dos últimos dias, a ideia do “gasto meritório” foi defendida para justificar a gastança. E o aumento da despesa foi apresentado como forma de manter o crescimento. Esqueceram de combinar com o contribuinte. Progresso na economia é ter inflação baixa e estável para, sobre essa base, construir o projeto de país. A presidente Dilma produziu um surto inflacionário, uma recessão de dimensões históricas e perdeu o cargo. Quem desorganiza as contas públicas acaba machucando mais os mais pobres. Não existe o desequilíbrio fiscal do bem. Ele sempre provocará efeitos perversos.
O novo governo ainda não demonstra ter entendido a natureza das escolhas feitas pelo Brasil. Há muito risco de revogação de avanços sociais e de repetição de erros econômicos. Se isso acontecer, seu tempo no poder será mais curto do que imagina.
O plano de voo de Temer - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 04/09
O Supremo se prepara para lavar as mãos diante do fatiamento da Constituição, o PT tira da gaveta a desbotada bandeira das “Diretas-Já” e os black blocs usam o “Fora Temer” para quebra-quebra em São Paulo, mas... o presidente Michel Temer só pensa numa coisa: tirar o País da crise econômica. Não vai ser fácil.
São seis passos principais para reorganizar o País, com o Senado de ressaca pelo impeachment e a Câmara ainda embriagada de Eduardo Cunha: votar o teto dos gastos ainda em setembro e, até o fim deste ano, lançar a reforma da Previdência e a flexibilização trabalhista, tributária, eleitoral/partidária e do FGTS.
O ponto central da reforma da Previdência, iniciada por Fernando Henrique, continuada por Lula e assumida por Dilma, será a atualização da idade mínima para a aposentadoria à luz do aumento da expectativa de vida. O consenso interno é de 65 anos para homens e mulheres, mas sem mexer no limite para os militares (?!). Em suas andanças de convencimento, o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, tem detalhado que quem tem menos de 50 anos será submetido às novas regras, mas haverá uma transição para os que já passaram dos 50.
A reforma trabalhista – que não pode ser chamada de reforma, para não atiçar as centrais sindicais – apoia-se em dois pilares: a valorização da negociação coletiva, com a prevalência do acordado sobre o legislado, e a aprovação do projeto sobre terceirização que já está no Senado. O governo nem gosta muito do projeto, mas apresentar outro iria atrasar muito o processo. Então, fica-se com esse mesmo e corrige-se o que for necessário por meio de MP.
A prevalência do acordado entre patrões e empregados sobre o que a lei determina genericamente é o item número um das 12 propostas da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para a “modernização das relações trabalhistas”. O tom do seu presidente, Robson Andrade, é de advertência: “Os empresários estão loucos para voltar a investir, mas não estão loucos para voltar a contratar”. Por quê? Porque o custo do trabalho no Brasil é altíssimo. Com 12 milhões de desempregados, dá um frio na barriga.
Na reforma política – um campo minado que pode explodir as demais medidas –, a intenção é dar todo o gás para dois projetos já em tramitação: o que cria a cláusula de barreira para acabar com a farra de partidos e o que proíbe as coligações proporcionais. Da China, Temer deu a senha: “É inviável governar com 35 partidos”. A redução pode ser para oito a 12 siglas, mas ele terá força para comandar o enxugamento?
A reforma tributária, ao contrário da trabalhista, é chamada de reforma, mas não é. O objetivo é mexer no ICMS e no PIS/Confins, o que bate direto nos Estados, onde uma ótima safra de governadores pena com a herança maldita de Dilma. No mais, o governo também acena com mudanças no FGTS, que pode ser direcionado para o seguro-desemprego e para complementar a aposentadoria do setor privado.
Dias antes do impeachment de Dilma, Temer negou em nota, entre outras coisas, que vá estipular a idade mínima da aposentadoria em 70 anos, extinguir o auxílio-doença, regulamentar o trabalho escravo e revogar a CLT. Depois do impeachment, fez pronunciamento assumindo as espinhosas reforma da Previdência e atualização das leis trabalhistas. Ele conquista legitimidade internacional ao ser fotografado com o presidente da China, Xi Jinping, e com os líderes das 20 maiores economias, inclusive Barack Obama. Mas, internamente, vai ter de tocar as reformas com o PT desfilando a bandeira das “Diretas-Já” e com os protestos de rua, que são “mini, mini, mini, mini”, segundo o chanceler José Serra, mas produzem impactantes imagens para TV, jornais e revistas. Quanto mais reformas, mais gás para manifestações. E quebra-quebra.
O Supremo se prepara para lavar as mãos diante do fatiamento da Constituição, o PT tira da gaveta a desbotada bandeira das “Diretas-Já” e os black blocs usam o “Fora Temer” para quebra-quebra em São Paulo, mas... o presidente Michel Temer só pensa numa coisa: tirar o País da crise econômica. Não vai ser fácil.
São seis passos principais para reorganizar o País, com o Senado de ressaca pelo impeachment e a Câmara ainda embriagada de Eduardo Cunha: votar o teto dos gastos ainda em setembro e, até o fim deste ano, lançar a reforma da Previdência e a flexibilização trabalhista, tributária, eleitoral/partidária e do FGTS.
O ponto central da reforma da Previdência, iniciada por Fernando Henrique, continuada por Lula e assumida por Dilma, será a atualização da idade mínima para a aposentadoria à luz do aumento da expectativa de vida. O consenso interno é de 65 anos para homens e mulheres, mas sem mexer no limite para os militares (?!). Em suas andanças de convencimento, o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, tem detalhado que quem tem menos de 50 anos será submetido às novas regras, mas haverá uma transição para os que já passaram dos 50.
A reforma trabalhista – que não pode ser chamada de reforma, para não atiçar as centrais sindicais – apoia-se em dois pilares: a valorização da negociação coletiva, com a prevalência do acordado sobre o legislado, e a aprovação do projeto sobre terceirização que já está no Senado. O governo nem gosta muito do projeto, mas apresentar outro iria atrasar muito o processo. Então, fica-se com esse mesmo e corrige-se o que for necessário por meio de MP.
A prevalência do acordado entre patrões e empregados sobre o que a lei determina genericamente é o item número um das 12 propostas da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para a “modernização das relações trabalhistas”. O tom do seu presidente, Robson Andrade, é de advertência: “Os empresários estão loucos para voltar a investir, mas não estão loucos para voltar a contratar”. Por quê? Porque o custo do trabalho no Brasil é altíssimo. Com 12 milhões de desempregados, dá um frio na barriga.
Na reforma política – um campo minado que pode explodir as demais medidas –, a intenção é dar todo o gás para dois projetos já em tramitação: o que cria a cláusula de barreira para acabar com a farra de partidos e o que proíbe as coligações proporcionais. Da China, Temer deu a senha: “É inviável governar com 35 partidos”. A redução pode ser para oito a 12 siglas, mas ele terá força para comandar o enxugamento?
A reforma tributária, ao contrário da trabalhista, é chamada de reforma, mas não é. O objetivo é mexer no ICMS e no PIS/Confins, o que bate direto nos Estados, onde uma ótima safra de governadores pena com a herança maldita de Dilma. No mais, o governo também acena com mudanças no FGTS, que pode ser direcionado para o seguro-desemprego e para complementar a aposentadoria do setor privado.
Dias antes do impeachment de Dilma, Temer negou em nota, entre outras coisas, que vá estipular a idade mínima da aposentadoria em 70 anos, extinguir o auxílio-doença, regulamentar o trabalho escravo e revogar a CLT. Depois do impeachment, fez pronunciamento assumindo as espinhosas reforma da Previdência e atualização das leis trabalhistas. Ele conquista legitimidade internacional ao ser fotografado com o presidente da China, Xi Jinping, e com os líderes das 20 maiores economias, inclusive Barack Obama. Mas, internamente, vai ter de tocar as reformas com o PT desfilando a bandeira das “Diretas-Já” e com os protestos de rua, que são “mini, mini, mini, mini”, segundo o chanceler José Serra, mas produzem impactantes imagens para TV, jornais e revistas. Quanto mais reformas, mais gás para manifestações. E quebra-quebra.
Uma emergência com falsos atores - ANTONIO TABET
O Globo - 04/09
O prefeito contava uma piada — velha, diga-se de passagem — para fazer média com um mafioso dono de uma empresa de ônibus da Zona Oeste quando Jorge, o esbaforido assessor, abriu de repente a porta do gabinete para espanto geral.
O prefeito contava uma piada — velha, diga-se de passagem — para fazer média com um mafioso dono de uma empresa de ônibus da Zona Oeste quando Jorge, o esbaforido assessor, abriu de repente a porta do gabinete para espanto geral.
— Prefeito, com licença...
— Que foi, Jorge? Que cara é essa?
— Desculpe interromper, mas é que... aconteceu uma emergência.
— Putz grila, Jorge. O que desabou agora?
— Não caiu nada, senhor prefeito. Graças a Deus!
— Ufa! Então fala logo de uma vez, que eu vou pra Angra com as crianças ainda hoje.
— Não vai, não.
— Como é que é?
— É que acabaram de invadir a casa do senhor lá, prefeito.
— Quem invadiu?
— Os sem-terra.
— Peraí, Jorge. Os sem-terra invadiram uma casa num condomínio em Angra? O MST não faz isso!
— É que esses não são do MST, prefeito.
— E são de onde?
— Esses são o MSTCT.
— MSTCT?!? Que que é isso?
— Movimento dos Sem Terra Com Terra. É um braço deles, mas menos à esquerda da esquerda. Eles têm mais recursos, senhor.
— Sem Terra Com Terra?!? Pede meu helicóptero que eu vou lá agora acabar com essa palhaçada pessoalmente.
— Não vai, não.
— Como não?
— Bloquearam o heliponto e a saída aqui fora.
— Quem bloqueou?
— Os estudantes.
— Que estudantes?
— Que não estudam. Os estudantes profissionais!
— E desde quando existe esse troço de estudante profissional?
— Desde que enchemos as universidades públicas com essa molecadinha de escola particular.
— Desde que enchemos as universidades públicas com essa molecadinha de escola particular.
— Então expulsa todo mundo.
— Não adianta. Tá cheio de imprensa lá fora apoiando o movimento.
— A mídia tá do lado deles?
— Só a independente mesmo. Aquela que dependia de propaganda do governo. Esses jornalistas que não estão em nenhum jornal estão putos. E os intelectuais também.
— Que intelectuais?
— Os que não estão pensando direito, prefeito.
— Cansei. Sabe o que eu vou fazer? Vou ligar pro Major Gouveia tirar geral na marra.
— Não vai, não.
— Ai, minha caceta! Que foi agora?
— A Polícia entrou em greve.
— E quem convocou?
— Os sindicalistas que não trabalham.
— E isso é legal?
— Os legalistas que defendem ilegalidades disseram que é.
— Mas o que aconteceu pra essa gente se mobilizar? O que eles querem?
— Estão pedindo justamente o fim da Polícia Militar. Vê se pode!
— Mas o que aconteceu pra essa gente se mobilizar? O que eles querem?
— Estão pedindo justamente o fim da Polícia Militar. Vê se pode!
— Por que estão pedindo isso?
— Porque um soldado prendeu num ecopacifista que estava atirando rojões na PM e queimando pneus.
— Mas PM nem é assunto do município, pô! Eu sou prefeito. Quem pode fazer alguma coisa é o governador.
— Que governador, prefeito?
— Como qual governador, Jorge?
— O que não governa?
Os mercados podem influenciar os nossos valores? - MARCOS LISBOA
FOLHA DE SP - 04/09
Será que as regras de mercado podem afetar a percepção dos indivíduos sobre o que é correto fazer? A economia supõe que não. A evidência, porém, sugere que essa resposta deve ser reavaliada em alguns casos.
A pesquisa acadêmica em economia tem estudado, cada vez mais, temas diferentes, como os determinantes dos homicídios ou as razões pelas quais procrastinamos estudar para uma prova –assuntos muito distantes dos tradicionais, como juros e câmbio.
Na medida do possível, o estudo sobre os determinantes das decisões individuais requer dois grupos semelhantes de pessoas, sendo apenas um deles afetado pelas mudanças (o outro é denominado grupo de controle). A diferença observada nas escolhas dos indivíduos em cada grupo permite estimar o impacto das alterações realizadas.
Os economistas usualmente supõem que os valores individuais sobre o que é correto fazer não são afetados por alterações das regras de mercado ou pelos contratos adotados. As circunstâncias, porém, afetam as opções disponíveis e, por isso, resultam em diferentes escolhas.
Pode-se gostar mais de livro do que de cinema, mas, se o preço do livro aumenta, o seu consumo deve cair, em decorrência do novo custo relativo entre as diversas opções. As circunstâncias teriam alterado as escolhas possíveis, mas não os valores e as preferências individuais.
Um experimento realizado em Haifa, Israel, mostra que essa suposição nem sempre é correta. Algumas creches adotaram uma multa para os pais que se atrasassem para pegar seus filhos. Segundo a economia tradicional, como a impontualidade tornou-se mais cara, em decorrência da multa, o percentual de pais atrasados deveria ser reduzido.
Para testar a hipótese, o impacto da multa sobre a pontualidade dos pais foi comparado ao observado em outras creches, que não a adotaram (grupo de controle).
O resultado surpreendeu. O número de pais atrasados aumentou em comparação ao observado no grupo de controle, ao contrário do esperado. Depois de algum tempo, a multa foi retirada. Os atrasos, porém, não se reduziram.
A preocupação dos pais com a pontualidade fora alterada pela introdução temporária da multa. O atraso perdeu a sua conotação moral negativa, e a multa, aparentemente, foi interpretada como o preço pelo serviço de cuidar das crianças além do horário previsto. Retirada a multa, permaneceu a percepção de que a impontualidade não era moralmente repreensível.
Uri Gneezy e Aldo Rustichini contam essa história no artigo "A Fine is a Price, Journal of Legal Studies", de 2000. Teses podem ser propostas livremente. Melhor quando suportadas pelos dados disponíveis.
Será que as regras de mercado podem afetar a percepção dos indivíduos sobre o que é correto fazer? A economia supõe que não. A evidência, porém, sugere que essa resposta deve ser reavaliada em alguns casos.
A pesquisa acadêmica em economia tem estudado, cada vez mais, temas diferentes, como os determinantes dos homicídios ou as razões pelas quais procrastinamos estudar para uma prova –assuntos muito distantes dos tradicionais, como juros e câmbio.
Na medida do possível, o estudo sobre os determinantes das decisões individuais requer dois grupos semelhantes de pessoas, sendo apenas um deles afetado pelas mudanças (o outro é denominado grupo de controle). A diferença observada nas escolhas dos indivíduos em cada grupo permite estimar o impacto das alterações realizadas.
Os economistas usualmente supõem que os valores individuais sobre o que é correto fazer não são afetados por alterações das regras de mercado ou pelos contratos adotados. As circunstâncias, porém, afetam as opções disponíveis e, por isso, resultam em diferentes escolhas.
Pode-se gostar mais de livro do que de cinema, mas, se o preço do livro aumenta, o seu consumo deve cair, em decorrência do novo custo relativo entre as diversas opções. As circunstâncias teriam alterado as escolhas possíveis, mas não os valores e as preferências individuais.
Um experimento realizado em Haifa, Israel, mostra que essa suposição nem sempre é correta. Algumas creches adotaram uma multa para os pais que se atrasassem para pegar seus filhos. Segundo a economia tradicional, como a impontualidade tornou-se mais cara, em decorrência da multa, o percentual de pais atrasados deveria ser reduzido.
Para testar a hipótese, o impacto da multa sobre a pontualidade dos pais foi comparado ao observado em outras creches, que não a adotaram (grupo de controle).
O resultado surpreendeu. O número de pais atrasados aumentou em comparação ao observado no grupo de controle, ao contrário do esperado. Depois de algum tempo, a multa foi retirada. Os atrasos, porém, não se reduziram.
A preocupação dos pais com a pontualidade fora alterada pela introdução temporária da multa. O atraso perdeu a sua conotação moral negativa, e a multa, aparentemente, foi interpretada como o preço pelo serviço de cuidar das crianças além do horário previsto. Retirada a multa, permaneceu a percepção de que a impontualidade não era moralmente repreensível.
Uri Gneezy e Aldo Rustichini contam essa história no artigo "A Fine is a Price, Journal of Legal Studies", de 2000. Teses podem ser propostas livremente. Melhor quando suportadas pelos dados disponíveis.
Temer diz uma coisa e seu contrário - ELIO GASPARI
O Globo 04/09
Empossado na Presidência da República, Michel Temer apareceu duas vezes aos brasileiros. Numa primeira fala, gravada no Jaburu e transmitida à noite, prometeu “um país reconciliado, pacificado”. Na segunda, durante uma reunião do ministério, era outra pessoa: “Agora nós não vamos levar ofensas para casa.” Não se tratava de responder apenas aos que o insultam chamando-o de “golpista”. Diante da divisão de sua base de apoio, que preservou os direitos políticos de Dilma Rousseff, soltou-se: “Se é governo tem que ser governo. É [uma] divisão, também inadmissível. (...) O que não dá é para aliados nossos se manifestarem lá, no plenário, sem ter uma combinação conosco.” No dia seguinte o “inadmissível” virou um “pequeno embaraço”.
Pela clave do “inadmissível” ele não pacificará nem a bancada governista, cujos usos e costumes conhece como ninguém. A ideia de que o Planalto manda e o Congresso obedece destruiu Dilma Rousseff e Fernando Collor. Temer pode acreditar até em disco voador, mas não acredita nesse tipo de ordem unida.
Na simultaneidade e no antagonismo das duas falas expôs-se de forma surpreendente a opção preferencial do atual presidente pela ambiguidade. Não foi ele quem divulgou o teor da carta que enviou a Dilma Rousseff no ano passado. Vá lá. O áudio em que se apresentou como pretendente à “reunificação do país” teria sido conhecido por “acidente”. Essa já é mais difícil.
Instalado no Planalto, Temer ofereceu ajuste fiscal e contenção de despesas. Aliviou dívidas de estados que descumpriram contratos e abençoou um aumento salarial do ministros do Supremo Tribunal, com seu efeito cascata. Temer quer sanear as finanças e, no Brasil de hoje, só um doido acha que as contas públicas podem continuar como estão. Mas, durante seu breve governo, o demônio sempre esteve nos detalhes, e ganhou todas. As mudanças na legislação que regula obras e concessão públicas e levadas para a cozinha do palácio saíram das dipensas das empreiteiras.
Temer deu 31 anos de fidelidade política ao PMDB, mas ganha uma viagem ao Quênia quem souber o que isso significa. É certo, porém que sempre evitou bolas divididas. Seu temperamento reservado abriga uma personalidade enigmática. Move as mãos, mas não mexe os músculos do rosto nem altera a voz. De certa maneira, lembra Alec Guinness no papel do principe beduíno Faiçal do filme Lawrence da Arabia. Numa interpretação magistral, Sir Alec falava só com os olhos. Temer, nem isso.
Itamar Franco só achou um rumo quando chamou Fernando Henrique Cardoso para o ministério da Fazenda, José Sarney só conseguiu isso quando, abatido, recolheu-se à ilha do Curupu. A direção de Temer é uma incógnita. Mesmo que suas palavras tivessem o dom de gerar realidade, os dois discursos do dia de sua posse mostram que aquilo que parece ser um enigma é apenas um enigma.
DE RIO BRANCO@ORG PARA TEMER@GOV
Estimado presidente,
um breve bilhete para lembrar-lhe que em menos de seis meses vossa diplomacia já encrencou com a Venezuela, Equador, Bolívia, Uruguai e Cuba. Para cada encrenca o senhor deve ter bons motivos, mas minha experiência de dez anos como ministro das Relações Exteriores (os presidentes Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca serviram comigo) ensinou-me que o Brasil é grande demais para isso.
Na América do Sul nós precisamos ser um fator de moderação pois, como todos sabemos, há na região um antagonismo malsão, porém latente com os Estados Unidos.
O secretário de Estado John Kerry deve estar feliz. Desse jeito, os americanos conseguirão um papel moderador que nunca tiveram. Respeitosamente, Barão do Rio Branco
NOVA CONSTITUIÇÃO
Empossado na Presidência da República, Michel Temer apareceu duas vezes aos brasileiros. Numa primeira fala, gravada no Jaburu e transmitida à noite, prometeu “um país reconciliado, pacificado”. Na segunda, durante uma reunião do ministério, era outra pessoa: “Agora nós não vamos levar ofensas para casa.” Não se tratava de responder apenas aos que o insultam chamando-o de “golpista”. Diante da divisão de sua base de apoio, que preservou os direitos políticos de Dilma Rousseff, soltou-se: “Se é governo tem que ser governo. É [uma] divisão, também inadmissível. (...) O que não dá é para aliados nossos se manifestarem lá, no plenário, sem ter uma combinação conosco.” No dia seguinte o “inadmissível” virou um “pequeno embaraço”.
Pela clave do “inadmissível” ele não pacificará nem a bancada governista, cujos usos e costumes conhece como ninguém. A ideia de que o Planalto manda e o Congresso obedece destruiu Dilma Rousseff e Fernando Collor. Temer pode acreditar até em disco voador, mas não acredita nesse tipo de ordem unida.
Na simultaneidade e no antagonismo das duas falas expôs-se de forma surpreendente a opção preferencial do atual presidente pela ambiguidade. Não foi ele quem divulgou o teor da carta que enviou a Dilma Rousseff no ano passado. Vá lá. O áudio em que se apresentou como pretendente à “reunificação do país” teria sido conhecido por “acidente”. Essa já é mais difícil.
Instalado no Planalto, Temer ofereceu ajuste fiscal e contenção de despesas. Aliviou dívidas de estados que descumpriram contratos e abençoou um aumento salarial do ministros do Supremo Tribunal, com seu efeito cascata. Temer quer sanear as finanças e, no Brasil de hoje, só um doido acha que as contas públicas podem continuar como estão. Mas, durante seu breve governo, o demônio sempre esteve nos detalhes, e ganhou todas. As mudanças na legislação que regula obras e concessão públicas e levadas para a cozinha do palácio saíram das dipensas das empreiteiras.
Temer deu 31 anos de fidelidade política ao PMDB, mas ganha uma viagem ao Quênia quem souber o que isso significa. É certo, porém que sempre evitou bolas divididas. Seu temperamento reservado abriga uma personalidade enigmática. Move as mãos, mas não mexe os músculos do rosto nem altera a voz. De certa maneira, lembra Alec Guinness no papel do principe beduíno Faiçal do filme Lawrence da Arabia. Numa interpretação magistral, Sir Alec falava só com os olhos. Temer, nem isso.
Itamar Franco só achou um rumo quando chamou Fernando Henrique Cardoso para o ministério da Fazenda, José Sarney só conseguiu isso quando, abatido, recolheu-se à ilha do Curupu. A direção de Temer é uma incógnita. Mesmo que suas palavras tivessem o dom de gerar realidade, os dois discursos do dia de sua posse mostram que aquilo que parece ser um enigma é apenas um enigma.
DE RIO BRANCO@ORG PARA TEMER@GOV
Estimado presidente,
um breve bilhete para lembrar-lhe que em menos de seis meses vossa diplomacia já encrencou com a Venezuela, Equador, Bolívia, Uruguai e Cuba. Para cada encrenca o senhor deve ter bons motivos, mas minha experiência de dez anos como ministro das Relações Exteriores (os presidentes Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca serviram comigo) ensinou-me que o Brasil é grande demais para isso.
Na América do Sul nós precisamos ser um fator de moderação pois, como todos sabemos, há na região um antagonismo malsão, porém latente com os Estados Unidos.
O secretário de Estado John Kerry deve estar feliz. Desse jeito, os americanos conseguirão um papel moderador que nunca tiveram. Respeitosamente, Barão do Rio Branco
Muita água correrá debaixo da ponte até a campanha eleitoral de 2018. Dada a balbúrdia institucional instalada na política brasileira, pode-se esperar e, até mesmo, desejar que um ou mais candidatos subam nos palanques anunciando as linhas mestras do anteprojeto de uma nova Constituição, que será remetido ao novo Congresso depois de sua posse.
MADAME NATASHA
Madame Natasha tem em casa um altarzinho com as imagens dos procuradores da Lava-Jato e decidiu conceder uma bolsa de estudos cumulativa ao doutor Deltan Dallagnol pela seguinte lição:
“No Brasil existe uma cultura de garantismo hiperbólico monocular ou hipergarantismo”. Em seguida, explicou-se: “No Brasil existe um garantismo que não olha para os direitos das vítimas e da sociedade, apenas os dos réus. Por isso ele é monocular. E, alem disso, é excessivo, hiperbólico.”
A senhora acha que o doutor quís dizer apenas que os réus são favorecidos.
FICHA LIMPA
Madame Natasha tem em casa um altarzinho com as imagens dos procuradores da Lava-Jato e decidiu conceder uma bolsa de estudos cumulativa ao doutor Deltan Dallagnol pela seguinte lição:
“No Brasil existe uma cultura de garantismo hiperbólico monocular ou hipergarantismo”. Em seguida, explicou-se: “No Brasil existe um garantismo que não olha para os direitos das vítimas e da sociedade, apenas os dos réus. Por isso ele é monocular. E, alem disso, é excessivo, hiperbólico.”
A senhora acha que o doutor quís dizer apenas que os réus são favorecidos.
A ministra Cármen Lúcia, futura presidente do Supremo Tribunal, escolheu quase toda a equipe de assessores mais destacados.
Pediu à Polícia Federal e à Abin o “nada consta” de cada um, tendo o cuidado de comunicar antecipadamente a iniciativa a todos os convidados.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e acredita em tudo o que Michel Temer diz, inclusive na afirmação de que foi surpreendido pela votação que garantiu os direitos políticos de Dilma Rousseff.
O cretino é uma das poucas pessoas capazes de acreditar que uma coisa dessas acontece sem que Michel Temer saiba da manobra. Ele já tinha visto essa notícia nos jornais e viu o tamanho de sua idiotice quando o repórter Ilimar Franco revelou que o parecer amparando a iniciativa estava pronto desde o início do mês e tinha o apoio de Renan Calheiros há duas semanas.
O PSDB FICA
Assim como o PMDB nunca saiu do governo, o PSDB não sairá da base de Temer.
Se Mário Covas não tivesse apitado, os tucanos teriam entrado para o governo de Fernando Collor.
FILANTROPIA
Na primeira rodada de doações para a candidatura do petista Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo, a liderança ficou com o mineiro Walfrido dos Mares Guia.
Ele doou R$ 300 mil, dinheiro que não lhe fará falta. Mares Guia, ex-ministro de Lula e ex-vice governador de Minas, é um empresário abonado, grande acionista do grupo Kroton, a maior empresa educacional do país, com 1,5 milhão de alunos. (Haddad foi ministro da Educação.)
Atrapalhado no mensalão dos tucanos, Mares Guia foi beneficiado pela prescrição que beneficia cidadãos com mais de 70 anos.
Em março passado o empresário informou que habitualmente cedia seu jatinho a Lula: “O avião é meu. Empresto para quem desejo.”
EXÍLIO E ÓCIO
Pediu à Polícia Federal e à Abin o “nada consta” de cada um, tendo o cuidado de comunicar antecipadamente a iniciativa a todos os convidados.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e acredita em tudo o que Michel Temer diz, inclusive na afirmação de que foi surpreendido pela votação que garantiu os direitos políticos de Dilma Rousseff.
O cretino é uma das poucas pessoas capazes de acreditar que uma coisa dessas acontece sem que Michel Temer saiba da manobra. Ele já tinha visto essa notícia nos jornais e viu o tamanho de sua idiotice quando o repórter Ilimar Franco revelou que o parecer amparando a iniciativa estava pronto desde o início do mês e tinha o apoio de Renan Calheiros há duas semanas.
Assim como o PMDB nunca saiu do governo, o PSDB não sairá da base de Temer.
Se Mário Covas não tivesse apitado, os tucanos teriam entrado para o governo de Fernando Collor.
Na primeira rodada de doações para a candidatura do petista Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo, a liderança ficou com o mineiro Walfrido dos Mares Guia.
Ele doou R$ 300 mil, dinheiro que não lhe fará falta. Mares Guia, ex-ministro de Lula e ex-vice governador de Minas, é um empresário abonado, grande acionista do grupo Kroton, a maior empresa educacional do país, com 1,5 milhão de alunos. (Haddad foi ministro da Educação.)
Atrapalhado no mensalão dos tucanos, Mares Guia foi beneficiado pela prescrição que beneficia cidadãos com mais de 70 anos.
Em março passado o empresário informou que habitualmente cedia seu jatinho a Lula: “O avião é meu. Empresto para quem desejo.”
A partir de amanhã, com muito gosto, o signatário tirará proveito de quatro semanas de exílio voluntário para exercitar o ócio.
O dilema do PMDB - MERVAL PEREIRA
O Globo - 04/09
O governo recém-convalidado pela decisão do Senado de afastar a presidente Dilma Rousseff quer tudo, menos abrir uma crise em sua base de apoio parlamentar. Com seu jeito conciliador, o presidente Michel Temer, do outro lado do mundo, chamou de “pequenos embaraços” a crise política desencadeada pelo acordo entre o presidente do Senado Renan Calheiros e o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal, que resultou num benefício à presidente cassada que não estava inscrito na Constituição.
Na verdade, incomoda menos ao novo governo que Dilma continue com plenos direitos políticos, do que a impressão de que participou formalmente do acordo. O ministro das relações institucionais, Geddel Vieira Lima, que ficou no país “tomando conta da lojinha”, faz questão de deixar claro que o Palácio do Planalto não participou de nenhum acordo, embora repita o presidente Temer ao dizer que não haveria nenhum problema em participar, se a decisão significasse um gesto de benevolência partido do governo para distender o momento político.
Mas não foi isso o que aconteceu, garante Vieira Lima, que pede o testemunho do ex-líder do PSDB deputado Carlos Sampaio quanto à perplexidade que tomou conta de Temer e seus auxiliares diretos que assistiam ao julgamento juntos.
A decisão de não mandar barrar o acordo foi tomada devido ao receio de que pudesse ser anulada toda a sessão do impeachment, pois “o mais importante já havíamos conquistado” e não valia a pena colocar em risco o impeachment.
O ministro Geddel Vieira Lima acha que não há perigo de que os demais partidos da base, especialmente o PSDB, fiquem desconfiados do PMDB, pois, além do testemunho de Carlos Sampaio, o próprio presidente tucano Aécio Neves conversou com o presidente Temer.
Na verdade, Aécio atribuiu à sua conversa a declaração forte dada por Temer na primeira mensagem como presidente de direito, transmitida pela televisão, repudiando o acordo feito por baixo dos panos. Aliás, o tom excessivamente sincero utilizado nessa primeira fala chamou a atenção, mas tudo indica que ele precisava ali convencer seus parceiros de que não estava fazendo jogo duplo.
O que setores do governo comentaram com certo tom irônico foi o fato de o senador Renan Calheiros não ter desistido de viajar na comitiva oficial para a China depois de ter sido criticado tão duramente, embora sem ser nomeado, pelo presidente. E a expressão “tamos juntos” com que saudou Temer pareceu a muitos mais uma ameaça velada sobre as dificuldades dos dois do que um apoio sincero.
A disposição de Temer, porém, parece ser de conviver com Renan Calheiros apesar dos desencontros que continuarão a se suceder, pois precisará dele para a aprovação das reformas estruturais que enviará ao Congresso em breve.
O PMDB, que é uma federação partidária com diversas lideranças regionais, parece que permanecerá dessa forma durante o governo Temer, e vai depender da capacidade de conciliação do novo presidente para avançar no projeto d e governo.
Se, ao contrário, as disputas regionais e intrapartidárias prevalecerem, são grandes as chances de o terceiro governo do PMDB ter o destino do primeiro, o de Sarney, que teve o mérito de garantir a democracia, mas não o de consertar a economia brasileira, o que teria acontecido com o Plano Cruzado se os interesses políticos imediatos não tivessem tido prioridade naquele momento.
Temer, ao contrário, pode ter o destino de Itamar Franco, que usou sua presidência de transição para encaminhar um projeto de recuperação econômica dos mais bem-sucedidos de nossa História.
O governo recém-convalidado pela decisão do Senado de afastar a presidente Dilma Rousseff quer tudo, menos abrir uma crise em sua base de apoio parlamentar. Com seu jeito conciliador, o presidente Michel Temer, do outro lado do mundo, chamou de “pequenos embaraços” a crise política desencadeada pelo acordo entre o presidente do Senado Renan Calheiros e o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal, que resultou num benefício à presidente cassada que não estava inscrito na Constituição.
Na verdade, incomoda menos ao novo governo que Dilma continue com plenos direitos políticos, do que a impressão de que participou formalmente do acordo. O ministro das relações institucionais, Geddel Vieira Lima, que ficou no país “tomando conta da lojinha”, faz questão de deixar claro que o Palácio do Planalto não participou de nenhum acordo, embora repita o presidente Temer ao dizer que não haveria nenhum problema em participar, se a decisão significasse um gesto de benevolência partido do governo para distender o momento político.
Mas não foi isso o que aconteceu, garante Vieira Lima, que pede o testemunho do ex-líder do PSDB deputado Carlos Sampaio quanto à perplexidade que tomou conta de Temer e seus auxiliares diretos que assistiam ao julgamento juntos.
A decisão de não mandar barrar o acordo foi tomada devido ao receio de que pudesse ser anulada toda a sessão do impeachment, pois “o mais importante já havíamos conquistado” e não valia a pena colocar em risco o impeachment.
O ministro Geddel Vieira Lima acha que não há perigo de que os demais partidos da base, especialmente o PSDB, fiquem desconfiados do PMDB, pois, além do testemunho de Carlos Sampaio, o próprio presidente tucano Aécio Neves conversou com o presidente Temer.
Na verdade, Aécio atribuiu à sua conversa a declaração forte dada por Temer na primeira mensagem como presidente de direito, transmitida pela televisão, repudiando o acordo feito por baixo dos panos. Aliás, o tom excessivamente sincero utilizado nessa primeira fala chamou a atenção, mas tudo indica que ele precisava ali convencer seus parceiros de que não estava fazendo jogo duplo.
O que setores do governo comentaram com certo tom irônico foi o fato de o senador Renan Calheiros não ter desistido de viajar na comitiva oficial para a China depois de ter sido criticado tão duramente, embora sem ser nomeado, pelo presidente. E a expressão “tamos juntos” com que saudou Temer pareceu a muitos mais uma ameaça velada sobre as dificuldades dos dois do que um apoio sincero.
A disposição de Temer, porém, parece ser de conviver com Renan Calheiros apesar dos desencontros que continuarão a se suceder, pois precisará dele para a aprovação das reformas estruturais que enviará ao Congresso em breve.
O PMDB, que é uma federação partidária com diversas lideranças regionais, parece que permanecerá dessa forma durante o governo Temer, e vai depender da capacidade de conciliação do novo presidente para avançar no projeto d e governo.
Se, ao contrário, as disputas regionais e intrapartidárias prevalecerem, são grandes as chances de o terceiro governo do PMDB ter o destino do primeiro, o de Sarney, que teve o mérito de garantir a democracia, mas não o de consertar a economia brasileira, o que teria acontecido com o Plano Cruzado se os interesses políticos imediatos não tivessem tido prioridade naquele momento.
Temer, ao contrário, pode ter o destino de Itamar Franco, que usou sua presidência de transição para encaminhar um projeto de recuperação econômica dos mais bem-sucedidos de nossa História.
Fora com tudo - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 04/09
SÃO PAULO - Aconteceu. Dilma Rousseff sofreu o impeachment. A possibilidade de revogar mandatos presidenciais é um item necessário da democracia, que não opera distribuindo cheques em branco. O processo, contudo, foi mais traumático do que o estritamente necessário porque nossas regras para lidar com esses casos estão envelhecidas, permanecendo as mesmas desde 1891.
E, como o Brasil parece ter uma quedinha pelo impeachment, já tendo afastado dois dos quatro presidentes eleitos desde a redemocratização, sugiro modernizar um pouco as normas para fazê-lo. A medida mais óbvia é substituir o instituto do impeachment por crimes de responsabilidade, um conceito algo vaporoso, pela consulta direta ao eleitor.
Sim, estamos falando do famoso "recall", que existe na Venezuela e em vários Estados norte-americanos. Seria preciso estabelecer em quais condições o referendo revogatório poderia ser acionado. A regra não pode ser nem restritiva demais que simplesmente inviabilizasse o mecanismo, nem tão extensiva que transformasse a Presidência numa corrida de obstáculos para vencer pedidos de "recall". A convocação do referendo por maioria de 50% do Congresso me parece um bom ponto de partida para as discussões.
Eu também aproveitaria a insatisfação com a troca de Dilma por Temer para acabar com a figura dos vices para a chefia do Executivo nas esferas federal, estadual e municipal.
A existência desses substitutos pré-contratados é outra relíquia do século 19. O instituto talvez fizesse sentido num tempo em que as comunicações eram precárias e uma viagem isolava o presidente do país. Organizar um pleito também exigia meses de planejamento. Mas, hoje, celulares, computadores e urnas eletrônicas transformaram os vices num desperdício de verbas. Extingui-los nos pouparia de algumas conspirações e de 5.598 cargos na administração pública —sem contar os assessores.
SÃO PAULO - Aconteceu. Dilma Rousseff sofreu o impeachment. A possibilidade de revogar mandatos presidenciais é um item necessário da democracia, que não opera distribuindo cheques em branco. O processo, contudo, foi mais traumático do que o estritamente necessário porque nossas regras para lidar com esses casos estão envelhecidas, permanecendo as mesmas desde 1891.
E, como o Brasil parece ter uma quedinha pelo impeachment, já tendo afastado dois dos quatro presidentes eleitos desde a redemocratização, sugiro modernizar um pouco as normas para fazê-lo. A medida mais óbvia é substituir o instituto do impeachment por crimes de responsabilidade, um conceito algo vaporoso, pela consulta direta ao eleitor.
Sim, estamos falando do famoso "recall", que existe na Venezuela e em vários Estados norte-americanos. Seria preciso estabelecer em quais condições o referendo revogatório poderia ser acionado. A regra não pode ser nem restritiva demais que simplesmente inviabilizasse o mecanismo, nem tão extensiva que transformasse a Presidência numa corrida de obstáculos para vencer pedidos de "recall". A convocação do referendo por maioria de 50% do Congresso me parece um bom ponto de partida para as discussões.
Eu também aproveitaria a insatisfação com a troca de Dilma por Temer para acabar com a figura dos vices para a chefia do Executivo nas esferas federal, estadual e municipal.
A existência desses substitutos pré-contratados é outra relíquia do século 19. O instituto talvez fizesse sentido num tempo em que as comunicações eram precárias e uma viagem isolava o presidente do país. Organizar um pleito também exigia meses de planejamento. Mas, hoje, celulares, computadores e urnas eletrônicas transformaram os vices num desperdício de verbas. Extingui-los nos pouparia de algumas conspirações e de 5.598 cargos na administração pública —sem contar os assessores.
Triste fim - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
ESTADÃO - 04/09
Dilma pagou o preço de sua teimosia e da visão voluntarista da ‘nova matriz econômica’
Viramos uma triste página. Melhor teria sido que o governo Dilma Rousseff tivesse competência política e administrativa para chegar ao final. O que sobrou? Ilusões perdidas de quem acreditou no modo PT de governar, economia em recessão, desemprego em massa, escândalos, uma onda de desencanto.
Será a ex-presidente a única responsável? Não. Mas ela foi incapaz de manter as rédeas do governo e deixou evaporar as condições de governabilidade. Juntou-se a isso o crime de responsabilidade.
Uma pessoa eleita por 54 milhões de votos é derrubada, sendo inocente, como repisou a defesa petista? Houve um “golpe congressual” pela perda da maioria, como nos sistemas parlamentaristas? Tampouco. Em sua emotiva, mas racional argumentação, a doutora Janaína Paschoal sumarizou com pertinência o desrespeito às normas constitucionais. O impeachment requer fundamento jurídico (um desrespeito continuado à Constituição), mas é também um processo político (a falta de sustentação congressual e popular) e não tem necessariamente consequências capituladas no Código Penal. Foi jogando com este último aspecto que a presidente Dilma apelou retoricamente para sua “inocência” (não roubei, não tenho conta no exterior, etc.).
Diga-se em sua homenagem que, na parte lida do discurso perante o Senado e em boa parte da arguição, ela se mostrou “uma guerreira”. Se a guerrilheira do passado não era tão democrática como afirma, isso não apaga a nobreza de sua resistência ao arbítrio e à tortura. Tampouco, entretanto, sua combatividade justifica as “pedaladas fiscais”, os gastos não autorizados pelo Congresso, as centenas de bilhões de reais destinados à maciça transferência de renda em benefício de empresas nacionais e estrangeiras, via BNDES e subsídios fiscais, para não mencionar o fato de que presidia o Conselho de Administração da Petrobrás quando a empresa era assaltada em benefício de seu partido e da “base aliada”.
A presidente Dilma Rousseff pagou com o impeachment o preço de sua teimosia e da visão voluntarista que se consubstanciou na “nova matriz econômica”. E pagou também pela má companhia. Se a presidente não foi autora dos malfeitos, foi beneficiária política deles. Foram tantos os implicados nessa rede que, aos olhos do povo, ficou condenada toda a “classe política”. A ruína do governo petista provoca o desabamento do atual sistema político. Os erros vêm desde quando os partidos social-democratas (grosso modo, PSDB, PT, PSB e PPS) foram incapazes de inibir suas idiossincrasias e de conviver, divergindo quando fosse o caso.
O PT, herdeiro da visão de um mundo dividido em classes e organizado em torno do eixo direita-esquerda, encarou os liberal-conservadores, especialmente o PFL, como se fossem uma direita reacionária. Ao PSDB quis pintar como um partido da elite conservadora. A fatal decisão do primeiro governo Lula de se aliar aos “pequenos partidos”, e não ao PMDB – que representava o “centro” –, e transformar o PSDB em “partido inimigo” deu origem ao mensalão, que posteriormente encontrou réplica mais ampla no petrolão.
O PT de Lula abriu assim espaço para o oportunismo, o corporativismo dos vários “centrões”. O atual amálgama dos ultraconservadores em matéria comportamental com os oportunistas, clientelistas etc., forma o que eu denomino de “o atraso”. Meu governo e o de Lula, no início, ainda foram capazes de dar rumo ao País, o que forçou o atraso a jogar como coadjuvante. Mais recentemente, entretanto, houve uma inversão: o atraso passou a comandar as ações políticas, tendo Eduardo Cunha como figura exponencial. O mal-estar na sociedade, somado às informações sobre desmandos e corrupções que circulam numa sociedade livre e ao desenvolvimento de instituições estatais de controle externo, pôs em xeque o arranjo político institucional: o povo e as instituições reagiram e abriram espaço para a mudança de práticas.
Estamos assistindo, e não só no Brasil, aos efeitos das grandes transformações econômicas e tecnológicas. Sociedades estruturalmente fragmentadas por uma nova divisão do trabalho, culturalmente heterogêneas, com muitas dificuldades para manter a coesão social, com ampliação gigantesca da acumulação de capitais e interrogações sobre como oferecer empregos e reduzir a desigualdade.
Nesse tipo de sociedade as distinções de classe se mesclam com outras formas de identificação social. Nelas, paradoxalmente, os partidos perdem espaço e as narrativas capazes de juntar massas dispersas suprem o vazio criado na trama política. Por isso, o slogan: “É golpe”. O resto, as ligações efetivas dos petistas com interesses vários, os resultados de suas políticas e a identificação dos grupos que delas se beneficiaram, fica obscurecido pela força eventual da narrativa.
O desafio das lideranças renovadoras será criar, mais do que uma “narrativa”, propostas que desenhem caminhos para a Nação. Teremos capacidade, coragem e iniciativa para rever posturas, caminhos e alianças? Terá o PT disposição para uma verdadeira reconstrução e para o diálogo não hegemônico? E os demais partidos, inclusive e principalmente o PSDB, serão capazes de aglutinar a maioria, apesar de inevitáveis divergências?
O que vimos nas semanas passadas foi o rufar de tambores para a construção de um discurso: uma presidente inocente sendo destronada por golpistas ansiosos pelo poder. Mau começo para quem precisa se reinventar. A despeito disso, temos desafios comuns. Ou bem seremos capazes de reinventar o rumo da política ou novamente a insatisfação popular se manifestará nas ruas, sabe-se lá contra quem e a favor do quê. E não basta circus, belas palavras, também é preciso oferecer panis, um rumo concreto para o País e sua gente.
*Sociólogo, foi presidente da república
Dilma pagou o preço de sua teimosia e da visão voluntarista da ‘nova matriz econômica’
Viramos uma triste página. Melhor teria sido que o governo Dilma Rousseff tivesse competência política e administrativa para chegar ao final. O que sobrou? Ilusões perdidas de quem acreditou no modo PT de governar, economia em recessão, desemprego em massa, escândalos, uma onda de desencanto.
Será a ex-presidente a única responsável? Não. Mas ela foi incapaz de manter as rédeas do governo e deixou evaporar as condições de governabilidade. Juntou-se a isso o crime de responsabilidade.
Uma pessoa eleita por 54 milhões de votos é derrubada, sendo inocente, como repisou a defesa petista? Houve um “golpe congressual” pela perda da maioria, como nos sistemas parlamentaristas? Tampouco. Em sua emotiva, mas racional argumentação, a doutora Janaína Paschoal sumarizou com pertinência o desrespeito às normas constitucionais. O impeachment requer fundamento jurídico (um desrespeito continuado à Constituição), mas é também um processo político (a falta de sustentação congressual e popular) e não tem necessariamente consequências capituladas no Código Penal. Foi jogando com este último aspecto que a presidente Dilma apelou retoricamente para sua “inocência” (não roubei, não tenho conta no exterior, etc.).
Diga-se em sua homenagem que, na parte lida do discurso perante o Senado e em boa parte da arguição, ela se mostrou “uma guerreira”. Se a guerrilheira do passado não era tão democrática como afirma, isso não apaga a nobreza de sua resistência ao arbítrio e à tortura. Tampouco, entretanto, sua combatividade justifica as “pedaladas fiscais”, os gastos não autorizados pelo Congresso, as centenas de bilhões de reais destinados à maciça transferência de renda em benefício de empresas nacionais e estrangeiras, via BNDES e subsídios fiscais, para não mencionar o fato de que presidia o Conselho de Administração da Petrobrás quando a empresa era assaltada em benefício de seu partido e da “base aliada”.
A presidente Dilma Rousseff pagou com o impeachment o preço de sua teimosia e da visão voluntarista que se consubstanciou na “nova matriz econômica”. E pagou também pela má companhia. Se a presidente não foi autora dos malfeitos, foi beneficiária política deles. Foram tantos os implicados nessa rede que, aos olhos do povo, ficou condenada toda a “classe política”. A ruína do governo petista provoca o desabamento do atual sistema político. Os erros vêm desde quando os partidos social-democratas (grosso modo, PSDB, PT, PSB e PPS) foram incapazes de inibir suas idiossincrasias e de conviver, divergindo quando fosse o caso.
O PT, herdeiro da visão de um mundo dividido em classes e organizado em torno do eixo direita-esquerda, encarou os liberal-conservadores, especialmente o PFL, como se fossem uma direita reacionária. Ao PSDB quis pintar como um partido da elite conservadora. A fatal decisão do primeiro governo Lula de se aliar aos “pequenos partidos”, e não ao PMDB – que representava o “centro” –, e transformar o PSDB em “partido inimigo” deu origem ao mensalão, que posteriormente encontrou réplica mais ampla no petrolão.
O PT de Lula abriu assim espaço para o oportunismo, o corporativismo dos vários “centrões”. O atual amálgama dos ultraconservadores em matéria comportamental com os oportunistas, clientelistas etc., forma o que eu denomino de “o atraso”. Meu governo e o de Lula, no início, ainda foram capazes de dar rumo ao País, o que forçou o atraso a jogar como coadjuvante. Mais recentemente, entretanto, houve uma inversão: o atraso passou a comandar as ações políticas, tendo Eduardo Cunha como figura exponencial. O mal-estar na sociedade, somado às informações sobre desmandos e corrupções que circulam numa sociedade livre e ao desenvolvimento de instituições estatais de controle externo, pôs em xeque o arranjo político institucional: o povo e as instituições reagiram e abriram espaço para a mudança de práticas.
Estamos assistindo, e não só no Brasil, aos efeitos das grandes transformações econômicas e tecnológicas. Sociedades estruturalmente fragmentadas por uma nova divisão do trabalho, culturalmente heterogêneas, com muitas dificuldades para manter a coesão social, com ampliação gigantesca da acumulação de capitais e interrogações sobre como oferecer empregos e reduzir a desigualdade.
Nesse tipo de sociedade as distinções de classe se mesclam com outras formas de identificação social. Nelas, paradoxalmente, os partidos perdem espaço e as narrativas capazes de juntar massas dispersas suprem o vazio criado na trama política. Por isso, o slogan: “É golpe”. O resto, as ligações efetivas dos petistas com interesses vários, os resultados de suas políticas e a identificação dos grupos que delas se beneficiaram, fica obscurecido pela força eventual da narrativa.
O desafio das lideranças renovadoras será criar, mais do que uma “narrativa”, propostas que desenhem caminhos para a Nação. Teremos capacidade, coragem e iniciativa para rever posturas, caminhos e alianças? Terá o PT disposição para uma verdadeira reconstrução e para o diálogo não hegemônico? E os demais partidos, inclusive e principalmente o PSDB, serão capazes de aglutinar a maioria, apesar de inevitáveis divergências?
O que vimos nas semanas passadas foi o rufar de tambores para a construção de um discurso: uma presidente inocente sendo destronada por golpistas ansiosos pelo poder. Mau começo para quem precisa se reinventar. A despeito disso, temos desafios comuns. Ou bem seremos capazes de reinventar o rumo da política ou novamente a insatisfação popular se manifestará nas ruas, sabe-se lá contra quem e a favor do quê. E não basta circus, belas palavras, também é preciso oferecer panis, um rumo concreto para o País e sua gente.
*Sociólogo, foi presidente da república
Ajuste fiscal protegerá gastos sociais - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 04/09
O teto para as despesas públicas, projeto que o governo precisa aprovar, é uma garantia para o fluxo estável de recursos ao setor, sem as incertezas do populismo
O falacioso discurso político-ideológico foi usado à larga pela defesa da presidente Dilma, no processo de impeachment. Mais uma vez, assim como na estelionatária campanha eleitoral de 2014, mentiras foram ditas com a veemência de verdades irretocáveis.
É simbólica a cena produzida pelo marqueteiro João Santana e mulher, Mônica Moura, do desaparecimento de comida da mesa do povo, uma profecia caso a oposição ganhasse de Dilma as eleições. O casal Santana e Mônica passaria uma temporada na carceragem da Lava-Jato, em Curitiba, e Dilma sofreria impeachment, devido ao desrespeito a normas da Constituição e leis, como a da Responsabilidade Fiscal, na manipulação do Orçamento.
Por uma ironia trágica, o que passou a ameaçar a mesa do trabalhador foi mesmo o desemprego patrocinado pelos erros crassos da política econômica de Dilma e companheiros, o “novo marco macroeconômico”. A marquetagem foi suficiente para Dilma se reeleger, mas as expectativas negativas explodiram, com as evidências de descontrole fiscal, escondido até onde foi possível pela “contabilidade criativa” de Dilma, do ministro da Fazenda Guido Mantega e do secretário do Tesouro Arno Augustin.
Nos debates travados na Câmara e no Senado, a defesa da presidente tentou usar o mesmo truque: os defensores do impeachment desejariam cortar os gastos sociais. Ora, a própria Dilma foi quem começou a podá-los, em 2015, para compensar a farra de 2014. Atingido o objetivo, a vitória eleitoral, os cortes começaram. Esta é uma das mais visíveis impressões digitais do estelionato.
A questão foi exposta, de maneira clara, pela advogada de acusação, Janaína Paschoal, também signatária do pedido de impedimento. Em especial durante a campanha, muito dinheiro foi liberado para o Fies (financiamento aos estudantes universitários), Ciência Sem Fronteiras (bolsistas no exterior) e assim por diante. Alcançada a vitória nas urnas, veio o ajuste da própria Dilma.
Um levantamento da assessoria técnica do DEM, revelado pelo GLOBO, mostrou que até o Bolsa Família, antes de ser reajustado em 9%, foi reduzido em 5,5%. Para 2016, o orçamento do MEC, para gastos de livre provimento, não vinculados, foi menor que o de 2015. Apesar do slogan oficial “Pátria Educadora”.
A conclusão irrefutável: o descontrole fiscal permitido em despesas ditas sociais, com fins político-eleitorais, cobra alto preço à frente. O ajuste que o governo Temer tem de fazer — nem é cortar, mas congelar o crescimento dos gastos em termos reais — dará previsibilidade às contas públicas, uma garantia de estabilidade aos fluxos também para a área social.
Não se repetirão os problemas de 2015, quando bolsistas no exterior ficaram sem dinheiro, e créditos não foram liberados, por exemplo, para o pagamento de mensalidades de estudantes de renda mais baixa nas universidades.
O ajuste, portanto, preservará despesas em valores reais (considerando a inflação) e ainda forçará a que se pratique o saudável costume de avaliar-se o retorno das despesas feitas com o dinheiro do contribuinte. Algo da rotina no mundo privado e uma heresia na esfera pública, e causa de ineficiência, de desperdício de dinheiro do Erário e de corrupção.
O falacioso discurso político-ideológico foi usado à larga pela defesa da presidente Dilma, no processo de impeachment. Mais uma vez, assim como na estelionatária campanha eleitoral de 2014, mentiras foram ditas com a veemência de verdades irretocáveis.
É simbólica a cena produzida pelo marqueteiro João Santana e mulher, Mônica Moura, do desaparecimento de comida da mesa do povo, uma profecia caso a oposição ganhasse de Dilma as eleições. O casal Santana e Mônica passaria uma temporada na carceragem da Lava-Jato, em Curitiba, e Dilma sofreria impeachment, devido ao desrespeito a normas da Constituição e leis, como a da Responsabilidade Fiscal, na manipulação do Orçamento.
Por uma ironia trágica, o que passou a ameaçar a mesa do trabalhador foi mesmo o desemprego patrocinado pelos erros crassos da política econômica de Dilma e companheiros, o “novo marco macroeconômico”. A marquetagem foi suficiente para Dilma se reeleger, mas as expectativas negativas explodiram, com as evidências de descontrole fiscal, escondido até onde foi possível pela “contabilidade criativa” de Dilma, do ministro da Fazenda Guido Mantega e do secretário do Tesouro Arno Augustin.
Nos debates travados na Câmara e no Senado, a defesa da presidente tentou usar o mesmo truque: os defensores do impeachment desejariam cortar os gastos sociais. Ora, a própria Dilma foi quem começou a podá-los, em 2015, para compensar a farra de 2014. Atingido o objetivo, a vitória eleitoral, os cortes começaram. Esta é uma das mais visíveis impressões digitais do estelionato.
A questão foi exposta, de maneira clara, pela advogada de acusação, Janaína Paschoal, também signatária do pedido de impedimento. Em especial durante a campanha, muito dinheiro foi liberado para o Fies (financiamento aos estudantes universitários), Ciência Sem Fronteiras (bolsistas no exterior) e assim por diante. Alcançada a vitória nas urnas, veio o ajuste da própria Dilma.
Um levantamento da assessoria técnica do DEM, revelado pelo GLOBO, mostrou que até o Bolsa Família, antes de ser reajustado em 9%, foi reduzido em 5,5%. Para 2016, o orçamento do MEC, para gastos de livre provimento, não vinculados, foi menor que o de 2015. Apesar do slogan oficial “Pátria Educadora”.
A conclusão irrefutável: o descontrole fiscal permitido em despesas ditas sociais, com fins político-eleitorais, cobra alto preço à frente. O ajuste que o governo Temer tem de fazer — nem é cortar, mas congelar o crescimento dos gastos em termos reais — dará previsibilidade às contas públicas, uma garantia de estabilidade aos fluxos também para a área social.
Não se repetirão os problemas de 2015, quando bolsistas no exterior ficaram sem dinheiro, e créditos não foram liberados, por exemplo, para o pagamento de mensalidades de estudantes de renda mais baixa nas universidades.
O ajuste, portanto, preservará despesas em valores reais (considerando a inflação) e ainda forçará a que se pratique o saudável costume de avaliar-se o retorno das despesas feitas com o dinheiro do contribuinte. Algo da rotina no mundo privado e uma heresia na esfera pública, e causa de ineficiência, de desperdício de dinheiro do Erário e de corrupção.
O colapso da vontade - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 04/09
Ao contrário do que alardeiam os petistas, o impeachment da presidente Dilma Rousseff não foi um golpe contra a democracia, mas sim a interrupção do processo de degradação da democracia, liderado pelo partido que se dizia campeão da ética na política e que prometia o paraíso da retidão moral contra “tudo isso que está aí”. Foram mais de dez anos em que o País foi submetido a uma espécie de lavagem cerebral, por meio da qual se procurou desmoralizar toda forma de crítica ao projeto lulopetista, qualificando desde sempre seus opositores como “inimigos do povo” e, ultimamente, como “golpistas”.
Ao mesmo tempo, o PT, sob a liderança inconteste de Lula, passou todos esses anos empenhado em desmoralizar o Congresso, oferecendo a partidos e políticos participação no grande plano de assalto ao Estado arquitetado por aqueles que, tanto na cúpula petista como nos altos escalões do governo, tinham completo conhecimento do que ocorria. Tudo isso visava em primeiro lugar não ao enriquecimento pessoal da tigrada, embora uns e outros tenham se lambuzado com o melado que jorrava de estatais, mas sim à destruição do preceito básico de qualquer democracia: a alternância no poder. A corrupção, um mal que assola o Brasil desde o tempo das naus cabralinas, tornou-se pela primeira vez uma política de Estado e uma estratégia política.
Na mentalidade autoritária petista, a democracia é e sempre foi um estorvo, pois pressupõe que maiorias eventuais não podem tudo e devem se subordinar ao que prevê a Constituição, passando regularmente por testes de legitimidade. Logo, para se manter no poder para sempre, como pretendia, o PT tratou de proceder à demolição da própria política, inviabilizando qualquer forma de debate e dividindo a sociedade em “nós” e “eles”.
Com isso, as vitórias eleitorais, a partir da chegada do chefão Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, foram tratadas pelos governantes petistas como prova de que estavam acima de quaisquer limites administrativos, políticos, éticos e legais – portanto, dispensados de confirmar sua legitimidade. Desde sua fundação, o PT sempre entendeu que não deveria se submeter a nenhum limite de natureza institucional porque se considerava portador da verdade histórica. Com Lula na Presidência, o PT interpretou os votos que recebeu como uma espécie de realização de sua superioridade moral – e o partido apresentou-se como o único capaz de entender e satisfazer os desejos populares.
Foi assim que Lula se apresentou ao País e ao mundo como o demiurgo capaz de elevar o Brasil à condição de potência mundial e, de lambuja, transformar os pobres brasileiros em felizes consumidores de eletrodomésticos, carros e passeios de avião. Munido de grande carisma e de notória caradura, Lula prometeu um sem-número de obras grandiosas e projetos miraculosos. Entregou, em vez disso, apenas slogans, discursos e bravatas.
Mas o País, como que hipnotizado pelo gabola de Garanhuns, deixou-se enlevar por aquele palavrório vazio e, aparentemente destituído da capacidade crítica, não apenas reelegeu Lula, como abriu as portas da Presidência da República para a mais inepta administradora pública de que a história brasileira tem registro. Dilma Rousseff, no entanto, não pode ser vista como uma aberração. Ela não existiria politicamente se não fosse Lula, tampouco teria governado do modo desastroso como governou se não fosse petista. Pois os petistas, como demonstrou fartamente a agora destituída presidente, acreditam, graças às suas delirantes fantasias, que dinheiro público surge e se multiplica unicamente em razão da vontade do governante. Quem quer que ouse questionar essa visão irresponsável é considerado “invejoso” e “preconceituoso”, como Lula anunciou certa vez em 2007, ocasião em que disse que “é fácil ajudar os pobres”.
O impeachment de Dilma e a desmoralização do PT funcionam, portanto, como uma chance de ouro para o restabelecimento da racionalidade política e administrativa no País. Mais importante do que isso, o ocaso da era lulopetista restitui aos brasileiros a própria democracia – imperfeita, incompleta e carente de reformas, mas certamente preferível aos sonhos autoritários de Lula, de Dilma e da tigrada.
Ao contrário do que alardeiam os petistas, o impeachment da presidente Dilma Rousseff não foi um golpe contra a democracia, mas sim a interrupção do processo de degradação da democracia, liderado pelo partido que se dizia campeão da ética na política e que prometia o paraíso da retidão moral contra “tudo isso que está aí”. Foram mais de dez anos em que o País foi submetido a uma espécie de lavagem cerebral, por meio da qual se procurou desmoralizar toda forma de crítica ao projeto lulopetista, qualificando desde sempre seus opositores como “inimigos do povo” e, ultimamente, como “golpistas”.
Ao mesmo tempo, o PT, sob a liderança inconteste de Lula, passou todos esses anos empenhado em desmoralizar o Congresso, oferecendo a partidos e políticos participação no grande plano de assalto ao Estado arquitetado por aqueles que, tanto na cúpula petista como nos altos escalões do governo, tinham completo conhecimento do que ocorria. Tudo isso visava em primeiro lugar não ao enriquecimento pessoal da tigrada, embora uns e outros tenham se lambuzado com o melado que jorrava de estatais, mas sim à destruição do preceito básico de qualquer democracia: a alternância no poder. A corrupção, um mal que assola o Brasil desde o tempo das naus cabralinas, tornou-se pela primeira vez uma política de Estado e uma estratégia política.
Na mentalidade autoritária petista, a democracia é e sempre foi um estorvo, pois pressupõe que maiorias eventuais não podem tudo e devem se subordinar ao que prevê a Constituição, passando regularmente por testes de legitimidade. Logo, para se manter no poder para sempre, como pretendia, o PT tratou de proceder à demolição da própria política, inviabilizando qualquer forma de debate e dividindo a sociedade em “nós” e “eles”.
Com isso, as vitórias eleitorais, a partir da chegada do chefão Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, foram tratadas pelos governantes petistas como prova de que estavam acima de quaisquer limites administrativos, políticos, éticos e legais – portanto, dispensados de confirmar sua legitimidade. Desde sua fundação, o PT sempre entendeu que não deveria se submeter a nenhum limite de natureza institucional porque se considerava portador da verdade histórica. Com Lula na Presidência, o PT interpretou os votos que recebeu como uma espécie de realização de sua superioridade moral – e o partido apresentou-se como o único capaz de entender e satisfazer os desejos populares.
Foi assim que Lula se apresentou ao País e ao mundo como o demiurgo capaz de elevar o Brasil à condição de potência mundial e, de lambuja, transformar os pobres brasileiros em felizes consumidores de eletrodomésticos, carros e passeios de avião. Munido de grande carisma e de notória caradura, Lula prometeu um sem-número de obras grandiosas e projetos miraculosos. Entregou, em vez disso, apenas slogans, discursos e bravatas.
Mas o País, como que hipnotizado pelo gabola de Garanhuns, deixou-se enlevar por aquele palavrório vazio e, aparentemente destituído da capacidade crítica, não apenas reelegeu Lula, como abriu as portas da Presidência da República para a mais inepta administradora pública de que a história brasileira tem registro. Dilma Rousseff, no entanto, não pode ser vista como uma aberração. Ela não existiria politicamente se não fosse Lula, tampouco teria governado do modo desastroso como governou se não fosse petista. Pois os petistas, como demonstrou fartamente a agora destituída presidente, acreditam, graças às suas delirantes fantasias, que dinheiro público surge e se multiplica unicamente em razão da vontade do governante. Quem quer que ouse questionar essa visão irresponsável é considerado “invejoso” e “preconceituoso”, como Lula anunciou certa vez em 2007, ocasião em que disse que “é fácil ajudar os pobres”.
O impeachment de Dilma e a desmoralização do PT funcionam, portanto, como uma chance de ouro para o restabelecimento da racionalidade política e administrativa no País. Mais importante do que isso, o ocaso da era lulopetista restitui aos brasileiros a própria democracia – imperfeita, incompleta e carente de reformas, mas certamente preferível aos sonhos autoritários de Lula, de Dilma e da tigrada.