sexta-feira, agosto 26, 2016

Encher um balde furado - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 26/08

Trata-se obviamente de um cabo de guerra que ainda resulta em recessão, em uma baixa da produção, do PIB, que deve terminar o ano em um ritmo ainda horrendo de 3%.

O problema imediato é colocar mais força do lado certo da corda. Ou de como encher um balde ainda furado.

Isto é, trata-se de tomar medidas que permitam uma queda rápida e urgente das taxas de juros e estimular o investimento que não depende do aumento do consumo, que tão cedo não virá. Ou seja, investimento em obras de infraestrutura.

Depende-se, pois, do que Michel Temer e o Congresso Nacional vão fazer neste trimestre final de ano: dar alguma ordem mínima às contas do governo (aprovar o "teto") e colocar um plano de concessões na rua, que é para ontem, se o objetivo é ver algum canteiro em obras no ano que vem.

Soube-se nesta quinta-feira que o total de dinheiro emprestado na economia, o estoque de crédito, continua a baixar em passo acelerado. Em relação a julho do ano passado, está 7,9% menor, já descontada a inflação. É um tombo depressivo.

O crédito encolhe ainda mais rápido que a atividade econômica. Baixou a 51,4% do PIB em julho, próximo do nível de dezembro de 2013. Pelo menos a inadimplência parou de piorar.

Ainda ganha velocidade a destruição de empregos formais. Ao final de 2015, o país perdera 1,542 milhão de empregos. Nos doze meses contados até julho, foi-se ainda 1,7 milhão de empregos, segundo o Ministério do Trabalho. Coisa melhor não deve aparecer no balanço geral de empregos do IBGE.

Ressalte-se que a regressão no mercado de trabalho dito formal. As perdas do ano passado levaram o saldo inteiro de vagas criadas em 2014 e 2013. As perdas deste ano vão levar os empregos criados em 2012 e mais um pouco daqueles de 2011.

Nas pesquisas de confiança, empresários se dizem um tanto mais animados, cada vez mais, desde o final de 2015, ou menos desalentados, desafogo insuficiente para render um sorriso amarelo. Há menos propensão a demitir, mas ainda há.

Pelo menos, a confiança do comércio, por exemplo, voltou a um nível próximo daquele do início de 2015, de acordo com dados da FGV divulgados ontem. Foi então, no início de Dilma 2, que começou a grande hecatombe, o salto de qualidade para pior, para as profundas, da recessão.

As exportações dão força para o lado certo do cabo de guerra entre recessão e despiora da economia, claro, mas não se pode fazer grande coisa no curto prazo a fim de que se produza e venda mais para o exterior.

O investimento público não vai aumentar antes de 2018, se tanto, dadas as opções temerianas. Alguma recuperação mínima no investimento privado pode vir apenas de imponderáveis, dados os juros altos até pelo menos 2017 e o consumo baixando; pode ser maior se houver um plano decente de concessões de obras e serviços de infraestrutura, do qual ainda não se tem notícia confiável.

O time de Michel Temer ainda não apareceu para fazer força neste cabo de guerra entre recessão e despiora.

O juiz e o informante - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 26/08

Faltavam três minutos para as 18 horas quando o ministro Ricardo Lewandowski disse que, conforme o que fora acertado entre ele e os senadores, a sessão seria suspensa. Foi a única parte do combinado a ser respeitada: a hora do breve descanso. Os senadores que defendem a presidente Dilma Rousseff ignoravam desde a manhã tudo o que fora acertado previamente.

O ministro foi engolido pelas manobras rasas e previsíveis da bancada da defesa da presidente. Não era para falar do mérito nas questões de ordem, e eles assim o fizeram. Não deveriam usar a palavra para procrastinar, e foi isso o que conseguiram. Não deveriam reapresentar as perguntas com outras palavras, e eles se repetiram durante todo o dia. Deveriam fazer perguntas e não discursos. Nada foi respeitado. O ministro, às 16h34m, decorridas seis horas da sessão, chegou a avisar aos petistas:

— Daqui para a frente, serei muito rígido.

Não foi. Continuou sem pulso. O ato mais discutível da atuação de Lewandowski foi impugnar o procurador Júlio Marcelo de Oliveira como testemunha pelo compartilhamento de uma postagem no Facebook.

O procurador Júlio Marcelo de Oliveira tem um lado. Claro. O da defesa da lei fiscal. É mais ou menos como desqualificar todos os integrantes do Ministério Público da Força Tarefa da Lava-Jato por terem se pronunciado contra os crimes que investigam. Seria estranho se o procurador não tivesse uma opinião sobre as operações feitas pelo governo da presidente Dilma nos bancos públicos, já que ele tem que defender um ponto de vista junto ao Tribunal de Contas. Estudou o assunto, entendeu que houve operação de crédito ilegal usando bancos públicos, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, e isso ele tem dito desde o começo desse processo. Lewandowski achou que ele não é “isento”. Nenhuma das testemunhas o é, e o ministro sabe disso. O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa será ouvido como testemunha, arrolada pela defesa, não por ser isento em relação à política econômica que ele elaborou e executou.

Depois da decisão de Lewandowski, Júlio Marcelo passou a ser ouvido como informante, mas em alguns momentos parecia ser o réu, tantas as acusações que ouviu. Para se defender, teve até que revelar que em 2010 votou em Dilma. Não era ele que estava em questão, mas sim as decisões de uma política econômica desastrosa que desrespeitou frontalmente a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Os senadores da defesa da presidente repetiram o dia inteiro que o Ministério Público disse que não houve operação de crédito. Na verdade, quem se pronunciou sobre isso foi o procurador Ivan Cláudio Marques. Mas, estranhamente, ele não está na lista das testemunhas. Já que sua decisão é tão cara à defesa, deveria estar. Talvez a ausência se explique porque no mesmo ato em que disse que não se configura operação de crédito o procurador afirmou que há crime de improbidade administrativa. Também não foi arrolado ninguém da perícia do Senado que concluiu que não houve ato da presidente, talvez porque os peritos disseram que, sim, é uma operação de crédito.

O informante, como era chamado o tempo todo, informou aos senadores da defesa da presidente afastada fatos elementares da vida de um parlamento. Explicou que nenhum governante pode editar decretos sem autorização do Congresso porque essa é uma prerrogativa do legislativo. Que mesmo “despesas meritórias” para serem feitas precisam estar no Orçamento. São quitadas com recursos do governo federal e não de seus bancos. Que os bancos estaduais — exceto um do Rio Grande do Sul e outro do Distrito Federal — foram privatizados, por isso os governadores que, segundo o senador Paulo Paim, teriam cometido pedaladas não o fizeram. Pedalada fiscal é atrasar pagamentos a bancos públicos que o governo controla e não contabilizar essa dívida. Os governos estaduais não controlam mais os bancos desde o fim dos anos 1990, informou o informante aos desinformados senadores.

Os erros na condução do primeiro dia de julgamento não mudam o resultado, que deve dar 61 ou 62 votos a favor do afastamento definitivo da presidente Dilma. Mas os senadores do PT, do PC do B e da Rede mostraram mais uma vez, em cada intervenção, seu desprezo pelo ordenamento fiscal do país.

Modelo falido - EDITORIAL ZERO HORA - RS

ZERO HORA  - 26/08
Não é possível que tenhamos de continuar reféns da incompetência das autoridades e da sanha dos fora da lei


Toda vez que a imprensa noticia um crime brutal como o que nesta quinta-feira vitimou Cristine Fonseca Fagundes, que buscava o filho na saída da Escola Dom Bosco, em Porto Alegre, representantes de todos os poderes sustentam que cada um está fazendo a sua parte no combate à violência. Não é incomum que apresentem estatísticas positivas ou que atribuam a outros setores da custosa máquina pública a responsabilidade pelo problema, quando não culpam meios de comunicação por disseminarem o que seria uma exagerada sensação de insegurança ou por pedirem mais rigor com o crime. Mas a realidade é inquestionável, indesmentível, cruel até na exposição de uma verdade dolorosa: os gaúchos estão desprotegidos e a criminalidade se apresenta fora de controle porque o modelo de segurança no Estado está falido diante da impunidade que alimenta o terror nas ruas de nossas cidades.

Basta lembrar que recém completou uma semana um outro episódio dramático: a morte da médica Graziela Müller Lerias, baleada em circunstâncias semelhantes num semáforo da Avenida Sertório, também na Capital. No mesmo dia, é importante registrar, também foi executado o porteiro José Luís Godinho do Sacramento por um bandido que roubou a sua moto. Esses crimes inomináveis, que interrompem a vida de inocentes e traumatizam familiares e amigos para sempre, ocorrem quase diariamente. E tudo o que a população recebe como consolo é o esforço da polícia para identificar suspeitos e até prender alguns delinquentes, que não costumam ficar muito tempo atrás das grades, beneficiados pela legislação benevolente e pela falência do sistema prisional.

Senhor governador, senhor secretário de Segurança, senhores parlamentares, senhores juízes, autoridades policiais: a violência está fora de controle em nosso Estado. Por favor, em vez de simplesmente recomendar aos cidadãos que se cuidem, que não saiam de casa à noite, que não parem nas sinaleiras, que não reajam, mostrem que são dignos dos cargos que ocupam. Os gaúchos não querem saber se é assim em outros Estados ou se está faltando recursos para reforçar o policiamento. Querem, simplesmente, continuar vivos. Querem apenas recuperar o direito constitucional e humano de andar livremente pelas ruas sem o risco de serem alvejados por marginais, drogados e facínoras de todos os calibres.

Vamos reunir forças, vamos revisar a legislação, vamos construir presídios, vamos deixar tudo o mais de lado para garantir alguma segurança aos cidadãos. Não é possível que tenhamos de continuar reféns da incompetência das autoridades e da sanha dos fora da lei.

Proteção às agências reguladoras - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo - 26/08

A ingerência política pode deturpar seu papel de órgãos de Estado


Após a votação do impeachment de Dilma Rousseff, o presidente interino Michel Temer dará prioridade em sua agenda a seu Programa de Parcerias em Investimentos (PPI), o que deve trazer a reboque um debate sobre o papel das agências reguladoras. É desejo da equipe de Temer levar adiante uma proposta ainda em construção para dar mais poder aos ministérios, deixando as agências com um papel secundário, de fiscalização de contratos. A proposta reacende um modo de pensar que esteve presente nos governos do PT e cujas consequências podem ser a indesejada imposição da vontade do governo sobre o que deveria ser uma política de Estado.

As agências têm hoje a função de acompanhar setores da economia em que há a necessidade de organização da atividade, seja para a licitação ou concessão de bens públicos, seja para o acompanhamento de critérios de proteção à concorrência e ao consumidor. Faz parte de seu trabalho também fiscalizar o cumprimento dos contratos e impor sanções a quem descumprir os marcos regulatórios que elas estabelecem. Não são, portanto, órgãos que cumprem os planos de governo do Executivo, mas sim o braço que coloca em prática a regulação, estando sob fiscalização do Congresso e do Tribunal de Contas da União.

Nesse modelo, é importante que as agências tenham independência, já que a ingerência política pode facilmente deturpar seu papel de órgãos de Estado. Exatamente porque não devem se subordinar aos governos de plantão, elas foram enfraquecidas durante a gestão do PT, que tentou, sem sucesso, aprovar um projeto de lei que reduzia bastante a função desses órgãos.

O governo Temer, por sua vez, assumiu uma postura ambígua. Em um primeiro momento, anunciou apoio à tramitação de um projeto de lei do Senado que reforça a independência operacional das agências. O texto, já aprovado em comissão, reafirma a autonomia dessas estruturas e confere a elas um orçamento próprio. Também cria o instrumento da lista tríplice na nomeação das diretorias, reduzindo e escopo da prática do loteamento dessas repartições.

Ao mesmo tempo, uma parte do governo quer ir na direção oposta, de esvaziamento desses órgãos. Membros da equipe de Temer articulam uma lei que daria aos ministérios a função, hoje reservada às agências, de preparar os editais de concessões e leilões para exploração de bens públicos. Essa mudança, defendida pelo secretário-geral do PPI, Moreira Franco, daria ao Executivo o poder de cuidar diretamente de regras que precisam ser resguardadas de interesses particulares, inclusive do próprio governo.

Um exemplo de como essa mudança é delicada está nos setores de petróleo e energia elétrica. Em ambos o governo é dono de empresas que concorrem diretamente pelas concessões – Petrobras por blocos de exploração e Eletrobrás por projetos de geração e transmissão. Não é correto que o ministério que representa o governo nessas companhias elabore também os editais que ditará as regras das concorrências e dos contratos que posteriormente serão fiscalizados.

Além disso, ao tomar para si essa tarefa, o governo abre uma porta de influência política sobre uma atividade que é técnica. Um ministério, por melhor que seja seu corpo de servidores, tem uma cúpula nomeada por critérios políticos e que pode carregar compromissos que estão fora de uma agenda de longo prazo para o país.

O governo precisa fazer a escolha certa e abandonar a ambiguidade apoiando o aperfeiçoamento do projeto de lei que está no Senado – que ainda tem em seu texto a criação de ouvidorias subordinadas ao Executivo cuja função é obscura – e enterrando o quanto antes a ideia de tirar das agências seu poder de organizar as concessões e licitações de serviços públicos.

Delírios de poder - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 26/08

Na filosofia da ciência, distinguimos entre o contexto da descoberta e o da justificação. No primeiro, fatores extracientíficos exercem todo o tipo de influência. O exemplo sempre citado é o do químico alemão August Kekulé (1829-96), que teve o insight de como seria a estrutura dos anéis de benzeno ao sonhar com uma serpente engolindo a própria cauda. É claro que, na hora de justificar sua descoberta, não recorreu a serpentes, mas a argumentos científicos.

Algo parecido ocorre no mundo do Judiciário. A crise entre o STF e o Ministério Público teve como gatilho um fator extrajurídico, mais especificamente o corporativismo. Gilmar Mendes estrilou contra o MP e os vazamentos porque a vítima, desta vez, foi seu colega e amigo Dias Toffoli.

De modo análogo, existem razões para suspeitar que membros do MP utilizem as delações (e sua divulgação) de forma política, com o propósito de fazer avançar sua agenda, também ela um pouco corporativista, de reforma da legislação. A rápida sucessão de manifestos de associações de procuradores apoiando o MP só escancara esse corporativismo.

O fato de as motivações de nossos protagonistas não serem puramente jurídicas não implica que não haja importantes questões técnicas a discutir no que diz respeito aos vazamentos, à suspensão da delação de Léo Pinheiro e, principalmente, às dez propostas do MP de combate à corrupção, que incluem tanto ideias interessantes como despautérios.

Pretendo, em colunas futuras, analisar alguns desses tópicos. Em relação à delação de Pinheiro, não parece fazer muito sentido suspendê-la —pelo menos não enquanto o MP não der uma explicação plausível dos motivos que o levaram a isso.

De qualquer forma, a exemplo de Kekulé no contexto da justificação, é necessário que a discussão se trave em termos técnicos, não recorrendo a sonhos, serpentes ou a delírios de poder.

Depois da festa - FERNANDO GABEIRA

ESTADÃO -26/08

Vivemos intensamente o nosso espírito de cigarra. Agora é hora de baixar o de formiga



Critiquei a Olimpíada porque achava que fora decidida num período de crescimento econômico e acabou sendo realizada no auge de uma crise. No entanto, uma vez que a decisão era irreversível, o melhor seria desejar que os Jogos Olímpicos transcorressem sem grandes incidentes e as pessoas, satisfeitas, ganhassem mais energia para enfrentar os desafios que temos pela frente.

Creio que o sucesso do evento confirma as previsões daqueles que achavam que hospedar a Olimpíada era o máximo. Eu não achava isso. Apenas desejava o êxito, sobretudo neste momento histórico.

Mas os críticos que partiram de um mesmo patamar, acentuando problemas ambientais e de segurança, dificuldades econômicas, não ficaram de mãos vazias. Para começar, o próprio Comitê Olímpico Internacional (COI) reavaliou o sistema de escolha de cidades sede, reconhecendo que as Olimpíadas sobrecarregam a economia local e o meio ambiente.

A partir de agora, a tendência é realizar os jogos nas estruturas já existentes, respeitando o momento de austeridade e mudança de estilo de vida que a realidade impõe. O Brasil acabou, por vias tortas, contribuindo para as Olimpíadas, em escala global, com um legado de austeridade.

O saneamento básico ganhou nova dimensão quando apareceu na imprensa internacional como um fator negativo do País. E o governo se moveu, iniciando um processo de privatização ainda no curso dos próprios jogos.

A privatização do setor não significa uma saída mágica. Existem inúmeras cidades do mundo que realizam os serviços com recursos públicos.

O problema é que estamos muito atrasados e o Estado não pode responder à demanda. Nem a um bom socialista seria razoável pedir que espere uns dez anos para que o serviço não caia nas mãos da iniciativa privada.

Cruzada com a história da Operação Lava Jato, a trajetória do saneamento básico no Brasil pode viver, como outros aspectos da infraestrutura, uma importante mudança. Com tudo o que se conhece hoje sobre a relação das empreiteiras com os governos, é razoável duvidar se o País tem mesmo um planejamento ou apenas segue o ritmo de negócios lucrativos para empresários e políticos. Liberto dessa relação de dependência, o governo teria condições de pensar um planejamento de acordo com as necessidades reais do Brasil.

É apenas uma possibilidade, um legado da Lava Jato. O legado dos críticos da Olimpíada foi contribuir para que o tema entrasse na agenda. A repercussão internacional acabou enfatizando uma realidade que muitos consideram um dado da natureza. Agora despertam para essa lacuna na nossa trajetória.

Nem todos. Alguns comentários nas redes diziam que a prova de que a Baía Guanabara era limpa foi o mergulho dos atletas nas suas águas após a vitória.

Mas o ufanismo pode ser tratado à parte. Minhas dúvidas sobre ele é que é visto como um antídoto ao famoso complexo de vira-lata. Será mesmo?

Acabou a Olimpíada. Deve acabar oficialmente a longa passagem do PT pelo governo, deixando os antigos aliados em seu lugar. E também terminar a cinematográfica carreira política de Eduardo Cunha, que resultou em milhões de dólares nos bancos suíços.

Cunha passeava com a família pelos lugares mais caros do mundo e se elegia fazendo piedosos sermões religiosos numa rádio evangélica. Com os sermões e muita grana.

Não entendo por que governo e oposição não se unem para resolver esse caso o mais rápido possível, entregar Cunha a Sergio Moro e deixá-lo cuidar da tonelada de petições e recursos que escreverá na cadeia.

A política é feita muito de conflitos entre objetivos diferentes. Desprezar objetivos comuns apenas para manter os conflitos não é, a rigor, fazer política, mas, de uma certa forma, ser viciado em política.

Não há sentido de urgência para atender a uma demanda clara não só da sociedade, como da própria Justiça. Mesmo na remota data que escolheram, ainda transmitem insegurança sobre o quórum da sessão que cassará Cunha. Todas as pessoas informadas, contudo, jamais esquecerão o nome dos faltosos, que com sua ausência darão um abraço de afogados no ex-presidente da Câmara.

Resolvida essas questões, a Olimpíada ainda nos deve ocupar. Como foram gastos os recursos públicos, isso é algo que só virá com a transparência das contas. Nos últimos momentos, o governo injetou R$ 250 milhões na Paralimpíada.

O que está em jogo é o seguinte: quando as contas forem abertas, mesmo os mais entusiasmados com os Jogos Olímpicos vão reprovar os desvios e os equívocos, se forem demonstrados pelos números. Caso contrário, a realização da Olimpíada terá superado dois males numa só tacada: a incompetência e a corrupção.

Com todos os pequenos incidentes, o Brasil mostrou competência e alguns atores políticos, como o prefeito Eduardo Paes, devem se beneficiar. Lula, Sérgio Cabral e Dilma, a quem critiquei pela megalomania, também conseguiram realizar seu sonho.

São adversários. Mas tomados pelo espírito olímpico, podemos festejar também o impulso do governo no sentido de sair do marasmo nas obras de saneamento.

E festejar, sobretudo, a conclusão do COI ao decidir mudar o processo de escolha das cidades-sede, ajustando-se à realidade do mundo contemporâneo, que já emergiu, simbolicamente, na presença de uma delegação de atletas refugiados. Como dizem as plaquinhas em banheiro de hotel, o planeta agradece.

Enfatizo essa decisão do COI porque sempre foi muito próxima das minhas expectativas. Foi um grande risco ter trazido a Olimpíada para o Rio de Janeiro.

Decisão irreversível, o certo era desejar que tudo ou quase tudo desse certo. Vivemos intensamente o nosso espírito de cigarra. Agora é hora de baixar o espírito da formiga.

*Jornalista

Roteiro do desastre - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O Globo - 26/08


Dilma esteve direta e estreitamente envolvida em cada uma das mudanças de rumo que nos trouxeram ao colossal atoleiro


Tudo indica que o Senado está prestes a dar por encerrado o mandato da presidente Dilma. Confirmada a decisão, é preciso que o país saiba ir além dos termos estreitos em que, há meses, vem sendo travado o debate sobre o impeachment, e consiga ter perspectiva clara da trajetória de Dilma Rousseff em Brasília, desde que ali aportou, vinda de Porto Alegre, há cerca de 14 anos.

Em boa medida, essa trajetória demarca o descaminho dos governos petistas e o roteiro do desastre a que o país foi arrastado. De uma forma ou de outra, Dilma esteve direta e estreitamente envolvida em cada uma das mudanças equivocadas de rumo que nos trouxeram ao colossal atoleiro em que estamos metidos.

Quem quer que tivesse prestado atenção em seu desempenho como ministra de Minas e Energia, no primeiro governo Lula, já teria razões de sobra para ficar alarmado ao vê-la alçada a ministra-chefe da Casa Civil, em 2005, na esteira do descabeçamento do PT provocado pelo mensalão. Poucos meses depois, Dilma ganharia proeminência ainda maior no governo, quando, com assentimento do presidente Lula, liderou o torpedeamento da proposta de contenção da expansão do gasto público do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

O afastamento de Palocci, em março de 2006, e sua substituição por uma figura inexpressiva, que seria confirmada no cargo no segundo mandato de Lula, abriria espaço para inédita preponderância da Casa Civil na condução da política econômica.

O que se seguiu é por demais conhecido. A reorientação da política econômica, mais discreta de início, logo se tornou mais ostensiva, quando o agravamento da crise mundial trouxe o pretexto que faltava. As diretrizes que nortearam a política econômica do primeiro mandato foram rapidamente abandonadas. O rumo passou a ser dado pela “nova matriz econômica”, irresponsável pajelança voluntarista, desfraldada no segundo mandato de Lula, cujas consequências desastrosas podem ser hoje observadas com deprimente riqueza de detalhes.

Desde o início do primeiro governo Lula, Dilma manteve-se umbilicalmente ligada à Petrobras. “Eu estive presente em todos os momentos”, foi o que declarou em meados de 2014, ao se referir aos feitos da estatal nos dez anos anteriores. (“Folha de S.Paulo”, 2/7/2014). Como ministra de Minas e Energia, foi logo nomeada presidente do Conselho de Administração da empresa. E nesse cargo permaneceu até março de 2010, mesmo depois de ter passado a ser ministrachefe da Casa Civil, quando se tornou, a um só tempo, a figura-chave dos dois lados da complexa interface do Planalto com a Petrobras.

Foi no longo período que lhe coube zelar pelos melhores interesses dos acionistas da empresa, que nela foi montado o gigantesco esquema cleptocrático que viria a ser conhecido como petrolão. Centralizadora como era, Dilma jamais detectou a existência de qualquer irregularidade que pudesse levantar a mais leve suspeita de que havia um esquema daquelas dimensões em operação. Nada viu, nada notou. Nem na Petrobras, nem no Planalto.

A descoberta do pré-sal tornaria o envolvimento de Dilma com a Petrobras ainda mais intenso. Sobretudo depois de 2008, quando, preocupado com a inexperiência eleitoral de Dilma, Lula decidiu transformar o présal em inconsequente e espalhafatosa plataforma de lançamento de sua candidatura a presidente.

Em longa entrevista publicada em 2013, Lula se permitiu um relato franco das dificuldades que enfrentou para convencer a cúpula do PT a lançar Dilma como candidata a presidente, em 2010. Vale a pena ler de novo: “Eu sei o que eu aguentei de amigos meus, amigos mesmo, não eram adversários, dizendo: Lula, mas não dá. Ela não tem experiência, ela não é do ramo. Lula, pelo amor de Deus” (ver em http://zip.net/bntrGq).

Passados seis anos, Lula parece, afinal, plenamente convencido de que seus amigos estavam cobertos de razão. Cometeu um erro trágico, com consequências devastadoras, que custarão ao país muitos anos de reconstrução.

Os bandidos agradecem, Janot! - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 26/08

Para tentar preservar os porões do MP, Janot dá uma ajuda à bandidagem


Começo a minha coluna com uma saudação de rigor: "Tchau, Dilma!". Ou, para lembrar a governanta: "Às vezes, quem está na chuva não quer estar na chuva."

Agora ao Brasil do futuro.

Desde que li o poemeto "Anedota Búlgara", de Carlos Drummond de Andrade, não tomo os defensores de borboletas como expressão do bem absoluto, embora, em si, protegê-las me pareça uma boa ideia. Nem todos conhecem ou se lembram. É assim:

"Era uma vez um czar naturalista/ que caçava homens./ Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e/ andorinhas,/ ficou muito espantado/ e achou uma barbaridade."

Pegou fogo nesta semana e veio à superfície um embate antes subterrâneo envolvendo a Lava Jato. Há coisas que estão completamente fora do lugar –e minha crítica não é nova.

Um vazamento sobre as tratativas para a delação de Léo Pinheiro acendeu o sinal vermelho em vários setores do Judiciário. A "Veja" revelou que o nome do ministro Dias Toffoli, do Supremo, integrava um anexo oficioso que circulava lá pelo Ministério Público Federal. Não especulo sobre as fontes da revista. À imprensa não cabe guardar segredos, mas revelá-los. E segue sendo uma obrigação do poder público apurar os vazamentos. Cada um no seu quadrado. Se há porões no MPF –e, pelo visto, há–, a revista presta um serviço ao revelá-lo.

Nas democracias, se cada um cumprir o seu papel, as coisas avançam.

A aposta quase unânime é a de que o vazamento partiu do próprio MPF, o que Rodrigo Janot nega. De forma inexplicável, o homem pôs fim à delação de Léo Pinheiro, como se o vazamento do que ele assegura não existir (???) interessasse ao ex-chefão da OAS. Ora, a consequência prova que não.

Restou em muitos setores do meio jurídico a seguinte constatação: "Ai de quem discordar dos comandantes da Lava Jato! Terá a reputação maculada". Toffoli deu ao menos dois votos que não agradaram à força-tarefa. Ministros do Supremo lidam com a informação de que há uma espécie de esforço concentrado para fazer a Lava Jato chegar como um tsunami à Corte.

E como Rodrigo Janot respondeu à coisa? Pôs fim à delação de Léo Pinheiro. Ora, mantida a decisão, o empreiteiro levará para a lápide fria as informações que seriam certamente do interesse do país. A esta altura, há figurões rezando para que as coisas assim permaneçam, não é mesmo, Lula? A delação dos diretores da Odebrecht está em andamento. E se alguém que se sabe na mira resolver se antecipar e "vazar" sucessos de verões passados? Suspende-se também essa?

Qual é o ponto? O meritório trabalho do Ministério Público Federal e da PF, que está criando condições para um Brasil melhor do que aquele que teríamos sem ele, está sendo assediado pelo espírito de Savonarola que toma algumas lideranças. Pesquisem a respeito. O homem não era mau. Ele só não sabia distinguir Dante ou Botticelli de sabotadores da fé. Mandava tudo para a fogueira das vaidades.

Não temos Dantes e Botticellis dando sopa por aí. Mas nem todo mundo que discorda de alguns métodos dos bravos rapazes do MP, ou de suas propostas, são defensores da corrupção. Entre as tais 10 medidas, há a defesa de provas colhidas ilicitamente, "desde que de "boa fé". Hein? A "boa fé" de Robespierre era a guilhotina. A de Savonarola, a fogueira.

O ministro Gilmar Mendes chamou a proposta de "coisa de cretinos". E de cretinos contraproducentes, acrescento, que sempre conseguem o oposto do que almejam com a sua estupidez purificadora.

Ou não é isso que teremos se Léo Pinheiro levar seus segredos para o além?

O PT abre o jogo - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 26/08

A abertura da fase final do julgamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff deixou clara a estratégia que o lulopetismo adotou para tentar sobreviver politicamente. Não se trata mais de defender a presidente afastada das acusações que certamente lhe custarão o mandato, o que implicará para o PT o fim melancólico de um ciclo de poder de mais de 13 anos que culminou com a destruição do País. Isso ficou claro na reunião da Executiva que rejeitou por 14 votos a 2 a esdrúxula tese de Dilma de convocação de um plebiscito e antecipação de eleições. Daqui para a frente, como ficou demonstrado na sessão de ontem no Senado, o lulopetismo vai partir abertamente para a contestação da legitimidade dos poderes constituídos, renegando o sistema democrático que a duras penas vem sendo construído pelos brasileiros há mais de 30 anos, com base no argumento de que Dilma Rousseff é vítima – e, consequentemente, também o Partido dos Trabalhadores – de uma violência cometida por “eles”, os inimigos do povo.

“Este Senado não tem moral para julgar a presidenta Dilma Rousseff”, provocou aos berros a senadora petista Gleisi Hoffmann no plenário, causando um tumulto que obrigou o ministro Ricardo Lewandowski a suspender a sessão até que os ânimos serenassem. Foi o lance mais espetacular de um roteiro preestabelecido pelos lulopetistas e cumprido à risca: a reapresentação de cerca de uma dezena de questões de ordem indeferidas em fases anteriores do julgamento, que não eram mais do que pretexto para discursos contra o “golpe”, todas elas obviamente mais uma vez indeferidas por Lewandowski.

O comportamento dos lulopetistas demonstrou um deliberado desrespeito às normas do julgamento do impeachment definidas pelas lideranças partidárias de comum acordo com o ministro Lewandowski. Houve duas tentativas de procrastinar o julgamento. Não se tratava apenas de ganhar tempo e de abusar da paciência dos brasileiros ansiosos por ver encerrado esse lamentável episódio da história da República. A tropa de choque do PT valia-se da transmissão por rádio e televisão da sessão do Senado para promover a “narrativa política” lulopetista, como declarou, com todas as letras, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ).

A propagação de sua “narrativa” é um direito elementar de qualquer partido ou organização política. Mas o sistema democrático impõe a obediência à lei e o respeito ético aos acordos políticos. E os petistas e aliados infringiram ostensivamente os regulamentos que deveriam disciplinar a sessão de abertura do julgamento do impeachment. Essa bem planejada rebeldia pode até servir eleitoralmente para alguns deles, mas o que faz mesmo é comprometer negativamente, ainda mais, a imagem pública de uma instituição democrática fundamental como o Poder Legislativo.

Assim, o comportamento dos senadores que tentaram tumultuar a sessão mostra que o discurso da defesa não vai se limitar, até o final do julgamento, a demonstrar que Dilma é vítima dos inimigos das causas populares. Estará desenvolvendo e afinando um discurso de vitimização do PT que será o argumento central da tentativa de ressurreição política do lulopetismo.

O detalhe relevante dessa estratégia é que sua viabilidade depende de que o mandato presidencial de Dilma Rousseff seja efetivamente cassado. Dilma é a vítima-símbolo. Deverá, portanto, ser imolada no altar das causas populares para que possa ser usada como bandeira de luta por Lula e seus seguidores. É uma perspectiva muito mais atraente do que ter que arcar com o ônus de sofrer com a incompetência de Dilma por mais dois anos e pouco. Em português claro: o PT quer, precisa que Dilma Rousseff seja cassada. É uma questão de sobrevivência. Tudo o mais é pura hipocrisia, pois o partido não se dispõe nem mesmo a convalidar o argumento político mais forte que a presidente afastada conseguiu apresentar na tentativa de conquistar votos dos senadores para salvá-la do impeachment: o tal plebiscito para a antecipação das eleições presidenciais.

Grande teatro - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 26/08

Os próximos dias, as longas horas pela frente e o dia de ontem do julgamento final da presidente já afastada Dilma Rousseff fazem parte de um script preestabelecido há meses, que tem um desfecho para lá de previsível: o impeachment vai passar por 60 ou 61 votos e o presidente Michel Temer passará de interino a efetivo, herdando definitivamente a maior crise da história do Brasil.

Até mesmo os gritos e o destempero de um lado e outro já eram esperados nesse grande teatro, em que os senadores Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e Fátima Bezerra, do PT, e Vanessa Grazziotin, do PCdoB, são protagonistas desde a comissão do impeachment, encerrada com 59 votos contra Dilma, quatro a mais do que os necessários. Já na estreia do julgamento final, ontem, Gleisi berrou em tom de desafio que o Senado Federal e os senadores da República “não têm moral” para cassar “a presidenta”.

“Aqui não tem ninguém com moral para julgar ninguém, muito menos para afastar uma presidenta”, julgou a senadora. “Não sou ladrão de aposentado”, rebateu Ronaldo Caiado (DEM), numa referência direta ao marido da petista, o ex-ministro Paulo Bernardo, réu por desvio do crédito consignado. A partir daí, Gleisi insinuou que Caiado, líder ruralista, pratica “trabalho escravo” e, como Lindbergh fez coro, Caiado sugeriu que ele fizesse “um exame antidoping”. Os três sacudiram o ambiente, eletrizaram os telespectadores e ameaçaram entrar com processo daqui e dali. Mas não mudaram nada, um único voto.

Como também não mudam nada as testemunhas – ou o “informante”, no caso do procurador de contas Júlio Marcelo – e o falatório de defesa e de acusação. Lá se vão nove meses, o tempo passa, o tempo voa, mas os argumentos continuam iguaizinhos. Quantos votos a defesa de Dilma conseguirá mudar? E a acusação? O ex-ministro José Eduardo Cardozo e a professora Janaina Paschoal vão ficar roucos de tanto repetir no plenário tudo o que já vêm falando nesse tempo todo na comissão e no plenário da Câmara, na comissão e na pronúncia do Senado, mas que mágica podem fazer? Quem acha que houve crime de responsabilidade vai continuar achando, quem acha que não houve, também.

A grande e real expectativa é diante da ida de Dilma ao Congresso na segunda-feira, a partir das 9h, para enfrentar os senadores – em particular seus ex-ministros –, olho no olho. Vai sair faísca e é uma situação difícil de imaginar, que exige uma personalidade de ferro e pode gerar momentos inesquecíveis. Se é que Dilma não vá desistir na última hora, já que ela não é a melhor oradora do mundo, não conclui raciocínios, se atrapalha com conceitos, coleciona frases constrangedoras.

Se for, Dilma vai investir na versão do golpe e na vitimização: “Sou uma injustiçada”, repetirá à exaustão. Concretamente, porém, não tem mais nenhuma carta na manga, depois que o PT, seu próprio partido – ou melhor, o partido de Lula – desautorizou e jogou no lixo a tese de um plebiscito para antecipar as eleições de 2018, o que seria só risível, não fosse inconstitucional.

Em sendo assim, o julgamento vai se arrastar pelos próximos dias com os mesmos personagens, mesmas falas, mesmos gestos teatrais, para chegar a um “The End” que cada um ali sabe e a população brasileira espera. Dilma volta para o ostracismo em Porto Alegre e Michel Temer herda definitivamente a crise, com o PMDB e o PSDB às turras e ameaçando o inadiável ajuste fiscal, ponto zero da recuperação da economia. Conclusão: o resultado do impeachment todo mundo já imagina, o que vem depois é que são elas.

Civilidade. Do petista José Eduardo Cardozo sobre o tucano Antonio Anastasia, o duro relator da comissão do impeachment no Senado: “Respeito o Anastasia, que é um grande quadro”. Por essas e outras, ele também é.

Em busca da narrativa - MERVAL PEREIRA

O Globo - 26/08
O primeiro dia do julgamento da presidente afastada, Dilma Rousseff, teve tudo o que esse Congresso pode dar sem esforço nenhum: baixarias, quebra de regras mínimas de convivência, acusações em que geralmente os dois lados têm razão.

Tudo reflexo de um momento político rebaixado por instintos primitivos estimulados pela disputa em que o grupo petista já não luta mais pela manutenção do poder, mas pela tentativa de criar uma narrativa que permita disputar as eleições vindouras, inclusive a de 2018, com um mínimo de competitividade.

A senadora Gleisi Hoffman tantas fez, que acabou sendo repreendida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, depois que insistiu na afirmação de que o Senado não tem moral para julgar “a presidenta”.

Foi essa uma fala quase suicida, pois ela mesma, investigada pela Operação Lava-Jato por lavagem de dinheiro, se inclui no rol dos sem moral, e teve que enfrentar a acusação do senador Ronaldo Caiado sobre corrupção no Ministério do Planejamento, processo em que seu marido Paulo Bernardo tornou-se réu como integrante de um esquema que desviava dinheiro do empréstimo consignado.

O troco veio do senador petista Lindbergh Farias, que insinuou ligações de Caiado com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Daí para outras insinuações, de que Lindbergh é usuário de cocaína, foi um pulo, o que já demonstra qual será o clima daqui para a frente até a decisão final.

O presidente do julgamento, ministro Lewandowski, deixou-se levar pelas manobras petistas e transformou o procurador junto ao TCU Júlio Marcelo de testemunha em informante, aceitando a tese de que ele seria partidário do impeachment e não teria, portanto, isenção para testemunhar.

Ora, ele estava arrolado justamente como testemunha de acusação, e nada mais natural que, nessa qualidade, acusasse a presidente Dilma de ter ferido a Lei de Responsabilidade Fiscal, como está em seu relatório oficial. Na qualidade de informante, o procurador disse as mesmas coisas que vem dizendo desde o início do processo, e essa redução de status não reduziu a contundência de suas declarações.

As testemunhas “de defesa”, que, como o nome diz, testemunharão a favor da presidente Dilma, também passarão por esse mesmo critério e, como ressaltou a senadora Simone Tebet, serão impugnadas da mesma maneira. Especialmente uma que se tornou recentemente funcionária do gabinete da senadora Gleisi Hoffmann, não tendo, pelo critério adotado, independência para testemunhar.

Nada disso tem importância, porém, no resultado final, pois já existe uma sólida maioria a favor do impeachment, e restam agora senadores que buscam valorizar seus votos em busca de favores de última hora. A situação perderá, porém, se não tomar cuidado com o interrogatório da presidente afastada, Dilma Rousseff.

Se o clima permanecer nesse nível de tensão, poderemos ter um gran finale para o documentário que está sendo rodado por apoiadores do PT. Sem votos para manter a Presidência, a diminuta base de apoio do governo afastado trabalha com o objetivo de prolongar ao máximo o julgamento, e produzir cenas de resistência heroica, em busca da tal narrativa que permita a seus candidatos não esconder a estrela vermelha, como vinha fazendo, por exemplo, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.

Jogo duplo do PMDB - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 26/08

Não chega a trazer alívio a suspensão, até 8 de setembro, da tramitação no Senado do projeto que aumenta proventos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Melhor seria que ficasse adiada por prazo indefinido.

Na quadra em que se debate um teto constitucional para as despesas, incluindo saúde e educação, é impróprio decidir matéria dessa importância de forma desconectada de outras medidas de ajuste.

Se já havia controvérsia com a aprovação de afogadilho, em junho, de reajustes para diversas categorias, com impacto de R$ 67 bilhões até 2018, o clima na base de apoio do governo interino de Michel Temer (PMDB) ficou ainda pior com a benesse para o topo da pirâmide do funcionalismo.

A cizânia se instalou no Senado entre o PMDB, que buscava aprovar o aumento em regime de urgência, e o PSDB, que é contra. Tucanos ameaçam abandonar a aliança com peemedebistas, que estariam fazendo um jogo duplo.

O relator do projeto, Ricardo Ferraço (PSDB-ES), apresentou parecer contrário ao projeto. Os salários dos ministros do STF iriam de R$ 33,7 mil mensais para R$ 36,7 mil, com vigência a partir de junho passado, e alcançariam R$ 39,2 mil em 2017.

Uma insensatez. Não só pelos valores em si, superiores aos de vários países desenvolvidos, mas pelo efeito cascata nas carreiras do Judiciário e outras. Haveria despesa adicional de R$ 4,5 bilhões ao ano para União, Estados e municípios.

Enquanto senadores do PMDB teimam em adular corporações do funcionalismo, segue pendente na Casa o acordo do governo federal com os Estados para alívio do torniquete no caixa que afeta serviços essenciais para a população.

As corporações de servidores buscam aproveitar o que resta de interinidade a Temer para aumentar seu quinhão no Orçamento. Agem como se ignorassem a recessão e desprezassem os 11,6 milhões de brasileiros desempregados. Um governo de pulso arrostaria tais interesses particulares.

A questão tem de ser debatida de forma integrada. Se o teto vai achatar despesas com saúde, educação e Previdência, não há razão aceitável para isentar o funcionalismo da parte que lhe cabe desse ajuste. É falacioso, para não dizer cínico, argumentar que os aumentos já estavam previstos e por isso caberiam no Orçamento —um Orçamento deficitário em R$ 170,5 bilhões apenas neste ano.

O momento é grave e pede contenção de despesas com salários. Qualquer coisa aquém disso, agora, representará um favor descabido aos que já gozam de estabilidade de emprego e salários muito acima da renda média nacional.

Paz na Colômbia sinaliza nova era no continente - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 26/08

Tratado põe fim a 52 anos de conflito com as Farc, que custou 220 mil vidas, e soterra uma visão de mundo populista, ancorada em valores da Guerra Fria


Num acordo que vem sendo costurado há quatro anos, mediante complexas negociações e em meio a avanços e retrocessos, o governo da Colômbia e o maior grupo guerrilheiro do país, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), anunciaram na quarta-feira que um entendimento definitivo foi alcançado, colocando um ponto final em meio século de conflito. O conflito envolvendo maior grupo guerrilheiro da América Latina durou 52 anos, custou cerca de 220 mil vidas e forçou o deslocamento de mais cinco milhões de pessoas.

Os arquitetos do acordo trataram não apenas do fim das hostilidades militares, mas sobretudo desenharam um mapa para a reintegração de ex-guerrilheiros das Farc e grupos paramilitares à vida civil, o que exigiu o acerto de detalhes jurídicos minuciosos. O pacto terá ainda que ser referendado pela população colombiana por meio de plebiscito, a ser realizado em 2 de outubro.

O presidente Juan Manuel Santos apostou seu futuro político ao atuar como negociador e avalista do acordo. Ele enfrenta internamente a oposição do ex-presidente Álvaro Uribe, em cujo mandato, encerrado em 2010, o governo da Colômbia obteve importantes vitórias militares contra a guerrilha, empurrando as Farc para a negociação. Uribe, ecoando parte da população, afirma que o tratado é injusto ao anistiar os rebeldes de crimes e excessos. Os EUA, por sua vez, apoiam a iniciativa, afirmando em nota que ela representa “uma transformação notável”, levando o país para um futuro de otimismo e esperança, após várias gerações de colombianos submetidas ao conflito.

“Hoje começa o fim do sofrimento, da dor e da tragédia da guerra”, celebrou o presidente Santos, numa transmissão em cadeia nacional de TV. “Vamos abrir a porta para um novo estágio em nossa História”.

De fato, o tratado de paz na Colômbia marca uma virada histórica não só para a Colômbia, mas igualmente para todo o continente americano, ajudando a soterrar uma mentalidade nacional-populista cujas raízes foram fortalecidas na Guerra Fria. Não à toa, as conversações foram realizadas em Havana, cujo governo também dá passos históricos rumo a uma reaproximação com os EUA, trocando o fim do embargo econômico por uma abertura política. A ver.

O pacto com as Farc sinaliza, portanto, o esgotamento de um ciclo histórico, em que grupos de extrema-esquerda, disseminaram uma retórica “anti-imperialista” e a defesa de uma fantasiosa noção de soberania. As Farc encontraram eco em projetos políticos de poder, como o bolivarismo, e tiveram apoio do ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez e seu colega equatoriano, Rafael Correa. Até mesmo o lulopetismo, por meio do Foro de São Paulo, uma espécie de confederação de grupos de esquerda, acolheu representantes da guerrilha colombiana.