ESTADÃO - 20/08
Uma solução em curso é a efetivação, pelo Congresso Nacional, do ‘performance bond’
Longo período decorreu desde que, no Programa Roda Viva, da TV Cultura, de 15 de dezembro de 2014, foi apresentado e debatido um instrumento efetivo de combate à corrupção nas obras públicas. Trata-se do comprovado sistema conhecido como performance bonds, adotado nos EUA há exatos 120 anos e que tem o mérito de quebrar a interlocução direta das empreiteiras, geneticamente corruptas, com os agentes públicos prazerosamente encarregados de fraudar as concorrências e permitir o superfaturamento das obras públicas.
A resposta da opinião pública foi muito positiva à proposta, tendo havido, desde então, efetivas contribuições de especialistas e de entidades no sentido de formular um projeto de lei que implementasse essa solução estrutural de combate à corrupção. Um anteprojeto de lei foi efetivamente elaborado, a pedido do senador Cássio Cunha Lima, que em julho deste ano logrou ingressar como o PL n.º 274 no Senado, com rito terminativo na Comissão de Constituição e Justiça.
Convém lembrar, a título de curiosidade, que no mesmo dia do lançamento da proposta deperformance bond no Roda Viva a presidente, ora afastada, declarava, em seu discurso de diplomação no Tribunal Superior Eleitoral, que não deveriam ser punidas as empreiteiras corruptas, pois geravam empregos... E essa política de prevaricação, em face das empreiteiras do cartel da Petrobrás, foi efetivamente seguida, mediante a leniência escancarada da CGU, que jamais promoveu qualquer processo administrativo contra elas durante todo o governo dilmista. Ao contrário, continuaram elas a contratar livremente com o poder público e dele obter os financiamentos necessários a novas obras, no Dnit e em outros antros de corrupção do governo petista e suas aparelhadas estatais.
Mas esse quadro parece ter mudado. Já na segunda semana do novo governo o Ministério do Planejamento, por determinação do presidente em exercício, encampou o projeto do senador Cunha Lima, a fim de, efetivamente, implementar num prazo razoável a obrigatoriedade do regime de performance bond nas obras públicas contratadas.
A matéria está no Congresso não somente pelo projeto referido, como também por meio de emendas que o Ministério do Planejamento procura introduzir em outro projeto, n.º 559, do senador Fernando Bezerra, que deverá ser votado nas próximas semanas.
Há, com efeito, todo um movimento do atual Poder Executivo e de suas lideranças parlamentares visando à adoção do performance bond nas obras públicas. E esse sistema será um novo marco estrutural nas relações público-privadas no Brasil, em matéria de obras públicas.
Como é notório, prevalece entre nós o arcaico capitalismo de laços (crony capitalism), que se caracteriza como uma economia em que o sucesso nos negócios depende, necessariamente, das relações entre os empresários e os agentes públicos, tanto administrativos como políticos. No nosso caso, esse capitalismo de laços se caracteriza, portanto, como o regime da relação direta entre as empreiteiras e os agentes do Estado.
Essas construtoras de obras públicas, na sua totalidade, são controladas por grupos familiares, o que permite uma manipulação corruptiva continuada e cultivada dos agentes políticos e administrativos. Nessas empresas familiares quem manda são os controladores, muitas vezes fora do alcance da Operação Lava Jato.
Em alguns casos, esses familiares que operam o esquema da corrupção não são nem diretamente acionistas, refugiados que estão numa cadeia internacional de holdings. Essa verdadeira casta de empreiteiras de família, difusamente entrosadas com as autoridades, permite, que se formem os cartéis de obras, dos quais também participam multinacionais sediadas no exterior.
O remédio fundamental, portanto, para o combate estrutural à corrupção no setor público é o rompimento desse capitalismo de laços, ou seja, a quebra da interlocução, direta e promíscua, das empreiteiras e dos fornecedoras com os agentes políticos e administrativos. E esse rompimento se dá pela presença, no contrato de obras públicas, de uma seguradora que, obrigando-se a ressarcir o Estado, no caso de descumprimento, passa a fiscalizar permanentemente a respectiva obra, quanto aos prazos, à manutenção do preço ajustado e à qualidade dos materiais empregados.
O regime de performance bonds ampara-se em três elementos fundamentais: a obrigatoriedade da contratação da apólice em todos os contratos de obras públicas de valor relevante, a importância segurada em 100% do valor do contrato e a atribuição do poder de permanente fiscalização da obra e dos recebimentos/pagamentos pela seguradora. Esta passa a ser a principal interessada no cumprimento do contrato entre o poder público e a empreiteira.
Esse poder-dever de fiscalização permanente que tem a seguradora contratada pela empreiteira, a favor do ente público, acaba por eliminar as fraudes na execução da obra, sobretudo, nas mediações, nos aditivos e seus superfaturamentos, no cumprimento de prazos e na efetiva qualidade dos materiais utilizados.
Tem, ademais, a seguradora da obra pública três opções no lugar do puro e simples pagamento do sinistro, por inadimplemento da empreiteira: poderá ela própria assumir a obra, por sua conta e risco; ou poderá contratar, sob sua responsabilidade, outra empreiteira para concluir os trabalhos; ou, ainda, financiar a empreiteira inadimplente para que prossiga na sua execução. Essas alternativas ao pagamento puro e simples do sinistro dão maior viabilidade ao prosseguimento das obras, atendendo ao interesse público na sua efetiva conclusão.
A cidadania espera que esse movimento em torno da adoção do performance bond nas obras públicas seja levado avante pelo Congresso Nacional, o que permitirá uma mudança estrutural indispensável no combate à corrupção no setor público.
*Modesto Carvalhosa é advogado em São Paulo
sábado, agosto 20, 2016
Criminosos em campanha contra Sergio Moro - CLÁUDIO SLAVIERO
GAZETA DO POVO - PR - 20/08
O juiz federal é um símbolo do que a maioria dos brasileiros espera da Justiça, e, ao mesmo tempo, inimigo principal dos incriminados
Os petistas e agregados, apavorados com o fim de seu reinado no Palácio do Planalto, bem como na máquina pública, agridem a Moro nas manifestações pró-Dilma e pró-Lula, em curiosa troca de raciocínio
Um juiz de Maringá virou, por seu trabalho e seriedade, uma figura emblemática da potencialidade e da necessidade de Justiça neste país. Por ter colocado empresários, criminosos de “colarinho branco”, e políticos, independentemente de seu escalão – inclusive ex-ministros – na prisão, elencando dúzias em crimes de corrupção, formação de quadrilhas etc., Sergio Moro é um símbolo do que a maioria dos brasileiros espera da Justiça, e, ao mesmo tempo, inimigo principal dos incriminados.
Enquanto o presidente do Senado, Renan Calheiros, além de políticos parceiros, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandovski, como alguns membros desta Corte, tentam desmerecer as ações de Moro e a própria Justiça, também petistas e assemelhados esperneiam dentro e fora do Congresso Nacional com as atitudes saneadoras contra a corrupção.
Foi patético, no último dia 4, em sessão da Câmara Federal, com a presença de Sergio Moro, os petistas atacarem o juiz paranaense, como se ele, com a Operação Lava Jato, fosse a causa da derrocada do corrompido e corroído partido.
Entre outros, o deputado Wadih Damous (PT-RJ), um dos principais defensores de Dilma, criticou sugestões enviadas pelo Ministério Público à Câmara, que, segundo ele, “partem de um princípio de que o Brasil não tem ordenamento jurídico capaz de enfrentar a corrupção”, emendando: “Sou do tempo em que juiz só falava nos autos do processo, não se pronunciava sobre os casos. Sou de um tempo antigo, de respeito estrito à Constituição”. Seria de provocar risos, se não provocasse náusea.
Por sua vez, o presidente do STF manteve-se em absoluto silêncio quando Lula e seus advogados foram à Organização das Nações Unidas para tentar desmoralizar o Judiciário brasileiro, pedindo intervenção do Conselho de Direitos Humanos da ONU por “perseguições de órgãos da Justiça e Ministério Público do Brasil, e por imparcialidade...”. A ação é um soco na cara da Justiça brasileira e deveria indignar a todos que prezam o Poder Judiciário e as instituições.
Lewandovski, além de se manifestar sobre esta atitude desrespeitosa, deveria se preocupar com a morosidade do STF, que, segundo o jornal Valor, leva, em média, 945 dias para julgar uma ação contra parlamentares e ministros. Já a operação Lava Jato comandada pelo juiz Sergio Moro e pelo procurador Deltan Dallagnol obteve 989 mandatos executados, 1.291 procedimentos instaurados e 106 condenações criminais.
Ao mesmo tempo, Calheiros, que já teve seu nome citado inúmeras vezes nas investigações da Lava Jato e com mais de uma dezena de processos no STF, tenta impor uma lei para desacreditar e tirar o poder da Polícia Federal e do Ministério Público, em intenção no mínimo condenável.
O projeto prevê punição a servidores públicos e membros do Judiciário e MP, caso sejam feitas prisões fora das hipóteses legais, e escutas que atinjam pessoas investigadas. Moro, em recente entrevista, mais uma vez foi claro, ao comentar que “vê, no projeto, risco de punir juiz por interpretar a lei”!
Os petistas e agregados, apavorados com o fim de seu reinado no Palácio do Planalto, bem como na máquina pública, agridem a Moro nas manifestações pró-Dilma e pró-Lula, em curiosa troca de raciocínio, como se os bandidos fossem heróis e o herói devesse ser condenado por praticar justiça.
Enfim, enquanto um grupo de políticos, parlamentares e inclusive juízes, além de meliantes de alto quilate, tentam desmoralizar e desautorizar as atitudes do juiz Sérgio Moro, cabe aos brasileiros e, especialmente a nós, paranaenses, defendê-las quando, interpretando as leis, colaboram concretamente para promover a Justiça e limpar o país de corruptos e ladrões que emporcalham a nação brasileira. Desses, estamos cheios.
Cláudio Slaviero é empresário, ex-presidente da Associação Comercial do Paraná e autor do livro “A vergonha nossa de cada dia”
O juiz federal é um símbolo do que a maioria dos brasileiros espera da Justiça, e, ao mesmo tempo, inimigo principal dos incriminados
Os petistas e agregados, apavorados com o fim de seu reinado no Palácio do Planalto, bem como na máquina pública, agridem a Moro nas manifestações pró-Dilma e pró-Lula, em curiosa troca de raciocínio
Um juiz de Maringá virou, por seu trabalho e seriedade, uma figura emblemática da potencialidade e da necessidade de Justiça neste país. Por ter colocado empresários, criminosos de “colarinho branco”, e políticos, independentemente de seu escalão – inclusive ex-ministros – na prisão, elencando dúzias em crimes de corrupção, formação de quadrilhas etc., Sergio Moro é um símbolo do que a maioria dos brasileiros espera da Justiça, e, ao mesmo tempo, inimigo principal dos incriminados.
Enquanto o presidente do Senado, Renan Calheiros, além de políticos parceiros, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandovski, como alguns membros desta Corte, tentam desmerecer as ações de Moro e a própria Justiça, também petistas e assemelhados esperneiam dentro e fora do Congresso Nacional com as atitudes saneadoras contra a corrupção.
Foi patético, no último dia 4, em sessão da Câmara Federal, com a presença de Sergio Moro, os petistas atacarem o juiz paranaense, como se ele, com a Operação Lava Jato, fosse a causa da derrocada do corrompido e corroído partido.
Entre outros, o deputado Wadih Damous (PT-RJ), um dos principais defensores de Dilma, criticou sugestões enviadas pelo Ministério Público à Câmara, que, segundo ele, “partem de um princípio de que o Brasil não tem ordenamento jurídico capaz de enfrentar a corrupção”, emendando: “Sou do tempo em que juiz só falava nos autos do processo, não se pronunciava sobre os casos. Sou de um tempo antigo, de respeito estrito à Constituição”. Seria de provocar risos, se não provocasse náusea.
Por sua vez, o presidente do STF manteve-se em absoluto silêncio quando Lula e seus advogados foram à Organização das Nações Unidas para tentar desmoralizar o Judiciário brasileiro, pedindo intervenção do Conselho de Direitos Humanos da ONU por “perseguições de órgãos da Justiça e Ministério Público do Brasil, e por imparcialidade...”. A ação é um soco na cara da Justiça brasileira e deveria indignar a todos que prezam o Poder Judiciário e as instituições.
Lewandovski, além de se manifestar sobre esta atitude desrespeitosa, deveria se preocupar com a morosidade do STF, que, segundo o jornal Valor, leva, em média, 945 dias para julgar uma ação contra parlamentares e ministros. Já a operação Lava Jato comandada pelo juiz Sergio Moro e pelo procurador Deltan Dallagnol obteve 989 mandatos executados, 1.291 procedimentos instaurados e 106 condenações criminais.
Ao mesmo tempo, Calheiros, que já teve seu nome citado inúmeras vezes nas investigações da Lava Jato e com mais de uma dezena de processos no STF, tenta impor uma lei para desacreditar e tirar o poder da Polícia Federal e do Ministério Público, em intenção no mínimo condenável.
O projeto prevê punição a servidores públicos e membros do Judiciário e MP, caso sejam feitas prisões fora das hipóteses legais, e escutas que atinjam pessoas investigadas. Moro, em recente entrevista, mais uma vez foi claro, ao comentar que “vê, no projeto, risco de punir juiz por interpretar a lei”!
Os petistas e agregados, apavorados com o fim de seu reinado no Palácio do Planalto, bem como na máquina pública, agridem a Moro nas manifestações pró-Dilma e pró-Lula, em curiosa troca de raciocínio, como se os bandidos fossem heróis e o herói devesse ser condenado por praticar justiça.
Enfim, enquanto um grupo de políticos, parlamentares e inclusive juízes, além de meliantes de alto quilate, tentam desmoralizar e desautorizar as atitudes do juiz Sérgio Moro, cabe aos brasileiros e, especialmente a nós, paranaenses, defendê-las quando, interpretando as leis, colaboram concretamente para promover a Justiça e limpar o país de corruptos e ladrões que emporcalham a nação brasileira. Desses, estamos cheios.
Cláudio Slaviero é empresário, ex-presidente da Associação Comercial do Paraná e autor do livro “A vergonha nossa de cada dia”
O desafio do câmbio - EDITORIAL GAZETA DO POVO
Gazeta do Povo - PR - 20/08
Poucos empresários no mundo lidam com tantas variações cambiais em tão pouco tempo como no Brasil
O desarranjo na economia brasileira fez com que o país novamente caísse na armadilha das grandes oscilações cambiais. Após a desvalorização do real ocorrida entre o fim de 2014 e o início deste ano, o país se tornou a economia cuja moeda mais se valorizou no mundo neste ano, segundo dados do Banco de Compensações Internacionais (BIS). O movimento mostra as dificuldades de se conviver com o câmbio flutuante quando outros fundamentos econômicos são voláteis.
O câmbio flutuante foi adotado pelo Brasil somente em 1999. Ele era uma das pernas do tripé macroeconômico, completado pela meta de inflação e pelo controle das contas públicas. Nesse modelo, a taxa de juros é determinada em função da meta de inflação, que é perseguida com apoio da política fiscal e influenciada por uma variável não controlada, que é o câmbio.
O problema central do modelo é que, em um país instável na manutenção das variáveis que ele controla, o câmbio oscila de maneira violenta – isso mesmo com o Banco Central tendo adotado a postura de intervir no mercado com instrumentos derivativos e a compra e venda de moeda estrangeira. Os efeitos dessas variações reverberam durante meses e dificultam a construção de um cenário de longo prazo para quem está na economia real.
A desvalorização do real ocorrida entre julho de 2014 e setembro de 2015 foi de 31%, segundo dados do BIS que corrigem os índices pela inflação. Em seguida, houve uma valorização de 30% até julho deste ano. O primeiro movimento pressionou a inflação, influenciada pelos preços de produtos importados, mas abriu ao mesmo tempo a perspectiva de elevação das exportações. Em poucos meses, o cenário mudou e já começa a incomodar a indústria, que contava com o câmbio para elevar suas vendas ao exterior.
De fato, o movimento de desvalorização do real não foi suficiente para que as exportações compensassem a perda de atividade econômica interna. Neste ano, os embarques de produtos manufaturados apresentaram um recuo de 2,32%. A perda de competitividade da indústria nos anos de real forte foi tamanha que a melhora da cotação do dólar verificada até o início deste ano não foi suficiente para a conquista de novos mercados.
Não é de estranhar que comecem a aparecer vozes pedindo intervenções mais pesadas no câmbio, como fez o empresário Abílio Diniz – sua sugestão é que se aumente o imposto sobre a entrada de dólares trazidos por investidores. As reclamações são legítimas. Poucos empresários no mundo lidam com tantas variações cambiais em tão pouco tempo.
Ao mesmo tempo, intervenções muito pesadas no câmbio mascaram outros desequilíbrios macroeconômicos. Foi assim que a intervenção maciça feita pelo BC entre 2013 e 2014 para segurar a alta do dólar serviu para conter artificialmente a inflação que o governo Dilma Rousseff teimava em dizer que não existia. O saldo foi a criação de US$ 100 bilhões em derivativos cambiais que custaram bilhões em juros à autoridade monetária.
O primeiro passo para se amenizar o problema é a sustentação do tripé macroeconômico. O governo tem de apoiar sem ressalvas a manutenção da meta de inflação, com um ajuste fiscal duradouro. Isso reduzirá a especulação no mercado de juros, com o efeito benéfico sobre o grau de oscilação cambial.
A melhora macro pode ser acompanhada pela criação de um Comitê de Política Cambial, instrumento sugerido pelo atual presidente do BC, Ilan Goldfajn, em um trabalho feito antes de assumir o posto. Nos moldes da reunião que hoje decide a taxa de juros, o comitê avaliaria os movimentos cambiais para estabelecer políticas de gestão de reservas, taxação de entrada de recursos, entre outras variáveis. Isso melhoraria a comunicação com o mercado e produziria um modelo para reduzir a volatilidade .
Poucos empresários no mundo lidam com tantas variações cambiais em tão pouco tempo como no Brasil
O desarranjo na economia brasileira fez com que o país novamente caísse na armadilha das grandes oscilações cambiais. Após a desvalorização do real ocorrida entre o fim de 2014 e o início deste ano, o país se tornou a economia cuja moeda mais se valorizou no mundo neste ano, segundo dados do Banco de Compensações Internacionais (BIS). O movimento mostra as dificuldades de se conviver com o câmbio flutuante quando outros fundamentos econômicos são voláteis.
O câmbio flutuante foi adotado pelo Brasil somente em 1999. Ele era uma das pernas do tripé macroeconômico, completado pela meta de inflação e pelo controle das contas públicas. Nesse modelo, a taxa de juros é determinada em função da meta de inflação, que é perseguida com apoio da política fiscal e influenciada por uma variável não controlada, que é o câmbio.
O problema central do modelo é que, em um país instável na manutenção das variáveis que ele controla, o câmbio oscila de maneira violenta – isso mesmo com o Banco Central tendo adotado a postura de intervir no mercado com instrumentos derivativos e a compra e venda de moeda estrangeira. Os efeitos dessas variações reverberam durante meses e dificultam a construção de um cenário de longo prazo para quem está na economia real.
A desvalorização do real ocorrida entre julho de 2014 e setembro de 2015 foi de 31%, segundo dados do BIS que corrigem os índices pela inflação. Em seguida, houve uma valorização de 30% até julho deste ano. O primeiro movimento pressionou a inflação, influenciada pelos preços de produtos importados, mas abriu ao mesmo tempo a perspectiva de elevação das exportações. Em poucos meses, o cenário mudou e já começa a incomodar a indústria, que contava com o câmbio para elevar suas vendas ao exterior.
De fato, o movimento de desvalorização do real não foi suficiente para que as exportações compensassem a perda de atividade econômica interna. Neste ano, os embarques de produtos manufaturados apresentaram um recuo de 2,32%. A perda de competitividade da indústria nos anos de real forte foi tamanha que a melhora da cotação do dólar verificada até o início deste ano não foi suficiente para a conquista de novos mercados.
Não é de estranhar que comecem a aparecer vozes pedindo intervenções mais pesadas no câmbio, como fez o empresário Abílio Diniz – sua sugestão é que se aumente o imposto sobre a entrada de dólares trazidos por investidores. As reclamações são legítimas. Poucos empresários no mundo lidam com tantas variações cambiais em tão pouco tempo.
Ao mesmo tempo, intervenções muito pesadas no câmbio mascaram outros desequilíbrios macroeconômicos. Foi assim que a intervenção maciça feita pelo BC entre 2013 e 2014 para segurar a alta do dólar serviu para conter artificialmente a inflação que o governo Dilma Rousseff teimava em dizer que não existia. O saldo foi a criação de US$ 100 bilhões em derivativos cambiais que custaram bilhões em juros à autoridade monetária.
O primeiro passo para se amenizar o problema é a sustentação do tripé macroeconômico. O governo tem de apoiar sem ressalvas a manutenção da meta de inflação, com um ajuste fiscal duradouro. Isso reduzirá a especulação no mercado de juros, com o efeito benéfico sobre o grau de oscilação cambial.
A melhora macro pode ser acompanhada pela criação de um Comitê de Política Cambial, instrumento sugerido pelo atual presidente do BC, Ilan Goldfajn, em um trabalho feito antes de assumir o posto. Nos moldes da reunião que hoje decide a taxa de juros, o comitê avaliaria os movimentos cambiais para estabelecer políticas de gestão de reservas, taxação de entrada de recursos, entre outras variáveis. Isso melhoraria a comunicação com o mercado e produziria um modelo para reduzir a volatilidade .
Legisladores bêbados? - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 20/08
Nunca fui muito simpático à Lei da Ficha Limpa. Até acho que dá para defendê-la por razões táticas, mas, conceitualmente, eu a vejo como uma limitação do poder do voto do cidadão. Em princípio, eleitores deveriam ter a possibilidade de escolher alguém com problemas com a Justiça. Pense num Robin Hood, ou, num exemplo menos mitológico, num Lula em 2018. Não recomendaria reconduzir tão cedo o PT ao comando do governo federal, mas impedir o principal líder do partido de concorrer não soa lá muito democrático.
Seja como for, a Ficha Limpa veio para ficar. Isso dito, não gostei da decisão que o STF tomou nesta semana de determinar que apenas as Casas Legislativas têm poder para tornar inelegíveis políticos que tiveram suas contas reprovadas pelos tribunais de contas estaduais e municipais. O juízo parece contrariar a própria lógica da Ficha Limpa, que é a de submeter a filtros técnico-jurídicos os nomes que serão apresentados ao crivo do eleitor. Não há dúvida de que os tribunais de contas são órgãos mais técnicos do que câmaras e assembleias, que são instituições eminentemente políticas. E, se é para decidir politicamente e não tecnicamente, então faria mais sentido dar esse poder diretamente ao eleitor, revogando a Ficha Limpa.
Não sei se as pessoas que escreveram essa lei estavam bêbadas, como sustentou o ministro Gilmar Mendes, mas cometeram erros. Parece-me escandaloso que tenham equiparado a exclusão por órgão profissional a uma condenação judicial em segunda instância. Consigo imaginar algumas razões virtuosas que poderiam levar um advogado a ser expulso da OAB, por exemplo. Denunciar o corporativismo da Ordem é a mais óbvia.
O ponto central, me parece, é que a Ficha Limpa tem como pressuposto uma concepção equivocada, que é a de que é possível "corrigir" o eleitor fabricando leis e decretos que o impeçam de escolher "errado".
Nunca fui muito simpático à Lei da Ficha Limpa. Até acho que dá para defendê-la por razões táticas, mas, conceitualmente, eu a vejo como uma limitação do poder do voto do cidadão. Em princípio, eleitores deveriam ter a possibilidade de escolher alguém com problemas com a Justiça. Pense num Robin Hood, ou, num exemplo menos mitológico, num Lula em 2018. Não recomendaria reconduzir tão cedo o PT ao comando do governo federal, mas impedir o principal líder do partido de concorrer não soa lá muito democrático.
Seja como for, a Ficha Limpa veio para ficar. Isso dito, não gostei da decisão que o STF tomou nesta semana de determinar que apenas as Casas Legislativas têm poder para tornar inelegíveis políticos que tiveram suas contas reprovadas pelos tribunais de contas estaduais e municipais. O juízo parece contrariar a própria lógica da Ficha Limpa, que é a de submeter a filtros técnico-jurídicos os nomes que serão apresentados ao crivo do eleitor. Não há dúvida de que os tribunais de contas são órgãos mais técnicos do que câmaras e assembleias, que são instituições eminentemente políticas. E, se é para decidir politicamente e não tecnicamente, então faria mais sentido dar esse poder diretamente ao eleitor, revogando a Ficha Limpa.
Não sei se as pessoas que escreveram essa lei estavam bêbadas, como sustentou o ministro Gilmar Mendes, mas cometeram erros. Parece-me escandaloso que tenham equiparado a exclusão por órgão profissional a uma condenação judicial em segunda instância. Consigo imaginar algumas razões virtuosas que poderiam levar um advogado a ser expulso da OAB, por exemplo. Denunciar o corporativismo da Ordem é a mais óbvia.
O ponto central, me parece, é que a Ficha Limpa tem como pressuposto uma concepção equivocada, que é a de que é possível "corrigir" o eleitor fabricando leis e decretos que o impeçam de escolher "errado".
Ofensiva Meirelles - ADRIANA FERNANDES
ESTADÃO - 20/08
Fazenda vai passar a medir o pulso da confiança do mercado no plano de ajuste
A política fiscal não tem ainda um comitê decisório como o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, colegiado que define os rumos da taxa de juros do País, a Selic, com base na evolução de preços na economia.
Mas o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deu sinal verde para a sua equipe fazer um boletim nos mesmos moldes do relatório de inflação, documento que o BC divulga a cada três meses e serve para o Copom traçar o balanço de riscos para o cumprimento da meta de inflação. O relatório da Fazenda terá como foco a meta fiscal.
Depois do estrago provocado na imagem do ajuste das contas públicas com as negociações do projeto de reestruturação da dívida dos Estados, a equipe econômica desenhou uma ofensiva para melhorar a transparência da sua comunicação e evitar mais danos nesse período de transição entre a fase pós-impeachment e as eleições municipais de outubro, quando o Palácio do Planalto já espera uma negociação mais lenta das medidas fiscais no Congresso.
Meirelles segue o caminho de Ilan Goldfjan, que logo que assumiu o comando do Banco Central promoveu uma mudança radical na comunicação da política monetária, trazendo, inclusive, uma linguagem mais simples para a ata do Copom. Documento que sempre foi muito criticado por ser escrito em “coponês”, uma língua muito particular e de difícil entendimento para a maioria dos brasileiros.
O primeiro passo da estratégia de retomada das rédeas da confiança no ajuste começou esta semana, com a coordenação das expectativas em torno da previsão de crescimento do PIB do Brasil que servirá de base para a elaboração do Orçamento de 2017. Antes mesmo que começassem a crescer os rumores que circulavam com grande velocidade no mercado de que o governo iria “inflar” artificialmente o PIB para fechar o projeto de orçamento sem anúncio de medidas de aumento de imposto, a Fazenda surpreendeu e divulgou sua previsão: alta de 1,6%.
O governo também intensificou a articulação política com os aliados. O presidente em exercício Michel Temer chamou os tucanos, que lançaram nas últimas semanas artilharia pesada na direção do ajuste de Meirelles, e prometeu mais influência no núcleo decisório da economia. Temer tratou ainda de reunir as lideranças políticas nesta última sexta-feira para tratar da agenda econômica.
No campo da coordenação de expectativas e para evitar mais perda da confiança conquistada nos primeiros meses no cargo, Meirelles e sua equipe intensificaram as conversas com empresários e analistas. A Fazenda passará a ter reuniões permanentes com o mercado para medir o pulso da confiança no ajuste, como já faz há anos o BC com a inflação. A divulgação de relatórios fiscais trimestrais poderá ter, no entanto, um papel ainda mais importante ao fazer um mapa de todos os riscos para a estratégia de controle das contas públicas. E mais do que isso: expô-los com clareza.
Hoje, os relatórios fiscais que estão à disposição são muito pouco analíticos. O documento mensal do Tesouro, que traz o resultado das contas do governo, apenas descreve dados. E os relatórios bimestrais enviados ao Congresso, por exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), somente indicam se houve frustração de receita ou aumento de despesa e, em caso afirmativo, a necessidade de contingenciamento.
É por falta de transparência nos dados que os analistas demoraram muito para perceber desde 2012 a forte e rápida piora nas contas públicas. Assim, um relatório mais analítico poderá ser muito positivo. Qualquer informação adicional de qualidade da questão fiscal ajudará no debate e no enfrentamento de medidas. As pessoas no Brasil não conhecem o Orçamento e nem mesmo o que é ou não passível de corte no curto prazo.
É claro que um relatório desse tipo só terá sucesso ser for claro na análise. E que deixe à mostra para a sociedade os riscos fiscais que podem atrapalhar o cumprimento da meta fiscal. O documento só valerá a pena se o governo tiver coragem de mostrar todos os problemas.
Fazenda vai passar a medir o pulso da confiança do mercado no plano de ajuste
A política fiscal não tem ainda um comitê decisório como o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, colegiado que define os rumos da taxa de juros do País, a Selic, com base na evolução de preços na economia.
Mas o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deu sinal verde para a sua equipe fazer um boletim nos mesmos moldes do relatório de inflação, documento que o BC divulga a cada três meses e serve para o Copom traçar o balanço de riscos para o cumprimento da meta de inflação. O relatório da Fazenda terá como foco a meta fiscal.
Depois do estrago provocado na imagem do ajuste das contas públicas com as negociações do projeto de reestruturação da dívida dos Estados, a equipe econômica desenhou uma ofensiva para melhorar a transparência da sua comunicação e evitar mais danos nesse período de transição entre a fase pós-impeachment e as eleições municipais de outubro, quando o Palácio do Planalto já espera uma negociação mais lenta das medidas fiscais no Congresso.
Meirelles segue o caminho de Ilan Goldfjan, que logo que assumiu o comando do Banco Central promoveu uma mudança radical na comunicação da política monetária, trazendo, inclusive, uma linguagem mais simples para a ata do Copom. Documento que sempre foi muito criticado por ser escrito em “coponês”, uma língua muito particular e de difícil entendimento para a maioria dos brasileiros.
O primeiro passo da estratégia de retomada das rédeas da confiança no ajuste começou esta semana, com a coordenação das expectativas em torno da previsão de crescimento do PIB do Brasil que servirá de base para a elaboração do Orçamento de 2017. Antes mesmo que começassem a crescer os rumores que circulavam com grande velocidade no mercado de que o governo iria “inflar” artificialmente o PIB para fechar o projeto de orçamento sem anúncio de medidas de aumento de imposto, a Fazenda surpreendeu e divulgou sua previsão: alta de 1,6%.
O governo também intensificou a articulação política com os aliados. O presidente em exercício Michel Temer chamou os tucanos, que lançaram nas últimas semanas artilharia pesada na direção do ajuste de Meirelles, e prometeu mais influência no núcleo decisório da economia. Temer tratou ainda de reunir as lideranças políticas nesta última sexta-feira para tratar da agenda econômica.
No campo da coordenação de expectativas e para evitar mais perda da confiança conquistada nos primeiros meses no cargo, Meirelles e sua equipe intensificaram as conversas com empresários e analistas. A Fazenda passará a ter reuniões permanentes com o mercado para medir o pulso da confiança no ajuste, como já faz há anos o BC com a inflação. A divulgação de relatórios fiscais trimestrais poderá ter, no entanto, um papel ainda mais importante ao fazer um mapa de todos os riscos para a estratégia de controle das contas públicas. E mais do que isso: expô-los com clareza.
Hoje, os relatórios fiscais que estão à disposição são muito pouco analíticos. O documento mensal do Tesouro, que traz o resultado das contas do governo, apenas descreve dados. E os relatórios bimestrais enviados ao Congresso, por exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), somente indicam se houve frustração de receita ou aumento de despesa e, em caso afirmativo, a necessidade de contingenciamento.
É por falta de transparência nos dados que os analistas demoraram muito para perceber desde 2012 a forte e rápida piora nas contas públicas. Assim, um relatório mais analítico poderá ser muito positivo. Qualquer informação adicional de qualidade da questão fiscal ajudará no debate e no enfrentamento de medidas. As pessoas no Brasil não conhecem o Orçamento e nem mesmo o que é ou não passível de corte no curto prazo.
É claro que um relatório desse tipo só terá sucesso ser for claro na análise. E que deixe à mostra para a sociedade os riscos fiscais que podem atrapalhar o cumprimento da meta fiscal. O documento só valerá a pena se o governo tiver coragem de mostrar todos os problemas.
Brasil precisa de uma parceria estratégica de longo prazo com a China - MARCOS JANK
FOLHA DE SP - 20/08
Nos primeiros dias de setembro, o presidente Temer vai participar da cúpula do G20, na China.
Trata-se de uma viagem de imensa relevância, durante a qual o novo governo irá interagir com os líderes das principais economias do mundo. No encontro bilateral com Xi Jinping, Temer terá a oportunidade de inaugurar uma nova fase no relacionamento com a China, país com quem já interagiu diversas vezes e conhece em profundidade.
Creio que chegou a hora de apresentar as bases para construir uma verdadeira parceria estratégica de longo prazo com a China, que é, sem dúvida, o país com maior interesse pelo Brasil e dependência dele.
A China tornou-se o maior importador mundial de commodities e vai precisar do Brasil para atender a sua enorme demanda potencial. Apenas dois produtos —soja em grãos e minério de ferro— já fizeram da China nosso maior parceiro comercial, gerando uma revolução econômica em regiões importantes do Brasil. Ainda que de forma gradual e seletiva, a China começa a se abrir para outras commodities, como algodão, milho, trigo, açúcar e proteínas animais.
A experiência milenar de liderança fez da China um país que sabe estudar e planejar o seu futuro muitas décadas à frente. No Brasil, o planejamento é precário e imediatista, cobrindo meses ou, no máximo, uns poucos anos.
Nas commodities, somos basicamente "comprados" e não sabemos aonde queremos chegar. Nas nossas exportações, quem determina a pauta e a velocidade dos fluxos é a China, e nós temos aceitado o que ela quer sem muita discussão ou planejamento.
Nos investimentos, a China começou a internacionalizar suas empresas estatais, adquirindo terras e empresas originadoras de commodities pelo mundo afora, além de investir pesadamente em infraestrutura. Obviamente o objetivo de longo prazo da China é o controle estratégico das suas cadeias de suprimento.
Uma parceria estratégica de ganha-ganha no longo prazo certamente produziria fluxos de comércio com maior racionalidade e sentido econômico, além de uma pegada de água e energia mais sustentável. Poderíamos organizar adequadamente as cadeias de valor, garantindo a implementação dos investimentos chineses no Brasil e a entrada de produtos com valor adicionado e marca no mercado chinês. O Brasil atrairia os investimentos de que precisa, e a China reduziria os seus riscos geopolíticos e sanitários de suprimento.
Um ótimo exemplo é a questão dos volumes explosivos de exportação de soja e milho para alimentar aves e suínos na China. Se aceitarmos essa lógica passivamente, em breve teremos dificuldades para exportar carnes, pois o papel que a China nos reserva neste momento está no fornecimento de dois componentes da ração animal, e não no valor adicionado dos óleos vegetais e das carnes, em que poderíamos diferenciar produtos e consolidar marcas.
A relação Brasil-China tem sido dominada pelo "pequeno varejo" dos problemas regulatórios diários que impedem o comércio bilateral e a atração de investimentos. Nesse campo, a China sabe posicionar os seus interesses críticos em diferentes momentos e mesas de negociação, navegando com pragmatismo na desorganização estratégica brasileira.
Entendo que a construção de uma parceria estratégica deveria começar com bons cenários prospectivos de oferta e demanda no longo prazo e o entendimento franco dos interesses e restrições de cada parte. Disso nasceria uma agenda bilateral consistente nas áreas de comércio, investimentos, agronegócio, tecnologia, infraestrutura, integração de cadeias produtivas e sustentabilidade, no seu sentido amplo.
Tenho notado que o governo Temer está ciente e engajado nessa direção. É hora de lançar as bases dessa parceria estratégica e jogar com time, coordenação e habilidade.
Nos primeiros dias de setembro, o presidente Temer vai participar da cúpula do G20, na China.
Trata-se de uma viagem de imensa relevância, durante a qual o novo governo irá interagir com os líderes das principais economias do mundo. No encontro bilateral com Xi Jinping, Temer terá a oportunidade de inaugurar uma nova fase no relacionamento com a China, país com quem já interagiu diversas vezes e conhece em profundidade.
Creio que chegou a hora de apresentar as bases para construir uma verdadeira parceria estratégica de longo prazo com a China, que é, sem dúvida, o país com maior interesse pelo Brasil e dependência dele.
A China tornou-se o maior importador mundial de commodities e vai precisar do Brasil para atender a sua enorme demanda potencial. Apenas dois produtos —soja em grãos e minério de ferro— já fizeram da China nosso maior parceiro comercial, gerando uma revolução econômica em regiões importantes do Brasil. Ainda que de forma gradual e seletiva, a China começa a se abrir para outras commodities, como algodão, milho, trigo, açúcar e proteínas animais.
A experiência milenar de liderança fez da China um país que sabe estudar e planejar o seu futuro muitas décadas à frente. No Brasil, o planejamento é precário e imediatista, cobrindo meses ou, no máximo, uns poucos anos.
Nas commodities, somos basicamente "comprados" e não sabemos aonde queremos chegar. Nas nossas exportações, quem determina a pauta e a velocidade dos fluxos é a China, e nós temos aceitado o que ela quer sem muita discussão ou planejamento.
Nos investimentos, a China começou a internacionalizar suas empresas estatais, adquirindo terras e empresas originadoras de commodities pelo mundo afora, além de investir pesadamente em infraestrutura. Obviamente o objetivo de longo prazo da China é o controle estratégico das suas cadeias de suprimento.
Uma parceria estratégica de ganha-ganha no longo prazo certamente produziria fluxos de comércio com maior racionalidade e sentido econômico, além de uma pegada de água e energia mais sustentável. Poderíamos organizar adequadamente as cadeias de valor, garantindo a implementação dos investimentos chineses no Brasil e a entrada de produtos com valor adicionado e marca no mercado chinês. O Brasil atrairia os investimentos de que precisa, e a China reduziria os seus riscos geopolíticos e sanitários de suprimento.
Um ótimo exemplo é a questão dos volumes explosivos de exportação de soja e milho para alimentar aves e suínos na China. Se aceitarmos essa lógica passivamente, em breve teremos dificuldades para exportar carnes, pois o papel que a China nos reserva neste momento está no fornecimento de dois componentes da ração animal, e não no valor adicionado dos óleos vegetais e das carnes, em que poderíamos diferenciar produtos e consolidar marcas.
A relação Brasil-China tem sido dominada pelo "pequeno varejo" dos problemas regulatórios diários que impedem o comércio bilateral e a atração de investimentos. Nesse campo, a China sabe posicionar os seus interesses críticos em diferentes momentos e mesas de negociação, navegando com pragmatismo na desorganização estratégica brasileira.
Entendo que a construção de uma parceria estratégica deveria começar com bons cenários prospectivos de oferta e demanda no longo prazo e o entendimento franco dos interesses e restrições de cada parte. Disso nasceria uma agenda bilateral consistente nas áreas de comércio, investimentos, agronegócio, tecnologia, infraestrutura, integração de cadeias produtivas e sustentabilidade, no seu sentido amplo.
Tenho notado que o governo Temer está ciente e engajado nessa direção. É hora de lançar as bases dessa parceria estratégica e jogar com time, coordenação e habilidade.
Coluna do Moreno - JORGE BASTOS MORENO
O Globo - 20/08
ASSESSOR TIRA CERVO DO ARMÁRIO
Ao tentar desmentir relatórios oficiais sobre desaparecimento de objetos da Presidência da República, publicados aqui, um assessor da presidente afastada, Dilma Rousseff, sem querer, acabou desvendando um dos maiores mistérios da República: o desaparecimento do cervo búlgaro, presente pessoal do governo daquele país à presidente filha de pai búlgaro.
O veadinho da Dilma estava dentro de um armário no Alvorada, entre tantos outros objetos pessoais da presidente.
O presente chegou a ficar por uns dias no gabinete da presidente. Só que o assessor não sabe é que o sumiço do veadinho foi denunciado, na época, por seus próprios antecessores no cargo.
Somente agora é que o assessor tirou o veadinho do armário para fotografá-lo e enviar uma cópia para a coluna, provando que ele nunca esteve sumido. E que, ao contrário do que foi publicado, o cervo não é de porcelana, mas de ferro fundido, banhado a ouro. Chiquérrimo!
Em suspense
Michel Temer pediu aos líderes da base no Senado que deixem para aprovar o aumento salarial dos ministros do Supremo, do procurador-geral da República e dos defensores públicos somente após o julgamento final do impeachment.
Depois das críticas de que havia concedido aumentos a diversas categorias devido à sua situação de fragilidade como interino, Temer decidiu que o melhor é que o novo pacote de bondades saia com ele já como presidente efetivo.
Dádiva
Do deputado Heráclito Fortes, que virou ouvidor-geral da Câmara esta semana:
— Eu queria mesmo era ser falador-geral!! Tem razão o deputado. Não foi por acaso que Deus o presenteou com aquela boca enorme e com a língua ferina.
Pegadinha
Informado pelo chefe do cerimonial do Itamaraty de que teria que receber os chefes de Estado antes do encerramento da Olimpíada, no Rio, ao lado de Serra, Rodrigo Maia, chamado pejorativamente de “alevino” pelo ministro, perguntou ao diplomata se poderia fazer a recepção sem ter o chanceler ao seu lado.
Vendo a cara assustada do interlocutor, o presidente da Câmara logo alegou que estava brincando.
Tchau, querida!
Nenhum petista dirá isso em público, mas predomina no partido o desejo de que Dilma Rousseff não demore a executar o projeto de passar uma temporada no exterior uma vez encerrado o julgamento do impeachment.
A distância facilitaria um pouco a vida dos candidatos da sigla nas eleições de outubro. Avaliam que seria bom para as duas partes.
Quanta inocência!
E a presidente afastada ainda alimenta a doce ilusão de que conseguirá, durante seu depoimento no Senado, constranger seus (suas) ex-ministros (as) senadores (as) que estão hoje do outro lado, invocando seus testemunhos sobre a lisura do governo a que serviram.
Como se essas pessoas, que já serviram e desserviram a tantos governos, tivessem algum tipo de constrangimento na vida.
Pró-Moro
Não são apenas os candidatos que estão com dificuldade de se adaptar à combinação de crise econômica, Lava-Jato e proibição de doações por empresas.
Mais de um marqueteiro conhecido já teve recusado o seu orçamento de campanha.
Os números foram considerados totalmente fora da realidade.
Bico grande
Marcus Pestana, da cúpula tucana, resume o mal-estar do partido com o governo:
“O PSDB quer ser parceiro e protagonista na reconstrução do país e não apenas caudatário, quer participar da formulação das estratégias do governo. O sucesso ou o fracasso será compartilhado. Se der errado, vamos juntos pelo ralo. Por isso a necessidade de sermos incorporados ao núcleo duro de Michel. Temos três presidenciáveis, sete senadores e grandes bancadas. Não somos um aliado qualquer. Nosso futuro está em jogo. Queremos estar no centro do poder”.
Lava-Jato
O que mais tem em Brasília é morto traçando o futuro, como se este lhe fosse alvissareiro.
ASSESSOR TIRA CERVO DO ARMÁRIO
Ao tentar desmentir relatórios oficiais sobre desaparecimento de objetos da Presidência da República, publicados aqui, um assessor da presidente afastada, Dilma Rousseff, sem querer, acabou desvendando um dos maiores mistérios da República: o desaparecimento do cervo búlgaro, presente pessoal do governo daquele país à presidente filha de pai búlgaro.
O veadinho da Dilma estava dentro de um armário no Alvorada, entre tantos outros objetos pessoais da presidente.
O presente chegou a ficar por uns dias no gabinete da presidente. Só que o assessor não sabe é que o sumiço do veadinho foi denunciado, na época, por seus próprios antecessores no cargo.
Somente agora é que o assessor tirou o veadinho do armário para fotografá-lo e enviar uma cópia para a coluna, provando que ele nunca esteve sumido. E que, ao contrário do que foi publicado, o cervo não é de porcelana, mas de ferro fundido, banhado a ouro. Chiquérrimo!
Em suspense
Michel Temer pediu aos líderes da base no Senado que deixem para aprovar o aumento salarial dos ministros do Supremo, do procurador-geral da República e dos defensores públicos somente após o julgamento final do impeachment.
Depois das críticas de que havia concedido aumentos a diversas categorias devido à sua situação de fragilidade como interino, Temer decidiu que o melhor é que o novo pacote de bondades saia com ele já como presidente efetivo.
Dádiva
Do deputado Heráclito Fortes, que virou ouvidor-geral da Câmara esta semana:
— Eu queria mesmo era ser falador-geral!! Tem razão o deputado. Não foi por acaso que Deus o presenteou com aquela boca enorme e com a língua ferina.
Pegadinha
Informado pelo chefe do cerimonial do Itamaraty de que teria que receber os chefes de Estado antes do encerramento da Olimpíada, no Rio, ao lado de Serra, Rodrigo Maia, chamado pejorativamente de “alevino” pelo ministro, perguntou ao diplomata se poderia fazer a recepção sem ter o chanceler ao seu lado.
Vendo a cara assustada do interlocutor, o presidente da Câmara logo alegou que estava brincando.
Tchau, querida!
Nenhum petista dirá isso em público, mas predomina no partido o desejo de que Dilma Rousseff não demore a executar o projeto de passar uma temporada no exterior uma vez encerrado o julgamento do impeachment.
A distância facilitaria um pouco a vida dos candidatos da sigla nas eleições de outubro. Avaliam que seria bom para as duas partes.
Quanta inocência!
E a presidente afastada ainda alimenta a doce ilusão de que conseguirá, durante seu depoimento no Senado, constranger seus (suas) ex-ministros (as) senadores (as) que estão hoje do outro lado, invocando seus testemunhos sobre a lisura do governo a que serviram.
Como se essas pessoas, que já serviram e desserviram a tantos governos, tivessem algum tipo de constrangimento na vida.
Pró-Moro
Não são apenas os candidatos que estão com dificuldade de se adaptar à combinação de crise econômica, Lava-Jato e proibição de doações por empresas.
Mais de um marqueteiro conhecido já teve recusado o seu orçamento de campanha.
Os números foram considerados totalmente fora da realidade.
Bico grande
Marcus Pestana, da cúpula tucana, resume o mal-estar do partido com o governo:
“O PSDB quer ser parceiro e protagonista na reconstrução do país e não apenas caudatário, quer participar da formulação das estratégias do governo. O sucesso ou o fracasso será compartilhado. Se der errado, vamos juntos pelo ralo. Por isso a necessidade de sermos incorporados ao núcleo duro de Michel. Temos três presidenciáveis, sete senadores e grandes bancadas. Não somos um aliado qualquer. Nosso futuro está em jogo. Queremos estar no centro do poder”.
Lava-Jato
O que mais tem em Brasília é morto traçando o futuro, como se este lhe fosse alvissareiro.
O Rio está vencendo - MÍRIAM LEITÃO
O Globo - 20/08
A Olimpíada surpreendeu. Estrangeiros temiam a violência, a desorganização, a zika. Os brasileiros tinham medo de passar vergonha diante de um grande fiasco. O que apareceu foi a inegável beleza do Rio, o Centro remodelado, a qualidade das arenas para todos os tipos de esportes, o tom elegante e sofisticado da abertura. Os problemas foram superados pelo lado positivo dos Jogos.
Oprefeito Eduardo Paes diz que vai relaxar só quando acabar, mas afirma que está tudo indo muito bem: — Quero confessar que sempre acreditei nisso tudo. Sabia que estávamos trabalhando para dar tudo certo, acreditava na capacidade de celebrar do brasileiro, sabia que havíamos investido para que o Parque Olímpico, a Orla Conde, o Boulevard, o BRT atendessem às expectativas.
O incidente Ryan Lochte produziu forte reação, mas na categoria nadador americano o que ficará mais forte na lembrança foi termos visto um gigante como Michael Phelps nadar entre nós e aqui se despedir das Olimpíadas. Ontem, pela rede social, ele mandou recado carinhoso aos milhões de brasileiros que vibraram com ele, dizendo que está com saudades. E já estamos com saudades também.
O problema que houve com a delegação da Austrália, que encontrou as instalações sem condições de serem ocupadas, causou constrangimento, mas o prefeito acha que acabou sendo um daqueles males que vêm para o bem:
— Foi um problemão, mas foi um sinal de alerta para que pudéssemos rechecar todos os procedimentos.
O país ainda faz uma contagem regressiva para ter certeza de que tudo dará certo até o final e poder escrever, como Phelps, #amazingolympics, Olimpíadas fantásticas. Por enquanto, é evidente que a piscina verde, as filas para comida e para a entrada nas arenas e a falsa comunicação de um crime de assalto a mão armada são eventos menores diante do que deu certo. Trágico mesmo foi a morte de um policial da Força Nacional, que nos lembra o velho drama no Rio na área de segurança.
Sobre as cidades olímpicas, pairam sempre alguns fantasmas e um grande sonho. O desejo é de repetir Barcelona, os temores são repetir Atenas e Montreal. O que houve no Centro do Rio lembra o que aconteceu em Barcelona, que aproveitou os Jogos para remodelar a cidade. Mas e os outros dois exemplos ruins? Vamos repeti-los? O prefeito garante que não.
Para evitar o que houve na Grécia, que fez instalações esportivas sofisticadas que não tiveram serventia depois, o prefeito garante que tudo foi pensado antes para saber o que fazer depois:
— O parque aquático vai virar dois ginásios com piscinas; o handebol será quatro escolas; a Arena 3 será uma escola municipal no local, em tempo integral e preparada para a prática de esportes; a Arena 2 será um centro de treinamento para atletas de alto rendimento; a Arena 1 será concedida ao setor privado. Em Deodoro, o parque aquático será usado pela comunidade e o posto médico montado no local vai virar uma clínica.
O fantasma Montreal é o de ficar com uma dívida que se arrasta no tempo, fruto dos investimentos feitos na preparação para os Jogos.
— Não há dívida de estádio e eles ficaram mais baratos em R$ 11 milhões do que o preço inicialmente orçado. A dívida da prefeitura, que em 2009 era de R$ 13 bilhões e 90% da Receita Corrente Líquida, é hoje de R$ 10 bilhões e 30% da Receita — diz o prefeito.
Essa queda se deve em parte a uma operação de swap feita com o Banco Mundial e a renegociação da dívida dos estados e municípios feita pelo governo Dilma, que aceitou trocar o indexador e reduzir os juros.
O que Paes quer deixar claro é que houve muito trabalho para que os Jogos dessem certo como empreendimento:
— Não é fruto do jeitinho brasileiro, é resultado do trabalho, planejamento do setor público, do esforço do setor privado. O plano de mobilidade foi estudado durante dois anos. A operação dos Jogos foi elaborada com antecedência. Claro que na hora da contingência entra a capacidade de improviso do povo brasileiro, mas a Olimpíada do Rio não foi feita com jeitinho.
Vivemos dias frenéticos, oscilando num turbilhão de emoções, mas o que foi ficando claro a cada disputa é que o Rio estava vencendo a Olimpíada de 2016.
A Olimpíada surpreendeu. Estrangeiros temiam a violência, a desorganização, a zika. Os brasileiros tinham medo de passar vergonha diante de um grande fiasco. O que apareceu foi a inegável beleza do Rio, o Centro remodelado, a qualidade das arenas para todos os tipos de esportes, o tom elegante e sofisticado da abertura. Os problemas foram superados pelo lado positivo dos Jogos.
Oprefeito Eduardo Paes diz que vai relaxar só quando acabar, mas afirma que está tudo indo muito bem: — Quero confessar que sempre acreditei nisso tudo. Sabia que estávamos trabalhando para dar tudo certo, acreditava na capacidade de celebrar do brasileiro, sabia que havíamos investido para que o Parque Olímpico, a Orla Conde, o Boulevard, o BRT atendessem às expectativas.
O incidente Ryan Lochte produziu forte reação, mas na categoria nadador americano o que ficará mais forte na lembrança foi termos visto um gigante como Michael Phelps nadar entre nós e aqui se despedir das Olimpíadas. Ontem, pela rede social, ele mandou recado carinhoso aos milhões de brasileiros que vibraram com ele, dizendo que está com saudades. E já estamos com saudades também.
O problema que houve com a delegação da Austrália, que encontrou as instalações sem condições de serem ocupadas, causou constrangimento, mas o prefeito acha que acabou sendo um daqueles males que vêm para o bem:
— Foi um problemão, mas foi um sinal de alerta para que pudéssemos rechecar todos os procedimentos.
O país ainda faz uma contagem regressiva para ter certeza de que tudo dará certo até o final e poder escrever, como Phelps, #amazingolympics, Olimpíadas fantásticas. Por enquanto, é evidente que a piscina verde, as filas para comida e para a entrada nas arenas e a falsa comunicação de um crime de assalto a mão armada são eventos menores diante do que deu certo. Trágico mesmo foi a morte de um policial da Força Nacional, que nos lembra o velho drama no Rio na área de segurança.
Sobre as cidades olímpicas, pairam sempre alguns fantasmas e um grande sonho. O desejo é de repetir Barcelona, os temores são repetir Atenas e Montreal. O que houve no Centro do Rio lembra o que aconteceu em Barcelona, que aproveitou os Jogos para remodelar a cidade. Mas e os outros dois exemplos ruins? Vamos repeti-los? O prefeito garante que não.
Para evitar o que houve na Grécia, que fez instalações esportivas sofisticadas que não tiveram serventia depois, o prefeito garante que tudo foi pensado antes para saber o que fazer depois:
— O parque aquático vai virar dois ginásios com piscinas; o handebol será quatro escolas; a Arena 3 será uma escola municipal no local, em tempo integral e preparada para a prática de esportes; a Arena 2 será um centro de treinamento para atletas de alto rendimento; a Arena 1 será concedida ao setor privado. Em Deodoro, o parque aquático será usado pela comunidade e o posto médico montado no local vai virar uma clínica.
O fantasma Montreal é o de ficar com uma dívida que se arrasta no tempo, fruto dos investimentos feitos na preparação para os Jogos.
— Não há dívida de estádio e eles ficaram mais baratos em R$ 11 milhões do que o preço inicialmente orçado. A dívida da prefeitura, que em 2009 era de R$ 13 bilhões e 90% da Receita Corrente Líquida, é hoje de R$ 10 bilhões e 30% da Receita — diz o prefeito.
Essa queda se deve em parte a uma operação de swap feita com o Banco Mundial e a renegociação da dívida dos estados e municípios feita pelo governo Dilma, que aceitou trocar o indexador e reduzir os juros.
O que Paes quer deixar claro é que houve muito trabalho para que os Jogos dessem certo como empreendimento:
— Não é fruto do jeitinho brasileiro, é resultado do trabalho, planejamento do setor público, do esforço do setor privado. O plano de mobilidade foi estudado durante dois anos. A operação dos Jogos foi elaborada com antecedência. Claro que na hora da contingência entra a capacidade de improviso do povo brasileiro, mas a Olimpíada do Rio não foi feita com jeitinho.
Vivemos dias frenéticos, oscilando num turbilhão de emoções, mas o que foi ficando claro a cada disputa é que o Rio estava vencendo a Olimpíada de 2016.
Suplicy comete fraude ao comparar Brasil e Venezuela - DEMÉTRIO MAGNOLI
FOLHA DE SP - 20/08
Eduardo Suplicy, um leitor comum, utiliza-se do Painel do Leitor para cobrar coerência de José Serra (Folha, 19/8). O ministro do Exterior pede que todos os países democráticos pressionem pela realização do referendo revogatório na Venezuela. Daí, conclui o ex-senador, Serra deveria apoiar a reivindicação de Dilma de uma consulta popular sobre a antecipação de eleições no Brasil. Na missiva, encontra-se um paralelo explícito, que é uma fraude lógica, e um implícito, que é uma fraude política. Na base dos dois, oculta-se uma omissão moral que, se não faz justiça à trajetória de Suplicy, ilumina a falência da esquerda latino-americana.
A fraude lógica: na Constituição brasileira, o instrumento de revogação de mandatos é o impeachment, não um plebiscito. Dilma clama por uma consulta inconstitucional; a oposição venezuelana, pelo cumprimento de uma norma inscrita na Constituição de 1999, marco inaugural da "revolução bolivariana". Suplicy sabe disso: em 2005, patrocinou uma emenda constitucional destinada a introduzir o recall de mandatos, mas não obteve apoio nem mesmo para levá-la a plenário.
A fraude política: a Venezuela do anoitecer do chavismo transforma-se em ditadura; o Brasil do ocaso do ciclo de poder lulopetista conserva a democracia. No Brasil, um STF independente supervisiona o processo de impeachment. Na Venezuela, um tribunal superior submetido ao Executivo suprime ilegalmente as prerrogativas da Assembleia Nacional eleita, de maioria oposicionista, e um conselho eleitoral controlado pelo chavismo viola as regras que possibilitam o referendo revogatório.
Anote, Suplicy. No Brasil, a presidente afastada usa o Palácio para acusar o Congresso, o Judiciário e a imprensa de promoverem um "golpe de Estado". Na Venezuela, líderes oposicionistas apodrecem na prisão sob sentenças farsescas denunciadas pela ONU, pela OEA e por organismos internacionais de direitos humanos. Aqui, a militância petista protesta nas ruas contra o impeachment; lá, milícias chavistas atemorizam os cidadãos e agridem manifestantes pacíficos. Aqui, os homens em armas protegem as fronteiras e garantem a segurança pública; lá, as forças armadas juram compulsoriamente lealdade ao chavismo. Suplicy quer mesmo comparar um país que tem políticos presos com um que mantém presos políticos?
Uma ditadura de esquerda não é melhor que uma ditadura de direita. Na sua longa trajetória pública, em nome dessa régua moral, Suplicy desafiou várias vezes seu partido. Poucos anos atrás, o ainda senador confrontou um tabu petista para defender o direito de viagem da blogueira cubana Yoani Sánchez. Sob esse pano de fundo, há algo de muito perturbador no persistente silêncio que conserva sobre a escalada autoritária do regime chavista. Engajado na difusão da lenda do golpe no Brasil, o Suplicy do passado apaga-se voluntariamente, dando lugar a um personagem diferente, disposto a submeter os princípios às conveniências.
A Venezuela não é o objeto mas apenas o pretexto da missiva de Suplicy publicada na Folha. Presos políticos? Soberania popular? Liberdades públicas? Garantias democráticas? Não, nada disso: o tema verdadeiro da cartinha é a manobra desesperada de Dilma na hora do ato conclusivo do processo de impeachment. O Suplicy do passado esclareceria sua opinião sobre a posição diplomática do Brasil diante do colapso da ordem democrática na Venezuela. O Suplicy do presente afasta, com um gesto enfastiado, os dilemas de princípio para cumprir uma missão partidária.
Serra declarou que "um país que mantém presos políticos não é uma democracia". Suplicy perde a oportunidade de cobrar-lhe coerência. A pergunta certa ao ministro é: por que, então, o Brasil não invoca a cláusula democrática contra o regime chavista? Mas essa é, precisamente, a pergunta que Suplicy nunca formulará.
Eduardo Suplicy, um leitor comum, utiliza-se do Painel do Leitor para cobrar coerência de José Serra (Folha, 19/8). O ministro do Exterior pede que todos os países democráticos pressionem pela realização do referendo revogatório na Venezuela. Daí, conclui o ex-senador, Serra deveria apoiar a reivindicação de Dilma de uma consulta popular sobre a antecipação de eleições no Brasil. Na missiva, encontra-se um paralelo explícito, que é uma fraude lógica, e um implícito, que é uma fraude política. Na base dos dois, oculta-se uma omissão moral que, se não faz justiça à trajetória de Suplicy, ilumina a falência da esquerda latino-americana.
A fraude lógica: na Constituição brasileira, o instrumento de revogação de mandatos é o impeachment, não um plebiscito. Dilma clama por uma consulta inconstitucional; a oposição venezuelana, pelo cumprimento de uma norma inscrita na Constituição de 1999, marco inaugural da "revolução bolivariana". Suplicy sabe disso: em 2005, patrocinou uma emenda constitucional destinada a introduzir o recall de mandatos, mas não obteve apoio nem mesmo para levá-la a plenário.
A fraude política: a Venezuela do anoitecer do chavismo transforma-se em ditadura; o Brasil do ocaso do ciclo de poder lulopetista conserva a democracia. No Brasil, um STF independente supervisiona o processo de impeachment. Na Venezuela, um tribunal superior submetido ao Executivo suprime ilegalmente as prerrogativas da Assembleia Nacional eleita, de maioria oposicionista, e um conselho eleitoral controlado pelo chavismo viola as regras que possibilitam o referendo revogatório.
Anote, Suplicy. No Brasil, a presidente afastada usa o Palácio para acusar o Congresso, o Judiciário e a imprensa de promoverem um "golpe de Estado". Na Venezuela, líderes oposicionistas apodrecem na prisão sob sentenças farsescas denunciadas pela ONU, pela OEA e por organismos internacionais de direitos humanos. Aqui, a militância petista protesta nas ruas contra o impeachment; lá, milícias chavistas atemorizam os cidadãos e agridem manifestantes pacíficos. Aqui, os homens em armas protegem as fronteiras e garantem a segurança pública; lá, as forças armadas juram compulsoriamente lealdade ao chavismo. Suplicy quer mesmo comparar um país que tem políticos presos com um que mantém presos políticos?
Uma ditadura de esquerda não é melhor que uma ditadura de direita. Na sua longa trajetória pública, em nome dessa régua moral, Suplicy desafiou várias vezes seu partido. Poucos anos atrás, o ainda senador confrontou um tabu petista para defender o direito de viagem da blogueira cubana Yoani Sánchez. Sob esse pano de fundo, há algo de muito perturbador no persistente silêncio que conserva sobre a escalada autoritária do regime chavista. Engajado na difusão da lenda do golpe no Brasil, o Suplicy do passado apaga-se voluntariamente, dando lugar a um personagem diferente, disposto a submeter os princípios às conveniências.
A Venezuela não é o objeto mas apenas o pretexto da missiva de Suplicy publicada na Folha. Presos políticos? Soberania popular? Liberdades públicas? Garantias democráticas? Não, nada disso: o tema verdadeiro da cartinha é a manobra desesperada de Dilma na hora do ato conclusivo do processo de impeachment. O Suplicy do passado esclareceria sua opinião sobre a posição diplomática do Brasil diante do colapso da ordem democrática na Venezuela. O Suplicy do presente afasta, com um gesto enfastiado, os dilemas de princípio para cumprir uma missão partidária.
Serra declarou que "um país que mantém presos políticos não é uma democracia". Suplicy perde a oportunidade de cobrar-lhe coerência. A pergunta certa ao ministro é: por que, então, o Brasil não invoca a cláusula democrática contra o regime chavista? Mas essa é, precisamente, a pergunta que Suplicy nunca formulará.
Ré e vítima - JOÃO DOMINGOS
ESTADÃO - 20/08
Há um certo entusiasmo entre os mais afoitos defensores de Dilma Rousseff com a promessa de que ela irá à sessão do impeachment para fazer a própria defesa. Dizem até que a presidente afastada conseguirá reverter votos a seu favor caso, no teatro da política, consiga apresentar-se a todos os que acompanharão o julgamento pela TV não como ré do processo de impeachment, mas vítima de uma trama macabra.
O alvoroço é ilusório.
Presente ou não ao julgamento, faça feio ou bonito, a possibilidade de Dilma alcançar os 28 votos favoráveis à sua absolvição continua remota. Os petistas e a própria presidente afastada sabem disso.
A presença dela na sessão do julgamento tem outra motivação. Há tempos Dilma desistiu de lutar para preservar o mandato. Ela luta é para limpar a biografia. Por isso diz que não cometeu nenhum tipo de crime, nem de responsabilidade nem comum. Por isso diz não ter contas bancárias no exterior. Por isso insiste na tese de um golpe urdido pelo vice e pelo deputado afastado Eduardo Cunha, que Dilma tenta vender para as gerações futuras como o mais sinistro personagem surgido na política brasileira nos últimos tempos, esse sim, dono de contas no estrangeiro.
Dilma não se importa nem mesmo com a possibilidade de perder os direitos políticos até 2026, caso sofra o impeachment. A política não faz parte da vida dela. Dilma caiu na política por um acaso, por um capricho do ex-presidente Lula. Poderia ter passado para a História como uma moça idealista que, como tantos outros brasileiros, pegou em armas para combater a ditadura, foi presa e torturada, sobreviveu e hoje é uma das heroínas da conquista da democracia. Mas caiu na lábia de Lula, aceitou ser candidata a presidente e agora está aí, expiando pecados que, acha ela, nem eram seus, mas do PT.
Essa é a motivação de Dilma. Por isso mesmo ela decidiu ir ao Senado para ver de perto a sessão que vai julgá-la. Dilma encontrou uma maneira de deixar um marco para o futuro. Assim como um dia enfrentou a ditadura militar, o tribunal de exceção que a julgou e condenou, ela vai ao Senado fazer o registro final de sua passagem pela vida pública. Como vítima. De novo.
Assim como a política é feita de artimanhas quando nos bastidores, quando em público é feita de gestos, é alimentada por símbolos.
Se quisesse lutar pelo mandato, Dilma não teria se recolhido ao Palácio da Alvorada, fazendo-se prisioneira de si mesma. Se quisesse lutar pelo mandato, Dilma poderia ter ido todos os dias ao Senado, sozinha ou acompanhada pela pequena multidão com a qual deixou o Palácio do Planalto no dia do afastamento. Dilma acreditou que era vítima e que não precisaria lutar. Acreditou ter o apoio da população, mesmo com popularidade lá embaixo.
Perguntei ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ) pelas massas que ocupariam as ruas para defender Dilma. Ele respondeu: “Não estamos mais conseguindo mobilizar ninguém”. Perguntei ao ex-ministro Miguel Rossetto, o mais próximo conselheiro de Dilma, por que o poder tinha sido tirado tão facilmente das mãos do PT, sem nenhuma resistência, sem nada. Ele disse: “Porque não temos 10% de apoio. Não temos as ruas. Porque os golpistas têm mais força do que nós”.
Dilma vai gerar fatos e imagens para os que forem estudar História do Brasil no futuro com a decisão de ir ao Senado fazer pessoalmente sua defesa.
Mas a decisão dela terá consequências para si mesma. A presença de Dilma diante de uma corte formada por 81 jurados (os senadores), presidida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, diante da qual ela poderá se defender do jeito que quiser, vai enfraquecer a tese do golpe. Ao se fazer presente à sessão, Dilma dirá que legitima seu julgamento.
Há um certo entusiasmo entre os mais afoitos defensores de Dilma Rousseff com a promessa de que ela irá à sessão do impeachment para fazer a própria defesa. Dizem até que a presidente afastada conseguirá reverter votos a seu favor caso, no teatro da política, consiga apresentar-se a todos os que acompanharão o julgamento pela TV não como ré do processo de impeachment, mas vítima de uma trama macabra.
O alvoroço é ilusório.
Presente ou não ao julgamento, faça feio ou bonito, a possibilidade de Dilma alcançar os 28 votos favoráveis à sua absolvição continua remota. Os petistas e a própria presidente afastada sabem disso.
A presença dela na sessão do julgamento tem outra motivação. Há tempos Dilma desistiu de lutar para preservar o mandato. Ela luta é para limpar a biografia. Por isso diz que não cometeu nenhum tipo de crime, nem de responsabilidade nem comum. Por isso diz não ter contas bancárias no exterior. Por isso insiste na tese de um golpe urdido pelo vice e pelo deputado afastado Eduardo Cunha, que Dilma tenta vender para as gerações futuras como o mais sinistro personagem surgido na política brasileira nos últimos tempos, esse sim, dono de contas no estrangeiro.
Dilma não se importa nem mesmo com a possibilidade de perder os direitos políticos até 2026, caso sofra o impeachment. A política não faz parte da vida dela. Dilma caiu na política por um acaso, por um capricho do ex-presidente Lula. Poderia ter passado para a História como uma moça idealista que, como tantos outros brasileiros, pegou em armas para combater a ditadura, foi presa e torturada, sobreviveu e hoje é uma das heroínas da conquista da democracia. Mas caiu na lábia de Lula, aceitou ser candidata a presidente e agora está aí, expiando pecados que, acha ela, nem eram seus, mas do PT.
Essa é a motivação de Dilma. Por isso mesmo ela decidiu ir ao Senado para ver de perto a sessão que vai julgá-la. Dilma encontrou uma maneira de deixar um marco para o futuro. Assim como um dia enfrentou a ditadura militar, o tribunal de exceção que a julgou e condenou, ela vai ao Senado fazer o registro final de sua passagem pela vida pública. Como vítima. De novo.
Assim como a política é feita de artimanhas quando nos bastidores, quando em público é feita de gestos, é alimentada por símbolos.
Se quisesse lutar pelo mandato, Dilma não teria se recolhido ao Palácio da Alvorada, fazendo-se prisioneira de si mesma. Se quisesse lutar pelo mandato, Dilma poderia ter ido todos os dias ao Senado, sozinha ou acompanhada pela pequena multidão com a qual deixou o Palácio do Planalto no dia do afastamento. Dilma acreditou que era vítima e que não precisaria lutar. Acreditou ter o apoio da população, mesmo com popularidade lá embaixo.
Perguntei ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ) pelas massas que ocupariam as ruas para defender Dilma. Ele respondeu: “Não estamos mais conseguindo mobilizar ninguém”. Perguntei ao ex-ministro Miguel Rossetto, o mais próximo conselheiro de Dilma, por que o poder tinha sido tirado tão facilmente das mãos do PT, sem nenhuma resistência, sem nada. Ele disse: “Porque não temos 10% de apoio. Não temos as ruas. Porque os golpistas têm mais força do que nós”.
Dilma vai gerar fatos e imagens para os que forem estudar História do Brasil no futuro com a decisão de ir ao Senado fazer pessoalmente sua defesa.
Mas a decisão dela terá consequências para si mesma. A presença de Dilma diante de uma corte formada por 81 jurados (os senadores), presidida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, diante da qual ela poderá se defender do jeito que quiser, vai enfraquecer a tese do golpe. Ao se fazer presente à sessão, Dilma dirá que legitima seu julgamento.
Na defesa do dinheiro público - MERVAL PEREIRA
O Globo - 20/08
Entre as várias associações e entidades que questionam a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que são as Câmaras Municipais, e não os Tribunais de Contas, as instâncias legais para coibir a malversação do dinheiro público, está a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), que entrou no Supremo com um “memorial complementar para esclarecer divergência” com o qual pretende que seja revista a interpretação dada à decisão.
Caso prevaleça a tese de que prefeitos — e por extensão governadores — só se tornarão inelegíveis se as Câmaras Municipais (ou as Assembleias Legislativas) rejeitarem suas contas, milhares de prefeitos estarão livres da Lei da Ficha Limpa, que considera que prefeitos (e governadores) perdem o direito a concorrer a cargos públicos se os Tribunais de Contas rejeitarem suas contas, independentemente da decisão dos vereadores ou deputados estaduais.
A decisão foi apertada —6 a 5 — e está causando muita controvérsia, especialmente porque praticamente anula um dos principais pontos da Lei da Ficha Limpa, criticada na sua forma pelo ministro Gilmar Mendes. A presidente da ANTC, Lucieni Pereira da Silva, ressalta, em especial, um ponto: “Mais grave do que o prefeito ficar sob um julgamento meramente político dos vereadores, outro problema gravíssimo é que a Constituição não confere à Câmara Municipal os instrumentos necessários para assegurar o ressarcimento do valor desviado dos cofres públicos”.
Ela se refere a um efeito imediato da decisão: os prefeitos e governadores que tiverem o controle político de suas respectivas Casas Legislativas jamais serão punidos por eventuais falcatruas, além do que terão em mãos um poderoso instrumento contra seus adversários locais, podendo rejeitar as contas dos antecessores mesmo que o Tribunal de Contas as tenha aprovado. Além disso, na mesma sessão, o STF tomou outra decisão: em caso de omissão da análise das contas por parte do Legislativo, os prefeitos não podem ser punidos. Bastará, portanto, que as contas não sejam analisadas para que o prefeito fique livre de punição.
Lucieni Pereira destaca que “As Casas Legislativas não têm competência para julgar contas de ordenador de despesa, fixar o valor do dano, determinar o ressarcimento aos cofres públicos e aplicar multa proporcional ao dano”. Ela explica que ao repartir as competências do controle externo, a Constituição as inclui no artigo 71 (incisos II e VIII), e não na competência do Legislativo (artigos 31 e 49).
Para assegurar o ressarcimento do dano rapidamente, o artigo 71, § 3º da Constituição, estabelece que as decisões do TCU e demais Tribunais de Contas têm eficácia de título executivo, o que significa que as decisões dos tribunais, em caso de desvio de dinheiro público, podem ser executadas imediatamente pela Advocacia-Geral da União (AGU) no Judiciário se for dinheiro federal.
Não é necessário discutir a matéria numa vara civil para só depois executar. O ministro Teori Zavascki destacou esse ponto no seu voto vencido, mas Lucieni Pereira acha que os demais ministros não atentaram para esse dado. “Do jeito que está a decisão, se o prefeito desviar dinheiro em janeiro de 2016, ele só prestará contas anuais de 2016 em abril de 2017, em até 60 dias após a abertura da sessão legislativa. O Tribunal de Contas tem o prazo de 180 dias (6 meses) para emitir o parecer prévio das contas anuais do prefeito, ou seja, tem até outubro de 2017, quando enviará o parecer prévio para Câmara Municipal. E nisso, o dinheiro desviado não voltou aos cofres públicos. Se o prefeito tiver o controle da Câmara Municipal, esse dinheiro não voltará, ressalta a presidente da ANTC.
E, quando a Câmara Municipal julgar esse parecer prévio, só poderá aprovar, aprovar com ressalvas ou rejeitar; não poderá fazer mais nada. Se as contas forem rejeitadas, o prefeito ficará inelegível por 8 anos, mas estará rico. “Assim, o desvio de dinheiro público pode compensar”, lamenta. Oito anos depois, esse ex-prefeito volta a se eleger e desvia novamente, e no máximo ficará inelegível.
A ANTC considera que essa decisão induzirá a dois comportamentos: 1) Prefeitos quererão ser ordenadores de despesa, pois não serão tecnicamente julgados; 2) valerá a pena prefeito roubar, já que o Tribunal de Contas não poderá determinar que ele devolva o valor desviado.
Entre as várias associações e entidades que questionam a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que são as Câmaras Municipais, e não os Tribunais de Contas, as instâncias legais para coibir a malversação do dinheiro público, está a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), que entrou no Supremo com um “memorial complementar para esclarecer divergência” com o qual pretende que seja revista a interpretação dada à decisão.
Caso prevaleça a tese de que prefeitos — e por extensão governadores — só se tornarão inelegíveis se as Câmaras Municipais (ou as Assembleias Legislativas) rejeitarem suas contas, milhares de prefeitos estarão livres da Lei da Ficha Limpa, que considera que prefeitos (e governadores) perdem o direito a concorrer a cargos públicos se os Tribunais de Contas rejeitarem suas contas, independentemente da decisão dos vereadores ou deputados estaduais.
A decisão foi apertada —6 a 5 — e está causando muita controvérsia, especialmente porque praticamente anula um dos principais pontos da Lei da Ficha Limpa, criticada na sua forma pelo ministro Gilmar Mendes. A presidente da ANTC, Lucieni Pereira da Silva, ressalta, em especial, um ponto: “Mais grave do que o prefeito ficar sob um julgamento meramente político dos vereadores, outro problema gravíssimo é que a Constituição não confere à Câmara Municipal os instrumentos necessários para assegurar o ressarcimento do valor desviado dos cofres públicos”.
Ela se refere a um efeito imediato da decisão: os prefeitos e governadores que tiverem o controle político de suas respectivas Casas Legislativas jamais serão punidos por eventuais falcatruas, além do que terão em mãos um poderoso instrumento contra seus adversários locais, podendo rejeitar as contas dos antecessores mesmo que o Tribunal de Contas as tenha aprovado. Além disso, na mesma sessão, o STF tomou outra decisão: em caso de omissão da análise das contas por parte do Legislativo, os prefeitos não podem ser punidos. Bastará, portanto, que as contas não sejam analisadas para que o prefeito fique livre de punição.
Lucieni Pereira destaca que “As Casas Legislativas não têm competência para julgar contas de ordenador de despesa, fixar o valor do dano, determinar o ressarcimento aos cofres públicos e aplicar multa proporcional ao dano”. Ela explica que ao repartir as competências do controle externo, a Constituição as inclui no artigo 71 (incisos II e VIII), e não na competência do Legislativo (artigos 31 e 49).
Para assegurar o ressarcimento do dano rapidamente, o artigo 71, § 3º da Constituição, estabelece que as decisões do TCU e demais Tribunais de Contas têm eficácia de título executivo, o que significa que as decisões dos tribunais, em caso de desvio de dinheiro público, podem ser executadas imediatamente pela Advocacia-Geral da União (AGU) no Judiciário se for dinheiro federal.
Não é necessário discutir a matéria numa vara civil para só depois executar. O ministro Teori Zavascki destacou esse ponto no seu voto vencido, mas Lucieni Pereira acha que os demais ministros não atentaram para esse dado. “Do jeito que está a decisão, se o prefeito desviar dinheiro em janeiro de 2016, ele só prestará contas anuais de 2016 em abril de 2017, em até 60 dias após a abertura da sessão legislativa. O Tribunal de Contas tem o prazo de 180 dias (6 meses) para emitir o parecer prévio das contas anuais do prefeito, ou seja, tem até outubro de 2017, quando enviará o parecer prévio para Câmara Municipal. E nisso, o dinheiro desviado não voltou aos cofres públicos. Se o prefeito tiver o controle da Câmara Municipal, esse dinheiro não voltará, ressalta a presidente da ANTC.
E, quando a Câmara Municipal julgar esse parecer prévio, só poderá aprovar, aprovar com ressalvas ou rejeitar; não poderá fazer mais nada. Se as contas forem rejeitadas, o prefeito ficará inelegível por 8 anos, mas estará rico. “Assim, o desvio de dinheiro público pode compensar”, lamenta. Oito anos depois, esse ex-prefeito volta a se eleger e desvia novamente, e no máximo ficará inelegível.
A ANTC considera que essa decisão induzirá a dois comportamentos: 1) Prefeitos quererão ser ordenadores de despesa, pois não serão tecnicamente julgados; 2) valerá a pena prefeito roubar, já que o Tribunal de Contas não poderá determinar que ele devolva o valor desviado.
Escada e alavanca - CRISTOVAM BUARQUE
O Globo - 20/08
Critério para gratuidade ou pagamento do ensino deve ser o interesse nacional
O atleta olímpico recebe a medalha para si, mas leva a bandeira do seu país. O reconhecimento ao seu esforço e talento permite-lhe futuros benefícios pessoais, mas na vitória é também uma reverência a todos os seus compatriotas. O pódio é uma escada ao sucesso pessoal do medalhista e também uma alavanca ao prestígio de seu país.
O ensino superior deveria seguir regras parecidas: ser escada social para os jovens e alavanca para o progresso. Graças ao curso, o aluno formado receberá prestígio e remuneração por toda a vida e, com seu conhecimento, ajudará a formar uma sociedade desenvolvida e justa. A universidade deve ser gratuita para aqueles que tiverem talento para a profissão e escolherem um curso que sirva ao progresso econômico e social.
O aspirante na academia militar estuda gratuitamente porque aprende a defender a nação; o aluno da carreira diplomática estuda para estreitar nossas relações internacionais; da mesma forma, o jovem que deseja ser professor do ensino médio estuda para formar cidadãos e construir o Brasil. São cursos e carreiras de interesse nacional e, por isso, devem ser financiados pelos governos.
O critério para a gratuidade ou o pagamento deve ser o interesse nacional, não a renda pessoal ou familiar do estudante. Não há razão para uma família rica ter de pagar os estudos de um filho se ele quer ser cientista, para ajudar a conhecer o mundo e até encontrar o mistério da cura para doenças; ou se quer ser médico para atender à saúde pública; ser filósofo, historiador, matemático ou artista, para enriquecer o mundo culturalmente.
Da mesma forma, quando há limites de recursos públicos, a sociedade não precisa pagar cursos que servem apenas como escada social, sem a característica de ser alavanca do progresso. Mesmo que a carreira seja apenas do interesse privado, o Estado não tem o direito de impedir uma pessoa de seguir o curso para o qual tem vocação, mas não deve ter obrigação de financiar este curso com recursos públicos que devem atender a outras prioridades, como a educação de base.
O atleta que não carrega a bandeira do seu país deve ter direito de se preparar, mas não há razão para exigir investimento público no seu treinamento. Para atender o gosto apenas do atleta que não carrega a bandeira ou do aluno que não tem compromisso com o desenvolvimento e bem-estar da nação, o país e seu povo não precisam pagar. Para ser gratuito, o curso universitário deve ser ao mesmo tempo escada pessoal e alavanca social ao progresso socioeconômico.
O governo deve bancar o estudo de todas as crianças, porque cada uma delas representa em si um potencial, também deve dar-lhe, na escola, a chance de ser um atleta. A partir de um certo momento, deve concentrar os recursos nos mais talentosos e nos cursos que levem o país e seu povo a um futuro eficiente e justo e carregue nossa bandeira.
Critério para gratuidade ou pagamento do ensino deve ser o interesse nacional
O atleta olímpico recebe a medalha para si, mas leva a bandeira do seu país. O reconhecimento ao seu esforço e talento permite-lhe futuros benefícios pessoais, mas na vitória é também uma reverência a todos os seus compatriotas. O pódio é uma escada ao sucesso pessoal do medalhista e também uma alavanca ao prestígio de seu país.
O ensino superior deveria seguir regras parecidas: ser escada social para os jovens e alavanca para o progresso. Graças ao curso, o aluno formado receberá prestígio e remuneração por toda a vida e, com seu conhecimento, ajudará a formar uma sociedade desenvolvida e justa. A universidade deve ser gratuita para aqueles que tiverem talento para a profissão e escolherem um curso que sirva ao progresso econômico e social.
O aspirante na academia militar estuda gratuitamente porque aprende a defender a nação; o aluno da carreira diplomática estuda para estreitar nossas relações internacionais; da mesma forma, o jovem que deseja ser professor do ensino médio estuda para formar cidadãos e construir o Brasil. São cursos e carreiras de interesse nacional e, por isso, devem ser financiados pelos governos.
O critério para a gratuidade ou o pagamento deve ser o interesse nacional, não a renda pessoal ou familiar do estudante. Não há razão para uma família rica ter de pagar os estudos de um filho se ele quer ser cientista, para ajudar a conhecer o mundo e até encontrar o mistério da cura para doenças; ou se quer ser médico para atender à saúde pública; ser filósofo, historiador, matemático ou artista, para enriquecer o mundo culturalmente.
Da mesma forma, quando há limites de recursos públicos, a sociedade não precisa pagar cursos que servem apenas como escada social, sem a característica de ser alavanca do progresso. Mesmo que a carreira seja apenas do interesse privado, o Estado não tem o direito de impedir uma pessoa de seguir o curso para o qual tem vocação, mas não deve ter obrigação de financiar este curso com recursos públicos que devem atender a outras prioridades, como a educação de base.
O atleta que não carrega a bandeira do seu país deve ter direito de se preparar, mas não há razão para exigir investimento público no seu treinamento. Para atender o gosto apenas do atleta que não carrega a bandeira ou do aluno que não tem compromisso com o desenvolvimento e bem-estar da nação, o país e seu povo não precisam pagar. Para ser gratuito, o curso universitário deve ser ao mesmo tempo escada pessoal e alavanca social ao progresso socioeconômico.
O governo deve bancar o estudo de todas as crianças, porque cada uma delas representa em si um potencial, também deve dar-lhe, na escola, a chance de ser um atleta. A partir de um certo momento, deve concentrar os recursos nos mais talentosos e nos cursos que levem o país e seu povo a um futuro eficiente e justo e carregue nossa bandeira.
Aliança entre tucanos e PMDB é só jogo de cena - LEANDRO COLON
FOLHA DE SP - 20/08
A aliança do PSDB com o governo de Michel Temer é um tanto esquisita. O partido pretende ter candidato à Presidência da República nas eleições de 2018 e sabe que, provavelmente, estará daqui a dois anos em lado oposto do grupo político do presidente interino.
Michel Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, são hoje a aposta eleitoral do núcleo palaciano, sobretudo se forem bem sucedidos na missão de resgatar do buraco a economia do país.
O PSDB ficou de "mimimi" nas duas últimas semanas. Cobrou maior participação no governo, mais empenho do Planalto na aprovação de medidas econômicas e criticou os recuos (o governo jura que não são recuos) em discussões no Congresso, entre elas a que trata da renegociação da dívida dos Estados.
E Temer, o que fez? Limitou-se a oferecer um jantar no Jaburu à cúpula tucana e prometer uma tal agenda "ousada e corajosa", segundo palavras de Aécio Neves (PSDB-MG).
A principal novidade foi o gesto simbólico de incluir o líder do governo no Senado, o tucano Aloysio Nunes Ferreira (SP), em reuniões sobre temas econômicos.
"O presidente não tem a possibilidade de errar de agora em diante", declarou Aécio, com ar de quem quer mostrar firmeza, mas ciente de que não está dizendo nada relevante.
Seria bem mais honesto se os dois lados abandonassem o jogo de cena. Temer quer o PSDB na base governista porque precisa dos seus votos no Congresso. O PMDB não conta, ao menos por ora, com os tucanos numa chapa presidencial em 2018.
Os tucanos, por sua vez, preenchem o cardápio da política em Brasília com cobranças ao Planalto, mas no fundo só pensam em mirar o apetite eleitoral de Temer e Meirelles.
Se até o instável presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), emite sinais de paz e amor ao governo de Michel Temer, certamente não será o PSDB o protagonista de um rompimento.
A aliança do PSDB com o governo de Michel Temer é um tanto esquisita. O partido pretende ter candidato à Presidência da República nas eleições de 2018 e sabe que, provavelmente, estará daqui a dois anos em lado oposto do grupo político do presidente interino.
Michel Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, são hoje a aposta eleitoral do núcleo palaciano, sobretudo se forem bem sucedidos na missão de resgatar do buraco a economia do país.
O PSDB ficou de "mimimi" nas duas últimas semanas. Cobrou maior participação no governo, mais empenho do Planalto na aprovação de medidas econômicas e criticou os recuos (o governo jura que não são recuos) em discussões no Congresso, entre elas a que trata da renegociação da dívida dos Estados.
E Temer, o que fez? Limitou-se a oferecer um jantar no Jaburu à cúpula tucana e prometer uma tal agenda "ousada e corajosa", segundo palavras de Aécio Neves (PSDB-MG).
A principal novidade foi o gesto simbólico de incluir o líder do governo no Senado, o tucano Aloysio Nunes Ferreira (SP), em reuniões sobre temas econômicos.
"O presidente não tem a possibilidade de errar de agora em diante", declarou Aécio, com ar de quem quer mostrar firmeza, mas ciente de que não está dizendo nada relevante.
Seria bem mais honesto se os dois lados abandonassem o jogo de cena. Temer quer o PSDB na base governista porque precisa dos seus votos no Congresso. O PMDB não conta, ao menos por ora, com os tucanos numa chapa presidencial em 2018.
Os tucanos, por sua vez, preenchem o cardápio da política em Brasília com cobranças ao Planalto, mas no fundo só pensam em mirar o apetite eleitoral de Temer e Meirelles.
Se até o instável presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), emite sinais de paz e amor ao governo de Michel Temer, certamente não será o PSDB o protagonista de um rompimento.
A farra da isonomia - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 20/08
A partir de um projeto de lei apresentado pelo Poder Executivo durante o primeiro ano de mandato do presidente Lula, o Congresso aprovou a Lei 10.698/2003 que concedeu aumento de R$ 59,87 a todos “servidores públicos federais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais, ocupantes de cargos efetivos ou empregos públicos”.
Na exposição de motivos do projeto de lei, o governo federal explicou a finalidade do aumento: “A presente proposta visa a reduzir a distância entre os valores da menor e da maior remuneração, por intermédio da instituição de vantagem pecuniária individual, no valor fixo de R$ 59,87, que, por ser o mesmo para todos os níveis, classes, padrões e categorias existentes, representará uma primeira aproximação entre esses valores”.
Pois bem, o Executivo propôs e o Legislativo aprovou o aumento de R$ 59,87 para os funcionários públicos da União. No entanto, o Poder Judiciário não se conformou com a literalidade do texto e fez uma generosa interpretação da lei, com desastrosas consequências para as contas públicas.
Vários órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público ajuizaram ações nas quais se pedia um aumento além dos R$ 59,87. Segundo a esperta argumentação apresentada, a concessão de um aumento de valor único para todas as categorias de funcionários públicos feria o princípio da isonomia salarial. Obviamente, os processos não pleiteavam o reconhecimento da alegada inconstitucionalidade da lei para pedir a anulação do aumento. Eles queriam outra coisa, bem mais interessante a seus bolsos. Em respeito ao princípio da isonomia, pediam que o valor de R$ 59,87 fosse aplicado apenas à categoria de menor remuneração do serviço público e que às outras castas – pois é essa a mentalidade que transparece nesse tipo de raciocínio – deveria ser dado um aumento proporcional, e não apenas os míseros R$ 59,87.
A engenhosa interpretação do princípio da isonomia gerava logicamente uma multiplicação de valores. Nas petições, aquilo que era por lei um aumento de R$ 59,87 passava a ser, em alguns casos, um reajuste de 13,23% do salário.
O mais grave é que a criativa visão do princípio da isonomia teve calorosa acolhida por vários juízes e tribunais, que concederam os aumentos pleiteados. A boquinha – que a essa altura já não era apenas uma boquinha, mas um presentão – foi concedida a servidores de vários órgãos do Judiciário, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), Superior Tribunal Militar (STM) e Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Num primeiro momento, o Poder Executivo não tomou conhecimento dessa multiplicação dos aumentos promovida pelo Judiciário. Soube do desastre apenas quando o dinheiro começou a faltar e os órgãos começaram a pedir crédito suplementar. Logicamente, a farra da isonomia tinha um alto preço que não cabia no orçamento original.
As estimativas do impacto desses aumentos estão em torno de R$ 2 bilhões, informa o jornal Valor. O cálculo foi feito tendo por base as ações da Advocacia-Geral da União (AGU) protocoladas no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar os reajustes concedidos aos servidores dos tribunais, do Conselho Nacional do Ministério Público, do Conselho da Justiça Federal e da Justiça Federal de 1.ª e 2.ª instâncias. Se todos os servidores reivindicassem o mesmo benefício, o impacto anual seria superior a R$ 25 bilhões.
Felizmente, o STF vem rejeitando unanimemente a criativa interpretação da isonomia e tem declarado inconstitucionais os reajustes concedidos por órgãos do Poder Judiciário. Em alguns casos, como, por exemplo, o dos servidores do TST, a Suprema Corte já concedeu medida liminar para interromper o pagamento dos aumentos.
Num Estado Democrático de Direito não cabe transformar isonomia em privilégio. Além de irresponsável com o dinheiro público, tal alquimia é de uma despudorada perversidade.
A partir de um projeto de lei apresentado pelo Poder Executivo durante o primeiro ano de mandato do presidente Lula, o Congresso aprovou a Lei 10.698/2003 que concedeu aumento de R$ 59,87 a todos “servidores públicos federais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais, ocupantes de cargos efetivos ou empregos públicos”.
Na exposição de motivos do projeto de lei, o governo federal explicou a finalidade do aumento: “A presente proposta visa a reduzir a distância entre os valores da menor e da maior remuneração, por intermédio da instituição de vantagem pecuniária individual, no valor fixo de R$ 59,87, que, por ser o mesmo para todos os níveis, classes, padrões e categorias existentes, representará uma primeira aproximação entre esses valores”.
Pois bem, o Executivo propôs e o Legislativo aprovou o aumento de R$ 59,87 para os funcionários públicos da União. No entanto, o Poder Judiciário não se conformou com a literalidade do texto e fez uma generosa interpretação da lei, com desastrosas consequências para as contas públicas.
Vários órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público ajuizaram ações nas quais se pedia um aumento além dos R$ 59,87. Segundo a esperta argumentação apresentada, a concessão de um aumento de valor único para todas as categorias de funcionários públicos feria o princípio da isonomia salarial. Obviamente, os processos não pleiteavam o reconhecimento da alegada inconstitucionalidade da lei para pedir a anulação do aumento. Eles queriam outra coisa, bem mais interessante a seus bolsos. Em respeito ao princípio da isonomia, pediam que o valor de R$ 59,87 fosse aplicado apenas à categoria de menor remuneração do serviço público e que às outras castas – pois é essa a mentalidade que transparece nesse tipo de raciocínio – deveria ser dado um aumento proporcional, e não apenas os míseros R$ 59,87.
A engenhosa interpretação do princípio da isonomia gerava logicamente uma multiplicação de valores. Nas petições, aquilo que era por lei um aumento de R$ 59,87 passava a ser, em alguns casos, um reajuste de 13,23% do salário.
O mais grave é que a criativa visão do princípio da isonomia teve calorosa acolhida por vários juízes e tribunais, que concederam os aumentos pleiteados. A boquinha – que a essa altura já não era apenas uma boquinha, mas um presentão – foi concedida a servidores de vários órgãos do Judiciário, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), Superior Tribunal Militar (STM) e Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Num primeiro momento, o Poder Executivo não tomou conhecimento dessa multiplicação dos aumentos promovida pelo Judiciário. Soube do desastre apenas quando o dinheiro começou a faltar e os órgãos começaram a pedir crédito suplementar. Logicamente, a farra da isonomia tinha um alto preço que não cabia no orçamento original.
As estimativas do impacto desses aumentos estão em torno de R$ 2 bilhões, informa o jornal Valor. O cálculo foi feito tendo por base as ações da Advocacia-Geral da União (AGU) protocoladas no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar os reajustes concedidos aos servidores dos tribunais, do Conselho Nacional do Ministério Público, do Conselho da Justiça Federal e da Justiça Federal de 1.ª e 2.ª instâncias. Se todos os servidores reivindicassem o mesmo benefício, o impacto anual seria superior a R$ 25 bilhões.
Felizmente, o STF vem rejeitando unanimemente a criativa interpretação da isonomia e tem declarado inconstitucionais os reajustes concedidos por órgãos do Poder Judiciário. Em alguns casos, como, por exemplo, o dos servidores do TST, a Suprema Corte já concedeu medida liminar para interromper o pagamento dos aumentos.
Num Estado Democrático de Direito não cabe transformar isonomia em privilégio. Além de irresponsável com o dinheiro público, tal alquimia é de uma despudorada perversidade.
É preciso salvar a Ficha Limpa - EDITORIAL O GLOBO
O Globo - 20/08
Uma decisão do Supremo, por maioria de votos, que, na prática, torna inócua a Lei da Ficha Limpa para barrar prefeitos e governadores que desrespeitam normas orçamentárias, criou sérios obstáculos ao combate à corrupção, às portas de um pleito municipal.
O ministro Gilmar Mendes, um dos que constituíram a maioria neste julgamento do STF, atribuiu o veredicto a erros na redação da lei, cometidos por “bêbados”. A estocada foi devolvida por outro ministro, Luís Roberto Barroso, vencido no julgamento, para quem a Ficha Limpa é uma lei importante e “sóbria”.
A esgrima de nada serve; o que importa é resolver a questão de forma a que não seja derrubada a barreira que a Ficha Limpa havia erguido com a finalidade de evitar que prefeitos e governadores responsáveis pela dilapidação do Erário se reelegessem.
Com razão, movimentos de combate à corrupção e associações de magistrados se insurgem contra a decisão do Supremo de que não basta a condenação do prefeito e o governador pelo respectivo tribunal de contas para efeito de enquadramento na Lei da Ficha Limpa. Passa a ser necessária a confirmação do veredicto por câmara e assembleia locais. Ora, ora.
Sabe-se bem como governadores e prefeitos conseguem manter maiorias nas Casas Legislativas. Vale dizer: se o Supremo mantiver com o Legislativo a palavra final contra o chefe do Executivo, em relação à Ficha Limpa, a Corte estará tornando inimputáveis governadores e prefeitos maus gestores dos impostos pagos pela população.
O caso é sério, porque, segundo o presidente da associação dos membros dos tribunais de contas, Valdecir Pascoal, 84% dos gestores públicos impugnados o foram devido a esses tribunais. Confirma-se, então, que é como se a Ficha Limpa fosse revogada. Também de acordo com a associação, seis mil prefeitos já foram apanhados pela Ficha Limpa. Agora, podem pedir anistia.
A esperança está nos embargos que deverão ser impetrados no STF, com pedidos de esclarecimentos sobre essa decisão.
Uma decisão do Supremo, por maioria de votos, que, na prática, torna inócua a Lei da Ficha Limpa para barrar prefeitos e governadores que desrespeitam normas orçamentárias, criou sérios obstáculos ao combate à corrupção, às portas de um pleito municipal.
O ministro Gilmar Mendes, um dos que constituíram a maioria neste julgamento do STF, atribuiu o veredicto a erros na redação da lei, cometidos por “bêbados”. A estocada foi devolvida por outro ministro, Luís Roberto Barroso, vencido no julgamento, para quem a Ficha Limpa é uma lei importante e “sóbria”.
A esgrima de nada serve; o que importa é resolver a questão de forma a que não seja derrubada a barreira que a Ficha Limpa havia erguido com a finalidade de evitar que prefeitos e governadores responsáveis pela dilapidação do Erário se reelegessem.
Com razão, movimentos de combate à corrupção e associações de magistrados se insurgem contra a decisão do Supremo de que não basta a condenação do prefeito e o governador pelo respectivo tribunal de contas para efeito de enquadramento na Lei da Ficha Limpa. Passa a ser necessária a confirmação do veredicto por câmara e assembleia locais. Ora, ora.
Sabe-se bem como governadores e prefeitos conseguem manter maiorias nas Casas Legislativas. Vale dizer: se o Supremo mantiver com o Legislativo a palavra final contra o chefe do Executivo, em relação à Ficha Limpa, a Corte estará tornando inimputáveis governadores e prefeitos maus gestores dos impostos pagos pela população.
O caso é sério, porque, segundo o presidente da associação dos membros dos tribunais de contas, Valdecir Pascoal, 84% dos gestores públicos impugnados o foram devido a esses tribunais. Confirma-se, então, que é como se a Ficha Limpa fosse revogada. Também de acordo com a associação, seis mil prefeitos já foram apanhados pela Ficha Limpa. Agora, podem pedir anistia.
A esperança está nos embargos que deverão ser impetrados no STF, com pedidos de esclarecimentos sobre essa decisão.
Escapismo parlamentar - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 20/08
Prenuncia-se no Congresso uma tramitação tormentosa para o projeto que estabelece limites anuais para os gastos públicos. Uma amostra pequena, mas esclarecedora, dos percalços pela frente se viu na semana que passou, em sessão da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
Durante audiência convocada para debate da proposta, os partidos aliados à presidente afastada, Dilma Rousseff (PT), manifestaram, como se previa, sua posição contrária. Causaram espécie, entretanto, as resistências explicitadas por senadores hoje alinhados ao Palácio do Planalto.
O médico ruralista Ronaldo Caiado (DEM-GO) preocupou-se com os reajustes dos valores pagos por procedimentos do SUS. Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), ex-ministro da Integração Nacional, defendeu a preservação das obras de infraestrutura. O paraense Flexa Ribeiro (PSDB) disse que seu Estado precisa de mais leitos hospitalares.
Exemplifica-se, à perfeição, o fenômeno descrito pelo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn: mesmo os que são favoráveis, em princípio, ao ajuste orçamentário tratam primeiro de seus interesses particulares ou setoriais.
Precedentes perigosos, diga-se, foram abertos pelo governo do ainda interino Michel Temer (PMDB), que cedeu sem maior regateio a pleitos das associações do funcionalismo público. Primeiro, ao patrocinar reajustes salariais para os servidores da União; depois, ao desistir de restrições ao gasto com pessoal nos Estados.
A abertura da temporada de concessões despertou lobbies tão diversos quanto o dos militares, que se empenham em escapar da reforma da Previdência, e o dos governadores das regiões Norte e Nordeste, em busca de mais repasses do Tesouro Nacional.
Iniciativas para a contenção de despesas, claro, são controversas por natureza. A proposta do teto —que proíbe alta do gasto total acima da inflação— colide, ademais, com péssimos costumes do Legislativo brasileiro. De imediato, deixariam de vigorar as regras que vinculam parcelas da receita a áreas como saúde e educação.
Com o novo mecanismo, transfere-se aos parlamentares a tarefa de arbitrar a cada ano a alocação de recursos limitados, o que implica definir prioridades e descontentar grupos influentes. Acabam subterfúgios como estimativas fantasiosas da arrecadação, que o Executivo corrige a toda hora.
O Congresso não aceitará facilmente tal responsabilidade, ainda que seja uma de suas funções essenciais. Bem mais cômodo é o escapismo orçamentário, em que a militância pelo particular acarreta o malefício de todos.
Prenuncia-se no Congresso uma tramitação tormentosa para o projeto que estabelece limites anuais para os gastos públicos. Uma amostra pequena, mas esclarecedora, dos percalços pela frente se viu na semana que passou, em sessão da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
Durante audiência convocada para debate da proposta, os partidos aliados à presidente afastada, Dilma Rousseff (PT), manifestaram, como se previa, sua posição contrária. Causaram espécie, entretanto, as resistências explicitadas por senadores hoje alinhados ao Palácio do Planalto.
O médico ruralista Ronaldo Caiado (DEM-GO) preocupou-se com os reajustes dos valores pagos por procedimentos do SUS. Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), ex-ministro da Integração Nacional, defendeu a preservação das obras de infraestrutura. O paraense Flexa Ribeiro (PSDB) disse que seu Estado precisa de mais leitos hospitalares.
Exemplifica-se, à perfeição, o fenômeno descrito pelo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn: mesmo os que são favoráveis, em princípio, ao ajuste orçamentário tratam primeiro de seus interesses particulares ou setoriais.
Precedentes perigosos, diga-se, foram abertos pelo governo do ainda interino Michel Temer (PMDB), que cedeu sem maior regateio a pleitos das associações do funcionalismo público. Primeiro, ao patrocinar reajustes salariais para os servidores da União; depois, ao desistir de restrições ao gasto com pessoal nos Estados.
A abertura da temporada de concessões despertou lobbies tão diversos quanto o dos militares, que se empenham em escapar da reforma da Previdência, e o dos governadores das regiões Norte e Nordeste, em busca de mais repasses do Tesouro Nacional.
Iniciativas para a contenção de despesas, claro, são controversas por natureza. A proposta do teto —que proíbe alta do gasto total acima da inflação— colide, ademais, com péssimos costumes do Legislativo brasileiro. De imediato, deixariam de vigorar as regras que vinculam parcelas da receita a áreas como saúde e educação.
Com o novo mecanismo, transfere-se aos parlamentares a tarefa de arbitrar a cada ano a alocação de recursos limitados, o que implica definir prioridades e descontentar grupos influentes. Acabam subterfúgios como estimativas fantasiosas da arrecadação, que o Executivo corrige a toda hora.
O Congresso não aceitará facilmente tal responsabilidade, ainda que seja uma de suas funções essenciais. Bem mais cômodo é o escapismo orçamentário, em que a militância pelo particular acarreta o malefício de todos.