segunda-feira, agosto 15, 2016

A canalhice honesta é uma arte moral acessível somente para almas sinceras - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 15/08

Você sabe o que é um canalha honesto? Um canalha honesto é alguém que diz para você que as reuniões na casa dele para discutir filosofia é para pegar mulher. Ou que aprendeu a cozinhar para pegar mulher. Um canalha desonesto é um canalha que diz que de fato a filosofia é importante para ele ou que cozinhar o faz se sentir mais autônomo na vida.

A arte da desonestidade na canalhice pode ir longe ao ponto de você dizer que é de fato feminista, e não que ser feminista num homem pode ajudá-lo a pegar mulher –o que eu, pessoalmente, duvido que tenha sucesso de fato.

O personagem Palhares, do Nelson Rodrigues, era o canalha honesto. Era marxista para pegar mulher, depois se converteu à psicanálise, ao nudismo, à maconha, a Jesus. E Nelson dizia que um dia haveríamos de ter saudade do Palhares. Mais uma vez nosso sábio acertou em sua previsão. Segundo Nelson, nem a canalhice estaria a salvo da má-fé que se instalaria no seio da cultura ocidental.

Pois bem, e aí chegamos a uma conversa que tive há alguns dias sobre essa canalhice desonesta chamada poliamor. O primeiro traço de canalhice desonesta é quando o agente da ação diz que faz X porque ele evoluiu para tal. No caso do poliamor, para uma forma de amor coletivo e sem ciúmes. Toda pessoa que se diz segura é um canalha desonesto. Como se sabe, toda virtude verdadeira é silenciosa.

Em nossa conversa, o poliamor era apresentado como uma condição em que você pode dividir pessoas amorosamente e sexualmente com outras pessoas e tudo bem.

Veja bem: sempre existiu gente que gosta de sacanagem coletiva. Entendo que um canalha honesto tente convencer a namorada ou mulher a aceitar que uma colega da faculdade ou do trabalho venha passar um final de semana em Gonçalves com eles. E, que, em dado momento, tente fazer com que as duas se peguem. Um sonho clássico de consumo de canalhas honestos (ou, simplesmente, de homens honestos) é ver duas minas se pegando.

Entendo também que mulheres honestas fantasiem com dois caras comendo elas ao mesmo tempo. A canalhice honesta é uma arte moral acessível somente para almas sinceras.

Uma comparação comum que se faz com o poliamor é com a prática do harém. Ao ouvir essa comparação outro dia, subiu à minha alma uma grande indignação!

Eu disse de forma veemente: "Pare por aí! Num harém, as mulheres competiam e se matavam. Matavam os filhos homens umas das outras, com medo de que uma delas se tornasse muito poderosa por ter dado um filho varão para o Sultão. Era um inferno de traições". Inclusive se comiam umas as outras por desespero e solidão confessa (coisa hoje que muita gente não ousa confessar que seja o motor de muita mulher comendo umas as outras, em todas as idades).

Tomado por indignação e pela certeza de que, ao compararmos o poliamor com um harém, faltamos com respeito para com todas aquelas mulheres, muitas vezes infelizes (uma das maiores cretinices de nossa época é a falta de respeito para com a infelicidade), continuei de forma apaixonada: "Aquelas mulheres competiam e se matavam, por isso mesmo eram gente séria e digna! Merecem nosso respeito!".

Imagino que muita gente ao me ouvir dizer isso não me entenda plenamente. Como assim, gente que compete e se mata é gente digna e merece nosso respeito?

A vida digna é imersa em sangue, beleza e sofrimento. O maior engano contemporâneo com relação a qualquer forma verdadeira de ética e virtude é algo que os antigos (gente muito mais séria do que nós) sempre souberam, incluindo Aristóteles em sua filosofia das virtudes conhecida como "Ética a Nicômaco": a virtude só nasce num terreno que lhe é hostil. Qualquer outra afirmação sobre virtude é falsa.

A honestidade do canalha Palhares do Nelson nasceu no momento em que ele confessou que agarrou a cunhada mais jovem na saída do banheiro por puro desespero: a beleza dela era maior do que qualquer risco de ser pego no meio do crime.

A desonestidade do poliamor nasce da sua demanda de garantia de não sofrimento. Um harém era um lugar de agonia, e virtudes são filhas da agonia.

Cálculos políticos - PAULO GUEDES

O GLOBO - 15/08

Continuamos ignorando a importância da mudança do regime fiscal para a rápica recuperação da dinâmica de crescimento


A presidente Dilma Rousseff experimentou na semana passada importantes avanços nas trincheiras da guerra política, mas enorme retrocesso no front da crise econômica. As catilinárias da Polícia Federal e os votos do Supremo Tribunal quebraram as pernas do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e quebraram também o ritmo alucinante em que se desenrolava como mais provável o cenário de impeachment. Mas, se houve ganhos para o governo na guerra política, houve perdas em sua estratégia de combate à inflação. A indicação de Nelson Barbosa para a Fazenda exacerba expectativas adversas. Levy indicava a busca de um ajuste fiscal. Barbosa é visto como um dos responsáveis pelo desajuste fiscal. Sua nomeação é um sinal de que “o gastador derrotou o mãos de tesoura”.

Aqui se configuram as diferenças de opinião quanto ao que há de pior na atual crise econômica. De olho na batalha contra o impedimento em pleno ano eleitoral de 2016, a presidente e seu partido podem considerar o desemprego mal maior que a inflação. Os recuos da produção e do emprego seriam graves o bastante para exigir uma dose de “desenvolvimentismo” no uso das ferramentas fiscais e creditícias. Já os mercados desfalecem em déjà vu: foram exatamente as excessivas doses de “desenvolvimentismo” que causaram o desajuste fiscal, o aumento da inflação, a queda dos investimentos, da produção e do emprego. Se a indicação de Barbosa reflete um cálculo político para evitar o agravamento da recessão em meio à tentativa de impeachment no início de novo ano eleitoral, a deterioração das expectativas, o aumento da inflação e o desemprego em massa revelarão o equívoco desse cálculo em meados do próximo ano. Mas a indicação pode refletir um transitório realinhamento do governo com suas bases de sustentação parlamentar para a batalha do impeachment.

Tucanos ignoraram e petistas continuam ignorando a importância da mudança do regime fiscal para a curta duração de um programa de estabilização bem-sucedido. Que durasse dois anos, e não duas décadas, como temos sofrido. E, portanto, com menores taxas de sacrifício expressas em redução de crescimento e destruição de empregos. A verdade é que os legítimos gastos sociais de uma democracia emergente exigem profundas reformas no antigo regime econômico.

O discreto encanto do Peru - RODRIGO BOTERO MONTOYA

O GLOBO - 15/08

Por meio de uma política econômica ortodoxa do ponto de vista fiscal, o país conseguiu reduzir os índices de pobreza


A trajetória ascendente do Peru, ao longo do século XXI, contém valiosos ensinamentos para o resto da América Latina. É uma experiência de superação coletiva que pode ser enfocada a partir de várias perspectivas: como um caso de resposta inteligente à adversidade; como um exemplo de lições históricas bem aprendidas; e como o triunfo da democracia liberal, a moderação política e a ortodoxia macroeconômica.

A partir do colapso do regime autoritário de Alberto Fujimori no ano de 2000, e a presidência interina de Valetín Paniagua, entre novembro de 2000 a julho de 2001, o Peru experimentou transferências sucessivas de poder, mediante eleições democráticas, aos presidentes Alejandro Toledo, Alan García, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski. Ficaram relegados ao passado às más lembranças da instabilidade política, do terrorismo do Sendero Luminoso, da moratória da dívida externa, da hiperinflação e da desordem fiscal dos anos 1980.

Como outros países da região, o Peru se beneficiou do auge dos preços internacionais das commodities dos anos recentes. Mas conseguiu evitar o isolamento, o excesso de endividamento e as demais distorções econômicas que afetaram várias nações latino-americanas. O Peru aplicou uma política econômica ortodoxa, que incluiu um estrita disciplina fiscal, uma postura monetária de um rigor anti-inflacionário quase de estilo germânico, e um agressivo desmantelamento do protecionismo alfandegário.

É notável a continuidade que demonstraram os dirigentes peruanos com o compromisso de inserir o país na economia mundial. O Peru é membro da Apec, é signatário da Associação Transpacífica e ratificou acordos de livre comércio com seus principais sócios comerciais. O presidente Kuczynski anunciou a intenção de seu governo de ingressar na OCDE.

A saída da Venezuela da CAN criou as condições propícias para que o Peru assumisse a liderança de uma importante iniciativa de política econômica internacional. O primeiro passo, por sugestão de economistas colombianos e peruanos, foi eliminar a Tarifa Externa Comum, para converter a CAN em área de livre comércio. Logo, em abril de 2011, o presidente Alan García convocou seus colegas de Colômbia, Chile e México para um reunião em Lima, na qual se conformou a Aliança do Pacífico. Para a colocação em marcha deste projeto contribuiu o eficaz protagonismo do então ministro de Relações Exteriores do Peru, José Antonio García Belaúnde, que contou com assessoria de Roberto Abusada, fundador do Instituto Peruano de Economia.

Graças ao efeito cumulativo de um ritmo de crescimento sustentável da ordem de 5% anual em média, o Peru tem uma economia mais próspera, mais diversificada, mais aberta ao comércio internacional, com mais e melhores empregos e um nível de bem-estar social crescente. O índice de pobreza caiu de mais 58,7% da população, em 2004, a 21,5%, em 2016. Com tranquilidade e sensatez, o Peru adotou um modelo de desenvolvimento que é a antítese do populismo autoritário e do coletivismo marxista.

Rodrigo Botero Montoya é economista e foi ministro da Fazenda da Colômbia

Grandezas e misérias de agosto - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 15/08

Começa no dia 25 o julgamento final da presidente afastada Dilma Rousseff no Senado. Como esta fase levará no máximo três dias, o processo estará concluído antes do fim do mês. Com isso, agosto, um mês marcado por fatos dramáticos na história do Brasil — o suicídio de Getulio Vargas em 1954, a renúncia de Jânio Quadros em 1961, a morte de Juscelino Kubitschek em 1976 – ganhará mais um motivo para ser chamado de aziago. É, disparado, o mês mais impopular do ano.

E, de fato, coisas horríveis já aconteceram em agosto — diante das quais o impeachment de um presidente, por mais grave, não pega nem aspirante. Algumas: a erupção do Vesúvio que sepultou Pompeia, em 79 d.C.; a Noite de São Bartolomeu, em Paris, em 1572; a primeira execução pela guilhotina, em 1792; o começo da Grande Guerra, em 1914; o assassinato de Garcia Lorca, na Espanha, em 1936; o lançamento da bomba sobre Hiroshima, em 1945; e a morte de tanta gente querida, como Balzac, Julio Verne, Euclides da Cunha, Enrico Caruso, Carmen Miranda, Marilyn Monroe, Carlos Drummond.

Em compensação, coisas maravilhosas também aconteceram em agosto: a inauguração da Capela Sistina, no Vaticano, em 1483; a Declaração dos Direitos Humanos, na França, em 1785; a criação da Cruz Vermelha, em Genebra, em 1863; e o nascimento de pessoas que, um dia, seriam tão admiradas, como Confúcio, Goethe, o Aleijadinho, Tiradentes, Hegel, Oswaldo Cruz, Hitchcock, Louis Armstrong, Jorge Luís Borges, dr. Albert Sabin, Nelson Rodrigues, Aracy de Almeida e até Usain Bolt.

Donde não faz sentido responsabilizar um inocente mês pelas nossas grandezas ou misérias.

Em tempo: para arrolar as efemérides acima, não me vali apenas da memória. Fui ao órgão que substituiu e aposentou o Almanaque Capivarol: o Google.


A ficha não caiu - VALDO CRUZ

FOHA DE SP - 15/08
Desacreditada, sob suspeita, boa parte da classe política brasileira emite sinais de que, mesmo assim, está de costas para o país. A ficha parece que não caiu no Congresso, em especial na Câmara dos Deputados, para a situação de penúria das contas públicas.

Na semana passada, pressionados por corporações, deputados não tiveram coragem de aprovar medidas para facilitar o ajuste fiscal dos Estados ederrubaram o veto temporário a reajuste de servidores. Ficaram de bem com este eleitor em detrimento dos demais.

Foi um sinal negativo preocupante. Se já foi assim agora, como será quando forem analisar a reforma da Previdência? Sem falar que tem deputado querendo derrubar o teto dos gastos na proposta de renegociação da dívida dos Estados.

Encastelados em Brasília, nossos políticos são reféns, com muito bom gosto, de todo tipo de corporação. Uma minoria consegue gritar alto e manter seus privilégios. Enquanto isso, fora da capital, a maioria corre risco do desemprego e de ter sua empresa fechada.

A sensação é de que bastou uma discreta melhora no cenário econômico, tímida e nada segura, para que nossos parlamentares se comportassem como se o pior já tivesse passado. Não passou. Pelo contrário. O Estado brasileiro segue quebrado.

Se o país não for capaz de recuperar as contas públicas, o que depende do Congresso Nacional, a desconfiança e a falta de credibilidade voltarão a reinar por aqui. E o Brasil corre o risco de seguir patinando.

A equipe de Henrique Meirelles tem alertado para esse perigo. Na renegociação da dívida dos Estados, cumpriu seu papel. Foi derrotada, mas quem perdeu foi o Brasil.

A turma de Brasília parece se esquecer do que a história nos ensina: num cenário de desastre econômico, os governantes de plantão são os que pagam a conta. Nada mais justo. Se não são capazes de garantir prosperidade, têm de sair da frente.

E depois da lua de mel? - CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

O ESTADO DE S. PAULO - 15/08

Com o fim da interinidade, governo Temer terá de mostrar que merece a credibilidade que tem desfrutado até agora 


Após o afastamento de Dilma Rousseff, houve expressiva melhora da confiança em nossa economia. Apesar de o País continuar a exibir enormes déficits fiscais, o seguro contra o calote da dívida pública, o Credit Default Swap (CDS), importante indicador do risco soberano, despencou de mais de 500 pontos, no final do ano passado, para 258 pontos, no momento em que este artigo foi redigido. Com isso, os ativos brasileiros, tais como o real (taxa de câmbio), bônus emitidos pelo governo e por empresas privadas no exterior e ações, experimentaram significativa valorização. Caíram também as expectativas de inflação para 2017 em diante, e isso, somado à queda dos prêmios de risco, provocou redução das taxas futuras de juros, o que tende a baratear o custo de rolagem da dívida pública e do crédito privado.

Essa onda de otimismo não se restringiu ao mercado financeiro. Todos os indicadores de expectativas começaram a melhorar de forma consistente após a posse de Michel Temer, seja da indústria, dos serviços e até mesmo dos consumidores, apesar da sonora vaia recebida pelo presidente em exercício no Maracanã, quando declarou aberta a Olimpíada.

No que concerne às flutuações cíclicas da economia, o momento também é favorável. Há indícios de que a recessão está próxima do final e a inflação, na margem, começou de fato a ceder. A farta liquidez externa e a recuperação - se bem que moderada - das cotações das commodities completam esse quadro de maior otimismo.

Pontos positivos e negativos. Os dois primeiros meses do governo interino registraram fatos que dão suporte ao atual otimismo, mas, infelizmente, também foram marcados por várias ações preocupantes.

Entre os pontos positivos destacam se a retomada do pragmatismo nas relações internacionais, a nomeação de uma equipe econômica competente e que goza de alta credibilidade e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que estabelece limites para a evolução das despesas não financeiras da União.

A PEC 241, se aprovada tal qual foi enviada pelo Executivo, ou com alterações mínimas, é um poderoso instrumento para a retomada da disciplina fiscal. Tenho a impressão de que essa medida ainda não foi bem compreendida. Uma competente economista por quem tenho grande admiração chegou a dizer que a PEC sozinha e nada eram a mesma coisa. Creio que ela ainda não havia lido com cuidado a proposta.

Além de "congelar", com poucas exceções, o valor real do gasto público, a PEC revoga, em seu artigo 2.º, a vinculação de 15% da receita líquida da União para saúde. Além disso, suspende, por pelo menos dez anos (tempo mínimo de vigência da emenda), a vinculação de 18% da receita de impostos à educação. As aplicações mínimas de recursos nessas duas áreas evoluirão tal qual o teto geral, ou seja, o valor nominal de 2016, corrigido pela inflação medida pelo IPCA.

Se se considerar o crescimento populacional (e, no caso da saúde, também o envelhecimento da população), é imediato perceber que, no caso de serem mantidas nos seus limites mínimos, ao cabo de dez anos haveria expressiva queda do dispêndio real per capita nessas áreas. São medidas duras, que deverão enfrentar forte resistência no Legislativo, mas, a meu ver, indispensáveis para reduzir o engessamento do orçamento público e tornar possível respeitar o teto para a despesa total.

Não estou defendendo a redução dos recursos públicos alocados à saúde e à educação, mas, sim, das vinculações de receitas. A vinculação é danosa para a gestão orçamentária, pois dificulta a utilização do eventual crescimento da arrecadação decorrente do fim da recessão para reduzir o endividamento público (que está em trajetória explosiva), retira do Congresso Nacional uma de suas funções mais nobres, qual seja, legislar sobre a alocação das verbas tributárias, e, como todo dinheiro cativo, não dependente de resultados, gera ineficiências.  Educação e saúde podem - provavelmente devem - receber maior dotação que o mínimo estabelecido na PEC, mas para isso será necessário determinar qual área receberá menos, de forma a possibilitar a obediência ao teto geral.

Do lado negativo, destacam-se as vacilações políticas do próprio presidente e os pacotes de bondades que podem comprometer o ajuste fiscal. Algumas dessas "bondades" são compreensíveis nesta fase de transição política, mas outras excederam o razoável. Uma das mais preocupantes foi o governo ter cedido na questão dos limites das despesas com pessoal, especialmente a não inclusão dos gastos com terceirizados, no projeto de renegociação da dívida dos Estados. Ao contrário da União, as despesas com pessoal dos Estados vêm subindo expressivamente como proporção do PIB, tendo passado de 4,7%, em 2011, para 5,4%, em 2015, e são uma das principais causas da crise das finanças estaduais. O argumento do ministro Meirelles de que o teto foi preservado e que é isso que importa não procede. Se não for contida a irresponsabilidade dos governos estaduais nos gastos com pessoal, a médio prazo será impossível cumprir o teto.

Os desafios. Com o fim da interinidade, que se deve dar a partir de setembro, o governo Temer precisa mostrar que merece a credibilidade que tem desfrutado até agora. Se vacilar, as expectativas tendem a se deteriorar novamente e o País não sairá da crise.

Para isso, tem de mostrar disposição e força política no ajuste fiscal e nas reformas estruturais pró-crescimento. Chega de pacotes de bondades. Será preciso aprovar a PEC 241 com o mínimo possível de alteração, enfrentar o lobby dos empresários para rever as renúncias de receitas, que já alcançam quase 5% do PIB, e empenhar-se ao máximo na aprovação de profunda reforma da Previdência.

É preciso também trabalhar em medidas para elevar a produtividade da economia. Nessa linha, destacam-se a retomada das concessões em infraestrutura, a reforma trabalhista e a reforma tributária. Claro, esse é um programa que não pode ser concluído em pouco mais de dois anos de governo.
Mas é preciso pôr a mão na massa, sob pena de a lua de mel virar pesadelo.

Estagnação secular - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 15/08

Quanto mais um povo investe na expansão do parque produtivo e de serviços, quanto mais gasta na construção de casas, estradas, ferrovias e aeroportos, menor tende a ser o desemprego. Com menos trabalhadores disponíveis, espera-se que os salários subam e aticem a inflação e as taxas de juros.

O resultado se inverte quando a população e as empresas preferem poupar a investir. Esse comportamento deprime o mercado de trabalho, puxa os preços de bens e serviços para baixo e derruba os juros.

Deveria haver teoricamente uma linha de equilíbrio entre poupança e investimento, refletida numa certa taxa de juros, sobre a qual a economia pudesse crescer com desemprego e inflação nos mínimos possíveis.

Um problema aparece quando essa taxa de juros que equaliza o jogo cai tanto que não consegue mais ser alcançada pela ação reparadora do Banco Central. Ainda não se conhece um modo eficaz de fixar abaixo de zero os juros de curto prazo.

As pessoas tenderiam a estocar notas de dinheiro no colchão, pois ali o poder de compra seria protegido da desvalorização. Boa parte da intermediação bancária perderia sentido, o que empurraria instituições gigantescas para a beira do abismo.

Esse dilema acossa e desafia os países desenvolvidos. Sete anos após a crise global, uma aluvião de dinheiro barato evitou o colapso, mas não reanimou a propensão para investir. Inflação e juros ao rés do chão sugerem mais uma década à frente com ritmo frustrante de atividade.

A "estagnação secular", armadilha em que se enreda o Japão provavelmente desde os anos 1990, estaria atingindo as demais nações ricas. Se o diagnóstico está correto, livrar-se dessas tramas dependeria mais do gasto direto e indireto dos governos que das ações dos bancos centrais.

O debate vale para o mundo rico. A depressão brasileira tem contornos muito diversos e foi produzida pelo descomedimento do gasto público.

Respeito à democracia - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 15/08

É inexplicável que, tendo o Congresso Nacional derrubado o famigerado Decreto Presidencial 8.243/2014 – aquele no qual a presidente Dilma Rousseff instituía a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) –, tenha surgido logo em seguida um projeto de lei (PL), de autoria da bancada do PSOL, com o mesmo teor do que ficou conhecido como “decreto dos conselhos populares”. Mais inexplicável ainda é que o projeto de lei do PSOL (PL 8.048/2014) venha tendo andamento na Câmara, como se não fosse absolutamente inconstitucional.

Recentemente o texto foi aprovado na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara, e agora deverá ser analisado pela Comissão de Finanças e Tributação e pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Não bastasse o conteúdo flagrantemente inconstitucional, a tramitação do projeto de lei está sujeita à apreciação conclusiva pelas Comissões, isto é, corre o risco de ser aprovado pela Câmara sem mesmo ir a plenário. Diante de tal despautério, é preciso uma adequada reação parlamentar. Não se pode brincar com tema tão sério.

Editado em maio de 2014, o decreto da presidente Dilma Rousseff era inconstitucional não apenas porque ela não tinha competência para tratar da matéria por meio de um decreto. Tal inconstitucionalidade era escandalosa e evidente, mas não era a única nem a principal. O texto criando um sistema para que a “sociedade civil” participasse diretamente em “todos os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta”, e também nas agências reguladoras, através de conselhos, comissões, conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, etc., era inconstitucional porque alterava o sistema brasileiro de governo.

Numa democracia representativa – como é a nossa, claramente definida e garantida pela Constituição de 1988 –, a participação social nas decisões de governo se dá por meio de seus representantes no Congresso, legitimamente eleitos. A instituição de um sistema de participação direta, como proposto na “Política Nacional de Participação Social” e no “Sistema Nacional de Participação Social”, interfere no funcionamento democrático do País. Em outras palavras, o texto da presidente Dilma Rousseff distribuía a variadas instâncias, não legitimadas pelo voto popular, competências próprias do Congresso Nacional.

Não por outra razão, muitos reconheceram no Decreto 8.243/2014 um perigoso vezo bolivarianista. Diante de tão flagrantes inconstitucionalidades, a Câmara derrubou, em outubro de 2014 – logo após as eleições presidenciais –, o tal decreto.

Pois bem, no dia seguinte à derrubada do texto presidencial pela Câmara, três deputados do PSOL – Chico Alencar (RJ), Ivan Valente (SP) e Jean Wyllys (RJ) – protocolaram um projeto de lei cujo conteúdo reproduzia integralmente o Decreto 8.243/2014. Tal atitude demonstra bem o desapreço dos citados parlamentares pela democracia representativa. Não fizeram qualquer caso da vontade da Câmara, que horas antes havia rejeitado a tal política de participação social. Assim, deixavam claro que seu compromisso não é com a democracia representativa estabelecida na Constituição. Querem outra coisa.

O intrigante é que o projeto foi andando na Câmara. Na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, o relator, deputado Vicentinho (PT-SP), fez a seguinte defesa do texto dos colegas do PSOL: “Trata-se de resgatar, para uma análise mais acurada, um conjunto de normas vitimado por inexplicável preconceito por parte da mídia”.

Mais uma vez ficava explícita a mentalidade dos defensores da tal política de participação direta e dos conselhos populares. O respeito à vontade do Congresso é condicionado aos seus interesses. Quando a maioria parlamentar contraria seus interesses, ela passa a ser mero reflexo do “preconceito conservador da mídia”. Pobre democracia.


Ajuste ilusório - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 15/08

Não passou, infelizmente, de um devaneio a expectativa de que a renegociação da dívida de estados e grandes municípios, na década de 90, na gestão FH, na esteira do Plano Real, jamais se repetiria.

A superinflação terminou sendo debelada, mecanismos de indexação, desconectados, e fontes tóxicas de desequilíbrio fiscal — bancos estaduais e até distribuidoras de energia elétrica — foram contidas, por liquidação ou privatização.

O fato de a inflação ter sido contida fez com que a Federação deixasse de contar com a ajuda da depreciação da moeda para ajustar despesa à receita. Na realidade, sequer se sabia ao certo o tamanho do déficit público, porque a correção monetária tudo mascarava.

A União teve de federalizar a dívida dos entes federativos, repassou para todos os contribuintes a perda com aquela operação, e enquadrou estados e municípios. Com a Lei de Responsabilidade Fiscal, estes ficaram obrigados a obedecer limites de despesas em relação a suas receitas líquidas. Passava, então, a existir algumas amarras institucionais para conter os gastos dos governos.

Mas todo esse arcabouço não foi capaz de resistir ao populismo de PT, Lula e Dilma. Já na parte final do segundo governo Lula, a pretexto de se contrapor aos efeitos recessivos da crise mundial aprofundada pelo estouro da bolha imobiliário-financeira americana, Lula e Dilma passaram a aplicar a velha cartilha econômica petista: muito crédito subsidiado por meio de instituições financeiras públicas, incentivos a mais gastos dos governos, a começar pela União etc.

Passou-se a fazer vista grossa a desequilíbrios fiscais nos estados, inclusive estimulados a se endividar no exterior. A Lei de Responsabilidade Fiscal virou, na prática, letra morta, sob a condescendência do Planalto de Dilma, do Ministério da Fazenda de Guido Mantega, da Secretaria do Tesouro de Arno Augustin. Da caixa de ferramentas estatísticas deste saiu a “contabilidade criativa”, para mascarar déficits e permitir a reeleição de Dilma. Um dos resultados é que a presidente está afastada e prestes a perder o mandato por impeachment devido a crimes de responsabilidade na área fiscal.

Mais uma vez, estados e grandes municípios precisarão ter as dívidas federalizadas, porque o salto da inflação e o profundo mergulho recessivo, causados pela política lulopetista, o “novo marco macroeconômico”, quebrou a Federação. Como da vez anterior, a sociedade arcará com o custo da renegociação.

É lógico que estes entes federativos, como na década de 90, têm de fornecer contrapartidas à União, na forma de contenção efetiva de despesas a partir do acerto de contas. Também como em 90, aguarda-se a privatização de empresas para a geração de receitas extraordinárias.

Depois de o lulopetismo vender a ilusão de que basta vontade política para crescer e erradicar a pobreza, não se deve ser ingênuo e acreditar que a repactuação de uma dívida de centenas de bilhões de reais pode ser feita sem corte de gastos e estrito controle de despesas.


Um governo refém do medo - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 15/08

Quem tem medo de Eduardo Cunha, a ser cassado em breve por falta de decoro? O governo de Michel Temer tem. E da Justiça Eleitoral? Também. E da Lava-Jato? Ele, mas não só. E medo de que o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff acabe derrotado no Senado? O governo tem um pouco, afinal nunca se sabe o que poderá acontecer até lá. Definitivamente, este não é um governo para cardíacos.

POR MEDO de que Cunha diga o que não deve caso se julgue abandonado, o governo acionou sua base de apoio na Câmara dos Deputados e o julgamento dele ficou para meados de setembro próximo, depois do julgamento de Dilma pelo Senado. Se é que Cunha será mesmo julgado em setembro. Pois de repente, adia-se o julgamento a qualquer pretexto ou a nenhum. Quem sabe não é transferido para início de 2017?

CUNHA ACUMULA segredos que poderão pôr o governo a pique, além de provocar um terremoto na Câmara. Ali, mais de uma centena de deputados deve favores milionários a ele. Alguns devem a própria eleição. Temer conhece parte desses segredos. E, por isso, receia os estragos que suas revelações causariam. Dificilmente cairá se Cunha abrir o bico. Mas em torno dele, muitos cairão ao primeiro sopro. O desgaste será grande.

O PIOR DE TUDO é que a manobra para salvar Cunha da cassação não garante seu silêncio. Mesmo os que advogam a causa do ex-presidente da Câmara, o maior algoz de Dilma, admitem que ele não escapará do vendaval da Lava-Jato. Há farto material recolhido capaz de condená-lo a muitos anos de cadeia. E há muita disposição da Justiça em Curitiba e em Brasília para punir Cunha exemplarmente.

O QUE LHE RESTARIA? Uma saída de cena à moda de Getulio Vargas, mas ele não tem o perfil para tal. Ou a delação, como tantos fizeram até aqui. Ao se dispor a contar o que sabe, ou parte do que sabe sobre a corrupção na política, Cunha poderá negociar uma pena mais branda. E talvez uma prisão no conforto do seu apartamento no Rio. De resto, livraria a mulher e a filha de serem condenadas. Ele está pensando a respeito.

POR MEDO da Justiça Eleitoral, o governo pensa no que fazer para evitar que ela julgue tão cedo as ações que pedem a cassação da chapa Dilma/Temer, acusada de um monte de irregularidades - entre elas, o uso de dinheiro de caixa dois. De Lula ao mais desconhecido dos vereadores, os políticos tentam vender a ideia de que caixa dois é uma infração corriqueira e insignificante, sequer deve ser tratada como crime.

CORRIQUEIRA, É sim. Mas também é crime. E não é insignificante. Caixa dois é dinheiro tirado da contabilidade paralela de empresas para financiar campanhas. Sua origem é ilegal, portanto. É dinheiro que políticos recebem clandestinamente e não declaram à Justiça. Aqueles contemplados com tal ajuda largam com vantagem na frente daqueles que não a têm. Ao fim e ao cabo, subverte-se a vontade popular.

O GOVERNO APOSTAVA no desdobramento das ações ajuizadas contra a chapa Dilma/Temer, de modo a que apenas Dilma fosse punida, Temer não. Mas já sabe que isso será impossível. Para complicar ainda mais, novos fatos apurados pela Lava-Jato deverão fortalecer as ações ou dar ensejo a outras. Processo contra um presidente da República fica suspenso até o fim do seu mandato. O prejuízo político, não. Estende-se no tempo.

POR MEDO DE delações que a Lava-Jato ainda colhe, o governo .... Bem, o governo não pode fazer grande coisa em relação a isso. Só pode sentir medo.