sábado, agosto 13, 2016

Escola deve ser sem partido, mas também sem Igreja - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 13/08

Lula emerge como herói do povo em livros didáticos de diversos autores –e já se editam os que narram o impeachment de Dilma como um "golpe das elites". Sobram livros escolares que encontraram na Cuba castrista o paraíso terreno. Numa questão do Enem, aparece uma justificação "moral" para o terror jihadista. Textos pedagógicos pregam a censura à imprensa, na forma ritualizada do "controle social da mídia". A linguagem sectária do racialismo perpassa inúmeros materiais escolares. Livros e textos destinados a jovens estudantes apresentam a família nuclear como ferramenta de opressão da mulher. Na versão original das bases curriculares do MEC, abolia-se o ensino da história "ocidental". A marcha dos militantes políticos sobre a escola produziu, como contraponto, o movimento Escola Sem Partido. Contudo, as aparências (e os nomes) enganam: nesse caso, o antídoto é, ele também, um veneno.

O Escola Sem Partido patrocina um projeto de lei destinado a afixar nas escolas um cartaz com os "deveres do professor" que protegeria os estudantes da doutrinação ideológica e da propaganda partidária. Por si mesma, a ideia de uma intervenção estatal explícita, ameaçadora, contaminaria as relações entre alunos e professores no ambiente escolar. Dos seis itens do cartaz, quatro parecem óbvios a mentes não hipnotizadas pelo espírito doutrinário –mas, efetivamente, abrem espaço para infinitas interpretações subjetivas. Nos dois outros, revela-se um projeto tão nocivo quanto o dos militantes políticos das mil e uma causas.

O item quatro determina que, "ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas", o professor exibirá, "com a mesma seriedade", as "versões concorrentes". Há, aí, sobretudo, uma incompreensão da natureza do processo de ensino e aprendizagem. Embora a polêmica sobre valores tenha seu lugar na sala de aula, a escola não existe para cotejar as contraditórias "respostas certas" a temas desse tipo. Substituir a "verdade" autoritária do doutrinador pelo "Fla-Flu ideológico" pode até funcionar na imprensa pluralista, mas nada resolve no campo da educação. De fato, a missão do professor é ensinar a formular as perguntas pertinentes –isto é, a inscrever os dilemas humanos nos contextos históricos e sociais apropriados.

Isso não é tudo. O que significa cotejar versões quando se trata de uma "questão sociocultural" como a teoria da evolução? Na esfera da ciência, nem tudo é polêmica. Será que o Escola Sem Partido almeja que se ensine, "com a mesma seriedade", a "versão concorrente" que é o criacionismo?

O véu cai quando se examina o item cinco. De acordo com ele, "o professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções". Como "os pais" formam um universo muito heterogêneo, a regra proporcionaria um "direito de veto" à família mais tradicionalista. Na prática (oh, surpresa!), o padre ou pastor locais exerceriam um poder censório absoluto sobre os professores, subordinando a escola aos mais rudimentares anacronismos e preconceitos.

Na democracia e na república laica, o compromisso essencial da escola não é com os chamados "valores da família", mas com o direito dos alunos à cidadania. O alicerce de princípios da escola são os direitos humanos universais, inscritos na Declaração de 1948, que inspiram as constituições democráticas. A igualdade de direitos entre homens e mulheres, o respeito a diferentes orientações sexuais, o repúdio a preconceitos raciais e a proteção de minorias religiosas não devem ser descritos como "doutrinação ideológica" –e não são artigos negociáveis no balcão das "convicções dos pais".

Previsivelmente, a fúria dos militantes políticos irriga as sementes de uma fúria simétrica. Escola Sem Partido, sim. Mas, ao mesmo tempo, Escola Sem Igreja.

Fora, censura! - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 13/08

Se os organizadores da Olimpíada no Rio fizessem questão de evitar que manifestações políticas inscritas em faixas fossem televisionadas para todo o mundo, teriam podido proibir a entrada de cartazes nos locais de competição. Não haveria dificuldade em fazê-lo, argumentando, por exemplo, que esses objetos atrapalham a visão de outros espectadores. Mas, uma vez que faixas estão permitidas, não há meio legal de restringir seu conteúdo. Não dá para sustentar que a inscrição "Vai, Rafaela!" é legal, mas a "Fora, Temer!" não o é.

A Constituição, nos artigos 5º e 220, consagra a liberdade de expressão, vetando toda e qualquer censura de natureza política. Se parlamentares mal assessorados aprovaram uma lei dizendo algo diverso disso, tal norma é manifestamente inconstitucional e deve, portanto, ser rechaçada, como muito corretamente o fez a Justiça Federal. Só lembro, para os mais esquecidos, que as regras que estabeleceram um regime de exceção às liberdades democráticas tanto para a Copa como para a Olimpíada foram negociadas por governos do PT.

Isso dito, lanço um lamento. O Brasil e o mundo vivem tempos tristes no que diz respeito à liberdade de expressão. Que ela seja atacada por forças conservadoras não é exatamente uma novidade. O problema é que, de alguns anos para cá, a esquerda, que ao menos desde Marx vinha sendo uma voz a defender de forma consistente esse princípio, trocou de lado e passou a apoiar uma série de restrições ao "free speech". Fazem-no para supostamente preservar minorias, como negros e homossexuais, de palavras ofensivas.

É um erro grotesco rifar o princípio jurídico que mais contribuiu para o avanço da ciência e das liberdades individuais por uma sensação de conforto para alguns membros de minorias. No mais, se conseguíssemos limitar todos os conflitos interpessoais à troca de ofensas e palavrões, seria o triunfo da civilização.


Sinal de vida - CELSO MING

ESTADÃO - 13/08

A velocidade de recuperação da atividade econômica ainda não é lá essas coisas, mas já é uma excelente notícia


O pibômetro do Banco Central mostra que a atividade econômica voltou a dar sinais de vida. A velocidade de recuperação ainda não é lá essas coisas, mas, nas circunstâncias, já é excelente notícia.

O pibômetro é o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), criado em 2010 com o objetivo de antecipar mensalmente o comportamento do PIB que sai apenas trimestralmente e, ainda assim, em cerca de dois meses depois de terminado o trimestre.

Alguém poderia perguntar: por que a necessidade de antecipação desse indicador, se essa estatística, por si só, não injeta gás na economia? Resposta: isso é como a medição da pressão arterial. Quanto melhor e mais frequente for o acompanhamento desse fator, mais adequadamente se pode providenciar o tratamento que venha a ser necessário.

Em junho o avanço do IBC-Br em relação a maio foi de 0,23%, já descontados os fatores sazonais. Sem esse desconto, o crescimento foi maior, de 1,04% (veja o gráfico).



Comparado com o tamanho do estrago produzido nos meses anteriores, esse progresso de 0,23% parece insignificante. Neste ano, até junho, o recuo acumulado é de 5,96%. E, no período de 12 meses terminado em junho, de 5,67%. Ou seja, o terreno a recuperar é extenso e árduo.

No entanto, quem vinha de uma vertigem nunca vista e passa a ter percepção de que não há mais perspectiva de queda, mas, ao contrário, de tendência à recuperação, passa a sentir bom alívio. E, em seguida, tende a ter mais confiança na política econômica. Se isso se confirmar, o investimento virá atrás.

Mas, para isso, é preciso remover as incertezas. Parece definitivamente afastada a incerteza maior, que seria o retorno da presidente Dilma ao Palácio do Planalto, sabe-se lá com que apoio, para perpetrar os desastrados experimentos de política econômica que prevaleceram nos primeiros quatro anos de mandato. Falta para isso apenas a decisão formal do Senado.

No entanto, a simples efetivação de Michel Temer na Presidência da República não resolve a chusma de problemas que estão aí. Ao contrário, seu encaminhamento criará novos.

O primeiro deles será a dura negociação no Congresso da aprovação do Projeto de Emenda à Constituição que imporá um teto nas despesas públicas (PEC dos gastos). O que virá em seguida será o encaminhamento do projeto de reforma da Previdência Social. E, em seguida, o resto: reforma política, reforma das leis trabalhistas, reforma tributária...

Essa pauta extensa e complexa só encontrará clima de cumprimento se a roda da produção e do consumo voltar a girar; se a arrecadação de impostos se recuperar; se as contas públicas forem saneadas; se a inflação voltar a ficar controlada; e se o desemprego recuar consistentemente.

É, enfim, um mecanismo intrincado. O bom funcionamento da economia depende de adequadas decisões políticas. E estas, por sua vez, dependerão, em grande parte, da recuperação da economia.

CONFIRA:




Aí está a evolução do lucro da Petrobrás nos últimos seis trimestres.

Melhorou

Os resultados da Petrobrás no terceiro trimestre mostram boa recuperação operacional: a produção aumenta, as receitas vêm sendo preservadas por preços praticados acima do mercado global. Mas as perdas com impairments (redução de valor dos ativos) e com indenizações trabalhistas continuam elevadas. O balanço apontou o terceiro impairment da Coperj, num total de R$ 28,2 bilhões, intercalado com investimentos. Não está claro onde a Petrobrás quer chegar.

Deus e o dr. Pangloss, dois ilustres brasileiros - BOLÍVAR LAMOUNIER

ESTADÃO - 13/08

Eles são enfáticos: não podemos subestimar a devastação causada pelo lulopetismo



Deus pode às vezes parecer ausente, mas nem os piores incréus põem em dúvida sua condição de brasileiro. É dele que provêm as abundantes infusões de otimismo de que nos servimos diariamente. Nesse encargo diário ele é coadjuvado por outro brasileiro ilustre, o dr. Pangloss, personagem de Voltaire, um inabalável adepto da teoria de que vivemos no melhor dos mundos possíveis.

No momento, pelo que me consta, eles trabalham a quatro mãos num grandioso plano para livrar o Brasil da chamada “armadilha do crescimento médio”. Em economês, essa expressão significa que nosso país concluiu galhardamente a chamada etapa fácil do processo de desenvolvimento, aquela em que a mão de obra barata era tão abundante que dava para crescer com pouco capital, pouca tecnologia e quase nenhuma educação. Ascender ao patamar mais alto e entrar no seleto grupo dos países realmente desenvolvidos são outros quinhentos mil-réis.

Em que pese sua imensa boa vontade, nossos dois benfeitores vez por outra nos recomendam sobriedade. Dizem que precisamos estar atentos aos desafios de curto e médio prazo que nos aguardam não só na economia e na política, mas também em nossa mentalidade, na qual discernem certos traços de infantilidade.

Na economia, são enfáticos: não podemos subestimar a devastação causada pelos 13 anos e meio de lulopetismo. Os números os dois já nem se preocupam em ressaltar, sabem que são de conhecimento geral. O ponto que repisam é o do ajuste fiscal. Agora, dizem, há que cortar gastos ou aumentar impostos, ou ambas as coisas – sem choro e sem vela.

Sem ajuste as engrenagens da economia não entrarão nos devidos eixos. Investidor nenhum, brasileiro ou estrangeiro, é louco de botar seu escasso dinheirinho em algum empreendimento sério, com determinação e ânimo de continuidade, num país que não faz o dever de casa. Menos ainda aquele investidor bem informado que acompanha de perto o nosso sistema político. Numa recessão do tamanho da atual, esse investidor sabe que todos os setores organizados, privados e públicos, assim como os políticos que os representam, já avisaram: farinha pouca, meu pirão primeiro. Para aumentar impostos o enredo é um pouco diferente, mas o cenário é o mesmo: uma pedreira.

A esta altura, nossos dois grandes beneméritos retornam à cena com uma mensagem mais severa. Por lúcido e competente que seja – e quanto a isso não cabe dúvida –, o novo governo corre contra o tempo. Quanto mais demorar, menor será sua capacidade e sua credibilidade para fazer o que precisa ser feito. Ninguém se arriscará a prever a duração da crise, os investimentos não voltarão e a cifra do desemprego logo ultrapassará os atuais 11,5 milhões. Suponho que meus leitores e leitoras tenham assistido ao filme Ensaio de Orquestra, de Federico Fellini. Uma metáfora política muito bonita de ver, mas dá calafrios.

Soube que o dr. Pangloss atualmente se pergunta se foi mesmo uma boa ideia nos convencer da “robustez” de nossas instituições políticas. Realmente, em sua lógica implacável ele reitera que não tivemos nenhum golpe militar desde o último. Isso é muito bom. No Judiciário há novidades extremamente positivas; por enquanto, só a ponta de um iceberg, mas antes isso. O dr. Pangloss reitera também que o Executivo cumpre normalmente sua tarefa essencial, a produção de políticas públicas, muito embora o apanhado das políticas educacionais iniciadas desde 2007 feito nesta página pelo professor João Baptista Araújo o tenha deixado com uma pulga atrás da orelha.

Mas onde o entusiasmo de nossos dois bondosos patronos se torna esfuziante é quando falam da reforma política. Parecem admirar a perseverança com que, ano após ano, nos debruçamos sobre essa questão; perseverança que lhes parece tanto mais admirável quando constatam o afinco com que nos dedicamos a tal reforma mesmo não sabendo direito o que queremos. Os reformadores de outras galáxias começam por esta singela inquirição: “Reformar o quê, como, para quê?”. Pessimistas impenitentes, já se vê.

É bem verdade que os padecimentos políticos de que eles padecem lá nós não padecemos cá. Flexíveis como somos, temos solução para tudo. Na Inglaterra, derrotado no vexatório plebiscito que houve por bem inventar, o ex-ministro David Cameron teve direito a uma última foto: de costas, na noite da derrota, junto com sua mulher, deixando seu gabinete. Nosso presidencialismo é um pouco mais complicado: a doutora Dilma Rousseff quase consumiu nossa paciência, mas – alvíssaras! – a novela parece estar chegando ao fim.

No tocante à organização partidária, nossos traços característicos são a lógica e o perfeccionismo. Atendendo à lógica, convencionamos que 1) o viço e a qualidade de uma democracia se medem pelo número de partidos; 2) para tal efeito, o conceito de partido não se reduz ao de uma mera associação civil, registrável em qualquer cartório, mas se trata de figura de direito público, registrada no TSE e custeada por recursos públicos, por meio do Fundo Partidário e do horário eleitoral supostamente gratuito, uma isenção fiscal; 3) esses supostos “privilégios” dos partidos se justificam pela missão que lhes é inerente, qual seja, a de representar correntes de opinião, aspirações programáticas ou ideologias de fato existentes no meio social. E aqui entra nosso perfeccionismo: estamos, salvo melhor juízo, com 32 partidos registrados e 35 na fila, aguardando o conveniente registro.

Onde Deus e Pangloss talvez se hajam equivocado é na infantilidade que de tempos em tempos nos atribuem. Nada há no sumário conjuntural acima apresentado que sugira isso. Mas não nos precipitemos, ainda estamos em agosto. Até o fim do ano, quem sabe?

*Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro da Academia Paulista de Letras

Se jogar para a arquibancada, Temer poderá ter o mesmo destino da antecessora - RONALDO CAIADO

FOLHA DE SP - 13/08

Afastar a presidente Dilma Rousseff não é o fim, mas o início de um novo e prolongado processo de recuperação do país. Em 13 anos de governo, o PT deixou o Brasil moribundo. O impeachment, nesses termos, equivale a levá-lo à UTI, mas a salvação só virá se os procedimentos forem rigorosos, sem concessões. E os sinais iniciais preocupam — e muito.

A meta fiscal deficitária, de R$ 170,5 bilhões, já de si absurda — e que condensa em números o trágico legado do PT —, precisa ser rigorosamente cumprida. E o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, corrigindo o que dissera na véspera seu colega da Casa Civil, Eliseu Padilha, de que a meta já teria sido consumida em R$ 169 bilhões, assegura que o colega se equivocou. Afirma que os números mencionados são uma projeção de gastos para todo o restante do ano — e não uma realidade já consumada no presente. Se o fosse, estaríamos perdidos.

O que assusta, porém — e deu verossimilhança ao que foi desmentido —, não são tanto as declarações controversas, que desorientam os agentes econômicos, mas a prática por trás delas, como a concessão de aumentos salariais na esfera dos três Poderes.

O custo desses aumentos para o governo será de R$ 67,7 bilhões entre 2016 e 2018. Mais que o impacto orçamentário, com efeito-cascata ainda não dimensionado, representam concessões injustificáveis ao corporativismo, beneficiando trabalhadores que já gozam de estabilidade funcional, em detrimento do atendimento a um vasto contingente de mais de 11 milhões de desempregados.

Preocupam também os termos da reestruturação da dívida dos Estados, de sentido claramente eleitoreiro: desconto de 40% por até dois anos e moratória por seis meses.

Dois anos é o tempo que falta para as próximas eleições, em que o governador que não fez o dever de casa terá meios de transferir o ônus de sua má gestão ao sucessor e ainda promover, com essa folga orçamentária de mão beijada, obras que turbinem sua administração. Não é nem técnica nem moralmente aceitável. Brindou-se o mau gestor. Teme-se que novas concessões, da mesma natureza, ainda possam vir e ameaçar o cumprimento da meta.

O país, que já opera na base do cheque especial — a tanto equivale lidar com um rombo orçamentário —, não pode permitir que seu limite seja estourado. Nessa hipótese, irão aplicar a receita clássica: aumento de impostos e novos cortes em investimento. Em ambos os casos, o povo paga a conta — já está pagando —, com reflexos em áreas essenciais, como saúde, educação, segurança pública e programas sociais, que já estão abaixo da crítica.

O governo Temer não pode perder de vista o que o trouxe ao poder: a missão de restabelecer a saúde de um paciente terminal. Não o fará se mantiver a gastança de sua antecessora. Em alguns momentos, parece ter se esquecido disso.

O que justifica, por exemplo, o anúncio, feito pelo mesmo Padilha, de que no próximo mês o governo recriará o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que ele mesmo extinguiu? Por que, havendo um Ministério da Agricultura — que, ao que se sabe, existe exatamente para prover o desenvolvimento agrário —, recriar outro, análogo? Ou o governo não sabia o que fazia ao extingui-lo, o que é grave, ou recai no erro de seu antecessor, criando pastas para atender ao provimento político de cargos.

Não é momento de jogar para a arquibancada nem de afagar o Congresso, a pretexto de garantir o impeachment. Nessa hipótese, corre o risco de ter o mesmo destino de sua antecessora. Sua interlocução é com a história, e o reconhecimento, mesmo tardio, só virá se não a trair.

A "boa política" que não morre - LEANDRO COLON

FOLHA DE SP - 13/08

O deputado Paulinho da Força (SD-SP), amigo do peito de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), celebrou sem pudor o dia agendado para votar a cassação do parceiro peemedebista: "Não somos nós que vamos lutar para não votar dia 12".

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), marcou para 12 de setembro a aguardada sessão para julgar o mandato de Cunha. Maia escolheu uma segunda-feira, dia de quorum baixo no plenário.

A 20 dias da eleição municipal, os deputados devem estar em campanha de aliados ou buscando se eleger prefeito. Costuma ser um período de Congresso vazio. Sempre foi assim.

A data escolhida para o julgamento só favorece a salvação do deputado do PMDB, a ser julgado pelos pares por ter mentido sobre a existência de contas não declaradas na Suíça.

Para a cassação ser aprovada, são necessários os votos de no mínimo 257 dos 512 colegas de Cunha. Quanto menos deputados comparecerem, maior é a chance de ele, réu em duas ações no STF (Supremo Tribunal Federal), escapar da degola política.

O parecer pela cassação está pronto para o plenário desde meados de julho. Recentemente eleito para comandar a Câmara, Rodrigo Maia alega que adotou uma média histórica de um intervalo de quatro semanas para marcar a data da votação.

Dos últimos cinco processos do tipo, quatro foram apreciados em uma quarta e um em uma terça — dias tradicionalmente de Casa cheia. Não há justificativa razoável para Cunha ser julgado em uma segunda-feira e em época de campanha eleitoral.

Em novembro, quando 230 deputados soltaram manifesto de apoio ao peemedebista, Rodrigo Maia fez questão de falar no microfone que ele, Maia, era o de número 231.

Horas depois de o deputado do DEM ser eleito para dirigir a Câmara, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), comemorou: "A vitória do Rodrigo Maia é uma demonstração sobeja de que a boa política não morreu. Ela está vivíssima".

A desestatização de Temer - JOÃO DOMINGOS

ESTADÃO - 13/08

Coincidência não é. No dia 25, data em que o Senado dará início ao julgamento final do impeachment de Dilma Rousseff, o presidente em exercício Michel Temer planeja lançar um ousado plano de desestatização no País, talvez o maior já visto. É o contraponto ao governo do PT, que em 13 anos criou dez empresas estatais, além de vários filhotes de outras já existentes.

A se julgar por informações muito bem guardadas até agora, o plano de desestatização deverá alcançar desde empresas fundadas recentemente, a exemplo da Hemobrás e da EPL, até estatais seculares, como os Correios. O prejuízo dos Correios em 2015 foi de R$ 2,1 bilhões. Neste ano, até maio, o rombo já era de R$ 700 milhões.

A ideia do plano de desestatização é fazer concessão e parcerias em todas as áreas de logística e de infraestrutura, de forma a complementar serviços que o Estado é incompetente para executar.

Não se trata apenas de privatizar, pura e simplesmente. Mas também de fazer parcerias com a iniciativa privada. No caso dos Correios, a ideia é manter sob a tutela do Estado a parte que Temer julga cumprir papel social importante, como a distribuição de cartas, ainda muito utilizadas nas Regiões Norte e Nordeste. E tocar, em parceria com outras empresas, serviços de transporte de pequenas cargas, como o Sedex, que têm custos maiores.

Entre as empresas que estão na mira do governo interino encontra-se também a EBC, com orçamento de cerca de R$ 550 milhões anuais, criada em 2007 como uma empresa pública, mas dependente do orçamento da União. A empresa é um dos espinhos na garganta de Temer, que nomeou o novo presidente, mas teve de recuar, porque o anterior, escolhido por Dilma dias antes do afastamento dela da Presidência da República, ganhou liminar do Supremo Tribunal Federal e voltou ao cargo. A EBC tem cerca de 2,6 mil funcionários.

Outra estatal problemática criada no governo petista é a Empresa de Planejamento e Logística (EPL). Seu objetivo inicial era cuidar do projeto do trem-bala, que ligaria o Rio de Janeiro a Campinas, passando por São Paulo. Mas nem trem-bala nem trem-lesma foram criados.

A EPL, no entanto, vai bem. Foi instalada em dois andares de um prédio de alto padrão, em Brasília, cujo aluguel custa R$ 1,1 milhão por ano. Desde 2013 teve previsão orçamentária superior a R$ 1 bilhão. No ano passado seu orçamento foi de R$ 311 milhões. A empresa tem 181 funcionários.

Essa empresa também deverá integrar a lista do projeto de desestatização. A menos que o governo chinês, que tem feito forte lobby para que o governo brasileiro volte a se interessar pela criação de linhas de trens de alta velocidade, consiga mudar a cabeça de Temer. Ele foi convidado oficialmente pelo governo de Pequim a fazer em um trem-bala o trajeto de cerca de 300 quilômetros entre Xangai e Hangzhou, onde vai ocorrer a reunião de cúpula do G-20, nos dias 4 e 5 do próximo mês. A viagem dura cerca de uma hora.

Outra companhia criada pelo governo do PT que pode entrar na lista de desestatização do governo de Temer é a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), que atua na gestão dos 35 hospitais universitários do País. Ela tem 9.752 funcionários, orçamento bilionário e não se tem notícia de que a situação nos hospitais universitários tenha melhorado depois que foi criada.

Ligada ao Ministério da Educação, entregue por Temer a Mendonça Filho, do DEM, a empresa dos hospitais universitários acaba de trocar de presidente. Continua aparelhada. Por indicação do presidente do DEM, senador Agripino Maia (RN), Temer nomeou para presidir a empresa o médico potiguar Kléber Morais.

A velha política - MERVAL PEREIRA

O Globo 13/08

A pressão por participação no governo continua determinando a atuação dos partidos políticos, o que, ao mesmo tempo em que demonstra que a reforma política é fundamental, também indica que dificilmente ela passará. O próprio governo trabalha com essa lógica, como demonstra a cobrança do ministro Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, aos partidos da base governista. Cada partido tem um ministério, e é responsável, portanto, por trazer os votos para a aprovação de projetos do governo.

Nada mais explícito do “toma lá, dá cá” do que isso. Não é por acaso, portanto, que já se anuncia que dois ministérios que foram extintos na primeira reforma administrativa feita no governo Temer, logo que assumiu sua interinidade, voltarão a ser criados.

O do Desenvolvimento Agrário ficará com o Solidariedade, e o da Pesca, com o PRB. O fim do Ministério da Pesca era apresentado como símbolo de uma nova visão de governo, enquanto sua criação chegou a ser considerada o auge do clientelismo nos governos petistas. Pois ele não está apenas de volta, mas com projeto de criação de 27 administrações regionais para cuidar do assunto.

Esses são apenas alguns exemplos de recuos do governo Temer que significam muito mais do que simples mudanças de diretrizes de gestão pública. Mostram enfaticamente que não há neste governo peemedebista nenhuma visão reformista do Estado brasileiro, muito menos uma posição antagônica ao que vinha sendo feito anteriormente.

O que existem são interesses políticos que precisam ser satisfeitos, da mesma maneira que a presidente afastada, Dilma Rousseff, usava ministérios para compensar partidos aliados, sem que um programa de governo fosse a razão de mudanças. Qual seria então a diferença entre os dois governos, se a política clientelista continua dando as cartas?

Nem mesmo os clientes mudaram, pois esses mesmos partidos que agora estão na base do governo Temer estavam até pouco tempo atrás na base petista, seja sob Dilma ou sob Lula. A diferença mais evidente é que Dilma dava os ministérios e não queria mais saber do partido nem do ministro, deixava-os em paz para usar politicamente seu feudo, desde que a deixassem em paz.

Lula e Temer, políticos que são, sabem afagar os políticos, que, além de poder e dinheiro, querem demonstrações de prestígio. Até ouvir Roberto Jefferson cantar árias Lula fez, e nem mesmo assim conseguiu impedir que o líder do PTB colocasse por água abaixo os planos petistas de hegemonia política, denunciando o mensalão.

Mas a disputa política foi desencadeada pelo próprio PT, à frente o então todo-poderoso ministro José Dirceu, que, à medida que o lulismo se impunha no país, não queria dividir o butim com outros partidos pequenos, como o PTB. Por Lula, todos ficariam com um pedaço, e o poder, com ele e sua turma. Temer tem essa qualidade política: entende os interesses de seus aliados e procura recompensá-los.

Mas essa é a velha política, que levou ao descrédito completo dos partidos políticos. Se Temer pretender levar seu curto período presidencial na base dessa política, não apenas não conseguirá equilibrar a economia como abrirá uma crise política grave com parte de sua base, como o PSDB, que já se inquieta com a perspectiva de que as reformas estruturais não serão feitas. E também com a previsível pretensão de Temer, ou de seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de se candidatarem à sucessão em 2018.


Militarização da Venezuela reforça acerto do Mercosul - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 13/08

Oposição convoca protesto para repudiar manobra do Conselho Eleitoral e cobrar a conclusão de consulta revogatória do mandato de Nicolás Maduro


O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela decidiu, numa clara manobra, empurrar para o fim de outubro a coleta de assinaturas de 20% dos eleitores registrados para a petição que propõe a realização de um referendo revogatório do presidente Nicolás Maduro. Com isso, o órgão, aparelhado pelo regime bolivariano, praticamente inviabiliza a realização de novas eleições presidenciais, mesmo que o resultado da consulta determine a anulação do mandato presidencial, confirmando o descontentamento generalizado da população.

A presidente do Conselho, Tibisay Lucena, ao anunciar o adiamento da coleta, nem sequer especificou nova data. Pela legislação venezuelana, se o referendo for realizado até 10 de janeiro de 2017, e a petição pela revogação prosperar, o país escolhe o substituto de Maduro mediante novas eleições. Mas, se o resultado vier após essa data, mesmo que o referendo aprove a destituição de Maduro, assume o vice-presidente e aliado do mandatário bolivariano, Aristóbulo Istúriz, mantendo o mesmo regime no poder até o fim do período de mandato, em 2019.

Este é mais um exemplo de como o regime chavista se vale de manobras e do aparelhamento de instituições cruciais ao funcionamento do governo, para se manter no poder indefinidamente. O Judiciário é outro segmento que perdeu a autonomia e vem atuando para barrar as iniciativas do Congresso Nacional, onde a oposição conquistou a maioria, nas últimas eleições parlamentares.

Além de condenar o cinismo de Tibisay Lucena, líderes da oposição estão convocando a população a ocupar as ruas, para exigir que o Conselho cumpra a Constituição e faça o seu trabalho. A primeira marcha de protesto foi marcada para 1º de setembro, em Caracas, e ocorrerá num momento em que o regime bolivariano mostra a face truculenta, já vista em 2014, quando a repressão a protestos resultou na morte de 43 pessoas e numa onda de prisões arbitrárias, inclusive a de líderes da oposição, Leopoldo López entre eles.

Enquanto as imagens de venezuelanos desesperados, atravessando as fronteiras dos países vizinhos em busca de itens como alimentos e remédios, evocam cenas de refugiados sírios, cresce a dependência de Maduro em relação aos militares. Especialistas apontam para a influência crescente do general Vladimir Padrino López, aliado histórico de Chávez, homem forte das Forças Armadas e chefe da estratégica Missão de Abastecimento. Tido como um “soldado bolivariano” e comprometido com a construção da pátria socialista, Padrino concentra poderes inéditos.

Este quadro lamentável evidencia o acerto do Mercosul ao impedir que a Venezuela assuma a presidência pro tempore do grupo e exigir que Maduro cumpra a cláusula democrática, entre outras medidas. A pressão do bloco, acertada, é a forma que os parceiros sul-americanos encontraram para ajudar o país a entrar numa transição, que garanta a restituição do estado democrático de direito. Não se trata de abandoná-lo.


Injustiças com o SUS - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 13/08

Absorvente íntimo, água de coco, enxaguante bucal, xampu, lenços umedecidos, fraldas, colchão e filtro de barro. Esses são alguns dos itens que autores de ações judiciais já tentaram fazer com que fossem custeados pelo Sistema Único de Saúde, o SUS.

A lista caricatural, ao destacar os aspectos pitorescos da chamada judicialização da saúde, leva atenção a um problema real e intensificado ao longo dos anos.

Como mostrou esta Folha, os gastos sanitários da União, de Estados e municípios efetuados por imposição do Poder Judiciário saltaram de R$ 139,6 milhões, em 2010, para R$ 7 bilhões, atualmente. Os dados são do Ministério da Saúde.

A maior parte dessas despesas se refere a medicamentos, cirurgias e terapias, não a xampu e água de coco. Mas isso não torna menor seu impacto negativo sobre o SUS.

Saúde pública é planejamento. Na escala individual, não se sabe ao certo quem vai padecer de qual moléstia, mas, no agregado, obtém-se uma ideia bem precisa do número de indivíduos que, a cada ano, sofrerá um ataque cardíaco ou desenvolverá um câncer.

Em teoria, isso permite ao administrador racional programar a compra de insumos com antecedência, negociando preços e condições, e tentar ajustar a distribuição dos recursos humanos e materiais (fácil de falar, difícil de cumprir).

Outra tarefa sempre onerosa do administrador exige que, dispondo de um orçamento finito, defina quais tratamentos deixarão de ser cobertos pelo sistema, seja por falta de comprovação científica, seja por custarem mais que outras terapias de eficácia comparável.

Quando, porém, a decisão do gasto chega por via judicial, o administrador precisa cumpri-la em tempo exíguo, algo como 24 horas, sob risco de ir para a cadeia. Os preços tendem a ficar mais salgados —há notícias até de esquemas de corrupção que se valem da Justiça— e cai por terra a esperança de planejar melhor o sistema.

Como não dá para proibir as pessoas de recorrer à Justiça ou os juízes de conceder liminares, o caminho para assegurar a racionalidade do SUS exigirá um trabalho mais complexo de esclarecimento dos magistrados.

É imperioso sensibilizá-los, e não apenas para a dimensão do problema e o desequilíbrio bilionário que acarretam ao SUS. Cumpre também fazer com que tenham acesso fácil e rápido a informações técnicas sobre consensos médicos, equivalência de medicamentos e tratamentos e até sobre os combalidos orçamentos do ministério e das secretarias de Saúde.