segunda-feira, agosto 08, 2016

Por que intelectuais odeiam o povo? - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 08/08

Por que os intelectuais odeiam o povo? Afirmei isso semana passada em minha coluna ("Bom dia terrorismo!) e muita gente me perguntou a razão disso.

Vejamos um exemplo prático bem atual: Donald Trump.

Todo mundo se pergunta como o povo americano (pelo menos parte importante desse povo) pode votar num cara como Donald Trump. Não vou entrar no mérito do quão "idiota", "palhaço", "populista", "sexista", "racista" muita gente acha que ele é. Se ele é ou não isso tudo, não me interessa aqui.


O que me interessa é que toda a inteligência pública parece concordar que ele mereça todos esses adjetivos. Logo, parece haver uma discordância significativa entre o que pensa grande parte do povo americano e a inteligência pública.

Por que alguém em sã consciência votaria em Donald Trump sendo ele tudo o que achamos que ele seja? Existe a possibilidade de que ele não seja tudo isso de ruim e a inteligência pública esteja errada? Suspeito que não seja esse o caso.

Então, a pergunta que não quer calar é: o povo é burro, pelo menos do ponto de vista da inteligência pública? A resposta é: sim.

Mas o que seria essa "burrice" aqui? Antes, um reparo filosófico importante para deixar clara a razão de eu achar que intelectuais desprezam o povo, suas escolhas, seu mundinho medíocre de consumo, suas jantas, seus programas bregas na TV e suas férias em praias com milhões de pessoas.

Apesar de ter certeza que a democracia é o regime menos pior que conhecemos, não acredito que as pessoas escolham "racionalmente" em quem vão votar. Essa crença é, basicamente, uma lenda. Ninguém vota "racionalmente" –talvez 1% dos eleitores, e porque é gente obsessiva e monomaníaca.

Acho que ninguém está nem aí para política na maior parte do tempo, e quem está, está por taras pessoais do tipo gostar de mandar, mania de grandeza, messianismo ideológico; enfim, taras, e não porque seja excepcionalmente "racional".

Sei que você deve estar querendo saber o que eu quero dizer por votar "racionalmente". Já digo. Lembre-se: como dizia Hegel, conceitos exigem paciência.

Votar "racionalmente" é comparar programas, históricos, coerência de vida e trabalho dos candidatos. Passar algum tempo fazendo essa "pesquisa", discutir com amigos e, principalmente, inimigos, isto é, gente que não concorda com você, enfim, é "trabalhar" para escolher em quem votar.

Conclusão: a maior parte da humanidade que trabalha não tem tempo nem saco para isso. E quem faz, o faz porque é "profissional" militante (e militante, por definição, não é um ser que pensa, mas, sim, um ser obcecado por uma causa). E a coisa que menos importa para ele é comparar propostas, históricos, concepções de mundo. Quer apenas levar os outros a pensar como ele.

Dito isso, voltemos à "burrice". Intelectuais são pessoas que passam a vida pensando, colhendo dados, comparando-os e discutindo com parceiros. Quero dizer, isso seria o ideal. A realidade está, como sempre, entre o ideal e o inferno (mais perto deste do que daquele).

Para além desse ideal, muitos intelectuais se entregaram à falsa paixão pela lenda do "povo racional soberano da democracia", lenda criada pela Revolução Francesa. Mas, como toda lenda, esta fala mais de quem crê nela do que de qualquer outra coisa.

Portanto, os intelectuais recusam o fato de que o povo não vota "racionalmente". Detalhe: ele, o intelectual, também não necessariamente vota "racionalmente", mas a partir de suas taras ideológicas e lenda políticas.

A pergunta a fazermos é: quais são as taras que levam parte do povo americano a votar em Donald Trump?

Tudo de muito humano, demasiado humano: medo, raiva, insegurança, vontade de fazer o mundo parar de girar, fantasia de que a janta será sempre a mesma, com as mesmas pessoas, pânico dos EUA deixar de ser a potência número um, a ilusão de que se pode viver isolado do resto do mundo com barreiras.

Os intelectuais odeiam o povo porque o povo é a humanidade –banal, medrosa, insegura. E os intelectuais amam a ideia de humanidade "racional", mas detestam suas misérias.

Sobre canarinhos - FABIO GIAMBIAGI

O GLOBO - 08/08

Estão sempre prontos a soprar no ouvido de quem toma as decisões que não há razões para adotar medidas mais duras



Em 2016, terão se passado três décadas desde a “reunião de Carajás”. Para os mais jovens, é útil trazer os fatos antigos à tona. Em fevereiro de 1986, foi adotado o Plano Cruzado. A inflação, na época em mais de 200% ao ano, ameaçava se transformar em hiperinflação e, nesse contexto, o então presidente José Sarney lançou um plano de mudança do nome da moeda, embutindo uma modificação das regras de indexação e um congelamento de preços. O sucesso foi imediato, e a popularidade do presidente subiu como um foguete. O congelamento de preços, tido como a “cereja do bolo” do plano, mas concebido pelos seus mentores como uma medida estritamente temporária, acabou se estendendo por um tempo muito maior do que seria prudente, gerando todos os problemas clássicos desse tipo de situações, como o desaparecimento de produtos e o surgimento do ágio e do mercado negro.

Tentando evitar um colapso do plano antes das eleições legislativas que renovariam o Congresso no fim do ano, Sarney reuniu a equipe econômica em Carajás, na Amazônia, para, longe das pressões do dia a dia, discutir os rumos do plano. Ficou célebre, na época, a instrução que, mais ou menos com as seguintes palavras, teria sido passada aos colegas por um dos presentes: “É preciso que todos aqui façamos o papel do urubu, dizendo que as coisas estão muito ruins, como de fato estão, para que o governo adote as medidas necessárias para enfrentar a crise. Não pode haver um só participante que faça o papel de canarinho, sinalizando que as coisas não são tão ruins. Se aparecer um único canarinho entre 20 urubus, o presidente vai ouvir o canarinho”. Nunca se soube ao certo quem foi o canarinho, mas Sarney não se convenceu da necessidade de fazer ajustes naquele momento. Quando eles vieram, foi tarde demais e de forma atabalhoada, levando o plano de roldão e inaugurando uma fase negra da vida do país que foi até o plano Real de 1994, quando, depois de outros quatro planos fracassados, o Brasil, finalmente, conheceu certa estabilidade.

Para os mais velhos, que temos a lembrança daqueles anos, é inevitável recordar esse embate, quando hoje vemos a repetição, de certa forma, daquele entrechoque de opiniões, com as devidas adaptações às circunstâncias do momento. Mais uma vez, no debate que cerca as decisões a serem tomadas pelo presidente Temer e as leis discutidas no Congresso, observa-se o conflito entre “urubus” e “canarinhos”, com a ressalva de que estes parecem constituir um aguerrido exército de militantes, sempre prontos a soprar no ouvido de quem toma as decisões que não há razões para adotar medidas mais duras.

Talvez em poucas áreas isso seja tão evidente como na Previdência. Se uma balconista de uma lanchonete de um país desenvolvido do Hemisfério Norte, que ganha salário mínimo e acorda no inverno para abrir o estabelecimento às seis da manhã com neve e 10 graus negativos de temperatura, quiser se aposentar, terá que trabalhar até os 65 ou 67 anos, dependendo do país. Já aqui no Brasil, eu, aos 54 anos, se fosse mulher e meus pais tivessem começado a pagar o carnê de autônomo do INSS aos 16 anos, poderia estar usufruindo a aposentadoria há oito anos. É por essas e outras coisas que a despesa primária do Governo central era de 14% do PIB em 1991 e deverá ser de 24% do PIB este ano e que a despesa do INSS, que foi de 2,5% do PIB em 1988 — ano da, na época, “Nova Constituição” — alcançará 8% do PIB em 2016. A idade em que as mulheres se aposentam por tempo de contribuição no Brasil é de 53 anos. Nessa altura, a expectativa de sobrevida por gênero, para o sexo feminino, é de 30 anos. Não é preciso ser um conhecedor de atuária para concluir que, se a pessoa contribui com 31% do seu salário por 30 anos, será difícil sustentar a aposentadoria por outros 30 sem que o sistema entre em colapso. E eis que quando este se aproxima em ritmo veloz, não faltam vozes que dizem que a Previdência é... superavitária!! Há de tudo no mundo, assim como existem grupos que, em outros países, militam em favor da causa de que “Elvis não morreu” ou que defendem a tese de que a ideia de que o homem teria pisado na Lula seria uma fraude.

Em resumo, o drama do país é que parece haver escassez de recursos — e excesso de canarinhos.

Fabio Giambiagi é economista

Fica o "fora", cai o "fica" - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 08/08

À sua maneira deliciosamente alienada, desligada de qualquer realidade comprovável e sem o menor compromisso com os fatos, Dilma Rousseff, tendo agora 24 horas diárias de ócio ao seu dispor, começou a trabalhar na última preocupação que lhe resta: o julgamento da história. Ela quer ficar bem na fita diante dos pósteros. Assim, com a mesma desenvoltura com que compunha seus discursos patafísicos na Presidência, imagina poder sepultar no Senado as acusações que lhe fazem.

Ao insistir em que é uma mulher honesta e não fez nada de errado, Dilma continua sem entender que não é a cidadã que está em julgamento, mas a presidente. Isso denota a maneira airosa com que exerceu o cargo e explica por que, sem que ela soubesse -vamos dar-lhe este crédito- armou-se sob o seu nariz uma abismal rede de corrupção. Daí é bom ela não contar com a posteridade. Se ficar provada sua inocência, o futuro a verá como o caso mais agudo de palermice na história da República.

Mas não adianta. O mundo está desabando ao seu redor e Dilma trata as acusações como se estas fossem um surto de caspa que uma ou duas espanadas tirariam de seus ombros. Para isto, basta jogar a culpa nos outros -no caso, o PT. É encantadora a naturalidade com que ela tem transferido aos companheiros a responsabilidade pelo festival de propinas, caixa dois e pagamentos indevidos em suas campanhas presidenciais. Passou até a dizer que o PT precisa reconhecer "os erros que cometeu do ponto de vista das práticas, da ética, do uso de verbas públicas".

Apanhado no contrapé, o PT está tiririca e temos que, em breve, Dilma se verá falando sozinha. Se ela e o partido já se detestavam quando no poder, imagine fora dele.
O PT continuará com o discurso básico de "Fora Temer". Mas já não se ouve de ninguém um "Fica Dilma".


O fim das narrativas - MARCOS NOBRE

VALOR ECONÔMICO -08/08

O divórcio entre a sociedade e o sistema político vai perdurar

Desde que o impeachment apareceu no horizonte como possibilidade real, ali pelo final de 2015, qualquer coisa que se dissesse fazia parte de uma "narrativa". A formação forçada de dois grandes exércitos exigiu ajustes nos discursos ouvidos até então, exigiu uma unificação de posições conflitantes em nome de um objetivo comum. Durante o governo Lula, fixou-se a versão de que tinha sido inaugurada a nova etapa na história do país de classe média. A franja oposicionista concentrava seus esforços em denunciar esse projeto como pensado apenas para perpetuar um partido no poder.

A ideia do país de classe média perdeu seu pé em 2015, quando entrou em cena o ajuste fiscal de Joaquim Levy. Nesse momento, o PT abandonou a presidente em tudo o que dissesse respeito à política econômica. No mensalão, em 2005, o partido já tinha sido duramente atingido em uma de suas mais importantes bases ideológicas, a defesa da "ética na política". Conseguiu se recompor ideologicamente com o discurso do país de classe média, justamente. Mas ficou inteiramente vendido quando, em seu segundo mandato, Dilma Rousseff resolveu desdizer tudo o que disse durante a campanha eleitoral de 2014.

Porque não se tratava apenas de estelionato eleitoral, mas da exigência de que o PT realizasse uma segunda radical reconversão de seu discurso, de magnitude comparável àquela realizada depois do cataclisma do mensalão, dez anos antes. E já não havia nem condições econômicas nem de formulação para uma segunda guinada como essa. Entre outras coisas, também porque os artífices da ideia de país de classe média tinham construído o discurso em oposição às ideias de ajuste e de austeridade. E, no arranjo pemedebista da política, o partido líder do condomínio não pode deixar de sustentar o governo. Teria sido impossível a FHC sobreviver ao estelionato eleitoral que praticou na eleição de 1998 caso não tivesse contado com o apoio firme do PSDB à desvalorização cambial de janeiro de 1999.

A recomposição discursiva do campo liderado pelo PT só se deu com a consolidação da viabilidade do impeachment. Nesse momento, a economia e o ajuste puderam ser colocados em segundo plano, permitindo o surgimento da narrativa da defesa da democracia. Foi quando começou o curto reino da ideia de narrativa, chave-mestra para a guerra do impeachment.

Do lado do campo favorável ao impeachment de Dilma Rousseff, a unificação do discurso se deu em torno da corrupção. Foi uma continuidade da tentativa feita quando da eclosão do mensalão, retomada quando do julgamento pelo STF em 2012. A estratégia só funcionou depois de dez anos de insistência. A narrativa do campo pró-impeachment procurou identificar a corrupção exclusivamente ao PT e a seu aparelhamento do Estado.

A ideia de narrativa diz que política não é sobre convencer, mas sobre a exigência de estar sempre alerta contra um inimigo insidioso, que procura se infiltrar nas menores brechas do embate de versões para conquistar pessoas desavisadas. Ninguém pode se dar o direito de ignorar esse estado de guerra, as lâminas têm de ser permanentemente afiadas contra um inimigo que não descansa. As palavras são patrulhadas com minúcia detetivesca. Qualquer discurso é suspeito até que pronuncie as senhas que permitem entrar na trincheira: golpe, petralha, coxinha, mortadela.

Com o desenlace próximo do impeachment, o tempo das narrativas terminou. Sobrevive apenas no ritual de cartas marcadas do Senado Federal. E a razão é simples: as narrativas que serviram para mobilizar tropas durante o impeachment não têm serventia no mundo pós-impeachment. No campo contra o impeachment, o eficaz slogan do golpe não dá nenhuma pista para o futuro, não indica possíveis linhas de ação. Na situação atual, aferrar-se à narrativa do golpe como tática política limita a ação à denúncia, sem qualquer outra proposta positiva. Pode até ser uma tática de reconstrução. Mas é uma tática meramente defensiva, pressupõe o diagnóstico de que esse campo será capaz de se recompor em termos eleitorais apenas depois de 2018.

A narrativa pró-impeachment também perdeu seu lastro. O discurso contra a corrupção se enreda na teia universal de desvios escancarada pela Lava-Jato. A realidade do governo Michel Temer é um pesadelo para quem quer que tenha vendido a ideia de passar o país a limpo. A única sustentação efetiva do governo Temer até agora é a ausência de alternativa, somada ao cansaço com o trauma institucional de um impeachment que já fez aniversário de um ano, contado a partir da declaração de Temer de que o país precisava de "alguém" com "capacidade de reunificar a todos".

Em um quadro como esse, a recomposição das forças e dos discursos está longe de ser óbvia. Com menos brutalidade, mas com muitas trapalhadas, o governo atual repete a famosa ameaça de Zagallo: "Vocês vão ter de me engolir". Ao mesmo tempo, não consegue acomodar o arquipélago de forças que o entronizaram.

O campo contra o impeachment está perdido. Sobretudo, está fragmentado, sem qualquer perspectiva de agregação. O PT está inteiramente na defensiva e muitas outras forças querem agora fazer o acerto de contas sempre adiado com o partido que foi o líder do campo da esquerda desde a década de 1990.

Grande parte desses movimentos está se dando de costas para a sociedade. O sistema político continua com a firme convicção de que, em momento de eleições, toda a raiva social acumulada vai ter de se acomodar às opções institucionais que estão aí. É certamente a aposta política mais arriscada que já se viu desde a abertura democrática. O divórcio entre a sociedade e o sistema político ainda vai durar muito tempo. E não serão novas narrativas que poderão superar esse divórcio. A esperança que ainda se pode ter é continuar a caçar vagalumes de uma reorganização do debate e das forças políticas que projete imagens de futuro. No momento, o que se tem é apenas a áspera reafirmação de uma realpolitik sem qualquer outro lastro do que a própria sobrevivência do sistema político em sua configuração atual.

Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

Securitizar do jeito certo - RAUL VELLOSO

O GLOBO - 08/08

Investimentos públicos desabaram, e nem assim temos sido capazes de nos organizar adequadamente para passar à iniciativa privada boa parte das tarefas que ficaram sem dono



Não faz muito tempo que, para surpresa geral, tínhamos zerado a dívida externa pública (líquida de reservas em divisas), obtido uma boa classificação de risco das agências internacionais (algo que se perdeu depois) e parecíamos ter entrado num círculo virtuoso de inflação baixa e crescimento satisfatório. A atual sensação, contudo, é de que, passada a hecatombe dilmista, a União e a grande maioria dos estados e municípios brasileiros acordarão basicamente quebrados, entre outros problemas.

Investir que é bom, nem pensar, especialmente em infraestrutura. Há muito tempo que os investimentos públicos desabaram, e nem assim temos sido capazes de nos organizar adequadamente para passar à iniciativa privada boa parte das tarefas que ficaram sem dono. Virou moda dizer que, afora os casos que podem ser objeto de “concessões”, a saída é fazer parcerias entre o governo e o setor privado (as chamadas PPPs), em que o Estado é liberado de investir, mas tem sempre de arranjar fundos para bancar um certo fluxo de pagamentos futuros não cobertos pelos usuários — as chamadas contraprestações.

É aí, exatamente, que mora o perigo. Premidos pelo aperto financeiro, essas contraprestações acabam se tornando o primeiro alvo da política de ajuste fiscal, pois é menos oneroso politicamente dar calote nos sócios dessas parcerias do que nos servidores ou nos fornecedores de serviços conhecidos como básicos, tipo saúde e segurança.

E as garantias? Desprovidos de ativos óbvios, os entes públicos acabaram montando fundos garantidores bastante precários para bancar o pagamento desses compromissos. Sem cumprir seu devido papel, aos poucos o instrumento da PPP começa a perder atratividade para o sócio privado, o que é lastimável.

É nesse contexto que se tornam cada vez mais importantes as oportunidades de securitização de recebíveis tributários no setor público, que existem efetivamente, mas são pouco conhecidas ou têm sido mal administradas, quando poderiam gerar recursos expressivos para resolver as atuais carências. Trata-se, basicamente, da antecipação, via mercados financeiros, de fluxos de recebimentos de recursos que ingressarão futura e regularmente no setor público, mas que acabam dormindo nas prateleiras, como no caso da “dívida ativa” de contribuintes para com o Fisco, difíceis de cobrar.

Ora em tramitação no Senado, o Projeto de Lei Complementar 204/16 procura consolidar as normas relacionadas com esse tipo de securitização, conforme artigo recente de Felipe Salto e Leonardo Ribeiro no “Estado de S.Paulo”, mas precisa ser aperfeiçoado em alguns aspectos relevantes, antes de ir à votação. O principal é que a “modelagem” implícita no projeto limita desnecessariamente as possibilidades de securitização, exatamente quando é mais aguda a carência de recursos. Discutirei o assunto em maior detalhe no Fórum Nacional, de 14 e 15 de setembro próximo, do Inae (veja detalhes em www.inae.org.br), juntamente com o colega Carlos Kerbes, um inovador nessa matéria.

Tendo restringido os casos de securitização de “créditos tributários” apenas aos chamados parcelamentos, conforme prática adotada até agora, e tendo focado apenas no estoque específico desses recebíveis (algo ao redor de R$ 80 bilhões, no caso da União), a aprovação do projeto deverá permitir o recebimento imediato de algo que não deve ultrapassar R$ 55 bilhões, diante de um estoque total de créditos que alcança a marca impressionante de R$ 1,6 trilhão.

O ponto é que já existe tecnologia para adotar uma modelagem capaz de jogar foco sobre os fluxos totais regulares decorrentes do estoque total de créditos e não apenas dos parcelamentos. Na União, esse fluxo alcança a expressiva marca de R$ 20 bilhões anuais, que tendem a se repetir todos os anos, dos quais, para uma estruturação no período de 20 anos, pode derivar uma fatia de “ativos sênior”, à vista, de cerca de R$ 70 bilhões (e não apenas os R$ 55 bilhões acima referidos), sem falar no mais importante: “ativos mezanino” da ordem de R$ 13 bilhões anuais, com uma razoável probabilidade de recebimento validada por alguma conceituada agência de risco, ao longo desse mesmo período.

Bastará ampliar o alcance da medida no artigo respectivo do projeto. Esses recebíveis seriam passíveis de troca por debêntures emitidas conforme as regras da CVM, que, por sua vez, poderiam compor os fundos garantidores de PPP anteriormente mencionados e, assim, constituir uma garantia efetiva e expressiva para as tão desejadas parcerias no setor de infraestrutura.

Finalmente, cabe rever, no projeto, o impedimento de que os atuais prefeitos concretizem financeiramente a operação desse mecanismo nos últimos 120 dias de governo, faltando definir alguma regra de transição. Além disso, deve-se remover a restrição de que os ativos a serem cedidos sejam aqueles existentes na data de publicação da lei a que ele der origem. Em vez disso, a limitação poderia ser para os créditos existentes no momento da cessão efetiva.

Raul Velloso é economista

Lutas nas classes - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 08/08

O Brasil, desde os anos 1980, vive uma lenta transição que reúne algumas características: voto livre e periódico para o Executivo e o Legislativo; alta moderada da renda; queda discreta mas constante da desigualdade salarial; envelhecimento e escolarização da população; liberdade de expressão e associação.

Como partimos de uma ditadura e de uma realidade mais pobre e desigual, o prolongamento do novo regime deveria produzir um conjunto de representantes cada vez mais alinhado com os representados.

Outro resultado esperado desse experimento seriam o adensamento da disputa de opinião na esfera pública e a penetração da dissidência em campos nos quais reinava a visão de grupos singulares.

O movimento Escola Sem Partido, que critica a prevalência de valores de esquerda no ensino, é uma dessas materializações esperadas da evolução democrática e econômica do Brasil. Apanha de quem se habituara a falar sozinho nas salas de aula e nos livros didáticos.

Uma visita desarmada ao site da organização basta para dissipar os ataques dos incomodados, que a acusam de propugnar por retrocesso autoritário. Os principais argumentos do Escola Sem Partido estão ancorados em valores constitucionais e ideológicos de extração iluminista.

O movimento rejeita qualquer doutrinação em sala de aula, inclusive a religiosa. Defende que a pluralidade de pontos de vista em temas controvertidos seja exposta pelo professor. Difunde direitos básicos, como o de que alunos não podem ser prejudicados por suas opiniões políticas e preferências morais ou confessionais.

A educação no Brasil melhora com a vigilância de associações como o Escola Sem Partido. Que sua atuação inspire um projeto de lei federal é outro sintoma positivo. A democracia vai quebrando monopólios de valores e aproximando o legislador do sentimento médio dos eleitores.

A hora da mudança - DENIS LERRER ROSENFIELD

ESTADÃO - 08/08

Não podemos continuar vivendo nesse mundo imaginário de uma ideologia ultrapassada



Os Estados brasileiros, salvo raras exceções, comprometeram-se com o que se poderia chamar de irresponsabilidade fiscal. Viveram nos últimos anos sob a égide de despesas crescentes, como se os recursos públicos fossem infinitos: reajustes salariais, penduricalhos dos mais diferentes tipos, cálculos contábeis duvidosos de forma a aparentar conformidade com a lei, empréstimos que eram consumidos fora dos objetivos contratuais, dispêndios feitos com receitas extraordinárias, e assim por diante.

Ressalte-se que não se tratava de uma política levada a cabo apenas pelo Poder Executivo, mas compartilhada pelo Legislativo, pelo Judiciário e pelo Ministério Público. Cada um procurando tirar o seu quinhão, como se os recursos dos contribuintes estivessem simplesmente à sua disposição. Cada um desses Poderes poderá eventualmente produzir suas próprias justificativas, algumas legais, outras no limite, sem que isso altere minimamente o quadro geral.

Os anos lulopetistas, que agora vão chegando ao fim, estimularam tal irresponsabilidade, sempre concedendo aos Estados verbas adicionais, como se o Tesouro público não estivesse comprometido. Os longos anos da presidente afastada, Dilma Rousseff, conduziram essa atitude ao paroxismo, criando contabilidades fictícias, que agora pagam seu preço. Ou melhor, todos nós estamos pagando! Os privilegiados deixaram de se preocupar com o bem público, que constitui propriamente uma República.

O governo Fernando Henrique Cardoso deixou, entre outras heranças positivas, um legado de responsabilidade, consubstanciado na Lei de Responsabilidade Fiscal e na renegociação das dívidas dos Estados que estavam quebrados. Entre outras contrapartidas, alguns Estados deixaram de ter bancos próprios, que só serviam a objetivos eleitoreiros.

Ora, se o primeiro mandato do presidente Lula foi particularmente bem-sucedido, isso se deve à preservação desse legado, apesar de seu discurso esquizofrênico da “herança maldita”. Os incautos e desavisados acreditaram em tal mensagem. O torpor tomou conta da Nação, que ainda o reelegeu, apesar de os efeitos da corrupção já se fazerem presentes no que se convencionou chamar de mensalão.

A responsabilidade fiscal, porém, começou a ser progressivamente corroída a partir do segundo mandato de Lula e nos governos Dilma – ela, então, adotou a política da mais completa irresponsabilidade. Eles até tentaram produzir a narrativa das causas externas, mas não resiste a uma análise mais minuciosa. Nesse meio tempo, o mensalão reapareceu sob a forma do petrolão, minando definitivamente qualquer credibilidade lulopetista, levando até a presidente Dilma ao afastamento e ao impeachment iminente.

O novo governo, de Michel Temer, começa a tomar atitudes corajosas para reverter esse quadro, mas numa situação que não deixa de ser paradoxal, por não ser ainda definitivo. O presidente interino deve tomar atitudes que mudem estruturalmente o País.

Uma delas, da maior importância, é o controle das despesas estaduais. A maioria dos governantes está à míngua, atrasa salários, não honra suas dívidas, causando prejuízo a fornecedores e não conseguindo atender os seus cidadãos adequadamente em assuntos da maior relevância, como segurança, educação e saúde públicas.

Mal-acostumados sob o lulopetismo, sempre fizeram o jogo perverso de transferência de suas responsabilidades para a União. Apostavam no jeitinho, na “negociação”, empurrando com a barriga o problema, para que explodisse não agora, mas mais adiante. Uma bomba de efeito retardado. Acontece que a União está também quebrada. Não há mais remendo possível.

O governo Temer está tomando as medidas necessárias, mas nem sempre vem sendo correspondido pelos parlamentares e por várias corporações, como as do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público e setores do Executivo. Cada um desses grupos clama para si o “direito” à exceção. O bem público fica, então, esquartejado entre os diferentes interesses corporativos. Como foi assim nos governos petistas, permanece arraigado o sentimento de que tudo deve permanecer igual, apesar da aparência da mudança.

As condicionantes do governo Temer são as mais sensatas na renegociação das dívidas estaduais: limitação dos gastos públicos e sua correção anual pela inflação do ano anterior, além de igual limitação dos reajustes salariais nas mais diferentes esferas do funcionalismo público.

Não é possível que uma Nação com mais de 11,5 milhões de desempregados patrocine aumentos salariais para setores que gozam de estabilidade do emprego, enquanto famílias lutam para sobreviver. Não é possível um discurso de sacrifício da Nação com tais disparidades. Medidas devem valer igualmente para todos, sob pena de termos, aí, sim, grande injustiça.

Não se venha com a catilinária de oposição entre direita e esquerda, como se a esquerda petista e de seus congêneres fossem “sociais”, em defesa dos direitos, contra os neoliberais e conservadores que tomaram conta do novo governo. A distinção básica é entre os que sabem fazer contas, como qualquer chefe de família responsável, e os que não conhecem as regras elementares da aritmética, vivendo dos recursos alheios. Ou seja, essa esquerda é ignorante dessas regras, vive no mundo da “contabilidade criativa”.

O País necessita mudar, não pode mais continuar vivendo nesse mundo imaginário de uma ideologia ultrapassada. Os deputados estão sendo chamados à responsabilidade de apostar num novo Brasil, tomando decisões que permitam ao nosso país enveredar pelo caminho da mudança, do crescimento econômico e da equidade social.

Nada poderá ser feito se houver, de modo geral, qualquer tergiversação no que respeita a uma nova responsabilidade fiscal, agora consubstanciada nessa nova lei de renegociação das dívidas estaduais, com suas imprescindíveis contrapartidas.

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.

Brasil, medalha de lata e ouro - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 08/08

Começou a Olimpíada do Rio. Neste momento, segundo a propaganda de alguns anos atrás, o Brasil seria outro. Teríamos sediado a Copa do Mundo dois antes e estaríamos preparados para ganhar a medalha de país desenvolvido.

A promessa era que os dois eventos globais do esporte seriam a coroação de um processo de salto no estágio de desenvolvimento brasileiro. A realidade de hoje, porém, é que retrocedemos, perdemos a oportunidade que nos foi concedida.

Temos vários exemplos de como não merecemos nem uma medalha de bronze. País em recessão, saúde falindo, insegurança, classe política em descrédito, desemprego elevado e rombo nas contas públicas.

Retrato fiel deste processo, que coloca em dúvida nosso futuro, é o salto quase duplo do deficit da Previdência. Vai pular de R$ 85,8 bilhões para quase R$ 150 bilhões neste ano. Um recorde horroroso, que o país corre o risco de seguir batendo.

Se nada for feito, os gastos da Previdência do setor privado vão explodir. Passarão de 7,92% para 17,04% do PIB em 2060. Aí, o futuro de nossos atletas, que buscam medalhas no Rio, e de todos os brasileiros será mais do que incerto e duvidoso.

Hoje, o cenário já é assustador. Das despesas com seguridade social no ano passado, 75% bancaram benefícios previdenciários públicos e privados. A saúde do brasileiro ficou apenas com 14%. Como o rombo da Previdência Social só faz subir, a conta não vai fechar.

Principal articulador da reforma da Previdência, Eliseu Padilha (Casa Civil) alerta. Se tudo ficar como está, o remédio vai chegar com o paciente morto. E, diz, sem verba para educação e saúde. Aí, seremos merecedores de uma medalha de latão.

A esperança é que o brasileiro sempre mostra, apesar de tudo, ser capaz de fazer melhor. A cerimônia de abertura da Olimpíada foi de arrepiar, digna de medalha de ouro. Encantou o mundo. Fez mais com menos. Tudo de que precisamos hoje.

Esqueça a reeleição - PAULO GUEDES

O GLOBO - 08/08

A corrupção sistêmica torna insaciável a opinião pública e intermináveis as investigações. É preciso renovar a política e reformar a economia

O presidente interino, Michel Temer, e o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, confirmaram o jantar com Marcelo Odebrecht no Palácio do Jaburu, em que teriam pedido apoio financeiro às campanhas eleitorais do PMDB. Mas, ao contrário do que o dono e os executivos da empreiteira disseram em delações premiadas, os políticos explicam que trataram de “contribuições em acordo com a legislação eleitoral em vigor, conforme depois declarado ao TSE”. A revista “Veja” desta semana informa ainda que a presidente afastada Dilma Rousseff “teria sua biografia destruída pela delação premiada de João Santana, responsável pelo marketing das campanhas eleitorais do PT”.

Segundo a Odebrecht, “quase a metade dos senadores e governadores do país teria sido beneficiária do dinheiro ilegal repassado pelo departamento de propinas da empreiteira”. As revelações comprometem ainda mais o establishment político brasileiro. Lembro-me de tempos mais ingênuos, em que fui explicar ao candidato presidencial posteriormente eleito que o banco que eu havia fundado nunca tinha feito e nunca faria contribuições financeiras a políticos por acreditar que o dinheiro não devia interferir na política.

Em minha única e longa conversa com Dilma, dias antes da saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda, no final de 2015, aconselhei-a a subscrever o plano Temer, ou ser abandonada em meio à onda de desemprego em massa que nos engoliria em 2016. Deveria simultaneamente encaminhar ao Congresso uma exigência óbvia: “A classe política está sob suspeita. Houve acusações de compra de votos na aprovação da emenda constitucional favorável à reeleição, de financiamentos irregulares de campanhas eleitorais, de compra de sustentação parlamentar, de obstrução de Justiça e de desvio de recursos públicos envolvendo nossas principais lideranças políticas. É incontornável a conclusão de que há algo de profundamente errado com nossas práticas. Devemos ao povo brasileiro uma reforma política”.

Repasso a Temer os mesmos conselhos. A negligência e até mesmo a hipocrisia ante a corrupção sistêmica tornam frenética a guilhotina midiática, insaciável a opinião pública e intermináveis as investigações da Lava-Jato. Renove a política, reforme a economia e esqueça a reeleição.

Estados e discurso desgastam Meirelles - ANGELA BITTENCOURT

VALOR ECONÔMICO - 08/08

Amanhã, 9 de agosto de 2016, o Senado dará início a uma tarefa intransferível: virar mais uma página da história recente da política brasileira que deve culminar com o julgamento do processo de impedimento da presidente afastada, Dilma Rousseff, exercer o cargo por crime de responsabilidade. Nesta terça, o plenário do Senado vota o parecer do relator do processo favorável ao impeachment. O julgamento, a ser comandado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)ministro Ricardo Lewandowski, acontece no fim do mês e há uma torcida para que os Jogos Olímpicos do Rio aliviem a tensão já evidente nas relações entre os governos estaduais e o Governo Federal e que deve chegar às alturas.

A proximidade de encerramento desse processo, responsável pelo futuro da presidente afastada Dilma Rousseff e do interino Michel Temer, deve travar todas as decisões legislativas que poderiam ser tomadas nas próximas semanas. E não é certo que serão tomadas logo a seguir, por uma questão de calendário e de conveniência.

A decisão do Senado será anunciada a um mês das eleições municipais, em que os brasileiros darão sua primeira impressão sobre a classe política após a investigação histórica de atos de corrupção e desvio de dinheiro público pela Lava-Jato - operação que chegou a manter simultaneamente na cadeia um senador, um banqueiro e um empresário.

A conveniência de postergar decisões legislativas será revelada pela mobilização dos partidos interessados em influenciar a reforma ministerial que Michel Temer anunciou para o pós-impeachment. Fala-se de mudanças discretas no Gabinete, o que em tese exclui da empreitada o núcleo político e o núcleo econômico do presidente. Entretanto, os integrantes desses dois núcleos - liderados de um lado pelo ministro-chefe da Casa Civil Eliseu Padilha e, de outro, pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles - estarão com uma espada sobre a cabeça.

"Em tempos de Olimpíada, três ou quatro meses de governo provisório fazem lembrar que treino é treino e jogo e jogo", diz um técnico do governo.

Na fachada de um eventual embate entre governadores e Executivo - representado pela Fazenda - está a renegociação das dívidas dos Estados com a União por prazo de vinte anos. Secretários de Fazenda resistem a um acordo que dispensa legislação federal para estabelecer um teto para aumento de gastos - medida que é o coração do acordo para as dívidas e também do ajuste fiscal proposto pelo governo. O Executivo, por seu turno, resiste a ser tutor de seus devedores. Os primeiros pensam em termos constitucionais; o segundo, em termos contratuais.

O ruído pode levar o acordo de renegociação entre Estados e União a lugar nenhum e minar o efeito da medida de definição de teto para despesas públicas considerada essencial para o reequilíbrio das contas públicas.

Por trás da fachada há um embate que passa pela defesa de candidatos ao pleito municipal - antesala da eleição presidencial de 2018 - e pela disposição de se reconstruir a "República" após a terra arrasada pela Lava-Jato e pelo impeachment. A reconstrução da "República" pode ser um desejo de todos, mas cada liderança partidária prefere a sua. Mas o fato de a capacidade do Brasil produzir riqueza - Produto Interno Bruto (PIB) - ter encolhido 8% em dois anos, torna a reconstrução refém da política econômica. E quem dá as cartas quer continuar. É ilusão supor que pode ser diferente.

O governo interino tem pela frente, porém, o desafio de calibrar com precisão o seu discurso e evitar contradições. Embora a proximidade dos Jogos Olímpicos do Rio, abertos na sexta-feira, tenha aumentado a sensação de Bem-Estar dos brasileiros, está em processo de desgaste a imagem do ministro Henrique Meirelles que, desde o primeiro momento, tornou-se um porta-voz do governo interino.

A .MAP Mapeamento, Assessoria e Perspectiva, responsável pelo indicador de positividade IP Brasil (composto por subindicadores de Política, Economia e Bem-Estar), iniciou o monitoramento de Henrique Meirelles no IP Brasil em maio, assim que foi escolhido por Temer para o comando da equipe econômica.

Naquele momento, as expectativas eram altas em relação à mudança no cenário econômico do País, sobretudo liderado por sua gestão. Na aposta em Meirelles, o IP chegou a 81%. Em junho, o IP Brasil atingiu seu grau de excelência (100%) com a queda do dólar associada à nova gestão e declarações do ministro de que não haveria corte no orçamento de Saúde e Educação.

Em julho, o IP Brasil despencou de 100% para 17%, movido novamente por declarações de Meirelles colocando a possibilidade de elevação de tributos; do aumento do índice da inflação e do adiamento de cortes no orçamento prometidos no início do governo interino.

"Percebe-se a desconfiança. Tanto na Opinião Publicada, como Pública", explica Marilia Stábile, sócia e diretora-executiva da.MAP. "Nas redes sociais, do encantamento inicial com a equipe econômica em função da perspectiva de mudanças, a realidade do desemprego e inflação derruba a percepção favorável e tende a se manter baixa. Por parte dos formadores de opinião, a influência política na condução do ajuste fiscal, não deixa dúvidas que o discurso da austeridade está sendo superado pela lógica da necessidade de base no Congresso."

No mercado financeiro, em termos práticos, a queda do dólar em relação ao real é tida como ausência de risco; ações em alta antecipam melhora na atividade; juro em queda, especialmente de prazo mais longo, é confiança no futuro - um futuro nacional, embora estar na "ponta certa, na hora certa" seja sinônimo de mais retorno financeiro.

Na sexta, contratos de juros mais longos fecharam no patamar de 11%. Esse ajuste frente aos juros mais curtos impôs desconto de 211 pontos na negociação de dinheiro para pagamento em 5 anos. Em tempos de economia rodando com bons fundamentos, esse diferencial é sinônimo de confiança em um futuro promissor. Em tempos de mudança definitiva de governo e economia em desequilíbrio, esse diferencial pode ser reflexo de manobras especulativas que antecedem uma correção brutal de preços no mercado financeiro.


O PT vai rachar? - CELSO ROCHA DE BARROS

FOLHA DE SP - 08/08

Há um risco real de o PT rachar. O Campo Majoritário e a tendência Mensagem ao Partido, do ex-governador Tarso Genro, vêm adotando posições públicas cada vez mais difíceis de conciliar. Os dissidentes são um grupo importante, com capacidade de levar uma parte razoável do partido com eles. No mínimo, a disputa interna deve se acirrar.

Boatos sobre a saída da Mensagem já circulam há mais de um ano. Mas a crise do segundo mandato de Dilma criou uma tensão. Por um lado, vários grupos dentro do PT passaram a contemplar a possibilidade de sair da sigla. Se Dilma tivesse conseguido fazer o ajuste com Levy/Barbosa, o racha teria sido inevitável.

Por outro lado, a guerra do impeachment criou um constrangimento: um êxodo em massa de petistas teria sido uma rendição sem honra diante da ofensiva conservadora, conduzida por partidos e setores à direita, inclusive, do PSDB.

A batalha do impeachment está acabando e todos sabem qual será seu resultado. Em poucas semanas, não haverá mais o principal obstáculo ao racha. Três eventos recentes sugerem que o risco de dissidência cresceu.

O mais importante, sem dúvida, foi a eleição da presidência da Câmara. Enquanto os dirigentes do partido (Lula incluído) apoiavam Rodrigo Maia (DEM-RJ), parte importante da bancada se retirava do plenário. Os dissidentes não aceitam voltar a jogar o jogo tradicional da política brasileira. Entendo quem não queira fazê-lo, mas, por enquanto, é o jogo que temos.

Na semana passada, uma nova tensão surgiu quando Rui Falcão, presidente do PT, recusou publicamente a tese da consulta popular por novas eleições caso Dilma sobreviva ao impeachment. A própria presidente havia manifestado simpatia por novas eleições. Como notou o jornalista Kennedy Alencar, a declaração de Falcão foi o adeus do partido a Dilma.

A posição do presidente do PT levou Tarso Genro a escrever, em uma rede social, que os dirigentes do PT "omitiram todos os erros sem um pio. Agora que Dilma aponta, corretamente, querer responder com a soberania popular, direção do PT diz não".

E Dilma, por sua vez, parece propensa a romper com a direção do PT. As declarações da presidente pedindo autocrítica do partido se tornaram mais frequentes desde que as denúncias de dinheiro irregular em sua campanha eleitoral se tornaram mais críveis.

Além de jogar a culpa no PT (que não deve mesmo ser inocente), Dilma deu sinais de que pretende cair com o discurso dos dissidentes: em entrevista recente à Folha, declarou que seu grande erro foi tentar um ajuste fiscal rápido demais.

Essa autocrítica pela esquerda é nova: em outros momentos, Dilma dizia que seu erro foi ter subestimado o tamanho da crise internacional em 2014, ou ter se aliado ao PMDB.

O PT cometeu muitos erros, e não chega a ser uma surpresa que um grupo grande de militantes pense em deixar a legenda.

O problema é outro. Os dirigentes que cometeram crimes eram os que mais aceitavam as regras do jogo, tanto na política quanto na economia. Isso diz algo sobre as regras do jogo. Mas será muito ruim para o país se uma parte importante da esquerda, que inclui quadros de grande qualidade, se recusar a jogar. Isso diminuiria, inclusive, as chances de construirmos um novo jogo no pós-Lava Jato.

Odebrecht mira em Temer - RICARDO NOBLAT

O Globo - 08/08

“Em política nada se perde e nada se transforma — tudo se corrompe.” Millôr Fernandes


Ao mirar em Temer, delação de Odebrecht mostra que crise política está longe do fim. O que poderá acontecer caso se confirme que Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira que carrega seu sobrenome, doou ao PMDB R$ 10 milhões em dinheiro vivo e não declarado nem por ele nem pelo partido à Justiça? E que o fez a pedido de Michel Temer, na época presidente do PMDB e vice-presidente da República, com quem Marcelo teria se reunido em Brasília a poucos meses das eleições de 2014?

EM SUA mais recente edição, a revista “Veja” informa que teve acesso a um anexo da delação premiada de Marcelo à Lava-Jato. E que nele está dito que, em maio de 2014, houve um jantar no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente da República, presentes Temer, o então deputado Eliseu Padilha, atual ministro-chefe da Casa Civil, e Marcelo. Na ocasião, Temer teria pedido “apoio financeiro” da empreiteira ao PMDB.

A ODEBRECHT, segundo Marcelo, repassou R$ 10 milhões ao partido — R$ 4 milhões entregues a Padilha e R$ 6 milhões endereçados a Paulo Skaf, o candidato do PMDB ao governo de São Paulo naquele ano, com o apoio de Temer. O dinheiro foi registrado na contabilidade do setor da Odebrecht conhecido como “departamento de propina”. Sim, havia um só para isso.

EM NOTA enviada à “Veja”, Temer admite que jantou com Marcelo e que ele e o empresário conversaram “sobre auxílio financeiro da construtora Odebrecht a campanhas eleitorais do PMDB, em absoluto acordo com a legislação eleitoral em vigor e conforme foi depois declarado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)”. Consta no TSE que em 2014 a Odebrecht doou ao PMDB R$ 11,3 milhões. Teria sido a isso que se referiu Marcelo em sua delação?

TUDO INDICA que não. Marcelo insiste, na delação, que os R$ 10 milhões (não R$ 11,3 milhões) saíram em dinheiro vivo do “caixa paralelo” da Odebrecht. Se mentiu ou se a Lava-Jato não achar provas do que ele disse, a delação será recusada. E Marcelo, já condenado a 19 anos e quatro meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, não terá sua pena reduzida. Ele está preso há quase 14 meses. O que ganharia mentindo?

ESTA É A segunda vez em que Temer é citado por delatores da Lava-Jato. O primeiro a citá-lo foi Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. Em 2012, de acordo com Machado, ele e Temer se encontraram na Base Aérea de Brasília. Temer teria pedido ajuda para a campanha de Gabriel Chalita, candidato do PMDB a prefeito de São Paulo. A ajuda de R$ 1,5 milhão foi dada pela empreiteira Queiroz Galvão, envolvida no roubo à Petrobras.

“O CONTEXTO da conversa deixava claro que o que Michel Temer estava ajustando com o depoente era que este solicitasse recursos ilícitos das empresas que tinham contratos com a Transpetro na forma de doação oficial para a campanha de Chalita”, revelou Machado. Temer negou que tivesse pedido algo a ele. Quanto ao encontro na Base Aérea, respondeu que não se lembrava.

MESMO QUE se prove o que Marcelo contou em sua delação, dificilmente Temer será processado. Se houve crime, ele o cometeu antes de ser reeleito vice-presidente em outubro de 2014. A partir do próximo mês, com a cassação do mandato de Dilma pelo Senado, Temer deixará de ser interino para se transformar de fato em presidente da República. Mas não é disso que se trata.

COM POPULARIDADE baixa, obrigado a promover duros ajustes na economia, como Temer conseguiria governar uma vez acusado de crime de caixa dois? A crise política parece longe de ser superada.