terça-feira, julho 26, 2016

Campanhas franciscanas - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 26/07

A eleição para prefeituras e câmaras municipais deste ano será atípica. Deveremos ter campanhas bem mais modestas que as verificadas em pleitos anteriores.

São dois os motivos para o redimensionamento. O primeiro é a decisão do STF que baniu doações de empresas. Em condições normais, esse tipo de medida teria eficácia parcial. Proibições raramente resultam no fim da atividade que se deseja banir. No mais das vezes, elas fazem com que a prática procure outros caminhos. No caso, seriam as doações de pessoas físicas, que continuam legais, ou o caixa dois. Não é do meu feitio comprar pelo valor de face declarações de marqueteiros, mas acredito em João Santana quando diz que 98% das campanhas no Brasil usam caixa dois.

Este ano, porém, as coisas tendem a ser diferentes. A Lava Jato, nosso segundo motivo, não apenas faz com que autoridades fiquem muito mais atentas às doações como também colocou em sérias dificuldades financeiras várias das empresas que tinham o hábito de despejar grandes somas em candidaturas.

Há razões, portanto, para acreditar que, desta vez, as campanhas terão mesmo de adequar-se a orçamentos franciscanos. E eu penso que isso é bom. É verdade que candidatos enfrentarão maior dificuldade para fazer-se conhecer pelo eleitor e para apresentar suas ideias. Os programas do horário gratuito também tenderão a ficar menos interessantes, o que talvez faça com que o cidadão vote com menos informação.

Apesar disso, acho que vale a pena tentar impor campanhas substancialmente mais baratas. Fazê-lo tende a diminuir a influência do poder econômico sobre políticos, o que me parece mais importante do que promover o tal de voto consciente, que não passa de uma quimera mesmo.

A má notícia é que em 2018 a conjunção de fatores que leva à seca de doações já deverá ter enfraquecido e as coisas estarão voltando ao normal.


Reforma trabalhista - França e Brasil - JOSÉ PASTORE

O ESTADO DE S. PAULO - 26/07

A França deu um importante passo para adaptar as relações do trabalho aos contornos da economia moderna ao trazer para o âmbito das empresas a negociação entre empregados e empregadores. A reforma aprovada na semana passada abriu a possibilidade de as partes acertarem acordos que julguem mais compensadores para si, mesmo que estabeleçam condições diferentes das pautadas pelo Código do Trabalho.

Assim, se as empresas acharem vantajoso adotar uma jornada de trabalho acima do estabelecido em lei (35 horas por semana), cabe a elas convencer seus empregados e pagar as horas extraordinárias. Do lado dos empregados, cabe avaliar a proposta e, sendo atraente, propor o valor da hora extra (não inferior a 10% da hora normal). Havendo acordo, a jornada é alterada. Não havendo acordo, fica como está na lei. Dessa forma, empregados e empregadores exercitam a liberdade de fazer o que mais lhes convêm.

O sistema é ilustrativo para o Brasil. Nele fica claro que a lei não é revogada, mas que as partes só negociam quando veem nisso um jogo de ganha-ganha. Quando o jogo não compensa, fica tudo debaixo da lei. Não há retirada ou revogação de nenhum direito. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) está repleta de regras rígidas, que são de difícil ou impossível aplicação universal. Por exemplo, a que estabelece um limite máximo de dez minutos para os empregados entrarem e saírem do trabalho (art. 58).

Quando há quatro movimentações diárias, os 2,5 minutos para cada entrada ou saída podem ser suficientes para quem trabalha em uma papelaria, mas não para quem trabalha em uma grande siderúrgica, onde se gastam cinco minutos para atravessar o pátio e que requer um bom tempo para entrar no uniforme e se ajustar aos equipamentos de proteção da saúde. Por que não permitir que as partes negociem o tempo que lhes parece mais razoável para fazer as movimentações? Assim como esse, há vários dispositivos para os quais as partes podem encontrar uma solução diferente da lei.

Pela CLT, um empregado com 49 anos de idade pode gozar suas férias em dois períodos, mas o seu colega de 50 anos não pode (art. 139). Considerando-se que os dois e seus familiares têm necessidades semelhantes, por que não deixar isso para as partes acertarem? Em nenhum desses casos é preciso revogar a CLT, e sim permitir que as partes encontrem a melhor solução para o que precisam. Dou mais um exemplo. Pela regra da CLT, todas as promoções de empregados, cujas funções constem de planos de carreira, têm de ser feitas levando em conta, em primeiro lugar, a antiguidade e, depois, o merecimento (art. 461).

E se as partes concordarem que, para determinadas atividades ou situações, o mérito deve anteceder o tempo de firma? Por que não permitir que isso seja objeto de negociação e acordo coletivo? A rigidez persiste nas regras estabelecidas por portarias, súmulas, instruções normativas, etc. Por exemplo, um enfermeiro de hospital que precisa fazer um atendimento de fisioterapia a uma pessoa que mora perto de sua casa tem de ir primeiro ao hospital para registrar a entrada em serviço no ponto eletrônico (Portaria 1.510/2009 do Ministério do Trabalho), para depois voltar ao local de origem e ali realizar o referido atendimento.

É o jogo do perde-perde, no qual empregado e empregador desperdiçam uma ou duas horas em locomoção desnecessária. Por que não permitir que as partes encontrem a melhor forma de registrar a jornada de trabalho? Afinal, é fácil fazer isso até pelo telefone celular. É infindável o número de proteções que podem ser mantidas, ajustadas e melhoradas por negociação e de forma diferente do que estabelece a lei ordinária. A última palavra fica sempre com as partes. Se uma não quer, prevalece o que está na lei. Pelo que vejo na imprensa, essa é a intenção do governo brasileiro. Não é preciso ir à França para perceber que se trata de uma boa ideia.

*É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, PRESIDENTE DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS


Suplicy protagonizou circo político ao ser detido - KIM KATAGUIRI

FOLHA DE SP - 26/07

Na última segunda-feira (25), o ex-senador e candidato a vereador Eduardo Suplicy (PT) foi o protagonista de um verdadeiro teatro eleitoreiro. A Polícia Militar executava a reintegração de posse de um terreno na Zona Oeste de São Paulo, mas os invasores decidiram reagir fazendo barricadas, ateando fogo a um ônibus e jogando pedras e paus nos policiais. O petista, então, resolve liderar a "resistência", deitando-se no chão para impedir a passagem dos tratores que desmanchariam os barracos. A polícia o deteve e o levou à delegacia para prestar depoimento.

Relegado à irrelevância desde que perdeu a eleição para o Senado em 2014, o ex-secretário de Direitos Humanos de Fernando Haddad (PT) não tem o respeito nem da futura ex-presidente Dilma Rousseff, que o fez esperar três anos por uma audiência e só o recebeu depois de ter sido afastada. Agora, concorrendo a uma cadeira de vereador em São Paulo, busca desesperadamente os holofotes.

O oportunismo de Suplicy não poderia ser mais escancarado. Apesar de a reintegração de posse ter sido solicitada à Justiça pela Prefeitura de São Paulo, comandada por Haddad, o ex-senador escolheu criticar "a truculência da Polícia Militar do governo Alckmin", dizendo que, "se fazem isso com um ex-senador da República, imagine o que sofre a população que tanto precisa de apoio".

Ora, então Suplicy quer tratamento especial por ser ex-senador? Qualquer pessoa que atrapalhe o trabalho da Polícia deve, por lei, ser detida. Por que com ele seria diferente? Será que o candidato a vereador acredita que deve haver leis especiais para ex-autoridades?

É claro que não. Ele sabia que seria detido. E é por isso que armou toda essa encenação. Para, ao melhor estilo petista, se fazer de vítima e posar de herói dos oprimidos.

Suplicy foi Secretário Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, portanto, tinha poder para ajudar essas pessoas com quem ele tanto diz se preocupar. Por alguma razão, escolheu não fazer absolutamente nada. Além disso, a própria Prefeitura declarou que a área apresenta alto risco de desabamento, ou seja, caso os sem-teto continuassem lá, estariam arriscando as próprias vidas, e, se algo grave acontecesse, todos culpariam a administração municipal por nada ter sido feito.

"Ah, mas Suplicy não agiu contra a reintegração, mas contra os brutamontes da PM!". Ainda que o problema realmente fosse a suposta truculência da Polícia Militar, a atitude do ex-senador não faria o menor sentido. Se a questão é a violência dos policiais, então o correto a se fazer seria proteger os sem-teto, não seus barracos. Fica evidente que, independentemente da narrativa que Suplicy e seus acólitos adotem, não há conclusão coerente se partirmos da premissa de que o petista agiu de maneira bem-intencionada.

Em sua página no Facebook, o ex-senador publicou um vídeo intitulado "Eduardo Suplicy é carregado pela PM fascista de SP". A canalhice é evidente. Nas imagens, não há nenhum abuso por parte da polícia; as cenas simplesmente mostram o petista sendo carregado tranquilamente até um carro. Não há "fascismo". O que se vê é apenas um político desesperado por atenção criticando a polícia para alavancar a própria campanha.

Apesar da turminha descolada que gosta de defendê-lo por causa do seu jeito de vovôzão largado e seu apreço por obras-primas da música brasileira –como aquela dos "Racionais Mc's" na qual, traduzindo bem a alma do petismo, o eu lírico afirma "hoje eu sou ladrão, artigo 157"–, Eduardo Suplicy não passa de um artista político que fazia palhaçada federal e passa vergonha com seus teatrinhos políticos desde a redemocratização. Derrotado nas eleições para o Senado, Suplicy agora tenta fazer palhaçada municipal.

O triste é que, aproveitando-se da imbecilidade dos que odeiam cegamente a Policia e todos aqueles que defendem a lei, tudo indica que ele conseguirá voltar ao picadeiro.


A hora mais escura - CELSO MING

ESTADÃO - 26/07

Espalha-se pelo mundo a desesperança e mais do que respostas definitivas, falta atitude de busca de saídas


O empresário Donald Trump foi sagrado na terça-feira passada, 19,candidato à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano.

A maneira mais equivocada de enfrentá-lo é tratá-lo apenas como mais um xenófobo e mais um ultraprotecionista, sem antes identificar os problemas de fundo e sem antes procurar soluções adequadas para as mazelas que tomam o mundo.

Os países de economia avançada e, até certo ponto, também os emergentes passam por um momento complexo, em que as pessoas sentem que estão sendo espoliadas e alijadas do seu futuro.

A renda vai sendo dilapidada, os direitos básicos assegurados por lei estão ameaçados por Estados quebrados e pelo crescimento de mais mãos e bocas sobre um bolo cada vez mais minguado.

As relações de trabalho estão mudando, por muitas razões: o salário vem perdendo participação na renda, o emprego migra para regiões em que a mão de obra aceita remuneração mais baixa, aumentam as restrições ao acesso à previdência social e ao seguro-desemprego. A população está envelhecendo, há uma nova “invasão dos bárbaros” na Europa, na medida em que contingentes cada vez maiores da população vêm sendo escorraçados de seus países de origem, por guerras fratricidas ou pela pobreza endêmica.

Mais que tudo, espalha-se a desesperança, a sensação de falta de futuro, à medida que se fecham as oportunidades. A educação e o treinamento que até recentemente qualificavam os recém-chegados ao mercado de trabalho agora já não servem. Os diplomas e certificados de conclusão de curso vão perdendo utilidade. Nada disso é novidade, mas o acesso rápido e mais fácil aos meios de comunicação cria consciência e espalha frustração.

Os problemas vão nessa linha. As soluções apresentadas por líderes do tipo Donald Trump, nos Estados Unidos, por Marine Le Pen, na França, e os escapismos à Brexit são evidentemente equivocados e contêm enorme potencial solapador dos valores democráticos e do equilíbrio geopolítico.

É claro que o crescimento econômico mundial precisa ser retomado para que o bolo aumente e a fatia de cada dia, também. Infelizmente, não há receita fácil para isso. As soluções keynesianas clássicas já não respondem. Os Tesouros nacionais estão esgotados e os grandes bancos centrais já expandiram o nível de moeda que tinham de expandir. E, no entanto, os resultados chegam a conta-gotas, ou simplesmente não chegam.

Trump pode não se eleger, mas subsistem os problemas que alimentam sua retórica. E, no entanto, falta iniciativa dos atuais dirigentes globais. Mais do que respostas definitivas, falta atitude de busca de saídas.

Às vezes, como agora, não há clareza sobre o que fazer. Impor saídas forçadas é outro risco. Também nesse caso, é preciso respeitar a hora mais escura da noite, que é a que precede o amanhecer, como aquela a que se referiu em 1941 o então primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill. Foi o momento da prostração. A França estava de joelhos, Londres estava sob bombardeio e os aliados permaneciam na defensiva. O raiar do dia não tardou a chegar, mas foi preciso esperar.

CONFIRA:


Foto: Infográficos Estadão


Nos gráficos, a expectativa do mercado para a inflação (evolução do IPCA) e para a evolução do PIB neste ano.

Alinhamento de mentes

Por enquanto, o Banco Central vem conseguindo que os formadores de preços trabalhem com inflação mais baixa tanto para 2016 como para 2017. Em outras palavras, há hoje mais credibilidade na ação do Banco Central do que havia ainda durante o governo Dilma Rousseff. Em grande parte, isso se deve à percepção de que hoje o Banco Central atua com plena autonomia operacional.

A boca, Bush e Trump - ARNALDO JABOR

O Globo 26/07

Vivemos um suspense histórico, uma situação de trágicos conflitos descentralizados no mundo todo, principalmente no Oriente Médio. Como isso começou? Alguma coisa ou alguém deflagrou este tempo. Na minha opinião, foi o George W. Bush, nossa besta do apocalipse.

Ele é culpado por tudo que acontece no mundo atual e ninguém fala nele. Bush está pintando quadros em sua fazenda do Texas, enquanto o mundo que ele armou se destroça.

Finalmente, depois de 13 anos dessa vergonha, a Comissão de Crimes de Guerra de Kuala Lumpur, na Malásia, julgou e condenou Bush e Cheney por crimes de guerra. Isso.

Claro que não há quem prenda o nefasto elemento. Mas, já é um consolo.

Tudo começou com a absurda invasão do Iraque em 2003.

A invasão do Iraque foi um erro tão grave quanto, digamos, atacar o México por causa do bombardeio a Pearl Harbor em 1941. Aconselhado por seu vice-papai Dick Cheney — um dos piores ratos da América —, Bush mentiu que o Iraque tinha “armas de destruição em massa”.

A partir daí, Bush continuou a construir nosso futuro apavorante. Ele não era um Hitler nem um Mussolini, com seus dogmas psicóticos. Ele era a estupidez destrutiva, com trapalhadas trágicas que não tinham a obstinação sangrenta de loucos, mas a desorientação porra-louca de um bêbado boçal.

A partir daí o mundo entrou numa ciranda de horrores. Eu estava lá nos Estados Unidos e vi. Parece loucura, mas tudo começou quando Bill Clinton teve um caso com Monica Lewinsky, aquela estagiária gorda de Washington. Monica fez-lhe um boquete na cozinha da Casa Branca, entre pizzas, enquanto a Hillary dormia. Ela denunciou-o e Clinton, encurralado, mentiu na TV, declarando que nunca tivera relações sexuais com Monica. Mas ela guardara um vestido marcado por esperma do presidente, cujo DNA provava sua atuação. Vexame total para Clinton e quase um impeachment.

Aí, o Al Gore, candidato democrata contra o Bush, ficou com medo de defender o Clinton na campanha, para não ser considerado cúmplice de adultério até por sua esposa. Gore medrou.

E Bush foi eleito. Foi nessa época que a direita republicana mais degenerada começou a se articular.

Bush foi o pior presidente americano de todos os tempos, uma espécie de Forrest Gump no poder, ignorante e alcoólatra.

Até que um dia, para seu azar e sorte, o Osama Bin Laden derrubou as torres gêmeas no evento mais espantoso do século 21 (até agora...) e deflorou os Estados Unidos, nunca atacados dentro de casa. Não me esqueço da cara do Bush quando lhe contaram no ouvido a tragédia, enquanto ele dava uma palestra para meninos de um colégio. A cara do Bush foi de gesso, paralisada, sem uma rala emoção, sob o olhar das criancinhas em volta. A partir daí, a América quis vingança. Bush virou o “presidente de guerra” comandando a paranoia americana. Bush veio para acabar com todas as conquistas liberais dos anos 60. Só faltava um pretexto; Osama deu-o.

Aí, Bush e Dick Cheney, seu vice, derrubaram o Saddam Hussein, um ditador sunita escroto, mas que servia ao menos para segurar o Oriente Médio com sua intrincada geopolítica fanática e religiosa. No Oriente, o ódio ancestral contra os USA cresceu como nunca. Isso fortaleceu não só a Al Qaeda como seus filhotes e os homens-bomba floresceram como papoulas, iniciando a série de atentados em Espanha, Inglaterra, Índia, Bali, Boston, Paris e outros que vieram e virão. Errando sempre, Bush cumpriu todos os desejos de Osama, como um lugar-tenente burro. Essa invasão absurda estimulou o terrorismo. Osama morreu, mas sua obra foi bem-sucedida. Bush legitimou-o para sempre. Amigos, esta é a verdade brutal: a gênese do Estado Islâmico está na invasão do Iraque pelos Estados Unidos.

A América jogou dois trilhões de dólares no Iraque para uma guerra sem vitórias, porque os inimigos eram e são invisíveis. Mataram milhares de americanos jovens e arrasaram um país que hoje já é dominado pelo Estado Islâmico, perto do qual a Al Qaeda é uma ONG beneficente. Somouse a essa (perdão...) cagada a crise econômica de 2008, provocada pela desregulação total das finanças de Wall Street por Bush, precedido erradamente por Clinton.

E por essas linhas tortas, surgiu o Trump, essa ameaça à humanidade. Como? Eu chego lá...

A globalização da economia e da política — inevitável com a mutação do capitalismo — trouxe uma obrigatória convivência com o “incontrolável”, trouxe o fim de certezas, trouxe uma relativização de valores morais, sexuais, políticos, insuportáveis para a grande massa da estupidez americana endêmica. A paranoia da América não podia suportar tanta democracia. O fim das certezas enlouqueceu o absolutismo fundamentalista cristão.

Depois começou a era que chamávamos de Primavera Árabe — ridícula ilusão do Ocidente de que os árabes estavam obcecados pela democracia dos Estados Unidos... Rs rs rs...

Obama conseguiu então matar o Osama e foi reeleito.

Mas, a morte de Osama no Paquistão indispôs mais ainda o Oriente Médio contra nós e fragilizou a liderança dos Estados Unidos como potência. Daí, tudo andou para trás: Irã, Egito, Líbia, guerra da Síria contra seu povo, apoiada claro, pela China e, oba!, pela Rússia da KGB. E hoje estamos nessa briga de foice em quarto escuro, estamos na véspera de novos horrores que não param de acontecer, agora com a terceirização do terror, com o EI oferecendo franquias para os lobos solitários do Ocidente.

Se não tivessem invadido o Iraque, o mundo seria outro. Mas o “se” não existe na História. Foi o que foi. A história é intempestiva e ilógica e as tentativas de dominá-la em geral dão em totalitarismo e ditaduras. A pior estrada foi tomada, como um fim de porre do texano fraco e incompetente.

É espantoso o mal que a estupidez de um só homem pode provocar no planeta.

Mas, afinal, pergunta o leitor, que que o Trump tem a ver com isso?

É simples; ele nasceu da boca de Monica Lewinsky, em 1997, durante aquele devastador “boquete” que mudou o mundo. E que pode destruí-lo, um dia.


Olimpíada e aflição - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 26/07

Num ambiente tenso e polarizado como o atual, nada mais compreensível que a reação à prisão de 12 suspeitos de serem potenciais terroristas tenha ido de um extremo ao outro: muitos concluíram precipitadamente que eles são mesmo terroristas e haverá atentados na Olimpíada, outros tantos, ao contrário, estão convencidos de que as prisões foram uma grande palhaçada. Como tudo na vida, é melhor o bom senso, o meio-termo.

Há mais de um ano os órgãos de inteligência vêm monitorando tentativas de cooptação de “lobos solitários”, via internet, e o sinal amarelo brilhou com intensidade quando o Estado Islâmico (EI) passou a traduzir suas mensagens para o português. O Brasil está fora do radar de terroristas, mas a Olimpíada não é brasileira, é um evento internacional sediado no Brasil.

Como o seguro morreu de velho, o governo não teve outra alternativa senão prender os suspeitos para ouvi-los, tirar dúvidas, confrontar versões. Se os Estados Unidos tivessem sido mais diligentes quando o sinal amarelo acendeu, pelo menos as 49 mortes de Orlando poderiam ter sido evitadas. Os rastros do assassino foram negligenciados.

Evidentemente, nenhum dos 12 alvos da Operação Hashtag tem qualquer culpa até que se prove o contrário e ninguém pode ser acusado ou virar suspeito por professar a religião muçulmana, ou qualquer outra crença. Mas, se houve troca de mensagens, conversas, encontros ou sinais de que podem representar algum perigo, eles precisam ser investigados.

Com algumas coisas não se brincam, ainda mais com essa sensação desconfortável de que o tsunami está chegando: Paris, Orlando, Nice, Istambul, Cabul... O Brasil está inserido num mundo em que atentados e lobos solitários deixaram de ser peças de filmes de ação e passaram a ser estratégia de grupos sanguinários como o EI.

Em conversas com o ministro Raul Jungmann (Defesa), os generais Eduardo Vilas Boas (Exército) e Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional), o brigadeiro Nivaldo Rossato (Aeronáutica) e o prefeito Eduardo Paes (Rio), todos eles repetem a mesma coisa: não há nenhuma evidência de risco, mas não se pode descartar a probabilidade. Ou seja: é preciso ficar alerta.

Agora, diante das prisões, o tom de Jungmann foi um, o do também ministro Alexandre de Moraes (Justiça) foi outro. Talvez tenha faltado coordenação, ou combinação. Talvez não, tenha sido simplesmente proposital. Sabe o morde e assopra? Ou a tática policial do “bonzinho versus o malvado”? Pois é...

Para Jungmann, que é político e vem de muitos anos no Congresso e sabe da importância de tranquilizar a população, as delegações e os turistas que estão de malas prontas para a Olimpíada, convém reduzir os 12 presos à condição de “porras-loucas”. Para Moraes, que é da área de segurança e menos sutil, é preciso mostrar firmeza, pecar por excesso, não por omissão.

A nosotros, que olhamos tudo com perplexidade e um certo temor, vale ficar um pouco com a versão de Jungmann, outro tanto com a de Moraes e torcendo para que as prisões tenham sido, sim, uma bravata brasileira, ou uma palhaçada mesmo. Melhor mais um vexame, entre muitos, do que uma real possibilidade de atentados.

O fato é que a Olimpíada nem começou e já coleciona prisões, suspeitos de serem terroristas potenciais, autoridades batendo cabeça, o grito de desaprovação da delegação da Austrália e até o prefeito Paes reconhecendo, naquele seu jeitão, que as instalações dos australianos são ruinzinhas mesmo.

Bilhões de telespectadores pelo mundo estarão vendo os jogos e espiando de rabo de olho para o Brasil, para suas virtudes e mazelas. É por isso que a Olimpíada vai começar com muito brasileiro torcendo para acabar logo, para essa aflição passar rápido, junto com o medo de atentados e de vexames.


Horizonte curto - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 26/07

O BNDES deve ter prejuízo no primeiro semestre, e a Eletrobrás está em situação difícil. As despesas previdenciárias estão maiores ainda do que se calculava. O déficit do INSS este ano vai chegar a R$ 148 bilhões. As más notícias no campo fiscal não param de chegar ao governo, e por isso todo o esforço será feito para a aprovação da PEC do teto de despesas.

Omedo no governo é que haja uma reversão de expectativas caso não seja aprovada a PEC que estabelece que as despesas não previdenciárias só podem ser corrigidas de acordo com a inflação do ano anterior. Há noção no governo de que a recuperação da confiança é frágil e que, portanto, é preciso deixar bem claro o compromisso com a estabilidade fiscal.

Os reajustes de salários dos servidores continuam sendo defendidos por integrantes da equipe do governo como necessários e menos pesados do que se imagina, vendo-se a situação das contas públicas. O argumento é que os gastos com salários da ativa, como participação do PIB, permanecem estáveis. O problema, afirma-se, é a despesa previdenciária, que deu um salto nos últimos anos.

Além de o déficit ter sido recalculado para mais, há outras más notícias no governo. O BNDES que, em grande parte, pelos truques na contabilidade antecipou dividendos em anos anteriores, ajudando o Tesouro, no primeiro semestre deste ano deve fechar no vermelho. Os cálculos ainda não estão finalizados, mas essa é a tendência. O gasto extra com o Rio, de R$ 2,9 bilhões, estava fora dos cálculos do déficit de R$ 170,5 bilhões. Há mais R$ 4,5 bilhões de frustração extra de receita; o governo perdeu uma disputa por depósito judicial de R$ 1,6 bilhão para o governo de São Paulo. Com a soma dessas novidades, o governo decidiu recorrer à reserva de contingência que estava prevista no Orçamento, e as fontes ainda garantem que o déficit de R$ 170,5 bilhões será cumprido.

As declarações do ministro Henrique Meirelles ameaçando novamente com a hipótese de elevação de impostos fazem parte do esforço de aumentar a noção de urgência em relação ao teto de gastos. O teto não terá efeito imediato, mas pode ter impacto nas projeções sobre o futuro das contas públicas.

Apesar de o governo ter desistido de contingenciar o orçamento agora, o que um membro da equipe econômica diz é que se houver nova frustração de receita, ou alguma despesa extra, não será possível evitar o contingenciamento.

A avaliação feita internamente é que um governo interino tem pouca margem para tomar decisões, mas mesmo assim elas têm sido tomadas. A reforma da previdência só poderá ser proposta após a votação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, mas está sendo formulada para ter regras de transição mais duras do que o que foi pensado inicialmente.

— As projeções de aumento das despesas com aposentadoria mostram que daqui a 30 anos o Brasil terá a mesma demografia que o Japão e terá o triplo de pessoas do que tem hoje com mais de 60 anos. Se a reforma não for aprovada, o país precisará aumentar a carga tributária em 10 pontos percentuais do PIB para pagar pensões e aposentadorias — explica um membro da equipe econômica.

O argumento no governo é que o ajuste pelo corte de despesas não será de curto prazo. O exemplo apresentado é que o governo não tem dado novos subsídios aos empresários, mas os já concedidos vão continuar pesando. Um caminhão financiado a juros baixos continuará onerando a conta da equalização de juros este ano e nos próximos. E essa conta da equalização foi de R$ 10 bilhões em 2010 e este ano será de R$ 30 bilhões.

O quadro é de dificuldades de ajuste do déficit pelo lado das despesas, porque o governo anterior deixou aumentos já contratados. Por isso, o atual governo vai insistir que a aprovação da PEC dos gastos e a reforma da previdência são as únicas propostas que darão horizonte às contas públicas. Neste segundo semestre, e, principalmente, após a votação do impeachment, esta será a agenda que vai orientar a administração. E será repetido o que disse o ministro Henrique Meirelles: é isso ou elevar impostos.

A economia e a política - MARCOS DE BARROS LISBOA

FOLHA DE SP - 26/07

Algumas decisões de política econômica do governo interino são criticadas por, supostamente, refletirem uma prescrição tecnocrática do que deve ser adotado na economia, como se os argumentos da ciência pudessem substituir a política e a negociação. Talvez fosse assim na ditadura. Na democracia, felizmente, não mais.

Escolhas sociais não cabem à economia, mas à política.

A economia procura utilizar as melhores evidências disponíveis para estimar as consequências das diversas escolhas sociais. Em muitos casos, no entanto, a evidência não é conclusiva, o que resulta em debate sobre as opções técnicas para analisar os dados disponíveis.

Em outros casos, novas evidências podem implicar a revisão de antigos consensos.

A economia deve informar a evidência disponível e suas eventuais limitações para colaborar no debate público. Em nenhum momento, porém, substitui a política.

Não cabe à economia fazer juízo de valor. Dadas as diversas opções existentes, e as melhores estimativas sobre as implicações, a sociedade, por meio de seus instrumentos de deliberação democrática, deve negociar as escolhas sociais a serem adotadas, a partir das restrições e dos diversos interesses existentes.

Uma grave crise econômica, como a vivida pelo Brasil nos últimos anos, não decorre de um único fator. O problema mais urgente a ser enfrentado é o crescimento do gasto público acima da renda, que resulta no endividamento crescente do setor público.

As escolhas, na política, irão determinar se reverteremos a trajetória de endividamento crescente, o que resultaria no retorno da inflação crônica, como ocorreu na década de 1970, ou se optaremos pelo ajuste fiscal estrutural, como no fim da década de 1990. A evidência indica uma janela de oportunidade.

Há um compreensível alívio depois dos graves equívocos iniciados na política econômica em 2009, uma sequência desastrada apoiada por tantos, apesar dos indícios de que estávamos hipotecando o nosso futuro e contratando graves problemas à frente.

A economia aponta as possíveis escolhas que permitiriam a estabilização da dívida pública nos próximos anos, assim como as decisões que vão na contramão do ajuste. O gasto com folha de pagamentos e Previdência de servidores públicos é das principais causas da grave crise fiscal, sobretudo nos Estados e municípios. Aumentos a servidores que estão na elite salarial do país, como os do Judiciário, tendem a se propagar para outras categorias, inclusive nos governos locais.

Caso o governo opte pelo ajuste estrutural, diversas outras escolhas terão que ser feitas. Quais políticas públicas devem ser revistas e quais devem ser preservadas?

O papel da economia é oferecer a melhor evidência disponível sobre os custos e as implicações das diversas opções. Quais grupos são beneficiados por cada política pública?

Qual a eficiência e a eficácia em comparação a outras escolhas? Quais os benefícios sociais e os custos de oportunidade?

A política se beneficia, por exemplo, das estimativas das implicações de diversas opções de reforma tributária, assim como da análise de experiências em outros países.

Aproveitar a janela de oportunidade requer difíceis escolhas. O debate técnico sobre as restrições existentes e os impactos de diversas opções de política econômica busca contribuir na deliberação democrática, inclusive apontando as consequências do não enfrentamento da tendência de endividamento crescente por parte do setor público. A rejeição da divergência, porém, apenas revela velhos vícios.

MARCOS DE BARROS LISBOA, 51, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia (EUA) e presidente do Insper

Morrendo pela boca - MERVAL PEREIRA

O Globo - 26/07

O prefeito Eduardo Paes é um exemplo típico de político promissor que pode se perder pela boca, e, na falta de líderes que nos assola, tomara que encontre o justo balanço entre a desejável popularidade e o reprovável populismo.

Na reação imediata que teve diante da reclamação da equipe australiana sobre as condições precárias dos alojamentos dos atletas daquele país na Vila Olímpica, Paes não resistiu a uma piada, dizendo que estava pensando até em colocar alguns cangurus para que os australianos se sentissem em casa.

Só depois de receber uma resposta à altura de sua inaceitável postura — “não precisamos de cangurus, mas de encanadores” — o prefeito Eduardo Paes assumiu a condição de um administrador responsável, e admitiu que são necessários reparos urgentes nos alojamentos, e não apenas no da Austrália.

À vergonha de não entregar em condições habitáveis os alojamentos dos atletas soma-se a arrogância de nossas autoridades, que não aceitam as críticas mais banais. O presidente do Comitê Organizador Brasileiro, Carlos Nuzman, teve a pachorra de afirmar que a Vila Olímpica é a melhor e mais bem montada de todas as Olimpíadas já realizadas no mundo.

Como se não soubesse dos problemas que o seu COB está tendo para até mesmo colocar produtos de limpeza nos alojamentos, no que foi providencialmente ajudado pelo prefeito do Rio.

Cada quarto tem aparelhos transmissores de TV a cabo, mas não os televisores que estavam previstos. Por falta de dinheiro, há agora uma televisão por andar, mas provavelmente o COB está pagando os pontos de retransmissão de TV a cabo nos quartos.

É claro que a cidade do Rio é das mais bonitas, se não a mais bonita, do mundo, e as transmissões para os bilhões de espectadores do mundo inteiro terão deslumbrantes visuais. Mas não é possível esquecer, e os meios de comunicação do mundo inteiro não estão deixando isso acontecer, a poluição da Baía da Guanabara, que desafia governos seguidos há anos, e nem mesmo saber da realização da Olimpíada com sete anos de antecedência serviu de estímulo a um trabalho mais sério.


É inevitável que as competições sejam atrapalhadas pelos entulhos jogados no mar, e a repercussão internacional não será boa. E não vai adiantar achar ruim com os jornalistas internacionais, pois só estarão mostrando a triste realidade que não conseguimos superar. E nem dizer que a questão é federal ou estadual, não municipal.

Assim como é inadequado, para dizer o mínimo, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, tirar o corpo fora dizendo que esse problema da Vila Olímpica não tem nada a ver com o governo federal. Não tem mesmo, mas o governo Temer não escapará das críticas se alguma coisa der errado.

Paes é provavelmente o melhor prefeito que o Rio já teve nos últimos anos, superando em criatividade e realizações seu mentor, o ex-prefeito Cesar Maia. Mas se excede na maneira artificialmente descontraída com que se comunica. Alguém precisa dizer a ele que ser carioca não quer dizer ser ligeiro nos comentários, nem piadista fora de hora. Essas são, na verdade, características negativas do carioca, que não devem ser valorizadas.

Espera-se de um líder justamente o exemplo de comportamento, e não a leviandade de gestos e atitudes que o ex-governador Sérgio Cabral gostava de exibir, e da qual agora Eduardo Paes perigosamente se aproxima. Sua melhor versão é a de ontem, quando tratou a sério dos problemas da Vila Olímpica, e não aquela que ficou na conversa telefônica com o ex-presidente Lula, por exemplo, em que desandou a fazer comentários ligeiros sobre tudo e todos, querendo ficar à altura do político popular que é Lula.

O mesmo já havia acontecido com o ex-governador Sérgio Cabral, flagrado em um vídeo ao lado de Lula tratando mal um adolescente de uma comunidade que reclamava uma quadra de tênis. Cabral menospreza o desejo, dizendo que tênis era um esporte burguês. Os dois, diante do líder popular, exibiram posturas supostamente populares, e só foram banais.

Mesmo que essa Olimpíada não seja o trampolim para impulsionar Paes da prefeitura do Rio para a candidatura presidencial, como chegou a ser aventado em algum momento, ela pode vir a ser o coroamento de uma gestão arrojada e competente que levará o prefeito do Rio a uma carreira política promissora.

Desde que deixe de lado essa busca da popularidade fácil.

Alvos no Rio - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 26/07

Pedido de partilha de provas expõe dezenas de agentes públicos, meia dúzia de empresas estatais e 19 grupos privados em casos de improbidade administrativa no Rio



Sexta-feira passada, chegou à mesa do juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba, uma carta de um grupo de promotores fluminenses: pediam autorização para uso de provas dos processos sobre corrupção na Petrobras nas investigações de crimes de improbidade administrativa no Estado do Rio. No alvo estão dezenas de pessoas, meia dúzia de estatais e pelo menos 19 empresas privadas. Foram indicados 15 inquéritos em curso sobre ilícitos em negócios do estado e da prefeitura do Rio.

As investigações afetam diretamente os interesses acionários dos seguintes grupos privados nacionais e estrangeiros: Odebrecht, Mitsui, Camargo Corrêa, Carvalho Hosken, Concremat, Ishibrás, MS Control, Delta, Carioca Engenharia, Queiroz Galvão, New Water, Cowan, BBPP Holdings, YPFB Transporte do Brasil, GTB-TBG Holdings, Mubadala Development, Servix, Andrade Gutierrez e OAS.

Atingem, além da Petrobras, estatais locais como Cedae, Emop, Riourbe, Riotrilhos, Edurp e autarquias. Envolvem diretamente dois ex-governadores, Sérgio Cabral e Rosinha Garotinho, e 20 pessoas físicas — de empresários como Fernando Cavendish, da empreiteira Delta, a dirigentes de empresas públicas.

Oito promotores trabalham nesse conjunto de processos civis que, no Rio, representa o principal desdobramento das investigações penais de Curitiba. Em 2014, quando começaram a ser desvendados os casos de corrupção na Petrobras, procuradores federais perceberam a recorrência de fatos e personagens nos inquéritos de Curitiba e do Rio. Pediram, e conseguiram, a transferência de provas de crimes de corrupção obtidas na época pelos promotores fluminenses.

Agora, os promotores estaduais reivindicam contrapartida, uma cooperação nas ações civis paralelas, focadas no conluio de agentes públicos e privados em prejuízo do Erário.

Para pessoas físicas, as punições previstas incluem suspensão de direitos políticos por até oito anos, perda de função e multas. Para empresas privadas, as sanções começam na interdição do acesso a incentivos fiscais e creditícios e chegam à indenização pelos danos à sociedade. Recentemente, em processos por improbidade no caso Petrobras, seis empresas (Camargo Corrêa, Sanko, Mendes Júnior, OAS, Galvão e Engevix) acabaram condenadas a pagar R$ 4,47 bilhões — 20 vezes a soma das sanções por esse tipo de crime em todo o país, até 2014.

Tem sido marcante a cooperação entre Judiciário, Ministério Público, polícia e órgãos como Banco Central, Conselho de Atividades Financeiras e Receita Federal. É novidade originada da ascensão de uma nova geração de servidores públicos concursados, devota da revolução tecnológica e de gestão. Primeiras vítimas dessa mudança foram os escritórios de advocacia privada, que há dois anos se veem obrigados à reinvenção.

Até há pouco, a experiência em Curitiba podia ser considerada exceção — tempestade perfeita no sistema de Justiça, pela soma de forças em circunstâncias excepcionais, com resultados rápidos e transformadores.

Já não é bem assim. Há evidentes desdobramentos, com objetivo similares, a despeito do burocratismo no Judiciário, que só favorece a impunidade. A iniciativa dos promotores do Rio é outro indício da reciclagem nos órgãos de defesa do interesse público.


A verdade e a mentira - RICARDO BREIER

ZERO HORA - RS

Vem em muito boa hora a notícia da iniciativa da Justiça do Trabalho no sentido de apurar eventuais mentiras ditas em depoimentos testemunhais. De fato, a prova testemunhal, por sua natureza, por vezes se presta para mascarar a verdade, em favor de uma ou de outra parte. Tal prática não é geral, e sim episódica. Entram aqui alguns fatores humanos, que vão do esquecimento dos fatos em discussão à deliberada vontade de desvirtuar a realidade, por pressão, por ressentimento ou por falta de ética, auxiliando uma das partes na obtenção de um resultado imerecido no processo. Essa constatação é, portanto, verdadeira.

O advogado, como regra, narra ao juiz, tecnicamente, os fatos que lhe foram descritos pelo cliente. Isso é uma verdade. Afirmar que a mentira é um elemento frequentemente presente nas ações e que conta com o beneplácito e a aceitação por parte de todos os advogados não é uma verdade. Em algumas situações, o advogado é induzido ao erro tanto quanto o juiz que invoca fato inverídico como razão para decidir.

Devemos deixar claro que não nos coadunamos com práticas que fujam da ética profissional e que temos o Tribunal de Ética e Disciplina para julgar tais casos. Mesmo que uma ínfima minoria de profissionais possa contribuir com essas práticas, não iremos aceitar que toda a advocacia seja atacada e acusada como se isso fosse regra. A conduta ética é um norteador na nossa profissão e reflete-se em uma advocacia fortalecida.

Além do combate à mentira, medida da qual também somos defensores, desde que tomada com base na verdade, esperam-se do Judiciário Trabalhista outras iniciativas igualmente alentadoras, no sentido de aperfeiçoar a jurisdição, entre as quais incluiríamos um tratamento mais respeitoso aos procuradores e partes, especialmente no 1º grau, nunca esquecendo que os advogados são os seus maiores aliados na produção da justiça e que qualquer visão contrária a essa obviedade constitucional é outra inverdade e um desserviço à sociedade.

Presidente da OAB/RS

Bons sinais na economia - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 26/07

A confiança geral no país vem melhorando e a recuperação da confiança do consumidor tem crescido nos últimos meses de forma sistemática


Desde que o Produto Interno Bruto (PIB) de 2014 estagnou e foi igual ao de 2013, enquanto a população aumentava em 1,8 milhão de pessoas, o Brasil vem colecionando sucessivos indicadores ruins e más notícias na economia. A explosão da taxa de desemprego que deixou 11,4 milhões de pessoas sem trabalho, a queda acumulada do PIB em torno de 9% nos últimos três anos e a inflação que ultrapassou os dois dígitos e ficou em 11,67% no ano passado estão entre os indicadores negativos da grave recessão que acometeu o país.

O primeiro semestre deste ano caminhava para consolidar o quadro de crise e aprofundar a recessão, cujo indicador mais grave vinha da previsão de queda no PIB em torno de 3,8% sobre 2015. Para piorar o pessimismo, analistas nacionais e organismos internacionais projetavam o PIB de 2017 parando de cair, mas sem possibilidade de crescer. Como elementos agravantes da recessão estavam duas outras crises igualmente graves: a complicada situação da presidente Dilma Rousseff e os efeitos da rede de corrupção revelada na Operação Lava Jato e outras similares.

Alguns fatos positivos começaram a ocorrer, a exemplo da elevação de preços internacionais de vários produtos exportados pelo Brasil, e alguns bons sinais começam a surgir no horizonte da economia, os quais, se não são capazes de operar milagres, estão apontando para alguma melhoria real do quadro macroeconômico a partir do segundo semestre. A balança comercial (movimento de exportações e importações de mercadorias) apresentou saldo positivo de US$ 23,7 bilhões no primeiro semestre e iniciou a reversão do déficit ocorrido em anos anteriores. A melhora das exportações e dos lucros dos exportadores abre possibilidade para expansão dos investimentos e do nível de emprego nos setores que vendem para o exterior.

A confiança geral no país vem melhorando e a recuperação da confiança do consumidor tem crescido nos últimos meses de forma sistemática, o que é importante para estimular a demanda de consumo e elevar o nível de investimento feito pelas empresas. A previsão de queda no PIB de 2016 era de 3,8% no início do ano; agora está em torno de 3,3% e, para 2017, já se prevê um crescimento igual ou superior a 0,5%. Não é uma recuperação estrondosa, mas é o fim da recessão e o começo da recuperação em níveis superiores ao que se imaginava no início deste ano.

Para a inflação – que foi de 10,67% no ano passado, superando e muito a meta do Banco Central de 4,5% –, as previsões são de que ela pode ser inferior a 7% neste ano e convergir para a meta a partir de 2017. Os bons sinais se confirmarão se e quando a principal variável social, a taxa de desemprego, atingir melhoria substancial. Se o número de pessoas ocupadas aumentar, a arrecadação tributária melhorará e haverá mais um efeito benéfico fundamental para o crescimento do país, que é a redução do rombo nas contas do setor público. O déficit fiscal consolidado do governo está em nível elevado e é, atualmente, um dos principais problemas – sobretudo pelo efeito de elevar perigosamente a dívida pública –, cuja solução depende do aumento das receitas do governo, pois nada é mais difícil que a redução dos gastos públicos.

Esses sinais, ainda que sejam positivos, não permitem previsão sólida sobre o fim da recessão. Entretanto, representam um grande alento por agirem como um freio à derrocada da economia brasileira em níveis não vistos há muito tempo.

A vaca voou - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 26/07

Há quatro meses, perguntaram ao vereador Andrea Matarazzo se ele deixaria de ser candidato a prefeito de São Paulo para apoiar a senadora Marta Suplicy. "É mas fácil uma vaca voar!", respondeu o dono das gravatas mais elegantes da Câmara Municipal. A mimosa decolou nesta segunda (25). O ex-tucano será o vice da ex-petista, agora filiada ao PMDB.

A aliança escreve um novo capítulo na história de reviravoltas da política paulistana. Um deputado sugeriu que a chapa seja chamada de "Ma-mata". Outros apelidos virão.

Embora tenham nascido no mesmo berço aristocrático, Marta e Matarazzo sempre militaram em campos opostos. Ela entre os petistas, sob a liderança de Lula; ele com os tucanos, ao lado de José Serra e FHC.

O chanceler do governo interino tem tudo a ver com o acordo. Serra convenceu Matarazzo a se filiar ao PSD, de seu escudeiro Gilberto Kassab. As pesquisas fizeram o resto, ao mostrar que o vereador não teria chances como cabeça de chapa.

O pano de fundo da aliança é a corrida presidencial de 2018. Ao inflar sua velha rival, Serra atrapalha Geraldo Alckmin, que lançou o estreante João Doria. O ministro e o governador medem forças no PSDB enquanto o senador Aécio Neves tenta acertar as contas com a Lava Jato.

A chapa Marta-Matarazzo parece ter potencial. A ex-prefeita ganha tempo de TV e passa a contar com um puxador de votos na parte rica da cidade. Ela precisa reduzir a rejeição nos bairros centrais, que buscam alguém que seja capaz de derrotar o PT e não se chame Celso Russomanno.

O problema é que Marta sempre foi alvo do antipetismo, que a venceu em 2004 e 2008. Ela ainda terá que explicar as novas companhias ao eleitor da periferia, que sustenta sua popularidade nas pesquisas.

A missão da senadora será difícil, mas não chega a ser impossível. Há quatro anos, Fernando Haddad virou prefeito depois de unir Lula e Paulo Maluf na mesma foto.

Defesa nacional: por um país mais seguro - RUBENS BARBOSA

ESTADÃO - 26/07

O ‘soft power’ deve estar fundado num ‘hard power’ que respalde o interesse do Brasil



No momento em que a crise econômica afunda o Brasil em grave recessão e desemprego, obrigando o governo de transição a reduzir os gastos públicos de forma drástica de modo a diminuir o tremendo desequilíbrio fiscal, todos os setores da administração pública são afetados. É essa a herança dos 13 anos de governo do PT.

Neste quadro conjuntural que se deve estender por alguns anos, torna-se ainda mais difícil de justificar recursos para um dos setores mais importantes para a manutenção da soberania e da segurança do País: aquele da Defesa, que detém apenas cerca de 1,5% do Orçamento Geral da União.

País pacífico, cuja Constituição advoga a solução negociada dos conflitos, a única guerra com vizinhos em que o Brasil se viu envolvido foi contra o Paraguai, em 1865. Todos os conflitos de fronteiras foram resolvidos em entendimentos bilaterais ou por arbitragem. Com esse pano de fundo, não é difícil de explicar a falta de uma forte cultura de Defesa, como nos EUA, na Rússia e na Europa. Os 21 anos de autoritarismo contribuíram, por outro lado, para as restrições à renovação do equipamento militar obsoleto pelo medo, talvez, de estimular o ressurgimento do poder militar no Brasil. Hoje conhecemos os nomes do juízes da Suprema Corte, mas, ao contrário do que ocorreu entre 1964 e 1984, não sabemos quem são os comandantes militares, apenas a identidade do ministro civil da Defesa.

A ausência dessa cultura de Defesa explica, em grande parte, as constantes reduções de recursos públicos para a manutenção da capacidade operacional das três forças. E isso não parece despertar nenhuma preocupação na sociedade quanto aos riscos para a proteção de nosso território terrestre (fronteiras) e marítimo (plataformas de exploração de petróleo) e para uma reação adequada às novas ameaças globais, como o tráfico de armas, de drogas, do terrorismo e da guerra cibernética.

O mundo se tornou mais complexo e ameaçador. O terrorismo exige recursos e atenção redobrada para tornar o País mais seguro. O Brasil não é uma ilha e não se pode esperar que sempre estaremos livres de atentados de facções terroristas ou do crime organizado.

Nos dias que correm, não só o reequipamento das Forças Armadas – seguidamente chamadas a desempenhar funções na área de segurança pública, como agora, nos Jogos Olímpicos –, mas programas essenciais para a defesa nacional tiveram recursos cortados. Entre outros, o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), que, com o atraso previsto pela falta de recursos, só estará finalizado em 2040; o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (Sisgaaz); e o Programa Espacial Brasileiro. Este adiamento vem afetando toda a cadeia produtiva, com grande número de falências das empresas participantes e crescente taxa de desemprego no setor. Para ter ideia da gravidade da situação, a quase totalidade dos projetos que deveriam ser executados até 2021 foi postergada para 2031, quando a tecnologia utilizada já estará desatualizada e terá de ser substituída.

Segundo dados do Ministério da Defesa, a falta de recursos deixa 46% da frota da marinha parada, sem navios de escolta necessários para dar proteção às plataformas do pré-sal. No exército, os frequentes contingenciamentos exigiram a redução drástica da linha de produção do carro blindado Guarani, que poderá levar a empresa construtora do equipamento a suspender a produção por falta de pagamento. Na aeronáutica, quase metade da frota aérea está parada. A construção do avião cargueiro KC-390 só prossegue porque a Embraer, mesmo sem receber mais de R$ 1,5 bilhão devido pelo governo federal, está bancando o projeto sozinha, com o custo de atraso de dois anos.

Em breve, o governo brasileiro deverá atualizar a Estratégia Nacional de Defesa, o Plano Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa. Realista e pragmaticamente, esses documentos deverão enfrentar esses problemas e prever formas para melhor utilização dos recursos e previsibilidade na liberação do financiamento dos projetos mais estratégicos, pois não há uma percepção generalizada da necessidade da continuação desses programas de governo. Seria importante que a discussão desses documentos não ficasse restrita ao Ministério da Defesa, mas que o Congresso, por meio das Comissões de Relações Exteriores e Defesa (Cred) da Câmara dos Deputados e do Senado, além de instituições privadas interessadas no assunto pudessem participar do debate e contribuir para seu conteúdo. A Cred do Senado divulgou excelente relatório do senador Ricardo Ferraço sobre as políticas públicas relacionadas à indústria nacional de defesa, com recomendações que deveriam ser examinadas e debatidas. O Instituto de Relações Internacionais e de Comércio Exterior (Irice) já programou para setembro um encontro em São Paulo para começar a discutir estes temas, que são de grande relevância para o Brasil.

A indústria brasileira de defesa, em especial a empresa estratégica, terá de se associar e formar joint ventures com empresas estrangeiras para ter acesso a novas tecnologias e financiamento, enquanto não houver avanço autóctone significativo em inovação e financiamento. Formas criativas terão de ser examinadas, como, entre outras, por exemplo, o desconto adiantado de títulos de recebimento de pagamentos do governo para haver disponibilidade imediata de recursos.

A recuperação da economia e a volta ao crescimento permitirão que a discussão sobre o papel das Forças Armadas na defesa de nosso território seja ampliada. Nenhum país pode se dar ao luxo de ignorar essa necessidade. O “soft power” representado pela ação do País no exterior, por meio de sua política externa, para ser efetivo, deve estar fundado num “hard power” que respalde o interesse nacional.

* RUBENS BARBOSA É DIRETOR ALTERNO DO CONDEFESA (FIESP), PRESIDENTE DO IRICE

Sem fim o atoleiro de processos - ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR

ESTADÃO - 26/07

Justiça demorada, sempre se repete, chega com um gostinho de injustiça



O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, costuma referir-se a uma curiosa reunião, havida em seu gabinete, com um ministro japonês que o visitava. Dele aprendeu algo surpreendente: para um japonês, disse-lhe o ministro, é motivo de humilhação ter de recorrer ao Judiciário e fazer o Estado gastar, porque representa a confissão de que não teve competência para resolver o seu problema pessoalmente.

Fiel a essa conduta e a essa cultura, o japonês se esforça para obter conciliação e, assim, evitar a vergonha de ter de acionar juízes e provocar trabalho e despesas para o Estado. A dignidade, no caso, está em evitar o processo judicial, e não em provocá-lo.

Entre nós, infelizmente, ocorre exatamente o contrário. Basta haver uma desavença com o vizinho, por exemplo, para que nossos patrícios corram ao escritório de um advogado e iniciem uma ação judicial, circunstância que naquele momento proporciona alguma satisfação, mas ao longo dos anos só causa desagrado.

A consequência dessa cultura demandista está em que, para uma população de pouco mais de 200 milhões de habitantes, temos à espera de julgamento aproximadamente 100 milhões de processos judiciais, ou seja, um processo para cada dois brasileiros.

Temos 100 milhões de processos na espera porque a fila não anda, por força de uma legislação processual que herdamos dos antigos romanos e de nossos antepassados portugueses. São poucas as decisões terminativas. Há recursos e mais recursos, legalmente previstos, que condenam os litigantes a aguardar até por décadas o desfecho da demanda.

Ao contrário de nós, o sistema anglo-saxão é muito mais simples e permite resolver quase sempre com rapidez os processos em julgamento. Com isso se consolida a imagem de respeito e credibilidade necessária ao juiz. Justiça demorada, sempre se repete, chega com um gostinho de injustiça.

Os antigos romanos diziam que a Justiça, se é rápida, não é segura e se é segura não é rápida. Mas isso para a realidade daquela época, em que o Direito ganhou grande expressão, mas o número de processos não era tão volumoso.

Entre nós, a demora no julgamento final é atribuída pela maioria das pessoas à ineficiência ou mesmo preguiça do juiz. Ou, então, ao Poder Judiciário, pela incapacidade de resolver o problema. Poucos se dão conta de que os juízes estão submetidos à lei e não podem deixar de cumpri-la. E que cada etapa prevista no sistema processual tem de ser rigorosamente seguida, sob pena de nulidades.

Não é lícito ao juiz julgar contra a lei e suprimir-lhe os erros e lacunas, ou mitigar a rigidez com a finalidade de praticar justiça mais rapidamente. Diante de uma lei obsoleta ou manifestamente iníqua, que não mais corresponda às condições sociais do momento, poderá o magistrado socorrer-se para a solução do conflito das demais fontes de Direito – inclusive da equidade.

Isso com frequência se verifica. Mas em nenhuma hipótese alguma poderá o magistrado afastar-se da realidade objetiva. O momento que nós, brasileiros, vivemos, com 100 milhões de processos aguardando julgamento nas pilhas dos tribunais, demonstra claramente que a legislação processual em vigor, com sua aplicação rígida, está em desacordo com a nossa realidade e causa mais danos do que benefícios à ordem pública e social.

Em suma, as leis processuais a que os juízes são obrigados a obedecer estão a cada dia mais longe de nos tirar do atoleiro de 100 milhões de processos – e isso é grave, sobretudo porque não se enxerga nos horizontes uma modificação que altere essa realidade.

As modificações que têm sido introduzidas no sistema, graças aos esforços dos processualistas, são apenas cosméticas, assim como se faz para colorir as faces do defunto a fim de torná-lo mais bonito na hora do velório. Ante as duas realidades, a montanha de processos, de um lado, e a litigiosidade crescente, de outro, verifica-se entre os legisladores uma timidez assustadora.

A forma do Estado brasileiro, calcada no sistema que nasceu na Grécia antiga e foi exaltado por Montesquieu, sendo adotado na grande maioria dos países ocidentais, previu que o Legislativo somente legisle, sem julgar ou executar as leis; o Judiciário, somente diga o Direito em face dos conflitos, sem poder legislar; e o Executivo se limite à atividade administrativa do Estado, sem legislar ou julgar.

Esse equilíbrio é notável e se presta a apontar claramente as vocações totalitárias de governantes, quando se atrevem a legislar e a julgar, como no período absolutista da nossa História. Entre nós, mantida a harmonia do Estado, com a independência dos Poderes, a tragédia das filas de processos não sofre mudança alguma, de vez que a edição de leis saneadoras fica na dependência do Congresso Nacional – esse que todo dia, a toda hora, nos surpreende e escandaliza.

Curioso lembrar que a decisão judicial, na maioria dos casos, desagrada, no mínimo, a 50% dos litigantes, quer dizer, a parte que perde raramente se conforma com a derrota e a atribui a deficiências ou falta de isenção do juiz. Em alguns casos, até mesmo a parte vencedora fustiga o magistrado responsável pela decisão, ao fundamento de que, como tinha razão, por que demorou tanto para tomá-la?

A demora na decisão judicial, enfim, atua sempre em desfavor do juiz, causando a indignação das partes – e isso é péssimo para o Judiciário. Ao contrário dessa lentidão, que é a regra, o surpreendente Sergio Moro, no Paraná, dá exemplo marcante de eficiência, sempre agindo com coragem, rapidez e sentimento de justiça. Infelizmente, propaga-se a ideia de que ele é o único – e isso é injusto com os demais, que igualmente se empenham na luta por melhor Justiça.

* ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR É DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TJ SP, FOI SECRETÁRIO DA JUSTIÇA DO GOVERNO GERALDO ALCKMIN.

Brasil de cara nova no G-20 - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 26/07

Sem a incompetência arrogante dos tempos da presidente Dilma Rousseff, o Brasil apareceu de cara nova na reunião ministerial do Grupo dos 20 (G-20), em Chengdu, na China. Em vez de dar lições ao mundo, o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, aproveitou os encontros e discussões para explicar a política de recuperação da economia brasileira e mostrar a evolução dos principais indicadores. A apresentação, segundo ele, foi bem recebida. “Eu diria que há uma percepção de que o Brasil está na direção certa e o clima está começando a mudar.” Há um toque de realismo e de humildade nesse balanço. Os porta-vozes do País admitiram a gravidade dos problemas nacionais, falaram sobre as medidas corretivas e mostraram as possibilidades de cura e de recuperação, se as condições políticas evoluírem de modo favorável.

A mudança deve ter ficado clara para todos – tanto da orientação econômica do Brasil quanto da atitude de seu governo em relação aos parceiros do G-20. Durante anos, a presidente Dilma Rousseff e seus ministros quiseram dar lições ao mundo, especialmente aos governos do mundo rico, sobre como cuidar da economia e vencer crises.

Em 2013, por exemplo, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou-se preocupado com a política macroeconômica da maioria dos países avançados e apontou o risco de uma crise ainda prolongada. No ano seguinte, a presidente Dilma Rousseff ensinou, na reunião de Cúpula de Brisbane, na Austrália, que os governos dos países mais desenvolvidos deveriam fazer mais para estimular a demanda e impulsionar o crescimento global.

As participações de Mantega e de sua chefe em reuniões internacionais foram geralmente marcadas por uma atitude arrogante, de permanente cobrança de políticas mais estimulantes no mundo rico. Mais que isso: os dois muitas vezes se permitiram falar como se o Brasil, mais próspero que outros e mais bem-sucedido no enfrentamento da crise, fosse um modelo a ser considerado pelos governos das economias mais avançadas.

Mas os fatos contrastavam – e cada vez mais fortemente – com esse discurso. Ano a ano aumentou o desajuste das contas públicas brasileiras, enquanto a inflação se mantinha sempre longe da meta anual de 4,5%, chegando em 2015 a 10,67%. O crescimento foi sempre pífio, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, com a economia perdendo vigor, até afundar na recessão e encolher 3,8% em 2015.

Enquanto o governo petista alardeava sucesso e oferecia lições de bom governo, os Estados Unidos voltaram a crescer e a criar empregos. No ano passado foram abertos, em termos líquidos, cerca de 200 mil postos de trabalho por mês na economia americana. Na Europa, a área atingida mais severamente pela crise financeira de 2008, a maior parte dos países voltou ao crescimento.

A expansão média na zona do euro foi de 0,9% em 2014 e depois se acelerou. Enquanto isso, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil aumentou 0,1% em 2014, diminuiu 3,8% em 2015 e a economia continuou emperrada na metade inicial de 2016. Em 2015, o desemprego brasileiro superou a média da zona do euro. Em 2016, bateu em 11,2%, com 11,4 milhões de desocupados.

Os países do mundo rico poderão ganhar mais impulso, nos próximos meses, se os governos levarem à prática um dos principais pontos de concordância: será preciso dar mais importância aos estímulos fiscais (onde houver folga para isso) e depender menos dos incentivos monetários proporcionados pelas enormes emissões dos bancos centrais.

O presidente do BC brasileiro mencionou esse ponto em seu balanço. Mas, se quisesse ser mais detalhista, ele poderia mostrar um contraste. No mundo rico, a recomendação é para políticas fiscais mais estimulantes e estratégias monetárias mais contidas. No caso do Brasil, os sinais são trocados: se o controle das contas públicas for mais duro, a política de juros poderá ser menos severa. Aqui, arrogância e incompetência conseguiram juntar déficit fiscal, inflação e recessão.


Falhas olímpicas - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 26/07

O que deveria ser uma celebração começou com constrangimento. Eis o saldo da abertura, neste fim de semana, da Vila dos Atletas que abrigará os desportistas vindos para a Olimpíada do Rio.

Com a chegada das primeiras delegações nacionais surgiram também as queixas sobre as más condições de parte dos apartamentos.

A reclamação mais forte partiu da equipe australiana, que considerou inabitáveis os locais designados. Havia banheiros inoperantes, vazamentos, fiações elétricas expostas, falta de iluminação e sujeira. A chefe da delegação australiana declarou ser impossível os atletas do país ocuparem por ora seus alojamentos.

A seleção feminina de futebol da Suécia também postergou a entrada na vila. A exemplo dos australianos, hospeda-se em hotéis até que as falhas sejam sanadas.

Outros contingentes nacionais, incluindo o do Brasil, contrataram por conta própria profissionais para realizar obras de acabamento antes da chegada de seus atletas.

Diante das mazelas, a entidade organizadora da Rio-2016 criou uma força-tarefa com mais de 500 pessoas, que devem trabalhar sem interrupção para tentar concluir todos os reparos até quinta-feira (28).

Embora lamentáveis, as falhas não parecem ser generalizadas, como sugerem declarações elogiosas de outras delegações. Problemas no início, ademais, não são incomuns num empreendimento de tamanha magnitude.

Localizada em Jacarepaguá, a Vila dos Atletas é composta por 3.604 apartamentos em 31 edifícios de 17 andares. Durante os Jogos, o complexo receberá até 17,9 mil desportistas e integrantes de equipes técnicas de 206 países.

Os problemas, é evidente, maculam a imagem dos Jogos no Rio. Ela já havia sido abalada pelo fracasso da meta de despoluição da baía de Guanabara, sede das competições de vela. Houve ainda a trágica queda de trecho da ciclovia na avenida Niemeyer, com dois mortos.

Também concorrem para isso, decerto, as declarações no mínimo desastradas de autoridades brasileiras. Ao comentar a recusa da Austrália em ocupar seus apartamentos, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), disse que estava "quase botando um canguru na frente do prédio" do país, para que os atletas se sentissem em casa.

Não foi a primeira vez que o alcaide pecou pela inconveniência. Apesar de ele ter recuado após a repercussão da frase, sua atitude é incompreensível em quem responde pela sede dos Jogos e busca usar esse trampolim para alçar voos mais altos na política.


Aumentar salários de servidores é incoerente - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 26/07

Com o país em crise, governo Temer continua a beneficiar funcionalismo, categoria favorecida pela remuneração e também pela estabilidade


O presidente interino Michel Temer conhece muito bem o descalabro fiscal em que se encontra o país. Tanto que seu governo se prepara para encaminhar ao Congresso propostas emergenciais para começar a reverter a situação calamitosa das contas públicas criada pela gestão lulopetista, a partir de 2009. Destacam-se entre as propostas a de um teto legal para as despesas da União e a da reforma da Previdência.

Mas o próprio governo Temer tem agido em sentido contrário — eleva gastos, em vez de contê-los. E começa a criar suspeição sobre tetos muito elevados na previsão de déficits. Afinal, eles devem ser reduzidos por meio de corte de despesas e não mantidos, para acomodar a elevação de gastos numa crise de falta de dinheiro no Tesouro. Pior: e ainda com ameaças de que se as corretas propostas de mudanças não forem aprovadas, será aumentada a já escorchante carga tributária, como alertou, em entrevista à “Folha de S.Paulo”, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles

É fato que, tendo assumido depois da administração ruinosa de Dilma Rousseff, e com o escamoteamento de despesas por meio de técnicas de “contabilidade criativa”, o governo Temer precisa ser transparente e deixar que as estatísticas oficiais reflitam sem retoques a dramaticidade do momento.

Assim, o governo interino, com acerto, logo propôs ao Congresso nova meta para este ano, com um supostamente realista déficit primário de R$ 170,5 bilhões, cerca de 2,5% do PIB. Mas não demorou para o Planalto anunciar a concessão de aumentos salariais para várias categorias do funcionalismo — servidores da Câmara dos Deputados, do Banco Central, do Ministério da Educação etc. Terminou aprovado um pacote de oito projetos de lei, os quais, somados, resultam em gastos adicionais de R$ 53 bilhões até 2019. Em seguida, chegou a vez de beneficiar o Judiciário, incluindo os ministros do Supremo, cuja remuneração indexa a folha de salários de toda a Justiça na Federação. Criou-se, assim, um tsunami de reajustes.

Aumentar despesas numa crise fiscal é um disparate. Mas, nesta leva de aumentos, o governo se defendeu com a explicação de que se tratavam de reajustes já negociadas na gestão Dilma.

Mas, na semana passada, o Planalto anunciou que novos projetos de lei de reajustes serão enviados ao Congresso, desta vez para auditores fiscais da Receita — que chantageiam o governo com a ameaça de não lavrar multas — e agentes da Polícia Federal, entre outras categorias. A continuar assim, o Planalto dará razão a petistas que criticam as novas metas fiscais — para 2017, R$ 139 bilhões —, tachando-as de licença para a gastança. De que Dilma foi acusada, e com razão. E Temer indica ir pelo mesmo caminho, de forma incoerente.

Não é fácil a posição do presidente interino. Precisa governar, porque a crise é grave, mas o ideal é que já tivesse a certeza da permanência no cargo até o final do mandato. Enquanto isso, tenta não contrariar senadores, os juízes do julgamento de Dilma, e, pelo visto, corporações, cuja média de salários é a mais elevada do país e ainda têm estabilidade no emprego. Um mundo à parte no Brasil. O risco, porém, é, ao tentar satisfazer a todos, Temer inviabilizar seu possível governo até 31 de dezembro de 2018.