FOLHA DE SP - 24/07
"Se o desenvolvimento é o novo nome da paz, quem não deseja trabalhar para ele com todas as forças?"
O notável papa Paulo 6º encerrou assim a histórica carta encíclica "Populorum Progressio", em 1967, que tratou do desenvolvimento dos povos. Essa é a inspiração para as ações do governo neste momento de grandes dificuldades pelas quais passa o país.
Resgatar o crescimento e libertar da miséria milhões de brasileiros é a alternativa mais viável para cumprirmos o preceito estabelecido no artigo primeiro de nossa Carta Magna, que elege como fundamentos do Estado democrático de Direito, entre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
A primeira condição para se almejar a cidadania é o emprego. Combater, pois, o desemprego que afeta quase 12 milhões de brasileiros é a meta prioritária a que me proponho, como presidente em exercício, para reinserir o país no rumo certo.
O escopo dos direitos individuais e coletivos se assenta na igualdade de oportunidades, na elevação dos padrões de vida, na manutenção e na melhoria dos programas voltados aos mais carentes e à redução das desigualdades.
Para tanto, o resgate das bases da economia é a meta principal de nosso governo. Um conjunto de ações está em curso com a finalidade de limitar os gastos e obter rigidez nas contas públicas: reduzir a máquina administrativa; renegociar as dívidas dos entes estaduais com imposição de teto de gastos; concentrar os esforços do Estado nas funções que lhe competem, livrando-o de tarefas que podem ser desempenhadas pela iniciativa privada.
Não se trata de um mero ajuste fiscal, mas de reforma que visa ao bem-estar do cidadão. Nossa convicção é que, no curto prazo, teremos sinais alentadores para a reativação de setores produtivos estagnados e a volta dos investimentos.
Como, aliás, já detectam as pesquisas de opinião, todas sinalizando o resgate da confiança dos agentes econômicos e dos consumidores. São dados que indicam estarmos no rumo certo, apesar do pouco tempo que tivemos, cerca de dois meses, para colocarmos a casa em ordem.
A par das medidas de cunho econômico-financeiro, importante mudança de rumo se registra na ansiada meta da meritocracia, com a aprovação da Lei de Responsabilidade das Estatais. Trata-se de um avançado passo na direção do aperfeiçoamento da gestão pública. Sabemos que imensos desafios nos esperam, dentre os quais a recorrente meta da inflação para um patamar compatível com a alavancagem da economia e diminuição da taxa de juros.
Na frente social, uma das primeiras medidas que tomamos teve como meta salvaguardar as condições de vida das 14 milhões de famílias que se amparam no Bolsa Família, garantindo ao programa 12,5% de aumento. Acrescentamos 75 mil vagas ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), abrindo mais possibilidades de acesso aos jovens.
Na área do Minha Casa, Minha Vida, determinamos que o programa dê prioridade às famílias que tenham filhos portadores de microcefalia, dispensando-as de sorteio.
Teremos, em breve, a realização da Olimpíada do Rio de Janeiro, evento que reunirá atletas de todo o mundo. Face à moldura de violência que se expande em diversas regiões, o nosso aparato de segurança está estruturado para garantir a integridade de atletas e turistas nos eventos que ocorrerão em agosto.
Por último, relembro a disposição de pacificar o país, integrando Executivo e Legislativo. A eleição do presidente da Câmara dos Deputados revelou clima de harmonia e distensão naquela Casa. Do Congresso Nacional, temos tido amplo apoio nas propostas de interesse do governo.
O Estado democrático de Direito garante manifestações livres entre os contrários, respeitados os direitos e deveres dos indivíduos e as normas de civilidade. A postura de cautela e moderação é a mais adequada.
Estamos assistindo ao pleno funcionamento das instituições nacionais. Deixemos que os senadores, sob a égide de suas prerrogativas, tomem a decisão que julgarem conveniente ao nosso futuro.
MICHEL TEMER é presidente interino da República
domingo, julho 24, 2016
Credo democrático - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 24/07
"Democracy for Realists", de Christopher Achen (Princeton) e Larry Bartels (Vanderbilt), é um livro importante. Os autores basicamente destroem nossas mais caras ideias sobre a democracia. E o fazem com a força de evidências.
O livro começa detonando o que os autores chamam de teoria popular da democracia. É a noção de que o indivíduo, na hora de votar, faz escolhas conscientes entre as várias propostas apresentadas pelos candidatos. Para Achen e Bartels, isso é muito mais religião do que ciência.
O que os dados relativos a séculos de eleições em vários países mostram é que o eleitor não tem estrutura cognitiva nem disposição para agir assim. Ele não estuda em detalhe cada ponto das propostas. Prefere dedicar-se a coisas como trabalho, família etc. e acaba escolhendo o candidato com base em emoções ditadas por lealdades sociais. Quando há a opção da democracia direta, frequentemente a maioria toma a decisão errada. Foi assim que várias comunidades dos EUA rejeitaram a fluoretação da água. Mais recentemente, os britânicos decidiram sair da UE, outro verdadeiro tiro no pé.
Teorias mais acadêmicas de justificação da democracia, como a de que o sistema funciona porque o eleitor recompensa e pune dirigentes de acordo com seu desempenho, não se saem muito melhor. Não é que isso nunca ocorra. O problema é que há tanto ruído nesse processo que ele se parece mais com um sorteio do que com um método racional de decisão. Os autores mostram, por exemplo, como ataques de tubarões afetaram a reeleição do presidente Woodrow Wilson em 1916.
Achen e Bartels não são, porém, golpistas. Eles defendem a democracia, mas por razões que muitos considerariam laterais, como favorecer a liberdade de expressão, a segurança jurídica e, principalmente, a alternância do poder. Para eles, não devemos exigir da democracia mais do que ela é capaz de oferecer.
"Democracy for Realists", de Christopher Achen (Princeton) e Larry Bartels (Vanderbilt), é um livro importante. Os autores basicamente destroem nossas mais caras ideias sobre a democracia. E o fazem com a força de evidências.
O livro começa detonando o que os autores chamam de teoria popular da democracia. É a noção de que o indivíduo, na hora de votar, faz escolhas conscientes entre as várias propostas apresentadas pelos candidatos. Para Achen e Bartels, isso é muito mais religião do que ciência.
O que os dados relativos a séculos de eleições em vários países mostram é que o eleitor não tem estrutura cognitiva nem disposição para agir assim. Ele não estuda em detalhe cada ponto das propostas. Prefere dedicar-se a coisas como trabalho, família etc. e acaba escolhendo o candidato com base em emoções ditadas por lealdades sociais. Quando há a opção da democracia direta, frequentemente a maioria toma a decisão errada. Foi assim que várias comunidades dos EUA rejeitaram a fluoretação da água. Mais recentemente, os britânicos decidiram sair da UE, outro verdadeiro tiro no pé.
Teorias mais acadêmicas de justificação da democracia, como a de que o sistema funciona porque o eleitor recompensa e pune dirigentes de acordo com seu desempenho, não se saem muito melhor. Não é que isso nunca ocorra. O problema é que há tanto ruído nesse processo que ele se parece mais com um sorteio do que com um método racional de decisão. Os autores mostram, por exemplo, como ataques de tubarões afetaram a reeleição do presidente Woodrow Wilson em 1916.
Achen e Bartels não são, porém, golpistas. Eles defendem a democracia, mas por razões que muitos considerariam laterais, como favorecer a liberdade de expressão, a segurança jurídica e, principalmente, a alternância do poder. Para eles, não devemos exigir da democracia mais do que ela é capaz de oferecer.
Banco Central “by the book” - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 24/07
Na semana passada, houve a primeira reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central após a troca de guarda na presidência da instituição, de Alexandre Tombini por Ilan Goldfajn.
Depois da reunião, na quarta-feira (20) às 18h, a assessoria de imprensa do BC divulgou o comunicado com a decisão.
O comunicado, bem mais longo do que normalmente, estabeleceu os parâmetros que pautarão a política monetária do BC liderado por Goldfajn.
Reconhece que há sinais de estabilização da atividade com elevado nível de ociosidade e nota a enorme incerteza em relação ao cenário de recuperação da economia internacional.
Em seguida, em dois parágrafos, trata dos elementos-chave para a tomada de decisão de política monetária. Primeiro, lembra que as expectativas inflacionárias dadas pela pesquisa Focus, conduzida pelo BC com agentes do mercado financeiro, indicam que a inflação esperada para 2017 encontra-se acima da meta.
Segundo, que os modelos de inflação, quando rodados no cenário esperado pelo mercado para câmbio e juros, também indicam inflação acima da meta.
O comunicado termina apresentando os fatores que podem pressionar a inflação para mais e para menos nos próximos meses.
Pesando tudo, o Copom decidiu pela manutenção da taxa Selic em 14,25% ao ano.
O tom do comunicado sugere que a formação de expectativas voltou a ter papel central na formulação da política monetária. Parece que uma das precondições para o início de um processo de queda da taxa básica de juros será, como reza o livro-texto de política monetária, que as expectativas de inflação estejam ancoradas na meta.
A ancoragem das expectativas é essencial para que o custo social —na forma de redução da atividade econômica e elevação da taxa de desemprego— do combate à inflação seja baixo.
Quando as expectativas estão ancoradas e a economia sofre um choque de oferta negativo que aumenta a inflação —por exemplo, uma alta na tarifa de energia elétrica em razão de uma seca—, o repasse desse reajuste para os demais preços da economia é menor, pois as pessoas sabem que o BC combaterá esses efeitos secundários do choque de oferta. Isso, por sua vez, torna a tarefa do BC de combater o surto inflacionário bem mais simples.
Nos últimos anos, a importância da ancoragem das expectativas na política monetária foi desconsiderada. Circula uma teoria de que os juros reais são elevados no Brasil em razão de uma conspiração da avenida Faria Lima (sede de muitos bancos) com a diretoria do BC. Essa leitura assevera que o mercado financeiro força as expectativas para cima para fazer com que a Selic, a taxa básica determinada pelo BC, seja maior. Com isso, os bancos engordariam seus lucros.
Evidentemente, essa leitura não encontra nenhum suporte na evidência empírica. As expectativas Focus da inflação um ano à frente têm subestimado fortemente a inflação do ano seguinte. Nos últimos seis anos, a inflação esperada pelo Focus em dezembro foi em média 1,35 ponto percentual menor do que a inflação efetiva no ano seguinte.
No momento, nós sentimos diretamente os custos sociais elevados de as expectativas estarem desancoradas: apesar de a taxa de desemprego ser a maior da história, a inflação tem caído lentamente.
O retorno a uma política monetária "by the book" sinaliza que no futuro próximo esses custos serão menores.
Na semana passada, houve a primeira reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central após a troca de guarda na presidência da instituição, de Alexandre Tombini por Ilan Goldfajn.
Depois da reunião, na quarta-feira (20) às 18h, a assessoria de imprensa do BC divulgou o comunicado com a decisão.
O comunicado, bem mais longo do que normalmente, estabeleceu os parâmetros que pautarão a política monetária do BC liderado por Goldfajn.
Reconhece que há sinais de estabilização da atividade com elevado nível de ociosidade e nota a enorme incerteza em relação ao cenário de recuperação da economia internacional.
Em seguida, em dois parágrafos, trata dos elementos-chave para a tomada de decisão de política monetária. Primeiro, lembra que as expectativas inflacionárias dadas pela pesquisa Focus, conduzida pelo BC com agentes do mercado financeiro, indicam que a inflação esperada para 2017 encontra-se acima da meta.
Segundo, que os modelos de inflação, quando rodados no cenário esperado pelo mercado para câmbio e juros, também indicam inflação acima da meta.
O comunicado termina apresentando os fatores que podem pressionar a inflação para mais e para menos nos próximos meses.
Pesando tudo, o Copom decidiu pela manutenção da taxa Selic em 14,25% ao ano.
O tom do comunicado sugere que a formação de expectativas voltou a ter papel central na formulação da política monetária. Parece que uma das precondições para o início de um processo de queda da taxa básica de juros será, como reza o livro-texto de política monetária, que as expectativas de inflação estejam ancoradas na meta.
A ancoragem das expectativas é essencial para que o custo social —na forma de redução da atividade econômica e elevação da taxa de desemprego— do combate à inflação seja baixo.
Quando as expectativas estão ancoradas e a economia sofre um choque de oferta negativo que aumenta a inflação —por exemplo, uma alta na tarifa de energia elétrica em razão de uma seca—, o repasse desse reajuste para os demais preços da economia é menor, pois as pessoas sabem que o BC combaterá esses efeitos secundários do choque de oferta. Isso, por sua vez, torna a tarefa do BC de combater o surto inflacionário bem mais simples.
Nos últimos anos, a importância da ancoragem das expectativas na política monetária foi desconsiderada. Circula uma teoria de que os juros reais são elevados no Brasil em razão de uma conspiração da avenida Faria Lima (sede de muitos bancos) com a diretoria do BC. Essa leitura assevera que o mercado financeiro força as expectativas para cima para fazer com que a Selic, a taxa básica determinada pelo BC, seja maior. Com isso, os bancos engordariam seus lucros.
Evidentemente, essa leitura não encontra nenhum suporte na evidência empírica. As expectativas Focus da inflação um ano à frente têm subestimado fortemente a inflação do ano seguinte. Nos últimos seis anos, a inflação esperada pelo Focus em dezembro foi em média 1,35 ponto percentual menor do que a inflação efetiva no ano seguinte.
No momento, nós sentimos diretamente os custos sociais elevados de as expectativas estarem desancoradas: apesar de a taxa de desemprego ser a maior da história, a inflação tem caído lentamente.
O retorno a uma política monetária "by the book" sinaliza que no futuro próximo esses custos serão menores.
Na onda de mudanças - SUELY CALDAS
O Estado de São Paulo - 24/07
A economia melhora, a Bovespa sobe, o dólar desaba, o risco Brasil cai, o Brasil volta ao mercado de crédito internacional, a confiança no futuro dá os primeiros passos, até o Fundo Monetário Internacional (FMI) revê para melhor suas projeções para a economia brasileira. A política tem ajudado quase nada, atores e métodos continuam os mesmos e o avanço a registrar foi a saída para acabar com a paralisia na votação de leis na Câmara dos Deputados, fundamental para aprovar os ajustes que o País precisa. As primeiras ações da bem avaliada equipe econômica são o que tem amparado a volta da confiança, mas seus integrantes sabem que corrigir a profusão de erros e estragos dos últimos anos vai levar muito mais tempo do que o presidente interino e seus amigos políticos imaginam.
Um desses estragos atingiu brutalmente os fundos de pensão de empresas estatais e seus milhões de participantes e familiares, de repente obrigados a abrir mão de parcela de sua renda para cobrir déficits assustadores, sobretudo dos maiores, ligados à Petrobrás, Caixa Econômica, Correios e Banco do Brasil. Apenas esses quatro, entre 241 planos desses fundos, responderam por quase 70% do déficit total de R$ 77,8 bilhões em 2015, segundo a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). Óbvio que a crise econômica abalou o desempenho dos quatro grandes, mas a influência foi minúscula se comparada aos rombos decorrentes de roubalheiras, incompetência e avanços ruinosos dos governos Lula e Dilma sobre o patrimônio deles. Funcionários ativos e aposentados de dois deles – Petros e Postalis – terão agora de sacar dinheiro do bolso para ajudar a cobrir o rombo.
A raiz da ruína dos fundos de estatais nasce do sistema de escolha dos dirigentes: metade é indicada pela empresa e a outra são sindicalistas eleitos com apoio de partidos políticos. Prato cheio para politizar a gestão, subtrair dinheiro para financiar partidos e enriquecer diretores desonestos. Pairando sobre eles o governo federal, que arranca de seu patrimônio poupança para financiar projetos malsucedidos (Belo Monte, Sete Brasil, Invepar, BRF Foods e JBS são alguns com perdas bilionárias para os fundos). Fundos de Previdência Complementar são instituições de direito privado, cuja gestão deveria ter por foco garantir o pagamento de aposentadorias dos funcionários. Mas, desde a ditadura, todos os governos se arvoram de proprietários das fundações de estatais e usam os recursos como querem. Como no mensalão e na Petrobrás, nos fundos de pensão o PT não inventou, mas abusou mais do que os outros.
Passou no Senado e tramita na Câmara projeto que visa a proteger os participantes desses fundos de políticos e sindicalistas corruptos, ao substituir o sistema de eleição de diretores e conselheiros pela escolha baseada em critérios de capacitação técnica, experiência e profissionalização. Mas o lobby de entidades sindicais ligadas às estatais agiu rápido e “convenceu” os deputados a adiarem para agosto (será?) a votação do projeto. Sindicalistas profissionais nem têm tanta influência sobre trabalhadores, como apregoam, mas é forte seu poder de lobby com políticos, até porque, por vezes, os dois atuam como parceiros em fraudes. Caso do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do petista Marcelo Sereno, que levaram a Petros e a Postalis a absorverem perdas milionárias com a compra de títulos do falido grupo Galileo, do Rio de Janeiro. Na gestão FHC, pela simples razão de possibilitar a fiscalização direta dos funcionários apresentando os resultados financeiros dos fundos na internet, a economista Solange Vieira, que dirigia a Previc na época, foi derrubada do cargo.
Responsável pela fiscalização do setor, a Previc também sofre influência política, é um órgão submisso, fraco, sob as ordens do ministro da Previdência, sem independência, sem poder de punir fraudes dos grandes principalmente, sem amparo legal para atuar com autonomia como o BC ou como a Comissão de Valores Mobiliários. Também precisa mudar.
A economia melhora, a Bovespa sobe, o dólar desaba, o risco Brasil cai, o Brasil volta ao mercado de crédito internacional, a confiança no futuro dá os primeiros passos, até o Fundo Monetário Internacional (FMI) revê para melhor suas projeções para a economia brasileira. A política tem ajudado quase nada, atores e métodos continuam os mesmos e o avanço a registrar foi a saída para acabar com a paralisia na votação de leis na Câmara dos Deputados, fundamental para aprovar os ajustes que o País precisa. As primeiras ações da bem avaliada equipe econômica são o que tem amparado a volta da confiança, mas seus integrantes sabem que corrigir a profusão de erros e estragos dos últimos anos vai levar muito mais tempo do que o presidente interino e seus amigos políticos imaginam.
Um desses estragos atingiu brutalmente os fundos de pensão de empresas estatais e seus milhões de participantes e familiares, de repente obrigados a abrir mão de parcela de sua renda para cobrir déficits assustadores, sobretudo dos maiores, ligados à Petrobrás, Caixa Econômica, Correios e Banco do Brasil. Apenas esses quatro, entre 241 planos desses fundos, responderam por quase 70% do déficit total de R$ 77,8 bilhões em 2015, segundo a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). Óbvio que a crise econômica abalou o desempenho dos quatro grandes, mas a influência foi minúscula se comparada aos rombos decorrentes de roubalheiras, incompetência e avanços ruinosos dos governos Lula e Dilma sobre o patrimônio deles. Funcionários ativos e aposentados de dois deles – Petros e Postalis – terão agora de sacar dinheiro do bolso para ajudar a cobrir o rombo.
A raiz da ruína dos fundos de estatais nasce do sistema de escolha dos dirigentes: metade é indicada pela empresa e a outra são sindicalistas eleitos com apoio de partidos políticos. Prato cheio para politizar a gestão, subtrair dinheiro para financiar partidos e enriquecer diretores desonestos. Pairando sobre eles o governo federal, que arranca de seu patrimônio poupança para financiar projetos malsucedidos (Belo Monte, Sete Brasil, Invepar, BRF Foods e JBS são alguns com perdas bilionárias para os fundos). Fundos de Previdência Complementar são instituições de direito privado, cuja gestão deveria ter por foco garantir o pagamento de aposentadorias dos funcionários. Mas, desde a ditadura, todos os governos se arvoram de proprietários das fundações de estatais e usam os recursos como querem. Como no mensalão e na Petrobrás, nos fundos de pensão o PT não inventou, mas abusou mais do que os outros.
Passou no Senado e tramita na Câmara projeto que visa a proteger os participantes desses fundos de políticos e sindicalistas corruptos, ao substituir o sistema de eleição de diretores e conselheiros pela escolha baseada em critérios de capacitação técnica, experiência e profissionalização. Mas o lobby de entidades sindicais ligadas às estatais agiu rápido e “convenceu” os deputados a adiarem para agosto (será?) a votação do projeto. Sindicalistas profissionais nem têm tanta influência sobre trabalhadores, como apregoam, mas é forte seu poder de lobby com políticos, até porque, por vezes, os dois atuam como parceiros em fraudes. Caso do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do petista Marcelo Sereno, que levaram a Petros e a Postalis a absorverem perdas milionárias com a compra de títulos do falido grupo Galileo, do Rio de Janeiro. Na gestão FHC, pela simples razão de possibilitar a fiscalização direta dos funcionários apresentando os resultados financeiros dos fundos na internet, a economista Solange Vieira, que dirigia a Previc na época, foi derrubada do cargo.
Responsável pela fiscalização do setor, a Previc também sofre influência política, é um órgão submisso, fraco, sob as ordens do ministro da Previdência, sem independência, sem poder de punir fraudes dos grandes principalmente, sem amparo legal para atuar com autonomia como o BC ou como a Comissão de Valores Mobiliários. Também precisa mudar.
Governo ambíguo - MÍRIAM LEITÃO
O Globo - 24/07
Governo Temer tem reformas a prazo e aumento de gastos à vista A marca do governo Temer é a ambiguidade. Ele fala em ajuste e amplia gastos. Acusa o governo Dilma de ter sido gastador e provocado o rombo e solta uma nota dizendo que na administração da presidente afastada houve queda das despesas com salários de funcionários em proporção ao PIB. Anuncia como meta fiscal uma cifra astronômica e mesmo assim precisa recorrer à reserva de emergência.
O pouco crédito que começa a ser dado ao governo pode se estiolar em breve. Basta que alguém grite que o rei está nu. O frágil aumento da confiança se deve menos ao presidente interino e mais ao afastamento de Dilma. É fruto do alívio de um bode sair de uma sala cheia. Como a presidente afastada cometeu uma série de absurdos econômicos e fiscais e levou o país à pior recessão da sua história, qualquer sucedâneo parecia melhor. No segundo momento, é inevitável constatar que o governo Temer não tem compromisso com a estabilidade fiscal, mesmo tendo em sua equipe pessoas cuja marca é a responsabilidade com as contas públicas.
O argumento para o aumento de salários generalizado de servidores é falso. O governo diz que eles já estavam negociados. Ora, foram concessões feitas por Dilma às vésperas de sair. Ela queria fazer média com o funcionalismo e deixar constrangimentos para quem a sucedesse. Conseguiu o que queria. Os aumentos estão sendo confirmados.
É preciso entender a dimensão do que está ocorrendo na economia. Por causa da desordem nas contas públicas o PIB caiu no buraco. Há quase 12 milhões de desempregados. No setor público, há a estabilidade. Os servidores estão, portanto, protegidos do drama do desemprego. É acintoso que numa administração provisória, com tanto trabalhador na rua, sejam reajustados os salários de quem está livre desse risco. O aumento em si pode ser justo, mas é um tratamento desequilibrado.
O argumento de que “já estava previsto no orçamento” é uma falácia. Se já estivesse, o governo não estaria sacando da reserva de contingência para evitar cortes nos gastos. Haverá uma hora em que os analistas vão somar tudo isso: déficits enormes este ano e no próximo, aumentos de salários para funcionários, recuos em promessas, saque em reservas orçamentárias, vetos da área política a novos cortes, medidas controversas. A conclusão será que este governo tem um discurso diferente da prática e é, na verdade, gastador.
De concreto, o que ele propõe são reformas a prazo e aumento de gastos à vista. As propostas de reformas irão ao Congresso em algum momento no futuro, e delas pouco se sabe. Apenas intenções. A única mudança apresentada é o teto de despesas que ainda tramita, pode ser alterado, e exigirá, para ficar de pé, uma reforma da previdência. Do contrário, o país achatará todas as despesas enquanto a conta com os aposentados vai continuar crescendo.
O Brasil está numa situação realmente difícil. Entrou num despenhadeiro fiscal pelas manobras e ilegalidades mais diversas cometidas pela equipe da presidente afastada. O presidente em exercício está em estágio probatório. Precisa de apoio no Congresso e de confiança dos agentes econômicos. Por isso ele fica acendendo velas a entidades com lógicas diferentes, para agradar a todos. O resultado é um governo contraditório.
Enquanto isso, nas hostes da presidente afastada vai se mostrando que os problemas dela foram além da irresponsabilidade fiscal. Os Santana disseram que mentiram quando afirmaram que o dinheiro no exterior foi para pagar a campanha em Angola. Admitem que receberam de caixa 2 no Brasil. Mas, ao corrigir uma mentira, encontraram uma verdade conveniente. Dizem que receberam de Zwi Skornicki em 2013 para pagar 2010. Assim, fica o crime estacionado no mandato concluído e não no atual. A verdade por inteiro é que o casal de marqueteiros trabalhou para Dilma sem interrupção, de uma campanha a outra. Em 2012, quando anunciou a desastrada política energética, João Santana estava com ela orientando a fala na TV, já como pré-campanha da reeleição. E 2013 está mais perto de 2014 do que de 2010. Hoje em dia, o país não se engana.
O Brasil está entre um péssimo governo em queda, e um governo ambíguo com chances de permanecer. Eé o que temos no momento.
Governo Temer tem reformas a prazo e aumento de gastos à vista A marca do governo Temer é a ambiguidade. Ele fala em ajuste e amplia gastos. Acusa o governo Dilma de ter sido gastador e provocado o rombo e solta uma nota dizendo que na administração da presidente afastada houve queda das despesas com salários de funcionários em proporção ao PIB. Anuncia como meta fiscal uma cifra astronômica e mesmo assim precisa recorrer à reserva de emergência.
O pouco crédito que começa a ser dado ao governo pode se estiolar em breve. Basta que alguém grite que o rei está nu. O frágil aumento da confiança se deve menos ao presidente interino e mais ao afastamento de Dilma. É fruto do alívio de um bode sair de uma sala cheia. Como a presidente afastada cometeu uma série de absurdos econômicos e fiscais e levou o país à pior recessão da sua história, qualquer sucedâneo parecia melhor. No segundo momento, é inevitável constatar que o governo Temer não tem compromisso com a estabilidade fiscal, mesmo tendo em sua equipe pessoas cuja marca é a responsabilidade com as contas públicas.
O argumento para o aumento de salários generalizado de servidores é falso. O governo diz que eles já estavam negociados. Ora, foram concessões feitas por Dilma às vésperas de sair. Ela queria fazer média com o funcionalismo e deixar constrangimentos para quem a sucedesse. Conseguiu o que queria. Os aumentos estão sendo confirmados.
É preciso entender a dimensão do que está ocorrendo na economia. Por causa da desordem nas contas públicas o PIB caiu no buraco. Há quase 12 milhões de desempregados. No setor público, há a estabilidade. Os servidores estão, portanto, protegidos do drama do desemprego. É acintoso que numa administração provisória, com tanto trabalhador na rua, sejam reajustados os salários de quem está livre desse risco. O aumento em si pode ser justo, mas é um tratamento desequilibrado.
O argumento de que “já estava previsto no orçamento” é uma falácia. Se já estivesse, o governo não estaria sacando da reserva de contingência para evitar cortes nos gastos. Haverá uma hora em que os analistas vão somar tudo isso: déficits enormes este ano e no próximo, aumentos de salários para funcionários, recuos em promessas, saque em reservas orçamentárias, vetos da área política a novos cortes, medidas controversas. A conclusão será que este governo tem um discurso diferente da prática e é, na verdade, gastador.
De concreto, o que ele propõe são reformas a prazo e aumento de gastos à vista. As propostas de reformas irão ao Congresso em algum momento no futuro, e delas pouco se sabe. Apenas intenções. A única mudança apresentada é o teto de despesas que ainda tramita, pode ser alterado, e exigirá, para ficar de pé, uma reforma da previdência. Do contrário, o país achatará todas as despesas enquanto a conta com os aposentados vai continuar crescendo.
O Brasil está numa situação realmente difícil. Entrou num despenhadeiro fiscal pelas manobras e ilegalidades mais diversas cometidas pela equipe da presidente afastada. O presidente em exercício está em estágio probatório. Precisa de apoio no Congresso e de confiança dos agentes econômicos. Por isso ele fica acendendo velas a entidades com lógicas diferentes, para agradar a todos. O resultado é um governo contraditório.
Enquanto isso, nas hostes da presidente afastada vai se mostrando que os problemas dela foram além da irresponsabilidade fiscal. Os Santana disseram que mentiram quando afirmaram que o dinheiro no exterior foi para pagar a campanha em Angola. Admitem que receberam de caixa 2 no Brasil. Mas, ao corrigir uma mentira, encontraram uma verdade conveniente. Dizem que receberam de Zwi Skornicki em 2013 para pagar 2010. Assim, fica o crime estacionado no mandato concluído e não no atual. A verdade por inteiro é que o casal de marqueteiros trabalhou para Dilma sem interrupção, de uma campanha a outra. Em 2012, quando anunciou a desastrada política energética, João Santana estava com ela orientando a fala na TV, já como pré-campanha da reeleição. E 2013 está mais perto de 2014 do que de 2010. Hoje em dia, o país não se engana.
O Brasil está entre um péssimo governo em queda, e um governo ambíguo com chances de permanecer. Eé o que temos no momento.
O silêncio dos empresários - MARIO CESAR CARVALHO
FOLHA DE SP - 24/07
Você já ouviu empresário falar abertamente que algum político ou agente público pediu propina em troca de um favor do governo?
Só lembro de uma honrosa exceção em tempos recentes: o caso em que o Itaú Unibanco acionou a Polícia Federal, no começo deste mês, quando o conselheiro de um órgão da Receita Federal pediu R$ 1,5 milhão para votar a favor da instituição num processo sobre os impostos decorrentes da fusão.
Antes disso, o máximo que vi foi empresário preso pela Lava Jato alegar que só pagara suborno porque fora extorquido: ou pagava ou o negócio não seria fechado.
A resposta do juiz federal Sergio Moro a essa alegação é quase sempre a mesma: "Quem é extorquido procura a polícia, não o mundo das sombras".
Ao preferir o silêncio à acusação, os empresários tornam-se sócios dos políticos corruptos. O argumento de que faliriam se abrissem a boca poderia ser verdadeiro no passado, mas não no mundo pós-Lava Jato. O estágio pré-falimentar de grandes empreiteiras, como a OAS, é um indício da falácia dessa justificativa.
Os empresários precisam falar sobre corrupção porque o pagamento de propina tornou-se um modelo de negócio, com vários efeitos negativos: eleva custos, aumenta riscos e pode resultar em perdas milionárias quando se descobre o crime.
Algumas das empresas que mais cresceram na última década estão sob investigação. E elas cresceram não por conta de aumento de produtividade ou inovação, dois vetores clássicos da expansão dos negócios, mas por pagar suborno para obter contratos.
A ideia de que empresários precisam falar abertamente sobre corrupção é da Control Risks, empresa global especializada em integridade corporativa. Foi apresentada em seminário internacional realizado em Londres sobre corrupção.
A Control Risks fez uma pesquisa global com 800 executivos da área legal e chegou a um resultado que os próprios consultores consideram assustador: 42% dos entrevistados diziam que não fariam nada se perdessem um negócio para um competidor que pagou suborno para fechar o contrato; só 19% afirmaram que procurariam a polícia.
Quase dois anos antes da Control Risk defender essa estratégia, Moro já batia na tecla de que os empresários são uma das forças mais importantes para combater a cultura do suborno. É por isso que costuma aceitar convites para falar em eventos corporativos.
É óbvio que não é fácil para os empresários falar de suborno. As corporações precisam de segurança jurídica e de apoio governamental para se sentirem seguras de que não sofrerão retaliação. Esse é o maior desafio para um governo que se mostra titubeante no combate à corrupção, quando não parece querer enterrar a Lava Jato para salvar a caciquia do PMDB.
Você já ouviu empresário falar abertamente que algum político ou agente público pediu propina em troca de um favor do governo?
Só lembro de uma honrosa exceção em tempos recentes: o caso em que o Itaú Unibanco acionou a Polícia Federal, no começo deste mês, quando o conselheiro de um órgão da Receita Federal pediu R$ 1,5 milhão para votar a favor da instituição num processo sobre os impostos decorrentes da fusão.
Antes disso, o máximo que vi foi empresário preso pela Lava Jato alegar que só pagara suborno porque fora extorquido: ou pagava ou o negócio não seria fechado.
A resposta do juiz federal Sergio Moro a essa alegação é quase sempre a mesma: "Quem é extorquido procura a polícia, não o mundo das sombras".
Ao preferir o silêncio à acusação, os empresários tornam-se sócios dos políticos corruptos. O argumento de que faliriam se abrissem a boca poderia ser verdadeiro no passado, mas não no mundo pós-Lava Jato. O estágio pré-falimentar de grandes empreiteiras, como a OAS, é um indício da falácia dessa justificativa.
Os empresários precisam falar sobre corrupção porque o pagamento de propina tornou-se um modelo de negócio, com vários efeitos negativos: eleva custos, aumenta riscos e pode resultar em perdas milionárias quando se descobre o crime.
Algumas das empresas que mais cresceram na última década estão sob investigação. E elas cresceram não por conta de aumento de produtividade ou inovação, dois vetores clássicos da expansão dos negócios, mas por pagar suborno para obter contratos.
A ideia de que empresários precisam falar abertamente sobre corrupção é da Control Risks, empresa global especializada em integridade corporativa. Foi apresentada em seminário internacional realizado em Londres sobre corrupção.
A Control Risks fez uma pesquisa global com 800 executivos da área legal e chegou a um resultado que os próprios consultores consideram assustador: 42% dos entrevistados diziam que não fariam nada se perdessem um negócio para um competidor que pagou suborno para fechar o contrato; só 19% afirmaram que procurariam a polícia.
Quase dois anos antes da Control Risk defender essa estratégia, Moro já batia na tecla de que os empresários são uma das forças mais importantes para combater a cultura do suborno. É por isso que costuma aceitar convites para falar em eventos corporativos.
É óbvio que não é fácil para os empresários falar de suborno. As corporações precisam de segurança jurídica e de apoio governamental para se sentirem seguras de que não sofrerão retaliação. Esse é o maior desafio para um governo que se mostra titubeante no combate à corrupção, quando não parece querer enterrar a Lava Jato para salvar a caciquia do PMDB.
A consolidação da recuperação - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
ESTADÃO - 24/07
Já é possível a esta altura antever a consolidação de uma certa recuperação da economia. Como já colocamos várias vezes neste espaço, esperamos que o PIB pare de cair no segundo semestre (consistente com a queda de 3,1% para o ano de 2016) e um crescimento de 2% no próximo ano. Várias razões para tanto podem ser alinhadas.
A eleição de Rodrigo Maia para presidente da Câmara dos Deputados representou uma mudança de qualidade na política: numa só tacada perderam Lula, Dilma, PT, Eduardo Cunha e o baixo clero, representado pelo Centrão. Acho que podemos soltar foguetes pelo fim da proeminência dos maranhões e severinos, tanto quanto pela montagem civilizada e democrática de uma pauta de projetos que interessa muito ao País e não a grupelhos e paróquias.
O esperado afastamento definitivo de Eduardo Cunha e Dilma Rousseff no mês de agosto significa outra mudança de qualidade, pois sairá um sistema de poder que nos governa desde 2003 para a entrada de uma outra base política. O presidente Temer se tornará efetivo e poderá, portanto, governar plenamente. A reação do meio político e dos mercados mostra a antecipação desse cenário.
Caminhamos, também, para uma significativa melhoria na governança pública.
A corrupção sistêmica vai sair do ar, com ativo suporte da população e por um bom tempo. Isso inclui não apenas o executivo, mas suas empresas. A nova administração da Petrobrás, por exemplo, está levando a companhia para um padrão muito mais elevado de gestão empresarial, que começa a tornar possível uma forte recuperação da empresa, depois da inacreditável destruição a que foi submetida.
Com o alívio no front político, parece possível aprovar neste semestre três ou quatro coisas muito relevantes, a saber: DRU, PEC do teto dos gastos públicos, algo na Previdência (idade mínima de aposentadoria?) e na área trabalhista (a prevalência do negociado entre as partes em relação à Justiça do Trabalho?). O compromisso com o ajuste fiscal será real, embora não se possa esperar nem um avanço radical ou, mesmo, a apresentação de um conjunto acabado de propostas de reforma, como querem alguns. Numa democracia, o executivo não faz tudo o que quer, e o que faz, tem que seguir o tempo da política.
Com esse pano de fundo, as expectativas provavelmente continuarão a melhorar, especialmente, com o esperado afastamento definitivo da presidente Dilma. Muitas decisões econômicas já estão à espera dessa definição, desde a partida de alguns projetos locais à internação de recursos vindos do exterior. A propósito, será neste momento que nossa moeda testará R$ 3,00 por dólar.
Apesar de se projetar uma contribuição menor das exportações líquidas ao longo do tempo (fruto da desaceleração global e da valorização em curso do real) elas serão relevantes na recuperação, mesmo da indústria. As exportações do agronegócio continuarão bombando.
O setor de petróleo poderá dar alguma ajuda ao investimento, na medida em que se aprove a flexibilização na obrigatoriedade da Petrobrás de ser operadora de todos os projetos do pré-sal, o que deve acontecer rapidamente. Também se espera a continuidade na revisão das regras de conteúdo nacional, como se fez recentemente com as embarcações de apoio. Com isso, será possível realizar leilões que voltem a atrair capital privado ao lado das ações a serem definidas no novo programa de investimentos da estatal.
Alguns projetos de aeroportos, terminais portuários e estradas poderão ser licitados e virar obras até o final de 2017. Se bem arquitetados, têm demanda e operadores suficientes para ter sucesso. Isso é decisivo porque, dada a capacidade ociosa da indústria, apenas os de infraestrutura podem elevar a formação de capital. Ademais é, seguramente, o segmento através do qual se pode elevar a produtividade do sistema, rapidamente. O papel do BNDES vai ser muito importante.
O excesso de estoque de imóveis residenciais poderá ser reduzido até o ano que vem, quando então poderemos assistir a novos lançamentos e obras. Finalmente, com a melhora na confiança, alguns acréscimos no consumo doméstico devem ocorrer.
Entretanto, a retomada mais consistente do crescimento esbarra em duas dificuldades. Embora o governo Temer vá se consolidar no curto prazo, já no ano que vem, outra incerteza política vai afetar todos nós: quem será e o que fará o (a) sucessor (a) eleito (a) em 2018.
Por ora, o que existe é uma absoluta indefinição, a ser lidada no momento adequado. Por outro lado, colocar o País numa trajetória de crescimento sustentado também esbarra na pobreza da discussão do que queremos construir.
Nos últimos anos, a crise também se abateu sobre os centros de pensamento e discussão, especialmente como resultado da polarização ideológica. Universidades, centros de pesquisa, áreas técnicas do Estado e outras perderam foco, orçamento e vigor. Em consequência, não existe muita clareza acerca das alternativas que poderiam ser consideradas em amplas áreas, como Previdência, regulação do mercado de trabalho, sistema tributário, estratégias urbanas, Educação e Saúde.
Fazer escolhas, elaborar e aprovar projetos e convencer a população não será tarefa simples.
/ ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS.
O galope de Russomanno - BERNARDO MELLO FRANCO
FOLHA DE SP - 24/07
A corrida à Prefeitura de São Paulo começa para valer neste domingo (24). O deputado Celso Russomanno larga na frente, mas arrisca sair mais cedo do páreo. Isolado num partido pequeno, ele precisa confirmar que será mesmo candidato. Se for, terá que superar o estigma de cavalo paraguaio.
O primeiro desafio não depende de Russomanno. Ele corre o risco de ser barrado pela lei da Ficha Limpa, caso seja condenado por peculato no Supremo. O deputado é acusado de usar uma assessora remunerada pela Câmara como funcionária de sua produtora de vídeo. O caso deve ser julgado no início de agosto.
Se escapar das garras do tribunal, o candidato do PRB enfrentará o segundo teste. Terá que transformar o favoritismo inicial, que mistura a fama da TV e o recall da última eleição, em garantia de voto na urna. Em 2012 ele também saiu na frente, mas perdeu o fôlego e foi ultrapassado na reta final do primeiro turno.
Se a eleição fosse uma corrida no Jockey, o xerife do consumidor largaria com vários corpos de vantagem. Ele aparece com 25% no Datafolha. A segunda colocada, Marta Suplicy, tem apenas 16%. Os candidatos de PT e PSDB, que costumam dominar a grama de São Paulo, arrastam-se em quarto e quinto lugar.
Num cenário de mau humor com os grandes partidos, o personagem de Russomanno parece cair como uma luva. Apesar de estar no quinto mandato de deputado, ele se apresenta como alternativa aos políticos tradicionais. Seu discurso telepopulista promete soluções rápidas e rasteiras para tudo. Resta esconder os rolos com a Justiça e a companhia dos bispos da Universal.
A campanha deste ano será mais curta. O petista Fernando Haddad precisa reduzir a rejeição em tempo recorde, e o tucano João Dória terá poucas semanas para entender que não está num reality show. Quando eles entrarem no ritmo do páreo, Russomanno pode já ter galopado até o segundo turno.
A corrida à Prefeitura de São Paulo começa para valer neste domingo (24). O deputado Celso Russomanno larga na frente, mas arrisca sair mais cedo do páreo. Isolado num partido pequeno, ele precisa confirmar que será mesmo candidato. Se for, terá que superar o estigma de cavalo paraguaio.
O primeiro desafio não depende de Russomanno. Ele corre o risco de ser barrado pela lei da Ficha Limpa, caso seja condenado por peculato no Supremo. O deputado é acusado de usar uma assessora remunerada pela Câmara como funcionária de sua produtora de vídeo. O caso deve ser julgado no início de agosto.
Se escapar das garras do tribunal, o candidato do PRB enfrentará o segundo teste. Terá que transformar o favoritismo inicial, que mistura a fama da TV e o recall da última eleição, em garantia de voto na urna. Em 2012 ele também saiu na frente, mas perdeu o fôlego e foi ultrapassado na reta final do primeiro turno.
Se a eleição fosse uma corrida no Jockey, o xerife do consumidor largaria com vários corpos de vantagem. Ele aparece com 25% no Datafolha. A segunda colocada, Marta Suplicy, tem apenas 16%. Os candidatos de PT e PSDB, que costumam dominar a grama de São Paulo, arrastam-se em quarto e quinto lugar.
Num cenário de mau humor com os grandes partidos, o personagem de Russomanno parece cair como uma luva. Apesar de estar no quinto mandato de deputado, ele se apresenta como alternativa aos políticos tradicionais. Seu discurso telepopulista promete soluções rápidas e rasteiras para tudo. Resta esconder os rolos com a Justiça e a companhia dos bispos da Universal.
A campanha deste ano será mais curta. O petista Fernando Haddad precisa reduzir a rejeição em tempo recorde, e o tucano João Dória terá poucas semanas para entender que não está num reality show. Quando eles entrarem no ritmo do páreo, Russomanno pode já ter galopado até o segundo turno.
O jogo de aprender - FERNANDO GABEIRA
O Globo - 24/07
Esporte amador seguirá à míngua no país. Nesta semana, li um artigo da colunista Sally Jenkins, do “Washington Post”, afirmando que o Rio não está pronto para os Jogos Olímpicos e a culpa é do Comitê Olímpico Internacional, o COI. Ela cita os mesmos problemas de violência, poluição, crise econômica e acrescenta um que não estava tanto no meu radar: a superbactéria encontrada nas praias de Copacabana. Conhecida na intimidade científica como KPC, a superbactéria foi encontrada em cinco praias da Zona Sul. Os pesquisadores da UFRJ, no entanto, após a descoberta, afirmaram que não havia razões para alarme.
Todos os problemas apontados por ela me levaram a uma conclusão diferente: a culpa é dos líderes brasileiros que optaram pela Olimpíada no Rio. Mas a colunista do “Washington Post” tem razão ao afirmar que o COI vacilou e é responsável pela aventura de milhares de turistas que virão ao Rio ver os Jogos. Por baixo de tudo, afirma ela, estão milhões de dólares que o negócio produz. Como um simples atleta amador, os Jogos já estão mudando minha vida cotidiana. O trânsito está bastante lento. Na Lagoa Rodrigo de Freitas um longo trecho foi interditado aos ciclistas e corredores.
No Flamengo vai ser inaugurada uma nova piscina. Os norte-americanos vão treinar aqui. A primeira consequência da medida é a retirada dos gatos. Eles sempre viveram nas proximidades da piscina. Houve um momento em que a arquibancada era frequentada por um gambá, que fotografei algumas vezes e era um belo animal. Não sei se os americanos não querem os gatos ou se a própria direção do Flamengo aproveitou o pretexto para expulsá-los. Mas não são os pequenos dissabores cotidianos que me preocupam como atleta amador. É todo o enfoque da política brasileira voltada para os grandes eventos e provas de alta performance.
No mês em que a Olimpíada começa foi fechada a Vila Olímpica do Complexo do Alemão, chamada Carlos Castilho em homenagem ao fantástico goleiro do Flu. Existe sempre uma tensão na política de esportes entre as tendências de fazer muitos espectadores ou muitos praticantes do esporte. Não são, necessariamente, contraditórias. Mas a ênfase no momento está no atletismo de grande performance, no espetáculo. Na Zona Norte do Rio quase não há piscinas em que a garotada possa aprender a nadar. Numa cidade como o Rio, os esportes aquáticos como natação, water polo, surfe têm um enorme potencial de crescimento.
A ênfase num espetáculo grandioso como a Olimpíada, num país de cobertor curto como o nosso, significa, de certa maneira, sacrificar o investimento no esporte amador, em sintonia com as escolas. A Olimpíada custa e, conforme se propaga, deixará legados. Mas o que significa um velódromo para os moradores da Zona Oeste que, diariamente, são obrigados a desbravar uma ciclovia cheia de buracos, postes e lixo? Os custos dos Jogos não se limitam aos investimentos feitos pelo governo. Eles se estendem também a uma extensa rede de isenções de impostos, a mesma tática que o governo PT-PMDB usou para a indústria automobilística. Recentemente, a cidade inaugurou um campo de golfe na Barra da Tijuca. Havia outros no Rio, mas não estavam dentro dos padrões do COI. O próprio Ministério Público já denunciou a obra como ambientalmente incorreta. Logo depois disso, vi uma entrevista de Eduardo Paes, lamentando que os grandes jogadores de golfe não queiram participar da Olimpíada do Rio. O campo foi construído para eles e terá um papel secundário nos jogos.
Nada contra o golfe. Na verdade, quem tem algo contra o golfe são os próprios políticos brasileiros que lutaram pela Olimpíada no Rio. Lembro-me do diálogo de um garoto que morava na comunidade Nelson Mandela com Lula e Cabral. Foi gravado e difundido na internet. Num momento do diálogo, o garoto fala em seu desejo de aprender golfe. Lula responde agressivamente: mas golfe é esporte burguês. Aproveitei a oportunidade, na época, para mostrar o campo de golfe de Japeri, na Baixada Fluminense. Ali há um programa de ensino para garotos da região. Um deles tornou-se campeão nacional. Isso não é o mais importante. O fato é que todos os outros podem treinar, diariamente, e travar contato com um esporte que desenvolve seu potencial humano como qualquer outra modalidade. Concordo com a colunista do “Post” quando afirma que o COI se move com a perspectiva do lucro. Mas e os políticos, se movem com que perspectiva?
Uma delas sem dúvida é a aspiração de glória e poder. Naquele rápido e espontâneo diálogo com o garoto da Mandela, Lula e Cabral revelaram não apenas preconceitos, mas também como são débeis seus vínculos com uma política de democratização da prática esportiva. Continuo desejando que a Olimpíada sejam um êxito, embora a simples normalidade já baste. A esperança é de que os políticos que vão surgir, disputando a modalidade voto direto, reflitam melhor entre produzir espectadores ou produzir atores no cenário esportivo.
Esporte amador seguirá à míngua no país. Nesta semana, li um artigo da colunista Sally Jenkins, do “Washington Post”, afirmando que o Rio não está pronto para os Jogos Olímpicos e a culpa é do Comitê Olímpico Internacional, o COI. Ela cita os mesmos problemas de violência, poluição, crise econômica e acrescenta um que não estava tanto no meu radar: a superbactéria encontrada nas praias de Copacabana. Conhecida na intimidade científica como KPC, a superbactéria foi encontrada em cinco praias da Zona Sul. Os pesquisadores da UFRJ, no entanto, após a descoberta, afirmaram que não havia razões para alarme.
Todos os problemas apontados por ela me levaram a uma conclusão diferente: a culpa é dos líderes brasileiros que optaram pela Olimpíada no Rio. Mas a colunista do “Washington Post” tem razão ao afirmar que o COI vacilou e é responsável pela aventura de milhares de turistas que virão ao Rio ver os Jogos. Por baixo de tudo, afirma ela, estão milhões de dólares que o negócio produz. Como um simples atleta amador, os Jogos já estão mudando minha vida cotidiana. O trânsito está bastante lento. Na Lagoa Rodrigo de Freitas um longo trecho foi interditado aos ciclistas e corredores.
No Flamengo vai ser inaugurada uma nova piscina. Os norte-americanos vão treinar aqui. A primeira consequência da medida é a retirada dos gatos. Eles sempre viveram nas proximidades da piscina. Houve um momento em que a arquibancada era frequentada por um gambá, que fotografei algumas vezes e era um belo animal. Não sei se os americanos não querem os gatos ou se a própria direção do Flamengo aproveitou o pretexto para expulsá-los. Mas não são os pequenos dissabores cotidianos que me preocupam como atleta amador. É todo o enfoque da política brasileira voltada para os grandes eventos e provas de alta performance.
No mês em que a Olimpíada começa foi fechada a Vila Olímpica do Complexo do Alemão, chamada Carlos Castilho em homenagem ao fantástico goleiro do Flu. Existe sempre uma tensão na política de esportes entre as tendências de fazer muitos espectadores ou muitos praticantes do esporte. Não são, necessariamente, contraditórias. Mas a ênfase no momento está no atletismo de grande performance, no espetáculo. Na Zona Norte do Rio quase não há piscinas em que a garotada possa aprender a nadar. Numa cidade como o Rio, os esportes aquáticos como natação, water polo, surfe têm um enorme potencial de crescimento.
A ênfase num espetáculo grandioso como a Olimpíada, num país de cobertor curto como o nosso, significa, de certa maneira, sacrificar o investimento no esporte amador, em sintonia com as escolas. A Olimpíada custa e, conforme se propaga, deixará legados. Mas o que significa um velódromo para os moradores da Zona Oeste que, diariamente, são obrigados a desbravar uma ciclovia cheia de buracos, postes e lixo? Os custos dos Jogos não se limitam aos investimentos feitos pelo governo. Eles se estendem também a uma extensa rede de isenções de impostos, a mesma tática que o governo PT-PMDB usou para a indústria automobilística. Recentemente, a cidade inaugurou um campo de golfe na Barra da Tijuca. Havia outros no Rio, mas não estavam dentro dos padrões do COI. O próprio Ministério Público já denunciou a obra como ambientalmente incorreta. Logo depois disso, vi uma entrevista de Eduardo Paes, lamentando que os grandes jogadores de golfe não queiram participar da Olimpíada do Rio. O campo foi construído para eles e terá um papel secundário nos jogos.
Nada contra o golfe. Na verdade, quem tem algo contra o golfe são os próprios políticos brasileiros que lutaram pela Olimpíada no Rio. Lembro-me do diálogo de um garoto que morava na comunidade Nelson Mandela com Lula e Cabral. Foi gravado e difundido na internet. Num momento do diálogo, o garoto fala em seu desejo de aprender golfe. Lula responde agressivamente: mas golfe é esporte burguês. Aproveitei a oportunidade, na época, para mostrar o campo de golfe de Japeri, na Baixada Fluminense. Ali há um programa de ensino para garotos da região. Um deles tornou-se campeão nacional. Isso não é o mais importante. O fato é que todos os outros podem treinar, diariamente, e travar contato com um esporte que desenvolve seu potencial humano como qualquer outra modalidade. Concordo com a colunista do “Post” quando afirma que o COI se move com a perspectiva do lucro. Mas e os políticos, se movem com que perspectiva?
Uma delas sem dúvida é a aspiração de glória e poder. Naquele rápido e espontâneo diálogo com o garoto da Mandela, Lula e Cabral revelaram não apenas preconceitos, mas também como são débeis seus vínculos com uma política de democratização da prática esportiva. Continuo desejando que a Olimpíada sejam um êxito, embora a simples normalidade já baste. A esperança é de que os políticos que vão surgir, disputando a modalidade voto direto, reflitam melhor entre produzir espectadores ou produzir atores no cenário esportivo.
Quando setembro vier - DORA KRAMER
ESTADÃO - 24/07
Se efetivado, Temer falará ao País sobre passado recente, o presente e futuro do governo
No dia seguinte à aprovação do impeachment de Dilma Rousseff - com 60 votos dos 81 senadores nas contas do governo - Michel Temer fará um pronunciamento à nação cujo esboço já se desenha em três temas: balanço sobre a situação que encontrou, o apanhado das ações executadas na interinidade e um conjunto de diretrizes para os próximos dois anos e meio.
“Não vou falar em herança maldita ou coisa parecida, como fizeram”, diz Temer, acentuando propositadamente a ocultação dos sujeitos na frase, Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff, a fim de destacar o caráter institucional da declaração.
Atento às formalidades, Temer não senta, não despacha nem recebe pessoas na mesa presidencial, localizada a cinco passos de distância. Um móvel redondo de 12 lugares para reuniões. Só vai trocá-lo pelo assento presidencial quando, e se, o Senado confirmá-lo no cargo.
A julgar pelo que ele diz, pouco ou quase nada vai mudar além da cadeira onde hoje se senta o presidente a partir de setembro, quando, na avaliação corrente no Planalto, Dilma estará definitivamente afastada do cargo. O lugar comum - “em time que está ganhando não se mexe” - é dito e repetido em qualquer gabinete do Palácio a que se vá. Aí incluído o do presidente, cuja percepção é a de que as coisas caminham bem quando são bem cuidadas.
Três fatores, na percepção dele, são essenciais: autocrítica, bom humor e radar azeitado para não repetir erros. De onde não pretende se envolver nas campanhas eleitorais dos aliados (muito menos em São Paulo e Rio). Vai à cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos com a certeza de que será vaiado - “estou preparadíssimo” - partindo do princípio de Nelson Rodrigues segundo o qual no Maracanã o público “vaia até minuto de silêncio”.
Até sexta-feira, Dilma Rousseff ainda não informara ao Palácio do Planalto se iria ou não à abertura da Olimpíada. Aposta recorrente por lá: não vai.
Maioria absoluta. O governo decidiu se concentrar em dois pontos na mudança de regras eleitorais, justamente os que têm a simpatia dos partidos com maior número de votos no Congresso em geral, Câmara em particular: fim das coligações em eleições proporcionais (deputados e vereadores) e imposição de um patamar de votos a serem obtidos nas urnas para que as agremiações tenham acesso ao dinheiro do Fundo Partidário e ao horário eleitoral no rádio e na televisão, a chamada cláusula de barreira.
Uma reforma política ampla até será proposta pelo Poder Executivo, mas sem a convicção de que pode ser aprovada. Já os dois pontos escolhidos, na visão do Palácio do Planalto, têm chance de passar. O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, faz as contas. São 14 os partidos com menos de dez deputados e cinco aqueles com menos de 20. No total, 19. O restante das legendas com representação na Câmara somam 435 dos 512 votos possíveis. O de Eduardo Cunha não é contabilizado, pois ele está afastado de suas funções parlamentares.
Interessaria aos maiores partidos aprovar as duas medidas porque a redução de concorrentes aumentaria a parcela de cada um tanto no Fundo Partidário quanto no horário eleitoral. A ideia seria reduzir os atuais 35 partidos - sem contar os 29 com pedidos de registro no Tribunal Superior Eleitoral - para algo em torno de oito, no máximo 12 legendas.
Pela Emenda à Constituição de autoria dos senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES), os partidos deverão obter 2% dos votos em 14 Estados na eleição de 2018 e 3% em 2022. Os maiores prejudicados serão os partidos de esquerda, hoje integrantes do grupo dos minoritários, que vão precisar investir na conquista do eleitorado para continuar tendo acesso ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral.
Se efetivado, Temer falará ao País sobre passado recente, o presente e futuro do governo
No dia seguinte à aprovação do impeachment de Dilma Rousseff - com 60 votos dos 81 senadores nas contas do governo - Michel Temer fará um pronunciamento à nação cujo esboço já se desenha em três temas: balanço sobre a situação que encontrou, o apanhado das ações executadas na interinidade e um conjunto de diretrizes para os próximos dois anos e meio.
“Não vou falar em herança maldita ou coisa parecida, como fizeram”, diz Temer, acentuando propositadamente a ocultação dos sujeitos na frase, Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff, a fim de destacar o caráter institucional da declaração.
Atento às formalidades, Temer não senta, não despacha nem recebe pessoas na mesa presidencial, localizada a cinco passos de distância. Um móvel redondo de 12 lugares para reuniões. Só vai trocá-lo pelo assento presidencial quando, e se, o Senado confirmá-lo no cargo.
A julgar pelo que ele diz, pouco ou quase nada vai mudar além da cadeira onde hoje se senta o presidente a partir de setembro, quando, na avaliação corrente no Planalto, Dilma estará definitivamente afastada do cargo. O lugar comum - “em time que está ganhando não se mexe” - é dito e repetido em qualquer gabinete do Palácio a que se vá. Aí incluído o do presidente, cuja percepção é a de que as coisas caminham bem quando são bem cuidadas.
Três fatores, na percepção dele, são essenciais: autocrítica, bom humor e radar azeitado para não repetir erros. De onde não pretende se envolver nas campanhas eleitorais dos aliados (muito menos em São Paulo e Rio). Vai à cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos com a certeza de que será vaiado - “estou preparadíssimo” - partindo do princípio de Nelson Rodrigues segundo o qual no Maracanã o público “vaia até minuto de silêncio”.
Até sexta-feira, Dilma Rousseff ainda não informara ao Palácio do Planalto se iria ou não à abertura da Olimpíada. Aposta recorrente por lá: não vai.
Maioria absoluta. O governo decidiu se concentrar em dois pontos na mudança de regras eleitorais, justamente os que têm a simpatia dos partidos com maior número de votos no Congresso em geral, Câmara em particular: fim das coligações em eleições proporcionais (deputados e vereadores) e imposição de um patamar de votos a serem obtidos nas urnas para que as agremiações tenham acesso ao dinheiro do Fundo Partidário e ao horário eleitoral no rádio e na televisão, a chamada cláusula de barreira.
Uma reforma política ampla até será proposta pelo Poder Executivo, mas sem a convicção de que pode ser aprovada. Já os dois pontos escolhidos, na visão do Palácio do Planalto, têm chance de passar. O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, faz as contas. São 14 os partidos com menos de dez deputados e cinco aqueles com menos de 20. No total, 19. O restante das legendas com representação na Câmara somam 435 dos 512 votos possíveis. O de Eduardo Cunha não é contabilizado, pois ele está afastado de suas funções parlamentares.
Interessaria aos maiores partidos aprovar as duas medidas porque a redução de concorrentes aumentaria a parcela de cada um tanto no Fundo Partidário quanto no horário eleitoral. A ideia seria reduzir os atuais 35 partidos - sem contar os 29 com pedidos de registro no Tribunal Superior Eleitoral - para algo em torno de oito, no máximo 12 legendas.
Pela Emenda à Constituição de autoria dos senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES), os partidos deverão obter 2% dos votos em 14 Estados na eleição de 2018 e 3% em 2022. Os maiores prejudicados serão os partidos de esquerda, hoje integrantes do grupo dos minoritários, que vão precisar investir na conquista do eleitorado para continuar tendo acesso ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral.
A máquina das mentiras da Sete Brasil - ELIO GASPARI
O GLOBO - 24/07
Desde o final de 2014, sabe-se que a Sete Brasil, empresa que forneceria 29 sondas à Petrobras, era uma fabricação duvidosa na origem, anacrônica nos meios e perdulária nos fins. Ideia do petrogatuno Pedro Barusco, produziria equipamentos caros, porém nacionais.
Lula meteu no negócio de R$ 28 bilhões os fundos estatais (Previ, Petros, Funcef, mais as arcas do FGTS) e atraiu os bancos BTG Pactual, Bradesco e Santander. As coisas só iriam bem se o BNDES financiasse R$ 8,8 bilhões, mas o banco sentiu o cheiro de queimado e retraiu-se. Micou a Caixa Econômica, com R$ 700 milhões.
Até aí há apenas mais uma petrorroubalheira. No caso da Sete houve mais. Construiu-se uma catedral de patranhas indicativa de que, apesar da Lava Jato, ainda há gente jogando com a boa fé do público e as ilusões do mercado. Ao longo de dois anos, repetiu-se que o problema seria resolvido pelo BNDES. Fechada essa porta, tudo seria acertado com um redimensionamento do contrato pela Petrobras. Era tudo fantasia, e a empresa marchava para a recuperação judicial.
Em maio do ano passado, o presidente da Sete Brasil, Luiz Eduardo Carneiro, disse à CPI da Petrobras que auditores externos examinaram a empresa e nada acharam de anormal. Mais: informou que Pedro Barusco e João Carlos Ferraz (seu antecessor no cargo) não foram "bons" executivos. Carneiro dizia essas coisas enquanto Ferraz negociava sua colaboração com o Ministério Público.
Na semana passada, Ferraz contou ao juiz Sergio Moro que cobrava propinas de 0,9% aos estaleiros que contratava e dividia o butim com João Vaccari, então tesoureiro do PT. O comissariado coletava dois terços e o terço restante ia para Barusco e outros dois diretores da Petrobras.
Os bancos que investiram na Sete, bem como empresas que pagavam propinas, têm ações no mercado. A propagação de mentiras e fantasias em torno das atividades da Sete não ofendiam apenas os otários que lhes davam crédito. Iludiam também o mercado.
MADAME NATASHA
Madame Natasha concedeu uma rápida bolsa de estudos ao presidente da Petrobras, doutor Pedro Parente. É apenas um pedido para que evite repetir uma expressão que usou ao enumerar seu planos para a empresa.
Ele disse o seguinte:
"Na hipótese de a gente abrir a maior parte do controle, é com co-controle."
Considerando o que fizeram seus antecessores, ele deveria evitar o uso desse bissílabo mesmo como prefixo. No caso, "controle compartilhado" iria bem.
RECORDAR É VIVER
Para a história da Petrobras. O marechal Waldemar Levy Cardoso morreu em 2009. Ele presidiu a empresa em 1969 e ficou no seu conselho até 1985.
Levy Cardoso morreu aos 108 anos e, além do nome, deixou para a família apenas um apartamento de três quartos, sala e um banheiro, na rua Tonelero, em Copacabana.
MARCA-PASSOS
Não era só a quadrilha dos marca-passos cerebrais do Hospital da Clínicas que agia na medicina pública de São Paulo. Há anos, outras quadrilhas de médicos acertados com fabricantes trabalham em torno dos marca-passos de coração.
Uma delas foi silenciosamente desbaratada há poucos meses.
TEMER NA ACADEMIA
Pela malvada e inexorável passagem do tempo, é possível que a abertura da vaga de Sábato Magaldi na Academia Brasileira de Letras venha a ser a primeira de uma série.
Depois de 2018, a pista receberá um novo candidato: Michel Temer. Ele é autor de livros de Direito e comete poesias ("Anônima Intimidade"). Se os seus versos podem jogar luz sobre seu governo, ele ficará no patamar de pedestres de José Sarney, autor de "Marimbondos de Fogo".
QUEDA DE BRAÇO
O governo sabe que sua lua de mel com as centrais sindicais tem prazo de validade.
Prenuncia-se um debate do mudo com o surdo em torno da reforma trabalhista. O Planalto ainda não disse o que quer e as centrais ainda não sinalizaram o que podem negociar.
Há algo de teatral nas promessas reformistas do governo, pois ele não diz uma só palavra a respeito do Sistema S. Trata-se de um avanço de uns 5% sobre as folhas de pagamento, que nasceu durante o Estado Novo e, em 2014, arrecadou R$ 31 bilhões. O ministro Joaquim Levy tentou mexer nessa caixa preta e o presidente da Federação das Industrias de São Paulo, doutor Paulo Skaf, disse que os empresários iriam "à guerra" para defendê-la.
Na semana passada, a Fiesp, madrinha do famoso pato amarelo que enfeitava as manifestações contra Dilma Rousseff, perdeu um de seus 86 diretores. O empresário Laodse de Abreu Duarte foi exposto como o maior devedor da União, com um espeto de R$ 6,9 bilhões.
AULA DE ALUNOS
Há um ano, quando Dilma Rousseff decidiu limitar o acesso de estudantes ao financiamento público de seus cursos superiores, as guildas das faculdades privadas protestaram. O governo não queria emprestar dinheiro a quem tirasse zero nas redações ou não conseguisse fazer 450 pontos no Enem. O doutor José Alberto Loureiro, da rede de educação Laureate, disse que isso significaria uma "limpeza étnica", porque prejudicaria os pobres.
Uma pesquisa realizada junto a jovens que pretendem entrar nas universidades revela que oito em cada dez defendem a nota mínima.
A vida dura de sete aristocratas inglesas
Em 1973, o aristocrata Nigel Nicolson encantou o mundo com o livro "Retrato de um Casamento", no qual contou a história de amor de seus pais. Ela, Vita Sackville-West (1892-1962), namorara a escritora Virginia Woolf e outras 50 senhoras, inclusive uma cunhada.
Ele, Harold Nicolson, tivera dezenas de romances, inclusive com um crítico de arte.
Esse era o mundo dos aristocratas e seria falta de educação espalhar suas histórias. Vita tivera um incandescente romance com a filha da amante do rei Edward 7º, que vem a ser a bisavó da atual mulher do príncipe Charles. Virginia Woolf tivera um caso com o namorado do economista John Maynard Keynes.
Num novo mundo, Juliet Nicolson, neta de Vita, acaba de publicar "A House full of Daughters" ("Uma casa cheia de filhas"). O livro atravessa sete gerações de mulheres onde aconteceu de tudo, desde a vida semiclandestina de Pepita, uma dançarina espanhola, amante do primeiro Sackville-West, até o alcoolismo de três das seis adultas e os lençóis compartilhados. Nigel, o filho de Vita e pai de Juliet, perdeu a virgindade aos 31 anos e achava a prática tão desagradável como ir ao vaso sanitário. Juliet nasceu em 1955 e ganhou esse nome porque a mãe tinha um cachorro chamado Romeu. Foi a primeira a cursar uma universidade.
Atravessando-se o livro da senhora Nicolson sente-se o vigor das mulheres da família Goldsmith, o ramo materno de Kate Middleton, com seus mineiros que ralavam, morriam de doenças pulmonares e passavam períodos na cadeia. Dali sairá a futura rainha da Inglaterra.
Desde o final de 2014, sabe-se que a Sete Brasil, empresa que forneceria 29 sondas à Petrobras, era uma fabricação duvidosa na origem, anacrônica nos meios e perdulária nos fins. Ideia do petrogatuno Pedro Barusco, produziria equipamentos caros, porém nacionais.
Lula meteu no negócio de R$ 28 bilhões os fundos estatais (Previ, Petros, Funcef, mais as arcas do FGTS) e atraiu os bancos BTG Pactual, Bradesco e Santander. As coisas só iriam bem se o BNDES financiasse R$ 8,8 bilhões, mas o banco sentiu o cheiro de queimado e retraiu-se. Micou a Caixa Econômica, com R$ 700 milhões.
Até aí há apenas mais uma petrorroubalheira. No caso da Sete houve mais. Construiu-se uma catedral de patranhas indicativa de que, apesar da Lava Jato, ainda há gente jogando com a boa fé do público e as ilusões do mercado. Ao longo de dois anos, repetiu-se que o problema seria resolvido pelo BNDES. Fechada essa porta, tudo seria acertado com um redimensionamento do contrato pela Petrobras. Era tudo fantasia, e a empresa marchava para a recuperação judicial.
Em maio do ano passado, o presidente da Sete Brasil, Luiz Eduardo Carneiro, disse à CPI da Petrobras que auditores externos examinaram a empresa e nada acharam de anormal. Mais: informou que Pedro Barusco e João Carlos Ferraz (seu antecessor no cargo) não foram "bons" executivos. Carneiro dizia essas coisas enquanto Ferraz negociava sua colaboração com o Ministério Público.
Na semana passada, Ferraz contou ao juiz Sergio Moro que cobrava propinas de 0,9% aos estaleiros que contratava e dividia o butim com João Vaccari, então tesoureiro do PT. O comissariado coletava dois terços e o terço restante ia para Barusco e outros dois diretores da Petrobras.
Os bancos que investiram na Sete, bem como empresas que pagavam propinas, têm ações no mercado. A propagação de mentiras e fantasias em torno das atividades da Sete não ofendiam apenas os otários que lhes davam crédito. Iludiam também o mercado.
MADAME NATASHA
Madame Natasha concedeu uma rápida bolsa de estudos ao presidente da Petrobras, doutor Pedro Parente. É apenas um pedido para que evite repetir uma expressão que usou ao enumerar seu planos para a empresa.
Ele disse o seguinte:
"Na hipótese de a gente abrir a maior parte do controle, é com co-controle."
Considerando o que fizeram seus antecessores, ele deveria evitar o uso desse bissílabo mesmo como prefixo. No caso, "controle compartilhado" iria bem.
RECORDAR É VIVER
Para a história da Petrobras. O marechal Waldemar Levy Cardoso morreu em 2009. Ele presidiu a empresa em 1969 e ficou no seu conselho até 1985.
Levy Cardoso morreu aos 108 anos e, além do nome, deixou para a família apenas um apartamento de três quartos, sala e um banheiro, na rua Tonelero, em Copacabana.
MARCA-PASSOS
Não era só a quadrilha dos marca-passos cerebrais do Hospital da Clínicas que agia na medicina pública de São Paulo. Há anos, outras quadrilhas de médicos acertados com fabricantes trabalham em torno dos marca-passos de coração.
Uma delas foi silenciosamente desbaratada há poucos meses.
TEMER NA ACADEMIA
Pela malvada e inexorável passagem do tempo, é possível que a abertura da vaga de Sábato Magaldi na Academia Brasileira de Letras venha a ser a primeira de uma série.
Depois de 2018, a pista receberá um novo candidato: Michel Temer. Ele é autor de livros de Direito e comete poesias ("Anônima Intimidade"). Se os seus versos podem jogar luz sobre seu governo, ele ficará no patamar de pedestres de José Sarney, autor de "Marimbondos de Fogo".
QUEDA DE BRAÇO
O governo sabe que sua lua de mel com as centrais sindicais tem prazo de validade.
Prenuncia-se um debate do mudo com o surdo em torno da reforma trabalhista. O Planalto ainda não disse o que quer e as centrais ainda não sinalizaram o que podem negociar.
Há algo de teatral nas promessas reformistas do governo, pois ele não diz uma só palavra a respeito do Sistema S. Trata-se de um avanço de uns 5% sobre as folhas de pagamento, que nasceu durante o Estado Novo e, em 2014, arrecadou R$ 31 bilhões. O ministro Joaquim Levy tentou mexer nessa caixa preta e o presidente da Federação das Industrias de São Paulo, doutor Paulo Skaf, disse que os empresários iriam "à guerra" para defendê-la.
Na semana passada, a Fiesp, madrinha do famoso pato amarelo que enfeitava as manifestações contra Dilma Rousseff, perdeu um de seus 86 diretores. O empresário Laodse de Abreu Duarte foi exposto como o maior devedor da União, com um espeto de R$ 6,9 bilhões.
AULA DE ALUNOS
Há um ano, quando Dilma Rousseff decidiu limitar o acesso de estudantes ao financiamento público de seus cursos superiores, as guildas das faculdades privadas protestaram. O governo não queria emprestar dinheiro a quem tirasse zero nas redações ou não conseguisse fazer 450 pontos no Enem. O doutor José Alberto Loureiro, da rede de educação Laureate, disse que isso significaria uma "limpeza étnica", porque prejudicaria os pobres.
Uma pesquisa realizada junto a jovens que pretendem entrar nas universidades revela que oito em cada dez defendem a nota mínima.
A vida dura de sete aristocratas inglesas
Em 1973, o aristocrata Nigel Nicolson encantou o mundo com o livro "Retrato de um Casamento", no qual contou a história de amor de seus pais. Ela, Vita Sackville-West (1892-1962), namorara a escritora Virginia Woolf e outras 50 senhoras, inclusive uma cunhada.
Ele, Harold Nicolson, tivera dezenas de romances, inclusive com um crítico de arte.
Esse era o mundo dos aristocratas e seria falta de educação espalhar suas histórias. Vita tivera um incandescente romance com a filha da amante do rei Edward 7º, que vem a ser a bisavó da atual mulher do príncipe Charles. Virginia Woolf tivera um caso com o namorado do economista John Maynard Keynes.
Num novo mundo, Juliet Nicolson, neta de Vita, acaba de publicar "A House full of Daughters" ("Uma casa cheia de filhas"). O livro atravessa sete gerações de mulheres onde aconteceu de tudo, desde a vida semiclandestina de Pepita, uma dançarina espanhola, amante do primeiro Sackville-West, até o alcoolismo de três das seis adultas e os lençóis compartilhados. Nigel, o filho de Vita e pai de Juliet, perdeu a virgindade aos 31 anos e achava a prática tão desagradável como ir ao vaso sanitário. Juliet nasceu em 1955 e ganhou esse nome porque a mãe tinha um cachorro chamado Romeu. Foi a primeira a cursar uma universidade.
Atravessando-se o livro da senhora Nicolson sente-se o vigor das mulheres da família Goldsmith, o ramo materno de Kate Middleton, com seus mineiros que ralavam, morriam de doenças pulmonares e passavam períodos na cadeia. Dali sairá a futura rainha da Inglaterra.
Da UTI à competição, um roteiro longo e difícil - ROLF KUNTZ
ESTADÃO - 24/07
Depois de ajeitar as contas públicas, faltará reconstruir o governo e a economia devastada
O primeiro e mais urgente desafio para o governo é tirar o País da UTI, mandá-lo para a recuperação e divulgar boletins animadores e críveis sobre a melhora de suas condições fiscais. Se tudo andar bem, lá por 2019 ou 2020 haverá sinais de controle da dívida pública. Será um trabalho politicamente complicado, mas o roteiro é mais ou menos conhecido. Será preciso, contudo, ir muito além do tratamento intensivo e da reabilitação inicial. Governo e setor privado terão de repor o Brasil em condições de competir no mercado internacional e de crescer em ritmo parecido com os de outros emergentes – na faixa de 4% a 6% ao ano, somente para reconquistar algumas posições. Falta saber como cuidar dessa parte: essa é, neste momento, a área mais obscura da política econômica. Será como reinventar o País, depois de muitos anos de equívocos e de ampla deterioração da capacidade de crescimento.
Por enquanto, já será muito bom se o Brasil voltar a se mover. Novas projeções, mais animadoras, apontam mudança de sinal – para o lado positivo – no próximo ano. Em 2017 o produto interno bruto (PIB) crescerá pouco mais de 1%, de acordo com estimativas do mercado financeiro e de consultorias. Além disso, economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) elevaram de zero para 0,5% sua previsão de crescimento para o próximo ano. Apesar dessa melhora, só um país sul-americano, a Venezuela, terá desempenho pior que o do Brasil. Para a economia venezuelana as projeções apontam recessão pelo quarto ano consecutivo. Nada surpreendente, enfim, quando se mudam cardápios de lanchonetes por falta de farinha de trigo, indústrias param de funcionar por escassez de peças e milhares formam filas nos supermercados quando chegam carregamentos de papel higiênico.
Mas como retomar, no Brasil, o potencial de crescimento de outros tempos? No curto prazo, o governo terá de cuidar principalmente da arrumação das contas públicas. Precisará controlar despesas, selecionar os gastos mais severamente e criar mecanismos para controlar o Orçamento nos anos seguintes. A proposta de um teto para a elevação da despesa já é um começo promissor. Estão em estudos projetos de reforma da Previdência e das normas trabalhistas.
Tudo isso pode animar o mercado financeiro, mas será preciso algo mais para movimentar a produção. Autoridades têm falado em concessões na área da infraestrutura, com critérios mais atraentes para o capital privado. Por enquanto, há mais palavras do que iniciativas práticas.
Concessões e outros sinais positivos poderão reativar a economia e criar condições para aumento da receita fiscal no próximo ano. Isso facilitará o ajuste das contas federais, mas, ainda assim, talvez seja necessário algum aumento da tributação. Será um lance politicamente difícil. Sondagens patrocinadas por entidades da indústria têm mostrado muita resistência dos cidadãos à ideia de mais impostos e contribuições. Não há, nisso, grande surpresa. O dado mais interessante é outro.
O governo, segundo a maior parte dos entrevistados, pode fazer muito mais e prestar serviços melhores com a arrecadação já estabelecida. Esse comentário pode parecer – e talvez seja – um lugar-comum, mas vale a pena explorá-lo. Traduzida em termos menos correntes, essa avaliação corresponde a uma cobrança de produtividade e qualidade, dois atributos muito raramente considerados na gestão do serviço público. Durante o período petista, a ideia de produtividade no governo foi rechaçada, com persistência, como preconceito neoliberal. Progressista era a contratação preferencial de companheiros e aliados, complementada com generosa revisão de salários.
Mas a baixa eficiência da administração pública, especialmente da federal, é apenas uma parte muito visível do problema econômico brasileiro. Improdutividade e incompetência refletem-se no desperdício de recursos, na baixa qualidade de planos e de programas e no acompanhamento inepto de obras e de projetos. Tudo isso é visível tanto na escassez do investimento quanto na baixa relação entre custo e rendimento de cada real investido.
Num país administrado com alguma seriedade, um trecho ferroviário de 800 quilômetros mantido sem uso seria uma aberração quase inacreditável. Completar um parque de energia eólica sem rede de transmissão seria assunto de piada, talvez história contada por mentiroso incontrolável.
No Brasil, tudo isso é parte da normalidade – mais precisamente, de uma normalidade consagrada numa longa fase de incompetência e corrupção maquiadas como progressismo. Quantos países têm verbas vinculadas constitucionalmente à educação? Também nesse quesito o Brasil é uma exceção, assim como na classificação de seus estudantes – sempre entre os últimos – nos testes internacionais de linguagem, matemática e ciências.
A economia brasileira poderá crescer até com alguma facilidade, inicialmente, pela ocupação da capacidade ociosa. A partir daí, a velocidade só aumentará se houver ganho de produtividade tanto no setor empresarial quanto na área pública. Isso dependerá tanto do volume do investimento quanto do produto gerado a partir de cada real investido.
Uma economia mais aberta e mais integrada internacionalmente poderá estimular a eficiência empresarial. Mas a operação do conjunto dependerá de amplas mudanças na concepção e na execução de políticas públicas. Isso envolverá uma definição mais cuidadosa de prioridades, assim como novos padrões de planejamento, de elaboração de programas e de execução de projetos. Será necessário, em suma, inverter o sinal de todas as políticas dominantes desde a ocupação, o aparelhamento e o loteamento da máquina estatal pelo PT. O trabalhoso conserto das contas públicas é só o começo de uma enorme reconstrução.
*É jornalista
Depois de ajeitar as contas públicas, faltará reconstruir o governo e a economia devastada
O primeiro e mais urgente desafio para o governo é tirar o País da UTI, mandá-lo para a recuperação e divulgar boletins animadores e críveis sobre a melhora de suas condições fiscais. Se tudo andar bem, lá por 2019 ou 2020 haverá sinais de controle da dívida pública. Será um trabalho politicamente complicado, mas o roteiro é mais ou menos conhecido. Será preciso, contudo, ir muito além do tratamento intensivo e da reabilitação inicial. Governo e setor privado terão de repor o Brasil em condições de competir no mercado internacional e de crescer em ritmo parecido com os de outros emergentes – na faixa de 4% a 6% ao ano, somente para reconquistar algumas posições. Falta saber como cuidar dessa parte: essa é, neste momento, a área mais obscura da política econômica. Será como reinventar o País, depois de muitos anos de equívocos e de ampla deterioração da capacidade de crescimento.
Por enquanto, já será muito bom se o Brasil voltar a se mover. Novas projeções, mais animadoras, apontam mudança de sinal – para o lado positivo – no próximo ano. Em 2017 o produto interno bruto (PIB) crescerá pouco mais de 1%, de acordo com estimativas do mercado financeiro e de consultorias. Além disso, economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) elevaram de zero para 0,5% sua previsão de crescimento para o próximo ano. Apesar dessa melhora, só um país sul-americano, a Venezuela, terá desempenho pior que o do Brasil. Para a economia venezuelana as projeções apontam recessão pelo quarto ano consecutivo. Nada surpreendente, enfim, quando se mudam cardápios de lanchonetes por falta de farinha de trigo, indústrias param de funcionar por escassez de peças e milhares formam filas nos supermercados quando chegam carregamentos de papel higiênico.
Mas como retomar, no Brasil, o potencial de crescimento de outros tempos? No curto prazo, o governo terá de cuidar principalmente da arrumação das contas públicas. Precisará controlar despesas, selecionar os gastos mais severamente e criar mecanismos para controlar o Orçamento nos anos seguintes. A proposta de um teto para a elevação da despesa já é um começo promissor. Estão em estudos projetos de reforma da Previdência e das normas trabalhistas.
Tudo isso pode animar o mercado financeiro, mas será preciso algo mais para movimentar a produção. Autoridades têm falado em concessões na área da infraestrutura, com critérios mais atraentes para o capital privado. Por enquanto, há mais palavras do que iniciativas práticas.
Concessões e outros sinais positivos poderão reativar a economia e criar condições para aumento da receita fiscal no próximo ano. Isso facilitará o ajuste das contas federais, mas, ainda assim, talvez seja necessário algum aumento da tributação. Será um lance politicamente difícil. Sondagens patrocinadas por entidades da indústria têm mostrado muita resistência dos cidadãos à ideia de mais impostos e contribuições. Não há, nisso, grande surpresa. O dado mais interessante é outro.
O governo, segundo a maior parte dos entrevistados, pode fazer muito mais e prestar serviços melhores com a arrecadação já estabelecida. Esse comentário pode parecer – e talvez seja – um lugar-comum, mas vale a pena explorá-lo. Traduzida em termos menos correntes, essa avaliação corresponde a uma cobrança de produtividade e qualidade, dois atributos muito raramente considerados na gestão do serviço público. Durante o período petista, a ideia de produtividade no governo foi rechaçada, com persistência, como preconceito neoliberal. Progressista era a contratação preferencial de companheiros e aliados, complementada com generosa revisão de salários.
Mas a baixa eficiência da administração pública, especialmente da federal, é apenas uma parte muito visível do problema econômico brasileiro. Improdutividade e incompetência refletem-se no desperdício de recursos, na baixa qualidade de planos e de programas e no acompanhamento inepto de obras e de projetos. Tudo isso é visível tanto na escassez do investimento quanto na baixa relação entre custo e rendimento de cada real investido.
Num país administrado com alguma seriedade, um trecho ferroviário de 800 quilômetros mantido sem uso seria uma aberração quase inacreditável. Completar um parque de energia eólica sem rede de transmissão seria assunto de piada, talvez história contada por mentiroso incontrolável.
No Brasil, tudo isso é parte da normalidade – mais precisamente, de uma normalidade consagrada numa longa fase de incompetência e corrupção maquiadas como progressismo. Quantos países têm verbas vinculadas constitucionalmente à educação? Também nesse quesito o Brasil é uma exceção, assim como na classificação de seus estudantes – sempre entre os últimos – nos testes internacionais de linguagem, matemática e ciências.
A economia brasileira poderá crescer até com alguma facilidade, inicialmente, pela ocupação da capacidade ociosa. A partir daí, a velocidade só aumentará se houver ganho de produtividade tanto no setor empresarial quanto na área pública. Isso dependerá tanto do volume do investimento quanto do produto gerado a partir de cada real investido.
Uma economia mais aberta e mais integrada internacionalmente poderá estimular a eficiência empresarial. Mas a operação do conjunto dependerá de amplas mudanças na concepção e na execução de políticas públicas. Isso envolverá uma definição mais cuidadosa de prioridades, assim como novos padrões de planejamento, de elaboração de programas e de execução de projetos. Será necessário, em suma, inverter o sinal de todas as políticas dominantes desde a ocupação, o aparelhamento e o loteamento da máquina estatal pelo PT. O trabalhoso conserto das contas públicas é só o começo de uma enorme reconstrução.
*É jornalista
Antes tarde do que nunca - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 24/07
Deputados poderão mostrar se estão realmente dispostos a recuperar a confiança popular
A imagem pública dos parlamentares brasileiros e dos políticos em geral nunca foi exatamente positiva e piorou muito a partir dos escândalos revelados pela Operação Lava Jato e congêneres. Deputados e senadores consideram-se perseguidos e injustiçados pelo estigma da corrupção e não se conformam, muitos com razão, com a generalização dessas acusações. Esse sentimento majoritário de repulsa dos brasileiros aos desvios de conduta de seus representantes no Congresso Nacional está hoje tão enraizado que certamente levará um bom tempo para mudar a partir do instante em que houver razões para tanto. Mas aos deputados, em particular, está sendo oferecida uma excelente oportunidade de acelerar o processo de reconquista do apoio e respeito populares: a discussão do pacote de medidas contra a corrupção. Ele está travado há mais de um ano na Câmara e agora o novo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anuncia que quer vê-lo aprovado até 9 de dezembro, Dia do Combate à Corrupção.
O presidente da Câmara reuniu-se na terça-feira com representantes do Judiciário e do Ministério Público e com um grupo de deputados, entre eles o relator do projeto na comissão especial designada para debater a matéria, Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Com o apoio de todos, Maia garantiu que dará prioridade à tramitação desse pacote de projetos. São dez medidas destinadas a aperfeiçoar, acelerar e tornar mais rigoroso o processo de investigação e julgamento dos casos de corrupção na gestão da coisa pública. É mais uma boa notícia que o renovado comando da Câmara dos Deputados dá ao País.
O pacote anticorrupção foi elaborado basicamente a partir da iniciativa dos procuradores federais envolvidos na Lava Jato e tornado público pelo procurador-geral Rodrigo Janot em março do ano passado. Chegou ao Congresso Nacional subscrito por mais de 2 milhões de brasileiros, exatamente no momento em que centenas de milhares de manifestantes saíam às ruas, em todo o País, para protestar contra a corrupção e o desgoverno e exigir o impeachment da presidente da República.
Com Eduardo Cunha na presidência da Câmara, mais interessado na queda de braço com o Palácio do Planalto como meio de fortalecer seu próprio poder político, o pacote anticorrupção permaneceu engavetado, até porque jamais despertou a simpatia do baixo clero, que o hoje afastado parlamentar fluminense liderava. De fato, as medidas propostas são assustadoras para quem se habituou a se proteger com o escudo da imunidade parlamentar e do foro privilegiado. Mais de 20% de membros do Congresso Nacional são investigados, réus ou condenados por corrupção.
O pacote prevê, por exemplo, o aumento da pena máxima para corrupção de 12 para 25 anos e a classificação dessa infração como crime hediondo. Outra medida atinge diretamente os partidos políticos denunciados por corrupção, que poderão sofrer multas proporcionais aos valores desviados e, nos casos mais graves, serem punidos com a suspensão do funcionamento de diretórios por até quatro anos ou até mesmo terem o registro de funcionamento cassado.
Na apresentação do pacote, em março do ano passado, um dos responsáveis pelo trabalho, o procurador Deltan Dallagnol, chegou a ser dramático: “A corrupção rouba a comida, o remédio e a escola dos brasileiros. Quem rouba milhões mata milhões”. Descontado o arroubo retórico, o fato de homens públicos se locupletarem com recursos por definição destinados ao bem comum é uma vilania realmente merecedora de julgamento implacável e punição rigorosa, pois vitimiza principalmente os cidadãos mais carentes de investimento público.
Uma vez submetido ao escrutínio parlamentar e escoimado de eventuais demasias, o pacote anticorrupção, ao qual o novo presidente da Câmara promete garantir uma tramitação a salvo de manobras procrastinatórias, é um poderoso trunfo com o qual os deputados poderão contar, se estão realmente dispostos a recuperar a confiança popular perdida ao longo de mais de uma década em que o Parlamento se transformou em mero balcão de negócios a serviço de um projeto de poder irresponsavelmente populista.
Deputados poderão mostrar se estão realmente dispostos a recuperar a confiança popular
A imagem pública dos parlamentares brasileiros e dos políticos em geral nunca foi exatamente positiva e piorou muito a partir dos escândalos revelados pela Operação Lava Jato e congêneres. Deputados e senadores consideram-se perseguidos e injustiçados pelo estigma da corrupção e não se conformam, muitos com razão, com a generalização dessas acusações. Esse sentimento majoritário de repulsa dos brasileiros aos desvios de conduta de seus representantes no Congresso Nacional está hoje tão enraizado que certamente levará um bom tempo para mudar a partir do instante em que houver razões para tanto. Mas aos deputados, em particular, está sendo oferecida uma excelente oportunidade de acelerar o processo de reconquista do apoio e respeito populares: a discussão do pacote de medidas contra a corrupção. Ele está travado há mais de um ano na Câmara e agora o novo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anuncia que quer vê-lo aprovado até 9 de dezembro, Dia do Combate à Corrupção.
O presidente da Câmara reuniu-se na terça-feira com representantes do Judiciário e do Ministério Público e com um grupo de deputados, entre eles o relator do projeto na comissão especial designada para debater a matéria, Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Com o apoio de todos, Maia garantiu que dará prioridade à tramitação desse pacote de projetos. São dez medidas destinadas a aperfeiçoar, acelerar e tornar mais rigoroso o processo de investigação e julgamento dos casos de corrupção na gestão da coisa pública. É mais uma boa notícia que o renovado comando da Câmara dos Deputados dá ao País.
O pacote anticorrupção foi elaborado basicamente a partir da iniciativa dos procuradores federais envolvidos na Lava Jato e tornado público pelo procurador-geral Rodrigo Janot em março do ano passado. Chegou ao Congresso Nacional subscrito por mais de 2 milhões de brasileiros, exatamente no momento em que centenas de milhares de manifestantes saíam às ruas, em todo o País, para protestar contra a corrupção e o desgoverno e exigir o impeachment da presidente da República.
Com Eduardo Cunha na presidência da Câmara, mais interessado na queda de braço com o Palácio do Planalto como meio de fortalecer seu próprio poder político, o pacote anticorrupção permaneceu engavetado, até porque jamais despertou a simpatia do baixo clero, que o hoje afastado parlamentar fluminense liderava. De fato, as medidas propostas são assustadoras para quem se habituou a se proteger com o escudo da imunidade parlamentar e do foro privilegiado. Mais de 20% de membros do Congresso Nacional são investigados, réus ou condenados por corrupção.
O pacote prevê, por exemplo, o aumento da pena máxima para corrupção de 12 para 25 anos e a classificação dessa infração como crime hediondo. Outra medida atinge diretamente os partidos políticos denunciados por corrupção, que poderão sofrer multas proporcionais aos valores desviados e, nos casos mais graves, serem punidos com a suspensão do funcionamento de diretórios por até quatro anos ou até mesmo terem o registro de funcionamento cassado.
Na apresentação do pacote, em março do ano passado, um dos responsáveis pelo trabalho, o procurador Deltan Dallagnol, chegou a ser dramático: “A corrupção rouba a comida, o remédio e a escola dos brasileiros. Quem rouba milhões mata milhões”. Descontado o arroubo retórico, o fato de homens públicos se locupletarem com recursos por definição destinados ao bem comum é uma vilania realmente merecedora de julgamento implacável e punição rigorosa, pois vitimiza principalmente os cidadãos mais carentes de investimento público.
Uma vez submetido ao escrutínio parlamentar e escoimado de eventuais demasias, o pacote anticorrupção, ao qual o novo presidente da Câmara promete garantir uma tramitação a salvo de manobras procrastinatórias, é um poderoso trunfo com o qual os deputados poderão contar, se estão realmente dispostos a recuperar a confiança popular perdida ao longo de mais de uma década em que o Parlamento se transformou em mero balcão de negócios a serviço de um projeto de poder irresponsavelmente populista.
RETA FINAL - MERVAL PEREIRA
O Globo - 24/07
Os procuradores de Curitiba estão analisando, há 15 dias, os depoimentos por escrito de 35 executivos da empreiteira Odebrecht, inclusive o do presidente Marcelo Odebrecht, e os liberarão para homologação parceladamente. Eles estão analisando cerca de mil páginas datilografadas, e toda sexta-feira chamam alguns dos delatores para confirmar informações e tirar dúvidas.
Na sexta passada, o juiz Sérgio Moro homologou os acordos de delação premiada dos empresários Vinícius Veiga Borin, Luiz Augusto França e Marco Pereira de Sousa Bilinski, sócios em uma empresa de consultoria que, segundo as investigações da Operação Lava-Jato, era usada para movimentar contas de offshores da Odebrecht no exterior.
Eles calculam que até o final do mês todas as delações estarão checadas e aprovadas. O conjunto das delações implicará tanto o ex-presidente Lula quanto a presidente afastada, Dilma Rousseff, mas pegará também líderes da oposição como o senador Aécio Neves e dezenas de deputados e senadores.
O difícil será separar o que foi realmente caixa 2 do que é financiamento com dinheiro da corrupção nas estatais, tanto as doações ditas legais quanto as ilegais.
A tentativa de Marcelo Odebrecht é aliviar o presidente Lula, embora seja improvável que os procuradores aceitem a versão de que a empreiteira nunca deu dinheiro ao ex-presidente.
Eles admitem que fizeram favores — como as obras no sítio de Atibaia — e que em troca receberam favores de Lula nos países em que têm obras. Negam que o pagamento de palestras do ex-presidente fosse parte desse acordo, mas estão entregando às autoridades brasileiras documentos relativos a obras no exterior que Lula ajudou a conseguir, embora classifiquem isso como lobby natural para um ex-presidente.
A parte mais sensível é a de Angola, onde o ex-presidente Lula ia com frequência. A visão sobre a presidente afastada Dilma Rousseff, no entanto, é menos benevolente. Segundo um assessor da empreiteira, “a promiscuidade de contas era tão grande que tudo o que o governo Dilma e seus assessores pediam era pago”, mesmo despesas pessoais.
Os relatos, a princípio, ficarão restritos à gestão de Marcelo Odebrecht, a partir de 2008, quando o setor de operações estruturadas (a contabilidade paralela com o esquema de propinas mundiais) foi expandido.
Ele existia desde a gestão do fundador Norberto, com a finalidade de lidar com os pagamentos em dólar das obras no exterior, mas Marcelo ampliou sua atuação para controlar pessoalmente as propinas. Essa ampliação é alvo de muitas críticas dentro da empreiteira e indica que Marcelo considerava ser intocável, expondo a empresa em esquemas de corrupção no exterior de maneira irresponsável.
O esquema na Suíça, por exemplo, foi uma ampliação do sistema, assim como o banco em Antígua. Os servidores do sistema informatizado para o controle do pagamento de propinas ficavam hospedados na Suíça, e foi de lá que saíram as ordens de pagamento para o marqueteiro João Santana pela campanha de 2014.
Essa parte do esquema de corrupção será objeto de um acordo de delação dele e sua mulher, Monica Moura, que cuidava da contabilidade da empresa e se recusou a comentar o assunto na audiência recente que tiveram com o juiz Sérgio Moro, admitindo que falaria sobre o assunto em uma delação, a ser negociada.
Essa parte será a prova cabal de que as campanhas presidenciais sempre foram pagas com dinheiro de caixa 2, tendo evoluído o esquema nos últimos anos com o financiamento de dinheiro desviado das grandes obras do governo e apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como doações legais. E o pagamento de propinas também através do caixa 2, o que não deixa de ser uma outra novidade.
A confissão de João Santana de que mentiu à Justiça para não prejudicar a presidente afastada Dilma Rousseff foi devastadora para sua defesa. Embora nenhum desses fatos seja incluído no processo de impeachment, por um entendimento míope da legislação de que somente os casos ocorridos no mandato atual podem ser motivo de processo, a verdade é que todas as evidências apresentadas durante as investigações levam a que a decisão dos senadores seja tomada de acordo com o conjunto das atividades ilegais, reforçando a acusação formal de burla da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Os procuradores de Curitiba estão analisando, há 15 dias, os depoimentos por escrito de 35 executivos da empreiteira Odebrecht, inclusive o do presidente Marcelo Odebrecht, e os liberarão para homologação parceladamente. Eles estão analisando cerca de mil páginas datilografadas, e toda sexta-feira chamam alguns dos delatores para confirmar informações e tirar dúvidas.
Na sexta passada, o juiz Sérgio Moro homologou os acordos de delação premiada dos empresários Vinícius Veiga Borin, Luiz Augusto França e Marco Pereira de Sousa Bilinski, sócios em uma empresa de consultoria que, segundo as investigações da Operação Lava-Jato, era usada para movimentar contas de offshores da Odebrecht no exterior.
Eles calculam que até o final do mês todas as delações estarão checadas e aprovadas. O conjunto das delações implicará tanto o ex-presidente Lula quanto a presidente afastada, Dilma Rousseff, mas pegará também líderes da oposição como o senador Aécio Neves e dezenas de deputados e senadores.
O difícil será separar o que foi realmente caixa 2 do que é financiamento com dinheiro da corrupção nas estatais, tanto as doações ditas legais quanto as ilegais.
A tentativa de Marcelo Odebrecht é aliviar o presidente Lula, embora seja improvável que os procuradores aceitem a versão de que a empreiteira nunca deu dinheiro ao ex-presidente.
Eles admitem que fizeram favores — como as obras no sítio de Atibaia — e que em troca receberam favores de Lula nos países em que têm obras. Negam que o pagamento de palestras do ex-presidente fosse parte desse acordo, mas estão entregando às autoridades brasileiras documentos relativos a obras no exterior que Lula ajudou a conseguir, embora classifiquem isso como lobby natural para um ex-presidente.
A parte mais sensível é a de Angola, onde o ex-presidente Lula ia com frequência. A visão sobre a presidente afastada Dilma Rousseff, no entanto, é menos benevolente. Segundo um assessor da empreiteira, “a promiscuidade de contas era tão grande que tudo o que o governo Dilma e seus assessores pediam era pago”, mesmo despesas pessoais.
Os relatos, a princípio, ficarão restritos à gestão de Marcelo Odebrecht, a partir de 2008, quando o setor de operações estruturadas (a contabilidade paralela com o esquema de propinas mundiais) foi expandido.
Ele existia desde a gestão do fundador Norberto, com a finalidade de lidar com os pagamentos em dólar das obras no exterior, mas Marcelo ampliou sua atuação para controlar pessoalmente as propinas. Essa ampliação é alvo de muitas críticas dentro da empreiteira e indica que Marcelo considerava ser intocável, expondo a empresa em esquemas de corrupção no exterior de maneira irresponsável.
O esquema na Suíça, por exemplo, foi uma ampliação do sistema, assim como o banco em Antígua. Os servidores do sistema informatizado para o controle do pagamento de propinas ficavam hospedados na Suíça, e foi de lá que saíram as ordens de pagamento para o marqueteiro João Santana pela campanha de 2014.
Essa parte do esquema de corrupção será objeto de um acordo de delação dele e sua mulher, Monica Moura, que cuidava da contabilidade da empresa e se recusou a comentar o assunto na audiência recente que tiveram com o juiz Sérgio Moro, admitindo que falaria sobre o assunto em uma delação, a ser negociada.
Essa parte será a prova cabal de que as campanhas presidenciais sempre foram pagas com dinheiro de caixa 2, tendo evoluído o esquema nos últimos anos com o financiamento de dinheiro desviado das grandes obras do governo e apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como doações legais. E o pagamento de propinas também através do caixa 2, o que não deixa de ser uma outra novidade.
A confissão de João Santana de que mentiu à Justiça para não prejudicar a presidente afastada Dilma Rousseff foi devastadora para sua defesa. Embora nenhum desses fatos seja incluído no processo de impeachment, por um entendimento míope da legislação de que somente os casos ocorridos no mandato atual podem ser motivo de processo, a verdade é que todas as evidências apresentadas durante as investigações levam a que a decisão dos senadores seja tomada de acordo com o conjunto das atividades ilegais, reforçando a acusação formal de burla da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Problema do Mercosul é ter modelo podre da Venezuela dentro do bloco - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 24/07
O governo uruguaio, que ocupa a presidência de turno do Mercosul, convocou para o dia 30 uma reunião do Conselho do bloco, máxima instância executiva, formada pelos chanceleres.
A pauta é simples: transferir a presidência "pro tempore" para a Venezuela, como determina a ordem alfabética. Tão simples como impossível de ser cumprida: Brasil e Paraguai se opõem frontalmente a que a Venezuela assuma a presidência.
A Argentina dança no muro, mas seu presidente, Mauricio Macri, já insinuou estar pronto para tomar o mando (seria o seguinte presidente, sempre no critério de ordem alfabética).
Como a decisão tem que ser tomada por consenso, só alguma mágica a ser produzida durante a semana que falta para a reunião permitirá desbloquear uma situação que paralisa o bloco.
Não poderia, aliás, haver pior momento para a paralisia. Primeiro, porque finalmente começou a andar a negociação com a União Europeia para um acordo de integração.
Segundo porque os países do bloco, com a exceção da Venezuela, já manifestaram disposição para rever os dispositivos que o conformam, sem que haja clareza sobre o que, exatamente, se pretende fazer.
Passar ou não a presidência para a Venezuela acaba sendo o menor dos problemas.
Problemão mesmo é a própria Venezuela, um Estado falido e, como tal, um companheiro de viagem indesejável.
O ideal seria que seus sócios no Mercosul a ajudassem a sair do buraco, mas, para isso, é indispensável que o governo de Nicolás Maduro se renda a uma constatação do general Juan Domingo Perón, grande frasista, para quem "a realidade é a única verdade".
E a realidade é uma só, goste-se ou não dela: o socialismo do século 21, supostamente praticado na Venezuela, é um fracasso redondo, tal como foi o socialismo do século 20.
Como mostrou na sexta-feira (22) reportagem do sempre competente Samy Adghirni, a Unasul até que está tentando ajudar, negociando um plano de estabilização, que começa, corretamente, pela correção do absurdo sistema cambial.
Não há país no mundo que consiga funcionar quando o câmbio oficial vale dez e o paralelo (o que realmente conta) é cem vezes mais elevado.
O problema com o plano da Unasul é que foram convocados para ajudar economistas dos Estados Unidos e da Espanha que simpatizam com o modelo fracassado.
Logo, é altamente improvável que elaborem propostas que deixem cristalinamente claro que a crise não é decorrência da suposta "guerra econômica", como diz o governo.
É culpa da incompetência de um presidente que diz receber o antecessor na forma de um "pajarito" e de um sistema que o alçou ao poder.
Constata, por exemplo, Andrés Cañizáles (Universidade Católica Andrés Bello): "Aqueles que governaram e endividaram a nação com preços do petróleo acima de US$ 100 dificilmente serão capazes de conduzi-lo de forma bem-sucedida em direção à recuperação com o preço do petróleo por volta de US$ 30. É simples aritmética".
O problema, portanto, não é Venezuela presidir ou não o Mercosul. É um modelo podre dele fazer parte.
O governo uruguaio, que ocupa a presidência de turno do Mercosul, convocou para o dia 30 uma reunião do Conselho do bloco, máxima instância executiva, formada pelos chanceleres.
A pauta é simples: transferir a presidência "pro tempore" para a Venezuela, como determina a ordem alfabética. Tão simples como impossível de ser cumprida: Brasil e Paraguai se opõem frontalmente a que a Venezuela assuma a presidência.
A Argentina dança no muro, mas seu presidente, Mauricio Macri, já insinuou estar pronto para tomar o mando (seria o seguinte presidente, sempre no critério de ordem alfabética).
Como a decisão tem que ser tomada por consenso, só alguma mágica a ser produzida durante a semana que falta para a reunião permitirá desbloquear uma situação que paralisa o bloco.
Não poderia, aliás, haver pior momento para a paralisia. Primeiro, porque finalmente começou a andar a negociação com a União Europeia para um acordo de integração.
Segundo porque os países do bloco, com a exceção da Venezuela, já manifestaram disposição para rever os dispositivos que o conformam, sem que haja clareza sobre o que, exatamente, se pretende fazer.
Passar ou não a presidência para a Venezuela acaba sendo o menor dos problemas.
Problemão mesmo é a própria Venezuela, um Estado falido e, como tal, um companheiro de viagem indesejável.
O ideal seria que seus sócios no Mercosul a ajudassem a sair do buraco, mas, para isso, é indispensável que o governo de Nicolás Maduro se renda a uma constatação do general Juan Domingo Perón, grande frasista, para quem "a realidade é a única verdade".
E a realidade é uma só, goste-se ou não dela: o socialismo do século 21, supostamente praticado na Venezuela, é um fracasso redondo, tal como foi o socialismo do século 20.
Como mostrou na sexta-feira (22) reportagem do sempre competente Samy Adghirni, a Unasul até que está tentando ajudar, negociando um plano de estabilização, que começa, corretamente, pela correção do absurdo sistema cambial.
Não há país no mundo que consiga funcionar quando o câmbio oficial vale dez e o paralelo (o que realmente conta) é cem vezes mais elevado.
O problema com o plano da Unasul é que foram convocados para ajudar economistas dos Estados Unidos e da Espanha que simpatizam com o modelo fracassado.
Logo, é altamente improvável que elaborem propostas que deixem cristalinamente claro que a crise não é decorrência da suposta "guerra econômica", como diz o governo.
É culpa da incompetência de um presidente que diz receber o antecessor na forma de um "pajarito" e de um sistema que o alçou ao poder.
Constata, por exemplo, Andrés Cañizáles (Universidade Católica Andrés Bello): "Aqueles que governaram e endividaram a nação com preços do petróleo acima de US$ 100 dificilmente serão capazes de conduzi-lo de forma bem-sucedida em direção à recuperação com o preço do petróleo por volta de US$ 30. É simples aritmética".
O problema, portanto, não é Venezuela presidir ou não o Mercosul. É um modelo podre dele fazer parte.
Crise força o fim do injusto ensino superior gratuito - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 24/03
Os alunos de renda mais alta conseguem ocupar a maior parte das vagas nos estabelecimentos públicos, enquanto aos pobres restam as faculdades pagas
Numa abordagem mais ampla dos efeitos da maior crise fiscal de que se tem notícia na história republicana do país, em qualquer discussão sobre alternativas a lógica aconselha a que se busquem opções para financiar serviços prestados pelo Estado. Considerando-se que a principal fórmula usada desde o início da redemocratização, em 1985, para irrigar o Tesouro — a criação e aumento de impostos — é uma via esgotada.
Mesmo quando a economia vier a se recuperar, será necessário reformar o próprio Estado, diante da impossibilidade de se manter uma carga tributária nos píncaros de mais de 35% do PIB, o índice mais elevado entre economias emergentes, comparável ao de países desenvolvidos, em que os serviços públicos são de boa qualidade. Ao contrário dos do Brasil.
Para combater uma crise nunca vista, necessita-se de ideias nunca aplicadas. Neste sentido, por que não aproveitar para acabar com o ensino superior gratuito, também um mecanismo de injustiça social? Pagará quem puder, receberá bolsa quem não tiver condições para tal. Funciona assim, e bem, no ensino privado. E em países avançados, com muito mais centros de excelência universitária que o Brasil.
Tome-se a maior universidade nacional e mais bem colocada em rankings internacionais, a de São Paulo, a USP — também um monumento à incúria administrativa, nos últimos anos às voltas com crônica falta de dinheiro, mesmo recebendo cerca de 5% do ICMS paulista, a maior arrecadação estadual do país.
Ao conjunto dos estabelecimentos de ensino superior público do estado de São Paulo — além da USP, a Unicamp e a Unifesp — são destinados 9,5% do ICMS paulista. Se antes da crise econômica, a USP, por exemplo, já tinha dificuldades para pagar as contas, com a retração das receitas tributárias o quadro se degradou. A mesma dificuldade se abate sobre a Uerj, no Rio de Janeiro, com o aperto no caixa fluminense.
Circula muito dinheiro no setor. Na USP, em que a folha de salários ultrapassa todo o orçamento da universidade, há uma reserva, calculada no final do ano passado em R$ 1, 3 bilhão. Mas já foi de R$ 3,61 bilhões. Está em queda, para tapar rombos na instituição. Tende a zero.
O momento é oportuno para se debater a sério o ensino superior público pago. Até porque é entre os mecanismos do Estado concentradores de renda que está a universidade pública gratuita. Pois ela favorece apenas os ricos, de melhor formação educacional, donos das primeiras colocações nos vestibulares.
Já o pobre, com formação educacional mais frágil, precisa pagar a faculdade privada, onde o ensino, salvo exceções, é de mais baixa qualidade. Assim, completa-se uma gritante injustiça social, nunca denunciada por sindicatos de servidores e centros acadêmicos.
Levantamento feito pela “Folha de S.Paulo”, há dois anos, constatou que 60% dos alunos da USP poderiam pagar mensalidades na faixa das cobradas por estabelecimentos privados. Quanto aos estudantes de famílias de renda baixa, receberiam bolsas.
Além de corrigir uma distorção social, a medida ajudaria a equilibrar os orçamentos deficitários das universidades, e contribuiria para o reequilíbrio das contas públicas.
Numa abordagem mais ampla dos efeitos da maior crise fiscal de que se tem notícia na história republicana do país, em qualquer discussão sobre alternativas a lógica aconselha a que se busquem opções para financiar serviços prestados pelo Estado. Considerando-se que a principal fórmula usada desde o início da redemocratização, em 1985, para irrigar o Tesouro — a criação e aumento de impostos — é uma via esgotada.
Mesmo quando a economia vier a se recuperar, será necessário reformar o próprio Estado, diante da impossibilidade de se manter uma carga tributária nos píncaros de mais de 35% do PIB, o índice mais elevado entre economias emergentes, comparável ao de países desenvolvidos, em que os serviços públicos são de boa qualidade. Ao contrário dos do Brasil.
Para combater uma crise nunca vista, necessita-se de ideias nunca aplicadas. Neste sentido, por que não aproveitar para acabar com o ensino superior gratuito, também um mecanismo de injustiça social? Pagará quem puder, receberá bolsa quem não tiver condições para tal. Funciona assim, e bem, no ensino privado. E em países avançados, com muito mais centros de excelência universitária que o Brasil.
Tome-se a maior universidade nacional e mais bem colocada em rankings internacionais, a de São Paulo, a USP — também um monumento à incúria administrativa, nos últimos anos às voltas com crônica falta de dinheiro, mesmo recebendo cerca de 5% do ICMS paulista, a maior arrecadação estadual do país.
Ao conjunto dos estabelecimentos de ensino superior público do estado de São Paulo — além da USP, a Unicamp e a Unifesp — são destinados 9,5% do ICMS paulista. Se antes da crise econômica, a USP, por exemplo, já tinha dificuldades para pagar as contas, com a retração das receitas tributárias o quadro se degradou. A mesma dificuldade se abate sobre a Uerj, no Rio de Janeiro, com o aperto no caixa fluminense.
Circula muito dinheiro no setor. Na USP, em que a folha de salários ultrapassa todo o orçamento da universidade, há uma reserva, calculada no final do ano passado em R$ 1, 3 bilhão. Mas já foi de R$ 3,61 bilhões. Está em queda, para tapar rombos na instituição. Tende a zero.
O momento é oportuno para se debater a sério o ensino superior público pago. Até porque é entre os mecanismos do Estado concentradores de renda que está a universidade pública gratuita. Pois ela favorece apenas os ricos, de melhor formação educacional, donos das primeiras colocações nos vestibulares.
Já o pobre, com formação educacional mais frágil, precisa pagar a faculdade privada, onde o ensino, salvo exceções, é de mais baixa qualidade. Assim, completa-se uma gritante injustiça social, nunca denunciada por sindicatos de servidores e centros acadêmicos.
Levantamento feito pela “Folha de S.Paulo”, há dois anos, constatou que 60% dos alunos da USP poderiam pagar mensalidades na faixa das cobradas por estabelecimentos privados. Quanto aos estudantes de famílias de renda baixa, receberiam bolsas.
Além de corrigir uma distorção social, a medida ajudaria a equilibrar os orçamentos deficitários das universidades, e contribuiria para o reequilíbrio das contas públicas.