quarta-feira, junho 29, 2016

Nossos 'serial killers' - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 29/06

RIO DE JANEIRO - O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, comparou a corrupção a um assassinato em série, "que mata sorrateiramente milhares de pessoas em estradas esburacadas, hospitais sem remédios e ruas sem segurança". Significa: o dinheiro desviado para bolsos partidários ou particulares resulta em desassistência, pobreza e morte. Para Dallagnol, e com razão, o corrupto equivale a um "serial killer".

Em Londres, há duas semanas, fui à caça do "serial killer" mais famoso do mundo: Jack, o Estripador — o homem que, entre agosto e novembro de 1888, matou seis mulheres em Whitechapel, bairro miserável da zona leste da cidade. Sua identidade nunca foi descoberta. A cada 20 anos, alguém vem com a solução "definitiva" do caso, que logo se revela inconsistente e será substituída por outra.

Munido de mapas, nomes de ruas e tudo que sei sobre o Estripador, fui de táxi à distante Whitechapel. As velhas ruas por onde ele circulou ficaram modernas, sem interesse. Mas uma delas, a Gunthorpe Street, cenário do quarto assassinato, conserva a atmosfera original: sinistra, quase um beco, de paralelepípedos, prédios feios e sujos. Jack andou por aquelas pedras. E um pub, o White Hart, de 1721, continua lá — ou ele ou suas vítimas o frequentaram.

De repente, farejando o otário, saem das tocas as ofertas de "excursões guiadas" pelos passos de Jack, turmas com hora marcada a 10 libras por cabeça e venda de camisetas, chaveiros, abridores de garrafas. É decepcionante. Mas inevitável: Jack, o Estripador foi há 128 anos. Hoje, só mesmo para fins turísticos.

É o de que precisamos aqui — que, um dia, se possa promover excursões guiadas aos nossos "serial killers", digo, corruptos, por seus escritórios em Brasília, Rio, São Paulo. Mas, para isso, precisarão estar extintos ou a ferros.


Quem tem pena do cidadão comum? - JOSÉ NÊUMANNE

O Estado de S. Paulo - 29/06

Todos são solidários a Gleisi, mas ninguém o é às vítimas do furto de que o marido é acusado

Desde que a reputação de herói começou a forjar a armadura com a qual a opinião pública nacional protege a condição incólume da ação do juiz federal paranaense Sergio Moro, a inveja, o ciúme e o instinto de sobrevivência de alguns colegas de ofício dele passaram a maldizê-la com fervor. A primeira arma dessa luta vã é retórica: o comandante da Operação Lava Jato “não é nem pode ser o único juiz honesto do Brasil”. Isso não basta para convencer o cidadão comum a abrir mão da “república de Curitiba”, amada pelos representados e temida pelos representantes de nossa democracia cabocla, pois esta preserva um raro resquício do conceito basilar do Estado Democrático de Direito, até segunda ordem vigente entre nós: a igualdade de todos perante a lei. Em seguida a esse desafio, a esperança de mantê-la, ressurgida nos dois mensalões, o tucano e o petista, começou a plantar êmulos de Moro pelo País afora. Colegas menos expostos à luz dos holofotes se dispuseram a mostrar que há juízes em Berlim. E até mesmo fora do Paraná.

Na semana passada, emergiu do noticiário outro desses exemplos de que nem tudo é procrastinação no Judiciário pátrio. Chama-se Pedro Bueno de Azevedo, tem 38 anos e chefia a 6.ª Vara Criminal em São Paulo. De suas decisões emergiu a Operação Custo Brasil, que revela uma das maiores ignomínias perpetradas por criminosos de colarinho branco na História de nossa República: o pagamento de propinas ao partido político que capitaneia o time que governou o Brasil durante 13 anos, quatro meses e 12 dias, até o impeachment de Dilma Rousseff. Não é o maior no volume de furto. Mas o mais indecente na natureza do butim: o pagamento de propina para políticos fiéis a esse desgoverno e a seu partido, o PT, tungando sem anuência da folha de pagamento de um ministério, o do Planejamento, a cada mês e em taxas módicas, o suficiente para passar em brancas nuvens e “sair na urina”. Paulo Bernardo, duas vezes ex-ministro, despontou no alto da ponta desse iceberg.

O fio da meada da devassa, feita pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) sob a égide de um juiz isento e insuspeito, foi puxado do depoimento do vereador Alexandre Romano, de Americana, na Operação Lava Jato. Não há, contudo, como estabelecer conexão com um laivo de perseguição do implacável Moro e seus intocáveis. Tornada notória na mesma ocasião em que o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, cunhou o lema do caráter devastador do roubo generalizado do dinheiro público no Brasil – “a corrupção é um serial killer sorrateiro” –, a operação jurídico-policial carrega a denominação mais exata do que qualquer outra antes empreendida. Custo Brasil diz tudo.

Os funcionários que tomaram empréstimos consignados de 2010 a 2015 pagaram R$ 1,25 pelos serviços da consultoria Consist, que, na verdade, custaram R$ 0,30, ou seja, um quarto. Do restante foram originados os R$ 100 milhões entregues aos ex-tesoureiros do Partido dos Trabalhadores João Vaccari Neto e Paulo Ferreira. Ex-deputado federal pelo PT do Paraná, o ministro do Planejamento de Lula e de Comunicações de Dilma ficou, segundo os investigadores, com R$ 7 milhões. Isso parece lana-caprina se comparado com os bilhões furtados de Petrobrás, BNDES e fundos de pensão.

Mas o procurador Andrey Borges de Mendonça, ao descrever o furto, lembrou que “a corrupção não é um privilégio da Petrobrás”, ela “está espraiada como um câncer”, e “o coração do governo estava agindo por esse mal”. Esse vício maligno, descrito por Dallagnol como “uma assassina sorrateira, invisível e de massa... que se disfarça de buracos de estradas, de falta de medicamentos, de crimes de rua e de pobreza”, acabou flagrado ao sair do bolso dos contribuintes para rechear contas bancárias de bandidos, passando pela folha de pagamento de servidores enganados de forma fria e cruel.

A Custo Brasil desnuda ainda uma expressão funesta da representatividade de nossa democracia: o corporativismo nefasto de “representantes” dos cidadãos, que mimam parceiros da corporação política e esquecem os representados. O PT, fundado para pôr fim à politicagem e à corrupção, não se solidarizou com os servidores, dos quais 46% dos sindicatos são filiados à CUT, nem com os mutuários de “sua” Bancoop ou os acionistas de “nossa” Petrobrás. Mas, sim, com ex-tesoureiros e mandatários vassalos do desgoverno afastado.

O Senado, por decisão do presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL), exigiu do Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação da busca e apreensão na casa de Bernardo, pedida pelos promotores, autorizada pelo juiz e efetuada pelos policiais. Motivo: o preso é casado com uma ex-chefe da Casa Civil de Dilma, Gleisi Hoffmann, que, senadora, tem direito a impunidade seletiva, vulgo foro privilegiado. Assim, o “direito alagoano” reescreve o romano e o anglo-saxônico ao instituir o puxadinho do privilégio, garantido no foro de Murici, em que os dois gozam o benefício de um pelo tálamo de ambos.

Essa comiseração corporativista inspirou a desfaçatez dos maganões. Com o tom exaltado com que execra Dilma, mas sem mais autoridade para manter a exaltação ao impeachment, o líder tucano na Casa, Cássio Cunha Lima, vociferou contra a violência de juiz, promotores e policiais, que “humilharam” a coleguinha casada com o indigitado. Sem levar em conta que o juiz tinha vedado na busca a coleta de quaisquer pertences ou documentos da esposa do procurado. O insigne líder do partido, que jura fazer oposição, não fez justiça aos funcionários furtados, mas aderiu ao coro mudo dos omissos, em que petroleiros calam quanto à bancarrota da Petrobrás, bancários ignoram o uso desavergonhado do BNDES e sindicalistas, o arrombamento dos fundos de pensão.

Na algaravia geral brasileira não se ouve uma só voz que se apiade do cidadão comum ou zele pela Pátria, mãe gentil.

*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor

Canário do reino - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 29/06

Olhando do Brasil, o resultado do plebiscito que pede a saída do Reino Unido da UE (União Europeia) parece algo remoto. A libra esterlina, no momento em que escrevo, perdeu 13% do seu valor em relação ao dólar desde o Brexit; já o real se desvalorizou em torno de 1,5%. Mesmo que pudéssemos atribuir todo o movimento da moeda ao evento traumático da semana passada, a conclusão inescapável é que o mercado financeiro local não deu maior importância ao acontecimento.

De fato, da perspectiva brasileira, os impactos parecem mesmo limitados. Pelo lado real da economia, o Reino Unido foi o destino de US$ 2,7 bilhões das exportações nacionais nos 12 meses terminados em maio, 1,4% do total exportado no período, pouco mais do que vendemos, por exemplo, para o Uruguai.

Por outro lado, embora ao menos em tese a "fuga para a qualidade" que se seguiu ao Brexit pudesse levar a um aumento da percepção de risco, na prática esse efeito foi bastante limitado. Mantivemos a duvidosa honra de apresentar o risco-país na casa de 3% a 3,5% ao ano devido principalmente aos desenvolvimentos locais, em particular graças às dificuldades de ajustar as contas públicas.

Não se segue, porém, que devamos ignorar outras possíveis (e prováveis) consequências do Brexit. Por mais que se tente associar a decisão ao intervencionismo excessivo de Bruxelas (verdadeiro, aliás), me parece claro que o voto pela saída da UE não refletiu um impulso liberalizante, mas sim seu oposto.

A questão central no caso é o repúdio à livre circulação de trabalhadores no bloco, claramente exposta na questão da imigração. Uma piada local relatava que encanadores ingleses reclamavam da concorrência "desleal" de seus congêneres poloneses, que teriam o desplante de não apenas marcar visitas a seus clientes mas –para horror local– efetivamente aparecer na hora marcada.

Isso não é um privilégio britânico. Por mais que a elite política europeia tenha se empenhado em aprofundar a integração econômica do continente, sacudido por guerras sangrentas nos últimos séculos, a triste verdade, desnudada pela crise da zona do euro (um pedaço da UE), é que a população jamais comprou a ideia de uma união cada vez mais próxima ("ever closer union"), como expresso na Declaração Solene da UE.

Ao contrário, o que sobreviveu aos planos de integração e hoje se manifesta de forma crescente é um nacionalismo xenófobo, que não raro descamba para o racismo. A faceta mais visível do fenômeno no continente é a ascensão da Frente Nacional na França, personificada por Marine Le Pen, mas está longe de se limitar a isso, encastelado nos governos da Hungria e da Polônia, ganhando força na Holanda, na Alemanha e em outros países da UE, para não mencionarmos alguns aspectos da candidatura Trump, nos Estados Unidos.

São forças que agem no sentido contrário da integração, frequentemente aliadas a seu antípoda ideológico, partidos de esquerda e sindicatos, temerosos desde sempre acerca dos efeitos da globalização.

Não há, portanto, como ignorar riscos políticos à expansão do comércio internacional e, por extensão, do próprio crescimento global. O Brasil faz parte dessa engrenagem e depende como nunca de crescente integração para se recuperar da crise.

O Brexit é o canário na mina da globalização.

Desencalhar a nau do Estado - ANTONIO OLIVEIRA SANTOS

O ESTADÃO - 29/06

Ao assumir a Presidência da República, o legado que chega às mãos de Michel Temer se assemelha ao de uma família cuja herança é constituída de dívidas. Os principais passivos que desenham as “condições iniciais” do novo governo estão expressos na evolução exponencial da dívida pública e na forte queda do PIB, configurando uma fase cíclica de forte recessão, na qual o desemprego ultrapassa 10% da população economicamente ativa. A economia está envolta numa inflação que, ao longo dos anos, de forma contínua e ampla, extrapolou a meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional. Como síntese, uma queda nominal e real da renda per capita, expressão inequívoca de regresso econômico, o que tem como pano de fundo o “assalto” à Petrobrás, cuja interação com os demais setores tem forte impacto na cadeia produtiva.

Apesar da limitação de tempo, o novo presidente tem a seu favor a recuperação da governabilidade, em razão de sua reconhecida competência, larga experiência e a capacidade de, ao negociar, eliminar fricções existentes entre Executivo e Legislativo. Com um Executivo com propostas claras, sem escamotear a verdade sobre os tempos duros que ainda estão por vir, será possível alcançar no Congresso Nacional a maioria necessária para a aprovação das propostas. A prioridade principal será a de conter a trajetória ruinosa do endividamento público, capaz de permitir uma rolagem suave, ao manter em nível prudente a razão dívida/PIB. Antes será necessário aprimorar um programa de ação para enfrentar o déficit de mais de R$ 170 bilhões previsto para este ano, sem contar os juros que pesam sobre a dívida pública.

Estão, ainda, no horizonte das prioridades: a desvinculação das receitas orçamentárias, a flexibilidade nas relações capital/trabalho, o abandono do salário mínimo como indexador de gastos de cunho social e a indispensável Reforma da Previdência. Além de passar “pente fino” nos custos gigantescos da administração federal. Os cortes possíveis serão de caráter marginal, diante da dimensão do endividamento público, mas assinalarão, ante a opinião pública, uma gestão mais austera e eficaz dos gastos.

Muitas das propostas terão de ser tratadas fora do Congresso com grupos das centrais sindicais, com os quais é de prever negociações difíceis e demoradas. Particularmente em relação à reforma da Previdência, cuja pedra de toque é o aumento da idade mínima para a aposentadoria, providência absolutamente necessária ante o envelhecimento da população.

Em face da evidente limitação de recursos financeiros para animar a atividade econômica e recuperar o nível de emprego, será preciso gerar um ambiente de confiança para os investimentos. O primeiro passo será o de garantir aos investidores segurança jurídica, que afaste das decisões qualquer viés ideológico.

Sem prejuízo de uma cautelosa avaliação para concluir as obras de infraestrutura em curso, será necessário rever o regime das concessões, sem a imposição apriorística da taxa de retorno no edital e sem a restrição do “conteúdo mínimo nacional”. Como inovação, na busca da eficiência seria importante que os consórcios construtores fossem objeto de uma audiência externa de caráter técnico-jurídico, capaz de resolver conflitos, certificando-se, inclusive, a justeza dos aditivos não raro acrescidos ao contrato original.

Com um programa de investimentos em infraestrutura física e humana na educação e saúde será possível recuperar o nível de emprego e renda.

Por último, nesta fase de transição da vida do País, seria conveniente que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário fizessem uma profunda reflexão sobre as distorções do sistema político decorrentes do “presidencialismo de coalizão”, difícil de se sustentar em face do excessivo número de partidos, usados em barganha do preenchimento de cargos e funções. Em outras palavras: para as reformas que se afiguram necessárias, a preliminar seria levar a cabo cuidadosa análise da complexa organização política.

*É presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo

Paradoxos da globalização - MONICA DE BOLLE

O ESTADÃO - 29/06

“A culpa é do capitalismo global, financeirizado e desigual.” Frases de efeito como essa ressurgem sempre que o mundo é sacudido por evento inesperado. A crise financeira de 2008 foi evento inesperado. O voto britânico pela saída da União Europeia (UE) foi evento inesperado. Complexos, ambos suscitam perguntas e levantam teses. Mas, para todo problema complexo existe uma solução clara, simples, e errada. A solução não é acabar com o capitalismo ou reverter a globalização.

O que diz a literatura empírica e acadêmica sobre a globalização? É verdade que a globalização aumentou a desigualdade mundo afora? De onde vem o sentimento nacionalista que se alastra nas economias maduras? Seria hora de repensar o ritmo da integração global?

As evidências. Em livro recém-publicado, o economista Branko Milanovic, um dos maiores especialistas mundiais em desenvolvimento econômico e desigualdade, desvelou gráfico famoso, hoje conhecido como o “gráfico do elefante”. Ao analisar os aumentos da renda por habitante ajustados pela inflação em relação aos níveis globais de renda entre 1988 e 2008 – auge da globalização –, o autor descobriu que a parcela da população global que mais se beneficiou foi a classe média. Ou seja, ao contrário do que reza o senso comum, a classe média global passou por notável expansão durante o período de maior aceleração da globalização, entre a queda do muro de Berlim e a crise de 2008. Grande parte disso deve-se ao aumento considerável da classe média na China e no restante da Ásia. O gráfico impressiona pois, além de contradizer ideias preconcebidas, revela outro ponto interessante: a parcela que menos se beneficiou da globalização foi justamente a composta por pessoas pertencentes à classe média baixa dos países maduros.

O formato de tromba de elefante vem da constatação de que os ganhos dos rendimentos no meio da distribuição global de renda cai abruptamente quando se chega aos 20% mais ricos, apenas para subir novamente de modo súbito quando se alcança o topo do topo, isto é, o 1% mais rico.

Portanto, a globalização não aumentou a desigualdade de renda no mundo – na verdade, a globalização contribuiu para reduzi-la. Contudo, o que ocorreu foi que parte relevante da classe média mais vulnerável nos países desenvolvidos foi excluída desse processo. Sua renda não subiu, nem caiu – portanto, não houve piora absoluta. Porém, essas pessoas foram testemunhas de ganhos acelerados nas rendas dos mais ricos de seus países, e da renda de países mais pobres no mundo, criando um perigoso sentimento de exclusão relativa.

De certo modo, é esse sentimento que hoje se manifesta de maneira difusa em movimentos como o Brexit, a ascensão de Donald Trump nos EUA, a adesão aos discursos de políticos nacionalistas como Marine Le Pen na França. Digo de maneira difusa pois a sensação de terem sido privados de algo provoca reações diversas nessas pessoas – do resgate das velhas tradições à xenofobia, do nacionalismo cego à vontade de retomar a autonomia nacional, fora de grandes blocos e projetos como a UE, que naturalmente levam a que se ceda parte da soberania.

Seria a hora de reaver o ritmo da integração global? Em seu The Globalization Paradox, o economista e Professor de Economia Política da Universidade de Harvard Dani Rodrik descreve o trilema da globalização: a ideia de que não é possível ter, simultaneamente, um regime democrático, plena autonomia nacional, e globalização, sobretudo a globalização acelerada que marcou uma era. Há que se escolher duas dessas três premissas – a terceira, seja qual for, é sempre incompatível com as demais. O Brexit, por mais que pareça ser suicídio político e econômico para muitos, é expressão do trilema. A opção de retirar-se da UE foi exercida para que se pudesse recuperar autonomia nacional, já que sua relativa redução não mais servia à parcela da população que sente-se privada dos ganhos com a globalização.

Eis, portanto, o paradoxo: a globalização reduz desigualdade, mas o faz de modo demasiado desigual. O desafio não é revertê-la. O desafio é descobrir como atenuar a desigualdade da redução da desigualdade.

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

Alívio na economia - MIRIAM LEITÃO

O Globo 29/06

O pior passou, mas ainda não se pode dizer que o país está se recuperando. Há propostas do governo que podem reduzir as despesas públicas, mas não há garantia de aprovação. Os juros vão baixar em algum momento no futuro, porque a inflação está caindo em todos os cenários, mas a taxa ainda está acima do teto da meta e assim terminará o ano.

Estas são algumas das conclusões que estão no relatório de inflação divulgado ontem. O documento foi vistoriado pelos economistas e jornalistas com a intenção de verificar se já há sinais de mudança de estilo com o novo presidente do Banco Central. Um dos repórteres falou na entrevista coletiva que parecia ser o mesmo BC. Quem estava respondendo as perguntas era o diretor que está deixando o cargo depois de uma longa carreira na instituição, Altamir Lopes, e que de fato lembra mais continuidade.

No mercado se usa as definições de “falcão” e “pombo” para indicar uma direção mais dura ou mais branda no controle dos instrumentos de política monetária. E ontem as lupas usadas para ler o tedioso relatório tinham o objetivo de saber que tipo de ave será Ilan Goldfajn. Quando era economista-chefe do Banco Itaú ele previa queda das taxas de juros em pouco tempo. Os analistas concluíram que ele está um pouco mais falcão do que se imaginava, pela firmeza no compromisso de chegar ao centro da meta no ano que vem.

Outra conclusão a que alguns economistas chegaram é que não houve muita mudança no tom porque há incertezas demais no país. Se as medidas fiscais forem aprovadas, se o impeachment for aprovado, se o governo Temer se fortalecer o cenário é um. Do contrário, o quadro econômico vai refletir mais instabilidades da conjuntura política.

O relatório, como sempre, projeta números para a inflação a cada trimestre nos cenários de referência e de mercado. Nos dois, a taxa é declinante. O índice que chegou a 10,6%, no pico ocorrido em 2015, está em queda e deve chegar ao fim do ano em 6,9% ou 7%. No final do ano que vem estará, segundo os dois cenários, em 4,7% ou 5,5%. Confira no gráfico. O surto inflacionário está sendo vencido. As taxas subiram em parte pela correção das tarifas de energia após um período de baixa artificial da eletricidade e da gasolina.

O choque cambial e os eventos climáticos provocados pelo “El Niño" elevaram a inflação de alimentos no ano passado e começo deste ano. Mas esses efeitos vão se dissipar, disse o Banco Central. De fato, o dólar que chegou a R$ 4,19, caiu fortemente e ontem foi negociado a R$ 3,30. O “El Niño” passou e há chance de um “cenário mais benigno” para os alimentos. A menos que, explicou o BC, “La Niña” afete a produção de grãos no hemisfério Norte, elevando os preços.

Mas, como disse o relatório de inflação divulgado ontem, o cálculo é de que as medidas propostas para limitar o crescimento do gasto à inflação do ano anterior vão sim reduzir as despesas públicas. Em três anos, elas devem cair entre 1,5 a 2 pontos percentuais do PIB. Em 2015, o gasto havia chegado a 19,6%. Pode parecer pouco, mas é uma inversão de tendência relevante. Nos últimos anos as despesas só subiram em relação ao PIB.

As melhores notícias vêm da frente externa. Apesar de o ambiente ser de crescimento fraco, com queda do ritmo chinês, e agora os novos sustos em relação à União Europeia e o Reino Unido, o Brasil mudou completamente os números das contas externas. O déficit em transações correntes teve uma redução “expressiva”, definiu o BC. Caiu de 4,42% do PIB, nos doze meses até maio de 2015, para 1,7% em maio de 2016. A economia não vai exatamente bem, mas parar de piorar já dá algum alívio nesse biênio horroroso vivido pelo Brasil.


Decurso de prazo - ROSÂNGELA BITTAR

Valor Econômico - 29/06

A estratégia é óbvia: o grupo político da presidente Dilma Rousseff, afastada do cargo por admissão do impeachment, tergiversa ao apresentar ao eleitorado várias propostas para sair da crise múltipla em que mergulhou. Há movimentos distintos: o plebiscito popular para realização de novas eleições presidenciais este ano; o vale tudo da propagação do golpe inclusive sem pejo de destruição da imagem das instituições brasileiras no exterior; as promessas de dias melhores para os senadores que virarem seu voto. Mas sabe que a realidade não lhe permite sonhar muito, principalmente com soluções que envolvam intricadas medidas na área da política e apoio no Congresso, pois isso ainda falta a Dilma. A chicana do processo de impeachment, portanto, é somente passatempo para conseguir voltar ao cargo.

E, com esse objetivo, não precisa esforçar-se para a conquista de votos inatingíveis, que estão mesmo difíceis. Basta ganhar tempo e cumprir a tabela.

Passados os 180 dias do afastamento, Dilma volta automaticamente ao governo mesmo se o impeachment não tiver sido votado ainda.

Em 12 de novembro, portanto, poderá ser presidente novamente. E o presidente Michel Temer, que assumiu interinamente por força de sucessão constitucional, terá que voltar ao seu cargo de vice-presidente.

A procrastinação de datas, a indicação de testemunhas de defesa às dezenas, até funcionários de baixo escalão de ministérios, que possivelmente não poderiam assumir autoria dos atos irregulares perante a justiça, os protestos contra as atitudes dos que não querem compactuar com a enrolação fazendo inquirições cujas respostas já conhecem, têm o objetivo de criar constrangimentos para chegar à única vitória realmente segura, que independe de qualquer audiência: vencer os 180 dias do afastamento sem votar o impeachment.

É possível? É. Há quem não ache provável, mas à medida que o desespero cresce, nunca se sabe. Novamente de posse do governo, no final do período regulamentar de afastamento, Dilma teria condições de realizar a pressão sobre os senadores, ação que hoje atribui a Temer, jogar com os cargos do governo e a caneta para derrotar o impeachment. E desfazer os atos do governo interino. Não todos, certamente, porque muito do que foi realizado e ainda o será, na interinidade, se deve à governabilidade instituída no governo Temer, inexistente no governo Dilma, de cujo resultado poderá usufruir.

No desfazer de medidas e atos, porém, não se prevê apenas troca de todos os ministros e altos funcionários que já foram nomeados para substituir os petistas do governo Dilma. Políticas serão desfeitas, haverá recuo em medidas, e a tão louvada equipe econômica de excelência, tendo à frente Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn, será defenestrada. A não ser que, por um acordo superior entre o ex-presidente Lula e a presidente reassumida Dilma, houver apelo a que permaneçam para conduzir a gestão de pelo menos uma das crises, a econômica.

O presidente do Banco Central foi premonitório, ontem, na sua primeira intervenção sobre a política monetária do governo Temer. Em essência, deu um basta ao logro, ao indicar que os juros poderiam cair mais rápido com a implementação do ajuste fiscal.

Ao contrário do que ocorria no governo Dilma, quando o BC entregava tudo com base em promessas depois nunca cumpridas. Se voltar, Dilma poderá provar do seu próprio veneno, pois não vai levar de graça o que só a governabilidade pode entregar.
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Esta semana o mundo político se surpreendeu com a descoberta do fato de que a força-tarefa da Operação Lava Jato incluiu nos acordos de leniência que está negociando uma cláusula que prevê repasse de 10% da multa a ser aplicada à empresa. Até o percentual lembra as taxas da propina sob investigação.

Por enquanto, está valendo para o grupo de Curitiba, nos acordos dirigidos pelo juiz Sergio Moro. A Procuradoria-Geral da República não conseguiu aprovação do ministro Teori Zavascki, responsável pela operação no Supremo Tribunal Federal, para estender o benefício à PGR e ao STF.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral e membro do STF, que nutre grande respeito pelas decisões de Teori, aplaude a recusa. "Considero um absurdo essa taxa". Gilmar pergunta por que só para o Ministério Público e não para os demais integrantes da força tarefa, como a polícia e o Judiciário. Não para pedir parte do butim, mas para mostrar a pouca razoabilidade da medida: "Não estou falando que devessem participar, mas perguntando qual a razão do prêmio".

No raciocínio do ministro, em todas essas operações o que se está falando é que há pessoas jurídicas lesadas. "No caso específico, fala-se da Petrobras, que sofreu brutal lesão. Ela é composta por acionistas públicos e privados, esses foram os lesados. Vai tirar deles mais 10%?".

O percentual está na lei e agora aguarda-se um decreto regulamentador, antes que em cada investigação o responsável defina do seu jeito. Mas no Supremo não se conhecia o inteiro alcance da medida. "Eu tinha ouvido falar, não sabia que estava escrito dessa forma", diz Gilmar que, como muitos do STF, só tomaram conhecimento pela consulta a Teori.

Para o ministro, isto será com certeza questionado e revisto. "Não faz o menor sentido, até porque estão cumprindo a sua função de investigar. Virou honorário? A que título?" Na sua opinião, toda ação deveria ser no sentido de ressarcir quem foi lesado. No caso, o Ministério Público está partilhando de recursos que pertencem à Petrobras e seus acionistas. Gilmar dá um exemplo didático: "O exemplo do assalto a banco é perfeito. A polícia recuperou todo o montante, os dois milhões de dólares que foram levados. Tem direito a 10%?"
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Luciano Fuck, secretário-geral do TSE, tem uma explicação cabal para as nuances dos critérios do Ministério Público para aceitar umas delações e não outras, independentemente do que possam ou não ainda revelar. A lógica da delação premiada, diz, meio aos acalorados questionamentos das decisões da força - tarefa, é partir do bagrinho para pegar o peixe grande. Ninguém vai esperar a delação do Al Capone para prender uns de seus ajudantes da cadeia de crimes. Portanto, a delação não é para todo mundo, mesmo. É constituida para você ter elementos sobre o sistema criminal, e pegar justamente os intangíveis, os que mandam.


Desocupe Cunha - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 29/06

A conversa de domingo à noite no Palácio do Jaburu entre o presidente em exercício Michel Temer e o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, não foi a primeira nem será a última “análise do quadro político” em que o tema subjacente às tratativas formais é a possibilidade de renúncia de Cunha. Não ao mandato de deputado, mas à presidência da Casa.

De uma ou duas semanas para cá, o assunto tem estado no centro das preocupações do Palácio do Planalto e adjacências. E por um motivo bastante mais objetivo que temores de (ainda) hipotética delação premiada ou tentativa de salvar a pele de Cunha: com Waldir Maranhão sentado na cadeira de presidente não dá. Quase nada anda em matéria de votações e, quando anda, o processo é muito mais complicado, entre outros motivos porque vira e mexe ele é impedido pelos deputados de tocar a sessão. Agora mesmo a Câmara está praticamente parada há duas semanas.

Além da agenda legislativa prejudicada, a Casa vive em tensão permanente. De um lado pela rejeição a Maranhão e de outro pelo desejo quase consensual de que Cunha se afaste para abrir espaço à eleição de um novo presidente para cumprir mandato até fevereiro de 2017. Fora isso, ao Palácio do Planalto interessa contar com uma interlocução que possa ser feita à luz do dia, sem dar margem a especulações. A cada vez que alguém do governo se encontra com Eduardo Cunha surgem versões sobre articulações para favorecê-lo no processo de cassação do mandato.

O encontro de domingo ocorreu por solicitação de Cunha. Segundo assessores do presidente em exercício, para uma conversa de “prospecção”. Temer poderia até se recusar a recebê-lo, mas criaria uma hostilidade desnecessária. E, sobretudo, contraproducente, pois quando se sente hostilizado Eduardo Cunha costuma firmar o pé na direção contrária. Portanto, a avaliação é a de que não se pode tentar lhe dar um xeque-mate. O melhor é administrar a situação com punhos de renda.

Como fez Michel Temer no domingo, em trabalho qualificado por aliados como de “relações públicas”. Não diz diretamente que deve renunciar, mas procura fazer ver a ele que o gesto poderia angariar alguma simpatia no colegiado (hoje majoritariamente antipático) no plenário quando da votação do pedido de cassação do mandato.

A possibilidade de que a cassação não seja aprovada, contudo, hoje é considerada muito remota. E, conforme dito a Eduardo Cunha, porque ele esticou demais a corda. Hoje qualquer um que viesse a se posicionar a seu favor seria mal visto pela opinião pública. Ninguém do governo diz isso a ele, mas o fato é que na visão geral Eduardo Cunha perdeu e precisa o quanto antes realizar a derrota, da maneira ainda mais suave à disposição dele: a renúncia à presidência.

Pelo simples fato de que o tempo dele está acabando. De acordo com o que dizem companheiros de fortuna e infortúnio, cabe a ele perceber.

A lei e a marra. A chamada Lei das Estatais, que estava prevista para ser sancionada ontem e obriga a contratação de “técnicos” para postos de direção em empresas públicas, impedindo a nomeação de políticos, é daquelas providências supostamente moralizadoras, mas só supostamente.

A Lava Jato e outras operações estão servindo para revelar que técnicos, quando querem e obtêm vantagem nisso, operam em nome de políticos. Eles podem ser tão corruptos quanto. Com a desvantagem, para o público pagante, de que contribuem para a desmoralização da política.

“Técnico” não é garantia de nada. Ao contrário, não depende de voto, vive na sombra de quem depende. Protegido do escrutínio popular.


Um palanque para o ódio – BERNARDO MELLO FRANCO

Folha de SP - 29/06

O Supremo Tribunal Federal transformou o deputado Jair Bolsonaro em réu por injúria e incitação ao crime de estupro. Ele será processado porque afirmou, na tribuna da Câmara, que uma colega "não merecia" ser estuprada.

Depois do ataque no plenário, o deputado repetiu a ofensa em entrevista. "Ela não merece [ser estuprada] porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero. Jamais a estupraria", disse.

A Procuradoria-Geral da República considerou que as declarações não foram apenas grosseiras: também incentivaram a violência contra a mulher. Bolsonaro não negou as frases, mas alegou que não poderia ser processado, já que a Constituição garante imunidade aos parlamentares por "opiniões, palavras e votos".

O discurso não colou no Supremo. O ministro Luiz Fux concluiu que o destampatório não teve "teor minimamente político". "Não se pode subestimar os efeitos dos discursos que reproduzem o rebaixamento da dignidade da mulher", afirmou. A denúncia foi aceita por 4 votos a 1.

Ontem Bolsonaro voltou ao noticiário por outro episódio de incontinência verbal. Ele será julgado no Conselho de Ética por ter homenageado um torturador da ditadura durante a votação do impeachment.

É razoável que o Supremo tome medidas para evitar que a imunidade parlamentar vire licença para a apologia de crimes e criminosos. Na Câmara, o desafio é evitar que o deputado transforme o Conselho de Ética num palanque para se promover.

Ele já começou a fazer isso, apresentando-se como vítima de uma perseguição ilusória e recitando frases de efeito nos telejornais.

O truque de Bolsonaro é conhecido. Em 2014, ele se tornou o deputado mais votado do Rio graças ao discurso de ultradireita e à habilidade para fabricar polêmicas vazias. Em alguns casos, a melhor forma de lidar com um radical que prega o ódio não é discutir os absurdos que ele diz, e sim deixá-lo falando sozinho.

Brasileirismos - ROBERTO DAMATTA

O ESTADÃO - 29/06

Gente boa: do bom e do bem. Platônicos sem saber, eles unem o bom vinho e o excelente uísque a amigos inigualáveis. Eles amam execrar e, temos depois, santificar o execrado. Tem sido assim com grandes pensadores e até com ditadores. Eis um brasileirismo.

Não falam de questões, mas de pessoas. Dos “outros” – deles mesmos vistos de longe. Cada caso tem uma versão. Quando surge uma indiscrição, tergiversam. Fazem parte dos “arrumados” e estão “no mesmo barco”. Um barco com espaço para mais um grupo. Isso os torna imunes aos naufrágios. Eis um outro brasileirismo.

Aceitam abusos e tramoias porque seguem o brasileirismo das relações pessoais. Todos se ligavam com todos, de modo que basta saber quem é para safar (ou agravar) uma situação. A consideração era maior do que a eficiência que eles tanto clamavam.

Uma pessoa diz que o sujeito é fascista, mas se o amigo afirma que é um conhecido, cria-se um dilema. Esse era um brasileirismo clássico, mas eles não davam importância às relações pessoais, que era justamente a dimensão social que lhes permitia as ultrapassagens.

Assim, quanto mais faziam leis, mais os elos pessoais as neutralizavam, alimentando o sonho pueril de revoluções institucionais destinadas a consertar definitivamente o sistema. Promulgavam a lei que igualava, mas quando os acusados eram amigos, o laço pessoal – tomado como banalidade, inocência e engano – era imediatamente usado de modo que o patife virava ambicioso, o fanático um exagerado; o nazista um exaltado e o ladrão partidário uma vítima da imprensa midiática.

O abuso dos elos pessoais, que salva criminosos e os transforma em perseguidos, gera uma relação duvidosa com a lei e as instituições, pois torna a impessoalidade antipática, senão impossível. As leis são boas para os outros, não para nós. O magistrado é competente, até que se saiba de seus amigos. Então, num só movimento, se desmoralizam as leis, porque ninguém discute ou percebe o peso das relações pessoais no funcionamento da sociedade.

O país das leis não se entende com a sociedade das amizades. Não querendo conhecer a força do “dou para receber”, essa norma que amarra mais do que as constituições, pois, sem ela, não haveria simplesmente sociedade, o País inventa brasileirismos. Cria leis e mais leis com o objetivo de tornar real o anonimato sem o qual não há cidadania, mas elas reforçam os relacionamentos pessoais.

O fato é que ou estar “dentro” ou “fora” é mais importante do que o certo ou o errado. Laços ideológicos nutridos por amizade e obséquios ultrapassavam partido e credos, obrigando a isentar criminosos óbvios e a negar erros crassos de gerenciamento. As amizades englobam os interesses nacionais. Uma gigantesca onda de corrupção, ao lado de dilemas político-burocráticos, engendrou um cenário jamais previsto pelos politicólogos: o brasileirismo de um país com dois presidentes. Um afastado constitucionalmente, e o outro, empossado com o aval do STF, tentando remendar o que pode, sendo impiedosamente chamado de “golpista”.

O personalismo, tido como banal e inconsequente, é justamente o cerne dos brasileirismos. Ele leva o sistema ao pré-suicídio, porque opera com leis explícitas e com regras implícitas. A lei proíbe claramente, a amizade faculta ocultamente.

Lado a lado, essas éticas criam arranjos imprevisíveis. Os laços pessoais interferem com os institucionais e vice-versa. Quem faz é mais importante do que aquilo que foi feito.

A discriminação pessoal do “esse eu conheço!” neutraliza as leis.

O maior brasileirismo não é a tão propalada e vergonhosa desigualdade, mas, sem sombra de dúvida, é o clamor igualitário. Não podemos continuar com a teoria segundo a qual, quando se trata de país é ideológico e político; mas, quando se trata de amigos, é coisa de honra, respeito e consideração. Como conciliar esses códigos claramente indispensáveis para uma vida social equilibrada, senão discutindo suas demandas, confrontos e implicações?

Num mundo de amigos e compadres, nada pode ser mais perverso do que a igualdade de todos perante a lei.

PS: Se tudo correr bem, volto a este espaço em agosto. A folga é o meu brasileirismo.

BC ambicioso – EDITORIAL FOLHA DE SP

Folha de SP - 29/06
Divulgado nesta terça-feira (28), o relatório trimestral de inflação, principal documento de comunicação do Banco Central, era aguardado com especial interesse. Não se sabia ao certo de que maneira a nova diretoria da entidade pretendia conduzir a política monetária nos próximos meses.

Havia basicamente dois caminhos: adiar para 2018 o compromisso de levar a inflação ao centro da meta (4,5%), a fim de muito em breve reduzir a taxa básica de juros, ou postergar os cortes na Selic, com vistas a obter a convergência dos preços já no ano que vem.

O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, optou pela segunda via —em suas palavras, um objetivo ambicioso, porém crível.

Mirar o centro da meta será fundamental para rebaixar as expectativas de inflação e viabilizar juros menores e sustentáveis no médio prazo. Há na atitude do BC uma tentativa de restaurar a credibilidade, erodida nos últimos anos por promessas não cumpridas e subserviência ao populismo do governo.

De fato, à luz das informações atuais, a escolha do BC é ousada. Nos últimos meses, houve surpresas altistas nos preços, a despeito do aprofundamento da recessão. As projeções para o IPCA em 2016 apontam alta de cerca de 7%.

Essas condições tendem a influenciar também as estimativas para 2017, dado um efeito inercial particularmente forte no Brasil –um choque leva muito tempo para se dissipar, em decorrência da indexação generalizada de preços e salários. Por isso, os modelos do BC ainda sugerem inflação acima da meta no ano que vem.

Goldfajn indicou que o cenário melhorará se houver uma gestão mais austera do Orçamento. O aumento da confiança na estabilidade da dívida pública reduziria o risco de fuga de ativos brasileiros e de desvalorização do real, favorecendo o controle da inflação.

O alinhamento com a Fazenda, portanto, é crucial. Melhorias na administração das contas públicas precisam ser confirmadas para que os juros possam cair com responsabilidade.

Tudo somado, o mais provável é que a Selic comece a ser reduzida mais para o final do ano, como é necessário. Apesar dos riscos, ensaia-se uma conjunção de fatores que, com alguma sorte, pode levar os juros a um dígito no médio prazo, de forma sustentável. Seria uma mudança expressiva no funcionamento da economia.

Como reforço a esse cenário, seria desejável que o Conselho Monetário Nacional, que se reúne no dia 30, sinalizasse para a sociedade o compromisso do governo —e não apenas do BC— com a redução estrutural da inflação, adotando uma meta menor, de 4,25%, para 2018.

Um tiro pela culatra - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 29/06

A perícia feita por técnicos do Senado no processo de impeachment, a pedido da defesa da presidente afastada Dilma Rousseff, a respeito dos crimes de responsabilidade de que ela é acusada – as “pedaladas” relativas ao Plano Safra de 2015 e os decretos de crédito suplementar editados sem autorização legislativa – concluiu que, no primeiro caso, houve violação da lei orçamentária, mas não “ação comissiva”, ou seja, participação direta da presidente; no segundo, houve violação da Lei de Responsabilidade Fiscal e, “sem controvérsia”, ação direta da chefe do governo. Está claro, portanto, que o processo de impeachment que os petistas dizem ser “golpe” contra Dilma tem, sim, fundamento legal. Registre-se que a única conclusão dos peritos que poderia favorecer Dilma Rousseff – a de que ela não teve participação direta nas “pedaladas” – não elide o fato de que, como presidente da República, ela tem responsabilidade objetiva, constitucionalmente definida, pelos atos de governo.

Assim, saiu pela culatra o tiro com que a defesa de Dilma pretendia isentar a presidente afastada das acusações que fundamentam o pedido de seu impeachment. Era um recurso no qual os dilmistas botavam fé pelo menos para ganhar tempo na tramitação do impeachment. O pedido de perícia foi originalmente rejeitado pela Comissão Especial, mas a tropa de choque dilmista recorreu ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski – que comanda também a tramitação da atual fase do processo no Senado –, que revogou a decisão e autorizou a perícia.

As conclusões dos peritos, como era de esperar, foram largamente exploradas pelos dois lados, tanto nos debates da sessão de segunda-feira passada da Comissão Especial quanto em declarações aos jornalistas. A própria Dilma, em sua persistente tentativa de evitar o impeachment, declarou em entrevista a uma rádio gaúcha: “Fica cada vez mais claro que este processo não tem base legal, não tem fundamentação”. Por isso, confia: “Não só tenho esperança, como tenho sistematicamente feito tratativas nesta direção, conversando com senadores”.

A esperança, como se sabe, é a última que morre. No caso de Dilma, deverá sobreviver até o fim de agosto, quando o plenário do Senado decidirá se decreta ou não o impeachment.

Dilma terá de trabalhar muito para que o resultado não se lhe seja adverso. Na sessão do Senado que decidiu pela admissibilidade do processo contra Dilma, a maioria exigida era de apenas 41 votos, mas 55 senadores votaram contra ela, um voto a mais do que a maioria qualificada que será exigida na votação final. É claro que o governo provisório está trabalhando para garantir os 54 votos que tornarão Michel Temer titular da Presidência. Tudo indica que, apesar de 6 senadores se declararem indecisos e 19 não declararem como votarão, os apoiadores do impeachment poderão contar com a maioria necessária para o afastamento definitivo de Dilma Rousseff.

Os prognósticos que indicam a cassação do mandato de Dilma são perfeitamente plausíveis. Afinal, apesar de fazerem o possível para salvar as aparências, nem Lula nem o PT a querem de volta, pois essa hipótese certamente arruinaria qualquer possibilidade de o lulopetismo reerguer-se politicamente em futuro previsível. Ninguém, nem mesmo os petistas, acredita que de volta à Presidência Dilma consiga tirar o País do buraco que diligentemente cavou durante mais de cinco anos.

Se voltar, pressionada pelo PT e pelas organizações sociais que o partido controla, Dilma provavelmente tentará ressuscitar a tal nova matriz econômica, o que prolongaria a retração econômica que a atual equipe de governo tem boas possibilidades de começar a reverter. Ou então deixaria tudo em suspenso e mergulharia o País no delírio de uma proposta irrealista de realizar um plebiscito sobre a antecipação do pleito presidencial, o que implicaria a precondição de sua renúncia. Seria muito mais sensato então ela poupar os brasileiros de mais esse pesadelo. A Pátria receberia, agradecida e penhorada, o sacrifício de sua renúncia ao cargo.


A irresponsabilidade de jogar contra a Rio-2016 - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 29/06

Movimento de policiais e bombeiros não disfarça o viés político por trás de chantagens e atos de quase terrorismo cujos alvos são turistas que chegam ao Rio para os Jogos


A mistura de esporte e política (e manifestações, sindicais ou corporativistas, dela derivadas) é, invariavelmente, indigesta. Tomar atividades voltadas em última instância para o entretenimento como refém de pautas a elas estranhas é sintoma, e grave, da doença do oportunismo, o sempre condenável, por definição, aproveitamento das circunstâncias para alcançar, pelo caminho mais curto, não raro eticamente condenável, algum resultado de interesse pontual. O país já experimentou, por exemplo, trocar apoio de partidos pela construção de estádios para satisfazer interesses de caciques, condicionar votos à participação de times de futebol em torneios etc. Os resultados costumam, sem exceção, ser ruinosos para os dois lados do balcão.

Não é outro, senão a motivação política, e em sua mais deletéria abordagem, o propósito do movimento que, a pouco mais de um mês do início dos Jogos Olímpicos, junta bombeiros a policiais civis e militares em ações que beiram o terrorismo. Alegadamente, eles cruzam os braços, em serviços essenciais no âmbito da segurança pública, e atemorizam turistas, cercando-os com faixas nos portões de entrada do Rio, contra o atraso de pagamentos que generalizadamente atinge o funcionalismo fluminense. Fazem da Rio-2016 instrumento de uma chantagem cujos objetivos passam ao largo dos interesses do esporte.

A irresponsabilidade dos policiais, agentes públicos que têm o dever, acima de quaisquer circunstâncias, de prover a segurança da sociedade revela um perigoso descompromisso com as atribuições que lhes são próprias — até por dever constitucional. Este é um dos ângulos das condenáveis ações, em curso ou por serem adotadas, que resultam no desamparo da população. Como tal, precisa ser enfrentado pelas autoridades com o rigor que a situação exige.

Por sua vez, a manipulação política visível no movimento de protesto que, anteontem, levou agentes públicos ao desembarque do Galeão — a mais ampla e movimentada porta de entrada da cidade que abrigará a Olimpíada — também precisa ser enquadrada no manual de comportamento e deveres dessa especial categoria de servidores estaduais. A faixa que eles abriram à vista de quem chegava ao Rio (“Bem-vindo ao inferno. A polícia e os bombeiros não recebem pagamento. Quem vier para o Rio de Janeiro não estará seguro”, com dizeres em inglês) dá a medida de o quanto as organizações sindicais patrocinadoras extrapolaram os limites da civilidade.

Atraso dos salários é efeito direto da crise financeira do estado (de resto, do país). De fato, compromete o orçamento familiar de todos os servidores. A economia fluminense aderna, e, por certo, é preciso buscar responsabilidades. Mas isso deve ser feito no âmbito doméstico, dentro da esfera apropriada — nunca por meio de chantagens contra um evento que trará benefícios às próprias finanças estaduais. Jogar contra a Rio-2016 é opção irresponsável e contraproducente.

Compromisso firme - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 29/06

Foi especialmente importante, para fixar posições e desmentir rumores, a primeira entrevista coletiva do novo presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn. Ele prometeu trabalhar para conduzir a inflação a 4,5%, meta oficial, até o fim do próximo ano. O compromisso foi confirmado, com todas as palavras, durante o lançamento do relatório trimestral de inflação, um exame periódico da economia brasileira e das condições internacionais. Não há condições, de acordo com o documento, para afrouxamento da política monetária. A redução da taxa básica de juros continua, portanto, fora da pauta. Essa advertência já havia aparecido uma semana antes, na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). A repetição no relatório deveria bastar, em outra circunstância, para eliminar dúvidas e boatos. Ainda assim, a insistência no assunto, durante a entrevista, foi oportuna.

Rumores de mudança na ação do Copom circularam durante semanas, desde a indicação de Goldfajn para a presidência do BC. Mesmo depois de seu discurso no Senado, na sabatina regulamentar, e de seu pronunciamento na cerimônia de posse, fontes do setor financeiro insistiram no assunto. A meta de 4,5% ficaria para mais tarde, segundo essas fontes, e a autoridade monetária adotaria provisoriamente um algo menos ambicioso, ou “meta ajustada”. As palavras do novo presidente, naquelas duas ocasiões, dificilmente poderiam justificar essas previsões, ou desejos, mas dúvidas permaneceram.

Goldfajn negou explicitamente, na entrevista, a busca de um objetivo mais fácil em 2017. A adoção da meta ajustada, segundo ele, pode justificar-se em algumas circunstâncias. É preciso, nesse caso, anunciar a decisão com clareza, indicando o novo caminho a ser percorrido. Em certas condições, pode ser aconselhável afrouxar a política e buscar provisoriamente um alvo mais acessível e menos custoso. Não é esse o caso, neste momento, insistiu o presidente.

Retomando palavras de seu discurso de posse, ele classificou a meta de 4,5% em 2017 como desafiadora e, ao mesmo tempo, crível. Expressa de outra forma, essa mensagem havia aparecido com clareza na ata da última reunião do Copom, realizada ainda sem a presença de Goldfajn. Sua primeira participação deverá ocorrer nos dias 19 e 20 de julho.

A manutenção da meta de 4,5% para o próximo ano tem claras implicações quanto à política de juros. Segundo a ata, aquele objetivo seria alcançável com juros básicos de 14,25% e câmbio de R$ 3,60 por dólar. No cenário central incluído no relatório, a taxa prevista para 2017, naquelas condições, é ligeiramente mais alta, 4,7%. Mas isso faz pouca ou nenhuma diferença, nesse caso. Ao manter o compromisso, o Copom reafirma a expectativa de atingir o centro do alvo, ou um ponto muito próximo, com aquelas condições de juros e de câmbio. Pelas projeções contidas no relatório, a inflação oficial anual poderá cair para 4,2% no fim do segundo trimestre de 2018. O prazo de dois anos é normalmente o horizonte considerado na formulação da política e nas previsões do BC.

No cenário central, a trajetória da inflação é compatível com uma pequena melhora da atividade. As estimativas de março foram revistas e a contração econômica deste ano foi recalculada de 3,5% para 3,3%. A mudança deve ser puxada principalmente por um desempenho menos desastroso da indústria. A redução esperada para a produção industrial passou de 5,8% para 4,6%. Mas o consumo das famílias deve cair 4%, bem mais do que os 3,3% antes previstos.

Há, no relatório, uma forte aposta na melhora geral das expectativas, com a implantação de uma política mais firme de arrumação das contas públicas. A importância do ajuste fiscal para a estabilização dos preços foi ressaltada muitas vezes nos documentos do BC, nos últimos anos, mas as finanças do governo pioraram sempre na gestão da presidente Dilma Rousseff. Pela primeira vez em muito tempo, há chance de uma política mais séria.


Brexit torna urgente reformas econômicas de Temer - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 29/06

País precisa ajustar sua economia para se defender dos efeitos da saída dos britânicos da UE. Para isso, é preciso acelerar a aprovação de medidas no Congresso


Com a decisão histórica dos britânicos de abandonar a União Europeia — o chamado Brexit —, na quinta-feira passada, o mundo mergulhou numa era de incertezas. A desestruturação caótica da representação política convencional no Parlamento britânico e o caos nos mercados financeiros globais desde o plebiscito são exemplares. As autoridades monetárias conseguiram conter os efeitos negativos à curto prazo, mas os desafios que se avolumam adiante são preocupantes. Por isso, o mundo acompanhava apreensivo ontem a reunião dos líderes dos 27 países do bloco europeu com o premier David Cameron, à espera de um roteiro mais claro da saída britânica da UE.

No mercado financeiro, que opera com uma lógica própria, a indefinição gerada pelo Brexit mudou a percepção de risco, e muitos fundos estão voltando a apostar em países emergentes, como Brasil, Rússia, México, Índia, China e Argentina. Segundo a agência Bloomberg, os índices de volatilidade de 30 dias saltaram, após o Brexit, em EUA, UE e Reino Unido, que teve ainda sua nota de dívida soberana rebaixada por duas importantes agências de risco. O efeito nos mercados emergentes, porém, foi bastante limitado.

O Brasil, que tem hoje um governo interino comprometido com a correção dos rumos da economia, pode se beneficiar desse movimento inesperado entre os investidores internacionais. Além disso, a equipe econômica precisa se preparar para os choques econômicos negativos do Brexit na economia global a médio e longo prazos.

O cenário, portanto, impõe ao governo de Michel Temer redobrar os esforços de reequilíbrio fiscal já anunciados por seu time econômico. Diante dos acontecimentos, toda iniciativa necessária para evitar um desvio de rota da restauração da economia tornou-se crucial. Isto exigirá do presidente interino firmeza e habilidade política para aprovar no Congresso as medidas necessárias para estimular a economia de forma sustentável, o que inclui a aplicação de reformas estruturais inadiáveis para que o Brasil saia da crise e retome o caminho do crescimento.

É essencial, por exemplo, que o presidente não vacile na sanção da lei de responsabilidade das estatais; na venda de ativos de empresas públicas, como Petrobras e Eletrobras; e na nova legislação para regular os fundos de pensão, que está na pauta do Congresso esta semana. Simultaneamente é preciso avançar com maior celeridade em medidas de ajuste fiscal e adequar o Orçamento federal ao limite das receitas, o que inclui a imposição de um teto para os gastos públicos pela inflação passada, estendendo o mesmo compromisso aos governos estaduais e municipais.

Temer tem uma oportunidade única, não aproveitá-la seria um erro trágico. Para todos.

O ajuste em nossas vidas - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 29/06

A divulgação ontem pelo Tesouro Nacional de um rombo nas contas do governo federal de R$ 15,5 bilhões em maio é mais do que ato de rotina. É mais uma oportunidade para que os brasileiros que ainda não se deram conta da importância da questão fiscal para suas vidas perceberem a gravidade da situação em que o país está metido. Simplificando, essa é a diferença entre o que o governo gastou e o que ele arrecadou em apenas um mês. Ou seja, o caixa não conseguiu cobrir a fatura. É o maior rombo registrado depois do Plano Real em um mês de maio. Quando isso acontece, o governo é obrigado - como ocorre com qualquer cidadão malcomportado - a tomar dinheiro emprestado.

E se o governo estava devendo, o rombo engorda o endividamento público, razão da perda de credibilidade do Brasil no mercado financeiro internacional. Isso aumenta o preço a pagar pelo dinheiro que o país capta nos mercados para cobrir as despesas. Certos estavam os especialistas que não se iludiram com um vistoso superavit de R$ 9,7 bilhões obtido em abril pelo governo central. Foi o que nossos avós chamavam de fruta temporã, os economistas classificam de ponto fora da curva e o comum dos mortais pode muito bem reconhecer como um acidente (embora positivo), provocado por um caroço no calendário dos impostos.

No mais, é preciso entender que a profundidade do abismo a que a economia brasileira foi lançada exigirá muito de cada um dos cidadãos. Nessa situação, ninguém escapa, nem mesmo os que dispõem de capital e que costumam ganhar até nas crises. O rombo de maio em todo o setor público (a ser calculado pelo Banco Central) será conhecido hoje. Mas o dado de ontem do governo central é suficiente para não perdoar o governante que não levou a sério a tarefa de administrar com eficiência e responsabilidade as contas públicas nos últimos anos. No acumulado dos cinco primeiros meses do ano, o deficit primário já soma R$ 23,7 bilhões e reforça a previsão da atual equipe econômica de fechar o ano com rombo inédito de R$ 170,5 bilhões.

Com isso, 2016 será o terceiro ano seguido de pesados desequilíbrios fiscais, considerando apenas o deficit primário, ou seja, sem os juros da dívida, conta três vezes maior a ser paga. Em 2014, o rombo assumido foi de R$ 17,2 bilhões (entulho bem maior tinha sido empurrado para o ano seguinte). Em 2015, depois de várias correções e do pagamento de antigas pedaladas, o rombo somou R$ 114,9 bilhões.

Boas escolas de política econômica ensinam que o equilíbrio fiscal assegura a estabilidade dos principais preços da economia, permite o planejamento do investimento privado e irriga a confiança dos agentes econômicos de que não há surpresas ruins escondidas nos armários do governo. Se assim é, o desconforto da disparada dos preços, a recessão e a chaga social do desemprego estão muito bem explicados e seus autores, identificados. Justificam-se, então, medidas de austeridade e contenção de gastos públicos que alguns brasileiros em posição de influência ainda não entenderam. A crise exige esforço, e a democracia demanda paciência.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

CÂMARA SUSPENDE ATIVIDADES, NÃO SUAS DESPESAS

A suspensão das atividades da Câmara, decidida pelo presidente interino Waldir Maranhão (PP-MA), não foi seguida da suspensão das despesas rotineiras dos parlamentares e seu staff. Ganhando R$ 33,7 mil por mês, mais R$ 92 mil de verba de gabinete e R$ 45,6 mil de “cota para o exercício parlamentar”, cada deputado custa R$ 171,4 mil por mês (R$ 5,7 mil por dia) à Câmara, apareça ou não para trabalhar.

TUDO COMO ANTES
Também não foram suspensos os gastos dos deputados com celulares, passagens aéreas, restaurante, selos, combustíveis, que pagamos.

PROTEÇÃO AMIGA
Maranhão suspendeu as atividades dos deputados, como antecipou esta coluna, para não ter de votar a cassação de Eduardo Cunha.

DEBOCHE
Miro Teixeira (Rede-RJ) está indignado com a suspensão de atividades à revelia dos deputados, que serão cobrados. “É um deboche”, ataca.

FALTOU RESPEITO
“Ele não tem respeito por ninguém”, diz Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) sobre Maranhão, alguém sem condição de presidir a Câmara.

‘DESINVESTIMENTO’ APAVORA EMPRESÁRIOS DO RIO
O presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Paulo Protásio, desembarca em Brasília nesta quarta (29), com uma ideia fixa: convencer o presidente Michel Temer a liderar esforços para melhorar a imagem do Brasil no exterior. Zika vírus, ladroagem da era PT e a mentira do “golpe” estão provocando o que os especialistas denominam de “desinvestimento” no País. A situação é mesmo grave.

IMAGEM NO LIXO
O Brasil precisa recuperar a confiança dos investidores para retomar o crescimento, mas, com imagem no lixo, isso é cada vez mais distante.

TEMOR DE SER ROUBADO
Escândalos de corrupção, ainda que combatidos por operações como a Lava Jato, afugentam aqueles que temem pela sorte do seu dinheiro.

BYE BYE
A perda do grau de investimento pelas maiores agência de rating do mundo foi decisiva para acelerar a debandada de investidores.

EMUDECERAM
Artistas que lutaram pela preservação dos cargos dos seus amigos, no Ministério da Cultura, deveriam demonstrar publicamente que não se locupletaram do esquemão que nos últimos anos afanou R$ 180 milhões dos cofres públicos, usando a Lei Rouanet como pé-de-cabra.

SILÊNCIO GRITANTE
O Senado faz silêncio constrangedor sobre o roubo a servidores e aposentados em dificuldades, que levou à prisão do ex-ministro Paulo Bernardo, marido de Gleisi Hoffmann (PT-PR). Muito estranho.

ZIKA É PRETEXTO
Outro golfista famoso, australiano Jason Day, anunciou que não virá aos Jogos Olímpicos com medo do zika. Lorota. Eles não virão porque jogos olímpicos não distribuem prêmios milionários. Simples assim.

ESSES AMERICANOS...
A Suprema Corte dos Estados Unidos reverteu a sentença da Justiça do estado de Virgínia que condenara um ex-governador por corrupção. Pior: a decisão abre margem para a reversão de outras condenações.

SONHO PORTENHO
Segundo o jornal argentino La Nación, fontes do Itamaraty sustentam que o presidente Michel Temer “não confia plenamente” no chanceler José Serra, e que eles têm planos diferentes para o Brasil no Mercosul.

ALERTA VERMELHO
Ricardo Izar (PSD-SP) alerta que houve erros no processo contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética. "Os erros foram corrigidos, mas houve equívocos que podem comprometer o processo", diz.

BOLSA BILHÕES
O programa Bolsa Família já distribuiu, este ano, cerca de R$ 8,96 bilhões a famílias cadastradas. Só a Bahia, governada pelo PT, recebeu R$ 1,19 bilhão da verba do governo federal.

AMIGO DA ONÇA
O deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP) cobrou do ministro da defesa, Raul Jungmann, a demissão do comandante responsável por onça morta após passagem da tocha olímpica em Manaus (AM).

PENSANDO BEM…
...não há “digitais” de Dilma no crime das pedaladas por uma simples razão: ela foi a mandante.