FOLHA DE SP - 03/05
O governo de Dilma Rousseff se tornou uma grande campanha eleitoral. Como toda campanha petista, não apresenta nenhuma proposta, mas promove um verdadeiro espetáculo de demonização do adversário. O partido, que chegou ao poder envolto numa falsa aura de honestidade e defesa dos mais pobres –e, uma vez lá, se mostrou corrupto e elitista–, agora tenta renovar a própria mística atacando inimigos imaginários.
Nas eleições de 2014, o PT aterrorizava o eleitorado em suas propagandas, mostrando que o Brasil governado pela oposição seria um país "das elites, do desemprego, da inflação, dos juros altos, dos cortes na Saúde, na Educação e nos programas sociais".
A realidade do segundo governo de Dilma Rousseff reproduz a caricatura que ela fazia dos seus adversários: benesses para grandes bancos e empreiteiras; desemprego de 10,9%; inflação de 10,67%, a maior desde 2002; juros em 14,25%, a maior taxa em quase dez anos; cortes bilionários na Saúde e na Educação –a redução no orçamento de programas sociais pode chegar a 87%.
Agora o PT quer fazer a população acreditar que, num eventual governo de Michel Temer, haveria corrupção institucionalizada e interferências na Operação Lava Jato.
Ora, que ironia! Não foi o próprio PT que transformou a corrupção em método de governo? Que excluiu do próprio dicionário a palavra "democracia" e instaurou a ditadura da propina?
Além disso, segundo a delação do senador Delcídio do Amaral, a própria presidente Dilma interferiu na Operação Lava Jato: teria nomeado Marcelo Navarro para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) para que este votasse a favor da soltura de Marcelo Odebrecht e de Otávio Marques de Azevedo, além de tentar, junto ao então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, convencer o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, a mudar os rumos da operação.
Se nem o PT, que teve mais de 13 anos para aparelhar o Estado e estruturar seu esquema de compra de base parlamentar, foi capaz de acabar com a Operação Lava Jato, como poderia fazê-lo um governo recém-chegado, com um país totalmente quebrado a recuperar, que precisará de amplo apoio do Congresso para sobreviver e que estará sob constante vigilância de uma sociedade que nunca antes priorizou tanto o combate à corrupção?
O PT aprendeu a projetar em seus adversários tudo aquilo que ele mesmo é. O partido o fez em sua ascensão e o está fazendo em sua derrocada. E assim, aos trancos e barrancos, a legenda sobrevive, recebendo na veia doses reforçadas de narrativa financiada por dinheiro público.
Não precisamos de um gigantesco Ministério da Propaganda, precisamos de um governo. A propaganda governista não amedronta. O que dá medo, de verdade, é a realidade que o governo nos impôs.
terça-feira, maio 03, 2016
Delito continuado - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 03/05
Os pontos de defesa da presidente Dilma foram desmontados ontem pelos especialistas convidados pela oposição para falar na Comissão do impeachment. Ficou demonstrado que houve pedalada no Banco do Brasil em 2015, reiterando tudo o que havia acontecido em 2014 com outros bancos. Ficou claro também que presidentes anteriores não fizeram o que Dilma fez.
Oque o procurador de contas junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, disse é que pedirá também a rejeição das contas da presidente Dilma em 2015. Não é ele quem decide, mas o tribunal ouve o Ministério Público antes de dar o parecer. O procurador disse que pedirá a rejeição porque o governo continuou na mesma “prática ilegal” de usar os bancos públicos como fonte de financiamento para as despesas correntes, o que, explicou, é exatamente o que a Lei de Responsabilidade Fiscal quis evitar.
Sobre o ponto dos decretos de crédito suplementar, o procurador explicou que o governo os baixou quando estava inadimplente com a meta fiscal. Os governistas insistiram que no fim do ano, ao ser aprovada a nova meta fiscal, ficou tudo acertado. O professor José Maurício Conti rejeitou esse entendimento. Disse que o que vale é a meta vigente na época da edição do decreto, e a lei estabelece que se ela não estiver sendo cumprida não pode haver crédito suplementar sem autorização do Congresso.
Seria, disse Júlio Marcelo, o aniquilamento da meta fiscal se novo limite aprovado no fim do ano convalidasse todos os gastos. O governo poderia descumprir os limites, bastando ao fim do exercício aprovar uma meta que coubessem todas as suas despesas.
A ligação entre as fraudes fiscais e a desorganização da economia ficou clara também na fala do procurador. Ele explicou com gráficos, números e palavras que o governo, a partir de 2013, começou a atrasar os repasses aos bancos públicos como nunca havia acontecido antes. No ano de 2014, chegou a volumes elevados e tempo dilatado. Com isso, o governo pôde realizar outras despesas em ano eleitoral.
— A Lei de Responsabilidade Fiscal veio para disciplinar as despesas públicas em ano eleitoral e coibir as práticas condenáveis durante as eleições — disse.
Júlio Marcelo disse que ao fim de 2014 foram quitadas as dívidas junto à Caixa, mas o governo continuou devendo ao Banco do Brasil, BNDES e FGTS. No BB, que consta da denúncia, a conta chegou a R$ 11 bilhões. O custo do subsídio aos empresários do agronegócio é de R$ 3 bilhões por semestre. Ao fim do primeiro semestre de 2015 o governo não tinha quitado o atrasado do ano anterior nem pago o que devia naquele ano.
O jurista Fábio Medina Osório esclareceu um ponto que tem gerado muita controvérsia. Qual a natureza do processo de impeachment e se, dada essa natureza, ele deve seguir o código de processo penal, que diz respeito a crimes comuns. Ele demonstrou, com muita clareza, que o julgamento de crime de responsabilidade é, constitucionalmente, da competência exclusiva do Senado Federal. Tem um enquadramento jurídico no rito a ser seguido, mas as regras do código de processo penal, que dizem respeito a crimes comuns, não se aplicam, porque são próprias do processo jurisdicional, isto é, nos tribunais, competência exclusiva do Poder Judiciário.
O procurador Júlio Marcelo explicou que o TCU não mudou entendimento e negou que o tribunal tivesse que ter alertado com antecedência:
— O que configura o erro é o descumprimento da normal legal, e não quando o TCU diz que é ilegal.
Ficou claro que o governo Dilma atacou os pilares da Lei de Responsabilidade Fiscal. E persistiu no erro.
Os pontos de defesa da presidente Dilma foram desmontados ontem pelos especialistas convidados pela oposição para falar na Comissão do impeachment. Ficou demonstrado que houve pedalada no Banco do Brasil em 2015, reiterando tudo o que havia acontecido em 2014 com outros bancos. Ficou claro também que presidentes anteriores não fizeram o que Dilma fez.
Oque o procurador de contas junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, disse é que pedirá também a rejeição das contas da presidente Dilma em 2015. Não é ele quem decide, mas o tribunal ouve o Ministério Público antes de dar o parecer. O procurador disse que pedirá a rejeição porque o governo continuou na mesma “prática ilegal” de usar os bancos públicos como fonte de financiamento para as despesas correntes, o que, explicou, é exatamente o que a Lei de Responsabilidade Fiscal quis evitar.
Sobre o ponto dos decretos de crédito suplementar, o procurador explicou que o governo os baixou quando estava inadimplente com a meta fiscal. Os governistas insistiram que no fim do ano, ao ser aprovada a nova meta fiscal, ficou tudo acertado. O professor José Maurício Conti rejeitou esse entendimento. Disse que o que vale é a meta vigente na época da edição do decreto, e a lei estabelece que se ela não estiver sendo cumprida não pode haver crédito suplementar sem autorização do Congresso.
Seria, disse Júlio Marcelo, o aniquilamento da meta fiscal se novo limite aprovado no fim do ano convalidasse todos os gastos. O governo poderia descumprir os limites, bastando ao fim do exercício aprovar uma meta que coubessem todas as suas despesas.
A ligação entre as fraudes fiscais e a desorganização da economia ficou clara também na fala do procurador. Ele explicou com gráficos, números e palavras que o governo, a partir de 2013, começou a atrasar os repasses aos bancos públicos como nunca havia acontecido antes. No ano de 2014, chegou a volumes elevados e tempo dilatado. Com isso, o governo pôde realizar outras despesas em ano eleitoral.
— A Lei de Responsabilidade Fiscal veio para disciplinar as despesas públicas em ano eleitoral e coibir as práticas condenáveis durante as eleições — disse.
Júlio Marcelo disse que ao fim de 2014 foram quitadas as dívidas junto à Caixa, mas o governo continuou devendo ao Banco do Brasil, BNDES e FGTS. No BB, que consta da denúncia, a conta chegou a R$ 11 bilhões. O custo do subsídio aos empresários do agronegócio é de R$ 3 bilhões por semestre. Ao fim do primeiro semestre de 2015 o governo não tinha quitado o atrasado do ano anterior nem pago o que devia naquele ano.
O jurista Fábio Medina Osório esclareceu um ponto que tem gerado muita controvérsia. Qual a natureza do processo de impeachment e se, dada essa natureza, ele deve seguir o código de processo penal, que diz respeito a crimes comuns. Ele demonstrou, com muita clareza, que o julgamento de crime de responsabilidade é, constitucionalmente, da competência exclusiva do Senado Federal. Tem um enquadramento jurídico no rito a ser seguido, mas as regras do código de processo penal, que dizem respeito a crimes comuns, não se aplicam, porque são próprias do processo jurisdicional, isto é, nos tribunais, competência exclusiva do Poder Judiciário.
O procurador Júlio Marcelo explicou que o TCU não mudou entendimento e negou que o tribunal tivesse que ter alertado com antecedência:
— O que configura o erro é o descumprimento da normal legal, e não quando o TCU diz que é ilegal.
Ficou claro que o governo Dilma atacou os pilares da Lei de Responsabilidade Fiscal. E persistiu no erro.
Tão iguais, tão desiguais - ELIANE CANTANHÊDE
O Estado de S. Paulo - 03/05
Desde o início, os investigadores da Lava Jato esfregavam as mãos ao falar do senador Delcídio do Amaral, ex-PSDB e agora também ex-PT e ex-líder do governo Dilma Rousseff, como o “delator dos delatores”. Simplesmente porque ele sabe como foi a evolução de todo esse esquemão que atingiu em cheio a maior e mais simbólica empresa brasileira, desde que havia uma relação de promiscuidade entre empreiteiras e diretores da Petrobrás até que o comando passasse aos partidos e tudo se tornasse tão gigantesco quanto ficou.
Pois é. A delação começa a produzir frutos maduros, com a decisão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de pedir inquéritos a torto e a direito contra políticos. Ou melhor, contra um ministro do governo Dilma, o petista Edinho Silva (Comunicação Social), contra o presidente do maior partido de oposição, Aécio Neves, candidato do PSDB à Presidência da República em 2014, e até contra um ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Vital do Rêgo.
É uma decisão de amplo espectro, num momento em que o governo do PT faz água, afundando sob o peso do desastre Dilma, e o PSDB marcha, desunido como sempre, para dividir os bônus e sofrer o ônus do futuro governo que vem aí – um governo do PMDB. Aliás, a lista dos nomes no novo pedido de Janot inclui o maior arroz de festa do Congresso na Lava Jato. É o sexto torpedo contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que continua se esquivando daqui, fugindo dali e escapando sempre – e inacreditavelmente – da implosão.
Tudo somado, ou todos esses nomes somados, temos mais um dado para o descrédito e o temor de boa parte da sociedade que defende o impeachment de Dilma Rousseff pelo “conjunto da obra” – pedaladas, economia, política, ética...–, mas consolidando cada vez mais a percepção de que “todos são iguais”. E, por isso, teme Temer. Ou melhor, teme o que o PMDB significa e o que Temer carrega com ele para o centro do poder.
O vice, portanto, tem uma responsabilidade abstrata que depende de vários gestos concretos. O abstrato é demonstrar capacidade de recuperar o ânimo da população e a confiança dos atores econômicos internos, dos investidores externos. E o concreto é escolher os aliados certos para as posições certas e tomar as medidas necessárias na área econômica, para que o governo pare de cavar o buraco em que o País se afunda. As condições não serão nada fáceis.
Enquanto o PT discute como calibrar a oposição a Temer com a responsabilidade com o País, seus aliados ameaçam botar fogo no circo. Queimam pneus em estradas, invadem fazendas, sacodem as universidades. E vem mais por aí, levantando, aliás, uma questão interessante: o financiamento disso tudo. Há quem desconfie de que, por trás do “pacote de bondades” de Dilma, haja novas “pedaladas”, agora para garantir as ações de CUT, UNE, MST contra Temer, além de blogueiros pagos não para defender Dilma, mas para atacar quem critica Dilma. A fonte está secando?
Além do frevo. Quem viu a votação do impeachment na Câmara pôde confirmar uma velha tradição do Congresso: a bancada de Pernambuco, da “esquerda” à “direita”, é melhor do que a da maioria dos Estados. Isso se reflete na montagem do virtual governo Temer. Entre paulistas, gaúchos, cariocas e goianos (caso de Henrique Meirelles), há uma profusão de nomes pernambucanos. Raul Jungmann (PPS) é cotado para a Defesa, Bruno Araújo (PSDB) para a Educação e Roberto Freire (PPS) para a Cultura, depois que Cristovam Buarque (PPS) recusou a pasta.
E, se a vaga do DEM for o Ministério das Minas e Energia, o escolhido será o engenheiro e professor baiano José Carlos Aleluia, mas, em qualquer outro caso, inclusive Educação, o nome forte é o do ex-líder na Câmara Mendonça Filho – mais um pernambucano.
Desde o início, os investigadores da Lava Jato esfregavam as mãos ao falar do senador Delcídio do Amaral, ex-PSDB e agora também ex-PT e ex-líder do governo Dilma Rousseff, como o “delator dos delatores”. Simplesmente porque ele sabe como foi a evolução de todo esse esquemão que atingiu em cheio a maior e mais simbólica empresa brasileira, desde que havia uma relação de promiscuidade entre empreiteiras e diretores da Petrobrás até que o comando passasse aos partidos e tudo se tornasse tão gigantesco quanto ficou.
Pois é. A delação começa a produzir frutos maduros, com a decisão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de pedir inquéritos a torto e a direito contra políticos. Ou melhor, contra um ministro do governo Dilma, o petista Edinho Silva (Comunicação Social), contra o presidente do maior partido de oposição, Aécio Neves, candidato do PSDB à Presidência da República em 2014, e até contra um ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Vital do Rêgo.
É uma decisão de amplo espectro, num momento em que o governo do PT faz água, afundando sob o peso do desastre Dilma, e o PSDB marcha, desunido como sempre, para dividir os bônus e sofrer o ônus do futuro governo que vem aí – um governo do PMDB. Aliás, a lista dos nomes no novo pedido de Janot inclui o maior arroz de festa do Congresso na Lava Jato. É o sexto torpedo contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que continua se esquivando daqui, fugindo dali e escapando sempre – e inacreditavelmente – da implosão.
Tudo somado, ou todos esses nomes somados, temos mais um dado para o descrédito e o temor de boa parte da sociedade que defende o impeachment de Dilma Rousseff pelo “conjunto da obra” – pedaladas, economia, política, ética...–, mas consolidando cada vez mais a percepção de que “todos são iguais”. E, por isso, teme Temer. Ou melhor, teme o que o PMDB significa e o que Temer carrega com ele para o centro do poder.
O vice, portanto, tem uma responsabilidade abstrata que depende de vários gestos concretos. O abstrato é demonstrar capacidade de recuperar o ânimo da população e a confiança dos atores econômicos internos, dos investidores externos. E o concreto é escolher os aliados certos para as posições certas e tomar as medidas necessárias na área econômica, para que o governo pare de cavar o buraco em que o País se afunda. As condições não serão nada fáceis.
Enquanto o PT discute como calibrar a oposição a Temer com a responsabilidade com o País, seus aliados ameaçam botar fogo no circo. Queimam pneus em estradas, invadem fazendas, sacodem as universidades. E vem mais por aí, levantando, aliás, uma questão interessante: o financiamento disso tudo. Há quem desconfie de que, por trás do “pacote de bondades” de Dilma, haja novas “pedaladas”, agora para garantir as ações de CUT, UNE, MST contra Temer, além de blogueiros pagos não para defender Dilma, mas para atacar quem critica Dilma. A fonte está secando?
Além do frevo. Quem viu a votação do impeachment na Câmara pôde confirmar uma velha tradição do Congresso: a bancada de Pernambuco, da “esquerda” à “direita”, é melhor do que a da maioria dos Estados. Isso se reflete na montagem do virtual governo Temer. Entre paulistas, gaúchos, cariocas e goianos (caso de Henrique Meirelles), há uma profusão de nomes pernambucanos. Raul Jungmann (PPS) é cotado para a Defesa, Bruno Araújo (PSDB) para a Educação e Roberto Freire (PPS) para a Cultura, depois que Cristovam Buarque (PPS) recusou a pasta.
E, se a vaga do DEM for o Ministério das Minas e Energia, o escolhido será o engenheiro e professor baiano José Carlos Aleluia, mas, em qualquer outro caso, inclusive Educação, o nome forte é o do ex-líder na Câmara Mendonça Filho – mais um pernambucano.
Alegorias do desalento - JOSÉ CASADO
O GLOBO - 03/04
À espera do desfecho num palácio que exala exaustão, Dilma prepara livro e ministros combinam com senadores aliados um último tango em torno do improvável
O tempo vaza pelas janelas do palácio, na praça imaginada pelo urbanista Lúcio Costa como símbolo da divisão de poderes do Estado. Lâmpadas queimadas permanecem esquecidas nos salões quase desérticos. Paletós pendurados nas copas sugerem ociosidade dos garçons, entretidos em jogar conversa fora. Secretárias tricotam o silêncio nos gabinetes, onde já não há frenesi telefônico.
Do mármore à tapeçaria, o Palácio do Planalto exala exaustão. Ali, todos percebem que o futuro do governo é apenas ilusão. O Senado avança na liturgia constitucional de troca de guarda no centro do poder. Em 72 horas começa a votar a queda de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer. Permanecem a crise e os inquéritos sobre corrupção.
Dilma esmera-se no isolamento. Aos 68 anos, a presidente que desejava ser bailarina amanhece pedalando. O exercício evoca, em familiares, seus passeios da infância numa bicicleta amarela pelo bairro dos Funcionários, em Belo Horizonte. Por ironia, está prestes a ser derrubada por “pedaladas” fiscais — manobras contábeis para ocultar déficits orçamentários.
À noite, encerra-se em si mesma, escrevendo por quase meia hora. Fez dos registros diários um hábito. Histórias para contar ela acumulou em 52 anos de vida na política. Virou presidente com uma biografia incólume às urnas e, em parte, dedicada à luta pela substituição de uma ditadura (militar) por outra (do proletariado). Esteve no centro de todas as crises dos últimos 13 anos — do governo Lula, com o mensalão, à implosão da Petrobras, sob seu comando.
Na angústia do impeachment, Dilma prepara um livro para o futuro, a exemplo dos ex-presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique, que vai para o segundo tomo de anotações nas madrugadas do Alvorada.
À volta de Dilma, sobram alegorias do desalento governamental. Semana passada, no Planalto, consumiram-se horas na discussão sobre a legalidade do uso do avião presidencial para uma presidente afastada vagar em comícios pelo país. Na sequência, combinou-se um último tango em torno do improvável.
Ao hotel Saint Paul, em Brasília, compareceram senadores como Randolfe Rodrigues (Psol-AP), Cristovam Buarque (PPS-DF), Lídice da Mata (PSB-BA), João Capibaribe (PSB-PA) e a líder da Rede, Marina Silva, entre outros. Apresentou-se a proposta de emenda constitucional para antecipar eleições presidenciais. Marina ficou contra. Lembrou que eleições antecipadas só podem ocorrer se o TSE cassar a chapa Dilma-Temer. E foi embora. Alguns levaram a proposta ao chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, que sorriu.
Na prática, os senadores do Psol, PPS e PSB construíram um álibi político para justificar o voto contra o impeachment nos microfones do Senado. Dilma gostou, porque ofereceram-lhe um tema para o discurso de despedida.
Nessa tragicomédia outonal, os protagonistas “esqueceram” três coisas essenciais. Uma é que Temer não pretende abandonar o papel de sucessor de Dilma. Outra é a necessidade de dois terços para aprovação de emendas constitucionais, coisa que o governo só tem se for contra ele mesmo. Por último, a ideia atropela meia dúzia de vezes a Constituição, inclusive em cláusulas pétreas. Restou aquilo que juristas sarcásticos definem como “ficção inaceitável”.
À espera do desfecho num palácio que exala exaustão, Dilma prepara livro e ministros combinam com senadores aliados um último tango em torno do improvável
O tempo vaza pelas janelas do palácio, na praça imaginada pelo urbanista Lúcio Costa como símbolo da divisão de poderes do Estado. Lâmpadas queimadas permanecem esquecidas nos salões quase desérticos. Paletós pendurados nas copas sugerem ociosidade dos garçons, entretidos em jogar conversa fora. Secretárias tricotam o silêncio nos gabinetes, onde já não há frenesi telefônico.
Do mármore à tapeçaria, o Palácio do Planalto exala exaustão. Ali, todos percebem que o futuro do governo é apenas ilusão. O Senado avança na liturgia constitucional de troca de guarda no centro do poder. Em 72 horas começa a votar a queda de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer. Permanecem a crise e os inquéritos sobre corrupção.
Dilma esmera-se no isolamento. Aos 68 anos, a presidente que desejava ser bailarina amanhece pedalando. O exercício evoca, em familiares, seus passeios da infância numa bicicleta amarela pelo bairro dos Funcionários, em Belo Horizonte. Por ironia, está prestes a ser derrubada por “pedaladas” fiscais — manobras contábeis para ocultar déficits orçamentários.
À noite, encerra-se em si mesma, escrevendo por quase meia hora. Fez dos registros diários um hábito. Histórias para contar ela acumulou em 52 anos de vida na política. Virou presidente com uma biografia incólume às urnas e, em parte, dedicada à luta pela substituição de uma ditadura (militar) por outra (do proletariado). Esteve no centro de todas as crises dos últimos 13 anos — do governo Lula, com o mensalão, à implosão da Petrobras, sob seu comando.
Na angústia do impeachment, Dilma prepara um livro para o futuro, a exemplo dos ex-presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique, que vai para o segundo tomo de anotações nas madrugadas do Alvorada.
À volta de Dilma, sobram alegorias do desalento governamental. Semana passada, no Planalto, consumiram-se horas na discussão sobre a legalidade do uso do avião presidencial para uma presidente afastada vagar em comícios pelo país. Na sequência, combinou-se um último tango em torno do improvável.
Ao hotel Saint Paul, em Brasília, compareceram senadores como Randolfe Rodrigues (Psol-AP), Cristovam Buarque (PPS-DF), Lídice da Mata (PSB-BA), João Capibaribe (PSB-PA) e a líder da Rede, Marina Silva, entre outros. Apresentou-se a proposta de emenda constitucional para antecipar eleições presidenciais. Marina ficou contra. Lembrou que eleições antecipadas só podem ocorrer se o TSE cassar a chapa Dilma-Temer. E foi embora. Alguns levaram a proposta ao chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, que sorriu.
Na prática, os senadores do Psol, PPS e PSB construíram um álibi político para justificar o voto contra o impeachment nos microfones do Senado. Dilma gostou, porque ofereceram-lhe um tema para o discurso de despedida.
Nessa tragicomédia outonal, os protagonistas “esqueceram” três coisas essenciais. Uma é que Temer não pretende abandonar o papel de sucessor de Dilma. Outra é a necessidade de dois terços para aprovação de emendas constitucionais, coisa que o governo só tem se for contra ele mesmo. Por último, a ideia atropela meia dúzia de vezes a Constituição, inclusive em cláusulas pétreas. Restou aquilo que juristas sarcásticos definem como “ficção inaceitável”.
A força e a fragilidade na base de Temer - RAYMUNDO COSTA
VALOR ECONÔMICO - 03/05
É mais fácil Dilma voltar interditada que eleições gerais
Fundamental para a aceitação do pedido de impeachment na Câmara, o deputado Eduardo Cunha será peça-chave também no governo de Michel Temer. Ele é considerado mesmo indispensável para os primeiros 30, 60 dias - o período concedido ao vice para convencer o país de que as medidas que vai adotar estão no caminho certo.
A política é o campo no qual Temer tem predominância muito grande. O vice é um dos teóricos da governabilidade. De saída, ele leva outra vantagem: ninguém vota o impeachment para ficar contra o novo governo. Mas o vice terá que ser rápido, adotar logo as medidas de que precisa e projetar segurança, segundo o PMDB.
As primeiras medidas são esperadas para o dia 13, se o afastamento de Dilma for confirmado em 11 de maio, conforme previsto. Nem Cunha, com toda sua força, terá como ficar contra, neste primeiro momento. Desvinculação de receitas da União e a regulamentação dos decretos expedidos por Dilma para cobrir o déficit estão entre as prioridades no Congresso.
O virtual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não tem direito ao erro e nem pode repetir o ministro Joaquim Levy com medidas que não resolvem nada. Não há tempo para discussões exóticas como a independência do Banco Central, assunto para ser discutido num quadro de estabilidade, o que não é o caso.
Temer quer combater o desemprego imediatamente. Não há como esperar a volta do crescimento. Será uma saída à moda Lula, com incentivos a um setor ou setores da economia. Não está claro se a indústria automobilística é um desses segmentos.
A venda de ativos também é prioridade, por mais que o preço das estatais esteja praticamente no chão. Correios e Infraero registraram prejuízos recordes em 2015. Mas se o governo não tiver como investir, entende-se no PMDB que a situação ficará pior mais à frente.
A atual conjuntura mundial não dá esperança para o governo tentar resolver a situação do país com ajuda externa. O Brasil terá que sair da crise, sobretudo, com boas decisões internas.
E tudo passa pela Câmara. Cunha foi quem juntou o centrão e levou os partidos a negociar com o governo que ia entrar e que estava disposto a dar o mesmo que o governo marcado para sair. Na mira do Ministério Público Federal, do STF e da neo-oposição, o deputado mantém ascendência sobre um grande grupo na Câmara. Provou isso na sua eleição, em fevereiro de 2015, e agora no impeachment.
Sob sua vigilância, PP, PSD e PR se acertaram antecipadamente: iriam juntos para Dilma ou para o impeachment. Foram esses três partidos que disseram a Dilma que só iriam para o ministério depois da votação e não o contrário. O governo aceitou seus termos. Os partidos ganharam tempo para avaliar corretamente os riscos.
No governo Temer, dois partidos devem diminuir na Esplanada dos Ministérios: o PT, que saiu derrotado, e o PMDB, que entrou no impeachment com sete ministérios e nenhum poder de decisão no governo.
Além dos nomes da copa e cozinha do Planalto (Eliseu Padilha e Geddel Vieira Lima), Temer deve abrir espaço para o PMDB do Senado. O ministro Eduardo Braga (Minas e Energia) pode ficar, se não for para o governo do Amazonas por força de uma decisão da Justiça Eleitoral. O senador Jader Barbalho deve ter um upgrade no ministério.
Braga e Barbalho estiveram do lado contrário de Temer - o senador do Pará contribuiu com três dos sete votos que Dilma teve na bancada do PMDB. Promover o filho de Jader a um ministério mais forte e manter Braga seria "um gesto de grandeza política" de Temer, por entender as razões que os levaram a ficar contra na Câmara, mas também que serão decisivos na votação do Senado. Tropa de choque do governo, a senadora Katia Abreu (TO) não ficará com nada.
Cunha hoje exerce ampla influência no PP, PR e parte do PSD da Câmara, sem falar da bancada evangélica. O PR deve ficar com o Ministério dos Transportes, com o deputado alagoano Maurício Quintella, que pouco antes da votação renunciou à função de líder da bancada para dizer "sim" ao impeachment. É da cota de Cunha no ministério.
O PP quer o Ministério da Saúde para o deputado Ricardo Barros (PR) e manter o da Integração Nacional, onde estava Gilberto Occhi. Quer também a Caixa Econômica Federal, a Codevasf e ampliar sua influência no Dnocs. O ideal para Temer seria contar com a Saúde para outro aliado e deixar com Barros, talvez, o Ministério da Agricultura, que é pedido pelo PRB, outro partido na órbita de Cunha. Até agora, o PP não abriu mão.
O DEM ficou numa situação peculiar: também quer dois ministérios, está com o a pasta da Educação praticamente assegurada, mas tem o compromisso público de votar contra Eduardo Cunha no processo de cassação do deputado carioca que corre na Câmara. A tendência é que arrefeça essa posição.
O PSDB decidiu deixar longe do país um dos quadros que mais se empenhou no impeachment, o senador José Serra. Ele ficará no Itamaraty, pois não podia ser ministro da Fazenda contra a vontade de Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, e de Aécio Neves, presidente do PSDB.
Tendo votado o impeachment de Dilma, o PSDB não tinha como ficar de fora do novo governo. Mas agora, além de Serra, quer acomodar também Alckmin e Aécio no ministério. Com três do PSDB, dois do DEM e um do PPS (o deputado Raul Jungmann é cotado para a Defesa), a oposição ficaria, no governo Temer, quase do tamanho do PT no fim do governo Dilma.
O tabuleiro de Temer no Congresso está sendo montado por quem é do ofício, mas não há garantia de estabilidade de médio e longo prazos. O vice terá que mostrar resultados no exercício da Presidência. O afastamento de Dilma está consolidado. A lei política é essa. Mas a votação do mérito é uma questão aberta.
Se o governo Temer entrar em colapso, é mais fácil Dilma voltar com um primeiro-ministro a tiracolo que os políticos acertarem um projeto de eleições gerais em outubro, como acena o Palácio do Planalto.
Fundamental para a aceitação do pedido de impeachment na Câmara, o deputado Eduardo Cunha será peça-chave também no governo de Michel Temer. Ele é considerado mesmo indispensável para os primeiros 30, 60 dias - o período concedido ao vice para convencer o país de que as medidas que vai adotar estão no caminho certo.
A política é o campo no qual Temer tem predominância muito grande. O vice é um dos teóricos da governabilidade. De saída, ele leva outra vantagem: ninguém vota o impeachment para ficar contra o novo governo. Mas o vice terá que ser rápido, adotar logo as medidas de que precisa e projetar segurança, segundo o PMDB.
As primeiras medidas são esperadas para o dia 13, se o afastamento de Dilma for confirmado em 11 de maio, conforme previsto. Nem Cunha, com toda sua força, terá como ficar contra, neste primeiro momento. Desvinculação de receitas da União e a regulamentação dos decretos expedidos por Dilma para cobrir o déficit estão entre as prioridades no Congresso.
O virtual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não tem direito ao erro e nem pode repetir o ministro Joaquim Levy com medidas que não resolvem nada. Não há tempo para discussões exóticas como a independência do Banco Central, assunto para ser discutido num quadro de estabilidade, o que não é o caso.
Temer quer combater o desemprego imediatamente. Não há como esperar a volta do crescimento. Será uma saída à moda Lula, com incentivos a um setor ou setores da economia. Não está claro se a indústria automobilística é um desses segmentos.
A venda de ativos também é prioridade, por mais que o preço das estatais esteja praticamente no chão. Correios e Infraero registraram prejuízos recordes em 2015. Mas se o governo não tiver como investir, entende-se no PMDB que a situação ficará pior mais à frente.
A atual conjuntura mundial não dá esperança para o governo tentar resolver a situação do país com ajuda externa. O Brasil terá que sair da crise, sobretudo, com boas decisões internas.
E tudo passa pela Câmara. Cunha foi quem juntou o centrão e levou os partidos a negociar com o governo que ia entrar e que estava disposto a dar o mesmo que o governo marcado para sair. Na mira do Ministério Público Federal, do STF e da neo-oposição, o deputado mantém ascendência sobre um grande grupo na Câmara. Provou isso na sua eleição, em fevereiro de 2015, e agora no impeachment.
Sob sua vigilância, PP, PSD e PR se acertaram antecipadamente: iriam juntos para Dilma ou para o impeachment. Foram esses três partidos que disseram a Dilma que só iriam para o ministério depois da votação e não o contrário. O governo aceitou seus termos. Os partidos ganharam tempo para avaliar corretamente os riscos.
No governo Temer, dois partidos devem diminuir na Esplanada dos Ministérios: o PT, que saiu derrotado, e o PMDB, que entrou no impeachment com sete ministérios e nenhum poder de decisão no governo.
Além dos nomes da copa e cozinha do Planalto (Eliseu Padilha e Geddel Vieira Lima), Temer deve abrir espaço para o PMDB do Senado. O ministro Eduardo Braga (Minas e Energia) pode ficar, se não for para o governo do Amazonas por força de uma decisão da Justiça Eleitoral. O senador Jader Barbalho deve ter um upgrade no ministério.
Braga e Barbalho estiveram do lado contrário de Temer - o senador do Pará contribuiu com três dos sete votos que Dilma teve na bancada do PMDB. Promover o filho de Jader a um ministério mais forte e manter Braga seria "um gesto de grandeza política" de Temer, por entender as razões que os levaram a ficar contra na Câmara, mas também que serão decisivos na votação do Senado. Tropa de choque do governo, a senadora Katia Abreu (TO) não ficará com nada.
Cunha hoje exerce ampla influência no PP, PR e parte do PSD da Câmara, sem falar da bancada evangélica. O PR deve ficar com o Ministério dos Transportes, com o deputado alagoano Maurício Quintella, que pouco antes da votação renunciou à função de líder da bancada para dizer "sim" ao impeachment. É da cota de Cunha no ministério.
O PP quer o Ministério da Saúde para o deputado Ricardo Barros (PR) e manter o da Integração Nacional, onde estava Gilberto Occhi. Quer também a Caixa Econômica Federal, a Codevasf e ampliar sua influência no Dnocs. O ideal para Temer seria contar com a Saúde para outro aliado e deixar com Barros, talvez, o Ministério da Agricultura, que é pedido pelo PRB, outro partido na órbita de Cunha. Até agora, o PP não abriu mão.
O DEM ficou numa situação peculiar: também quer dois ministérios, está com o a pasta da Educação praticamente assegurada, mas tem o compromisso público de votar contra Eduardo Cunha no processo de cassação do deputado carioca que corre na Câmara. A tendência é que arrefeça essa posição.
O PSDB decidiu deixar longe do país um dos quadros que mais se empenhou no impeachment, o senador José Serra. Ele ficará no Itamaraty, pois não podia ser ministro da Fazenda contra a vontade de Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, e de Aécio Neves, presidente do PSDB.
Tendo votado o impeachment de Dilma, o PSDB não tinha como ficar de fora do novo governo. Mas agora, além de Serra, quer acomodar também Alckmin e Aécio no ministério. Com três do PSDB, dois do DEM e um do PPS (o deputado Raul Jungmann é cotado para a Defesa), a oposição ficaria, no governo Temer, quase do tamanho do PT no fim do governo Dilma.
O tabuleiro de Temer no Congresso está sendo montado por quem é do ofício, mas não há garantia de estabilidade de médio e longo prazos. O vice terá que mostrar resultados no exercício da Presidência. O afastamento de Dilma está consolidado. A lei política é essa. Mas a votação do mérito é uma questão aberta.
Se o governo Temer entrar em colapso, é mais fácil Dilma voltar com um primeiro-ministro a tiracolo que os políticos acertarem um projeto de eleições gerais em outubro, como acena o Palácio do Planalto.
Acabar em pizza - JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA DE SP - 03/05
Tenho um amigo de infância que ainda vive na casa dos pais. Estranho? Talvez, se tivermos em conta que ele tem 40 anos.
E, antes que o leitor imagine o personagem como uma triste figura –um nerd coberto de acne, com tendência para o onanismo e para o merchandising de "Star Wars" (uma redundância, eu sei)–, por favor, não se iluda.
O rapaz está em excelente forma. A vida sentimental sempre foi como a cabeça de Carmen Miranda –colorida e suculenta. E, economicamente falando, o desgraçado é mais rico do que eu.
Mas o pior não são estas evidências. É escutá-lo sobre a situação doméstica, que ele relata com uma serenidade oriental. A questão é perfeitamente simples –e razoável. Os pais sempre insistiram para que ele "voasse para fora do ninho". Mas ele, mais inteligente que os pais, começou a fazer contas. E ficou no ninho.
Um apartamento custa dinheiro. Uma empregada para tratar da roupa e da limpeza da casa também não é grátis. Os cozinhados da mãe suplantam qualquer produto congelado. E, quando existem encontros românticos, nada se compara a um bom hotel –com um bom room service. Além disso, as poupanças de viver com os pais permitem-lhe trabalhar a meio-termo.
"E se um dia surgir uma mulher permanente?", pergunto eu, desesperado. A resposta é lógica: "A casa é suficientemente grande para todos".
Escuto tudo com uma mistura de pasmo e inveja. E depois penso: a sorte dele é não viver na Itália.
Alguns números: na pátria do "dolce far niente", 65% dos italianos entre os 18 e os 34 anos ainda vivem na casa dos pais (uma enormidade em termos europeus). São os chamados "mammone" –uma palavra que expressa a ligação umbilical dos filhos adultos às respectivas mães.
E esses meninos da mamãe não são diferentes do meu amigo. Com uma diferença: no caso dos italianos, a trilogia cama-mesa-roupa lavada não chega. É preciso acrescentar também uma mesada.
Felizmente, os pais italianos começam a reagir contra os abusos da descendência. E todos os anos há milhares –repito: milhares– de processos em tribunal com os pais a implorar ao juiz para que o filho seja expulso de casa.
Nem sempre conseguem: relata o "Daily Telegraph" que em Modena (uma simpática cidade da Emília-Romanha) um pai foi judicialmente obrigado pelo filho a continuar a sustentar os seus "estudos". O filho tem 28 anos. E só em Modena há 8.000 processos anuais de filhos contra pais por motivos de mesadas.
É nesses momentos que penso na minha incorrigível estupidez. Quando cheguei aos 22 anos, depois do curso universitário, comuniquei aos meus pais que era hora de abandonar o lar.
Minto, minto. Não foi bem assim. Foram eles que sempre me estimularam a "voar para fora do ninho" (um clássico).
E eu voei. Mudei de cidade. Arranjei um apartamento. E, iludido pela liberdade da idade adulta, comecei uma vida de empregada doméstica.
Aprendi a engomar. Decorei o nome dos melhores detergentes. E passei fome, genuína fome, quando contemplava os meus jantares transformados em pedaços de carvão. Cresci como homem? Cresci como ser humano?
Não. Emagreci. E desconfio que comecei a ter problemas de coluna e alguns surtos alérgicos devido a minha luta semanal contra os ácaros.
Em matéria financeira, prefiro nem falar: hoje, com quase 40 anos, poderia ser um pequeno magnata a caminho da aposentadoria. Tragicamente, esbanjei o patrimônio em pizzas congeladas e exércitos de aspiradores.
Sim, eu sei: como no fado lusitano, o tempo não volta para trás. E regressar à casa paterna não tem o mesmo sabor do que nunca ter saído dela. Sem falar da impossibilidade do ato: os meus pais já mudaram as fechaduras entretanto.
Mas confrontado com a vida do meu amigo, e inspirado pela litigância italiana, pondero processar a família por publicidade enganosa. É importante "voar para fora do ninho"?
Querido e jovem leitor: não se iluda. A emancipação dos filhos é um dos grandes mitos promovidos pelos pais.
Se o meu processo fizer doutrina, haverá esperança para todos: quem não mamou os cozinhados da mãe poderá mamar uma indenização filial.
Tenho um amigo de infância que ainda vive na casa dos pais. Estranho? Talvez, se tivermos em conta que ele tem 40 anos.
E, antes que o leitor imagine o personagem como uma triste figura –um nerd coberto de acne, com tendência para o onanismo e para o merchandising de "Star Wars" (uma redundância, eu sei)–, por favor, não se iluda.
O rapaz está em excelente forma. A vida sentimental sempre foi como a cabeça de Carmen Miranda –colorida e suculenta. E, economicamente falando, o desgraçado é mais rico do que eu.
Mas o pior não são estas evidências. É escutá-lo sobre a situação doméstica, que ele relata com uma serenidade oriental. A questão é perfeitamente simples –e razoável. Os pais sempre insistiram para que ele "voasse para fora do ninho". Mas ele, mais inteligente que os pais, começou a fazer contas. E ficou no ninho.
Um apartamento custa dinheiro. Uma empregada para tratar da roupa e da limpeza da casa também não é grátis. Os cozinhados da mãe suplantam qualquer produto congelado. E, quando existem encontros românticos, nada se compara a um bom hotel –com um bom room service. Além disso, as poupanças de viver com os pais permitem-lhe trabalhar a meio-termo.
"E se um dia surgir uma mulher permanente?", pergunto eu, desesperado. A resposta é lógica: "A casa é suficientemente grande para todos".
Escuto tudo com uma mistura de pasmo e inveja. E depois penso: a sorte dele é não viver na Itália.
Alguns números: na pátria do "dolce far niente", 65% dos italianos entre os 18 e os 34 anos ainda vivem na casa dos pais (uma enormidade em termos europeus). São os chamados "mammone" –uma palavra que expressa a ligação umbilical dos filhos adultos às respectivas mães.
E esses meninos da mamãe não são diferentes do meu amigo. Com uma diferença: no caso dos italianos, a trilogia cama-mesa-roupa lavada não chega. É preciso acrescentar também uma mesada.
Felizmente, os pais italianos começam a reagir contra os abusos da descendência. E todos os anos há milhares –repito: milhares– de processos em tribunal com os pais a implorar ao juiz para que o filho seja expulso de casa.
Nem sempre conseguem: relata o "Daily Telegraph" que em Modena (uma simpática cidade da Emília-Romanha) um pai foi judicialmente obrigado pelo filho a continuar a sustentar os seus "estudos". O filho tem 28 anos. E só em Modena há 8.000 processos anuais de filhos contra pais por motivos de mesadas.
É nesses momentos que penso na minha incorrigível estupidez. Quando cheguei aos 22 anos, depois do curso universitário, comuniquei aos meus pais que era hora de abandonar o lar.
Minto, minto. Não foi bem assim. Foram eles que sempre me estimularam a "voar para fora do ninho" (um clássico).
E eu voei. Mudei de cidade. Arranjei um apartamento. E, iludido pela liberdade da idade adulta, comecei uma vida de empregada doméstica.
Aprendi a engomar. Decorei o nome dos melhores detergentes. E passei fome, genuína fome, quando contemplava os meus jantares transformados em pedaços de carvão. Cresci como homem? Cresci como ser humano?
Não. Emagreci. E desconfio que comecei a ter problemas de coluna e alguns surtos alérgicos devido a minha luta semanal contra os ácaros.
Em matéria financeira, prefiro nem falar: hoje, com quase 40 anos, poderia ser um pequeno magnata a caminho da aposentadoria. Tragicamente, esbanjei o patrimônio em pizzas congeladas e exércitos de aspiradores.
Sim, eu sei: como no fado lusitano, o tempo não volta para trás. E regressar à casa paterna não tem o mesmo sabor do que nunca ter saído dela. Sem falar da impossibilidade do ato: os meus pais já mudaram as fechaduras entretanto.
Mas confrontado com a vida do meu amigo, e inspirado pela litigância italiana, pondero processar a família por publicidade enganosa. É importante "voar para fora do ninho"?
Querido e jovem leitor: não se iluda. A emancipação dos filhos é um dos grandes mitos promovidos pelos pais.
Se o meu processo fizer doutrina, haverá esperança para todos: quem não mamou os cozinhados da mãe poderá mamar uma indenização filial.
Saída à esquerda - BERNARDO MELLO FRANCO
Folha de S.Paulo - 03/05
Quase faltou tinta na caneta presidencial. No primeiro dia de abril, Dilma Rousseff assinou nada menos que 25 decretos no Planalto. Desapropriou 35,5 mil hectares de terra para a reforma agrária e destinou outros 21 mil hectares a comunidades quilombolas.
Na mesma solenidade, ela liberou recursos para projetos de promoção da igualdade racial. Militantes do MST e do movimento negro, que andavam insatisfeitos com o governo, lotaram o maior salão do palácio e gritaram "Não vai ter golpe".
"Entendemos que é uma retomada do processo da reforma agrária", declarou o presidente da Contag. Ele foi sutil. No primeiro mandato de Dilma, o país registrou o menor número de famílias assentadas desde a longínqua gestão de Itamar Franco.
Ainda em abril, a presidente assinou decreto que permite aos transexuais usar o nome social no serviço público. Também participou de uma conferência LGBT. O setor estava irritado desde que ela vetou a distribuição de material didático contra a homofobia, no início do governo.
Na semana passada, a presidente assinou mais dois decretos de criação de reservas indígenas. Sua gestão foi uma decepção na área. A média de demarcações não era tão baixa desde o quinquênio de José Sarney. Em cinco anos no poder, Dilma deu pouca atenção aos movimentos sociais e de minorias que ajudaram a elegê-la. Preferiu ceder às bancadas religiosas e ruralistas, que depois se uniriam a favor do impeachment.
Prestes a cair, a presidente ensaia uma guinada à esquerda. Não há mais tempo para agitar as ruas. Na melhor hipótese, ela terá plateia para aplaudi-la quando descer a rampa.
Quase faltou tinta na caneta presidencial. No primeiro dia de abril, Dilma Rousseff assinou nada menos que 25 decretos no Planalto. Desapropriou 35,5 mil hectares de terra para a reforma agrária e destinou outros 21 mil hectares a comunidades quilombolas.
Na mesma solenidade, ela liberou recursos para projetos de promoção da igualdade racial. Militantes do MST e do movimento negro, que andavam insatisfeitos com o governo, lotaram o maior salão do palácio e gritaram "Não vai ter golpe".
"Entendemos que é uma retomada do processo da reforma agrária", declarou o presidente da Contag. Ele foi sutil. No primeiro mandato de Dilma, o país registrou o menor número de famílias assentadas desde a longínqua gestão de Itamar Franco.
Ainda em abril, a presidente assinou decreto que permite aos transexuais usar o nome social no serviço público. Também participou de uma conferência LGBT. O setor estava irritado desde que ela vetou a distribuição de material didático contra a homofobia, no início do governo.
Na semana passada, a presidente assinou mais dois decretos de criação de reservas indígenas. Sua gestão foi uma decepção na área. A média de demarcações não era tão baixa desde o quinquênio de José Sarney. Em cinco anos no poder, Dilma deu pouca atenção aos movimentos sociais e de minorias que ajudaram a elegê-la. Preferiu ceder às bancadas religiosas e ruralistas, que depois se uniriam a favor do impeachment.
Prestes a cair, a presidente ensaia uma guinada à esquerda. Não há mais tempo para agitar as ruas. Na melhor hipótese, ela terá plateia para aplaudi-la quando descer a rampa.
A proteção da saúde dos trabalhadores - JOSÉ PASTORE E EDMOND BARRAS
O Estado de São Paulo - 03/05
Umdos benefícios mais valorizados pelos trabalhadores é o plano de proteção de sua saúde. Nas negociações coletivas, o pleito aparece em primeiro lugar. Para os empresários, igualmente, a proteção da saúde de seus colaboradores é garantia de produtividade e tranquilidade no ambiente de trabalho.
A recessão atual está causando grandes estragos nessa área. Uma boa parte das empresas enfrenta sérias dificuldades para acompanhar os aumentos de preços daqueles planos. Mesmo porque a inflação da medicina é muito superior à inflação geral.
Uma boa parte dos aumentos dos preços, porém, pode ser controlada pelas empresas e pelas operadoras de planos de saúde. Em artigo anterior foram citadas várias providências exitosas nesse campo: 1) envolver os empregados na negociação e administração dos planos, adotando o sistema de copagamento para elevar a sua responsabilidade na escolha do médico e do tratamento; 2) implementar nas empresas programas de prevenção de doenças; e 3) buscar sempre uma segunda opinião médica antes de decidir por este ou aquele tratamento.
Neste artigo, queremos enfatizar a importância de melhorar a conduta e os procedimentos dos médicos. A experiência mostra que, quanto maior é o envolvimento do médico, maior a sua eficiência. Consultas rápidas e superficiais impedem ao médico de entender adequadamente os problemas do paciente. Cabe às empresas que pagam planos de saúde exigir uma boa atenção dos médicos. Por que solicitar dezenas de exames sofisticados, quando uma anamnese bem feita é mais do que suficiente? Para que tantas ressonâncias magnéticas, quando um bom exame clínico e uma simples radiografia resolvem o problema?
As empresas que bancam os planos de saúde têm o direito de exigir maior atenção dos médicos em todas as fases e, em especial, na do diagnóstico. Com isso, reduzirão despesas e aumentarão o conforto dos pacientes.
Além disso, é importante avançar no Brasil com a adoção de normas de indicações terapêuticas, como se faz na maior parte dos países avançados. As empresas também podem exigir isso. Está comprovado que a adesão a regras padronizadas reduz custos de forma expressiva. Se o médico e o paciente quiserem sair dessas normas, é claro, eles têm a liberdade de fazê-lo, desde que paguem pelos excessos.
A implantação de medidas desse tipo concorrerá ainda para a fidelização dos médicos aos planos de saúde e dos pacientes aos médicos. Esse entrosamento é crucial e ajuda a eliminar desperdícios e despesas desnecessárias, pois conta com a compreensão, apoio e consentimento dos pacientes.
É da maior importância, ainda, o atrelamento da remuneração dos médicos à eficiência dos seus serviços, medida por resultados objetivos. Tal procedimento difere bastante do simples credenciamento e descredenciamento de médicos nos planos de saúde. É bem mais do que isso. A remuneração por mérito leva a um aprofundamento da relação médico-paciente e demanda dos médicos uma elevada dose de atenção aos pacientes.
Tudo isso contribui – e muito – para reduzir os custos dos planos de saúde e aumentar o sucesso do tratamento e a segurança dos pacientes. Em cada uma dessas medidas há um incremento da produtividade dos médicos, dos hospitais e das clínicas e, portanto, uma redução do custo unitário do tratamento.
Grande parte dessas medidas vem sendo adotada pelas operadoras que são proprietárias de hospitais e clínicas de tratamento, com resultados promissores. Isso não significa que todas as operadoras precisam comprar hospitais. A adoção das sugestões acima está ao alcance de todos e poderá aliviar muito as despesas das empresas e das próprias operadoras com planos de saúde e ajudar a manter a tão necessária proteção dos trabalhadores.
Umdos benefícios mais valorizados pelos trabalhadores é o plano de proteção de sua saúde. Nas negociações coletivas, o pleito aparece em primeiro lugar. Para os empresários, igualmente, a proteção da saúde de seus colaboradores é garantia de produtividade e tranquilidade no ambiente de trabalho.
A recessão atual está causando grandes estragos nessa área. Uma boa parte das empresas enfrenta sérias dificuldades para acompanhar os aumentos de preços daqueles planos. Mesmo porque a inflação da medicina é muito superior à inflação geral.
Uma boa parte dos aumentos dos preços, porém, pode ser controlada pelas empresas e pelas operadoras de planos de saúde. Em artigo anterior foram citadas várias providências exitosas nesse campo: 1) envolver os empregados na negociação e administração dos planos, adotando o sistema de copagamento para elevar a sua responsabilidade na escolha do médico e do tratamento; 2) implementar nas empresas programas de prevenção de doenças; e 3) buscar sempre uma segunda opinião médica antes de decidir por este ou aquele tratamento.
Neste artigo, queremos enfatizar a importância de melhorar a conduta e os procedimentos dos médicos. A experiência mostra que, quanto maior é o envolvimento do médico, maior a sua eficiência. Consultas rápidas e superficiais impedem ao médico de entender adequadamente os problemas do paciente. Cabe às empresas que pagam planos de saúde exigir uma boa atenção dos médicos. Por que solicitar dezenas de exames sofisticados, quando uma anamnese bem feita é mais do que suficiente? Para que tantas ressonâncias magnéticas, quando um bom exame clínico e uma simples radiografia resolvem o problema?
As empresas que bancam os planos de saúde têm o direito de exigir maior atenção dos médicos em todas as fases e, em especial, na do diagnóstico. Com isso, reduzirão despesas e aumentarão o conforto dos pacientes.
Além disso, é importante avançar no Brasil com a adoção de normas de indicações terapêuticas, como se faz na maior parte dos países avançados. As empresas também podem exigir isso. Está comprovado que a adesão a regras padronizadas reduz custos de forma expressiva. Se o médico e o paciente quiserem sair dessas normas, é claro, eles têm a liberdade de fazê-lo, desde que paguem pelos excessos.
A implantação de medidas desse tipo concorrerá ainda para a fidelização dos médicos aos planos de saúde e dos pacientes aos médicos. Esse entrosamento é crucial e ajuda a eliminar desperdícios e despesas desnecessárias, pois conta com a compreensão, apoio e consentimento dos pacientes.
É da maior importância, ainda, o atrelamento da remuneração dos médicos à eficiência dos seus serviços, medida por resultados objetivos. Tal procedimento difere bastante do simples credenciamento e descredenciamento de médicos nos planos de saúde. É bem mais do que isso. A remuneração por mérito leva a um aprofundamento da relação médico-paciente e demanda dos médicos uma elevada dose de atenção aos pacientes.
Tudo isso contribui – e muito – para reduzir os custos dos planos de saúde e aumentar o sucesso do tratamento e a segurança dos pacientes. Em cada uma dessas medidas há um incremento da produtividade dos médicos, dos hospitais e das clínicas e, portanto, uma redução do custo unitário do tratamento.
Grande parte dessas medidas vem sendo adotada pelas operadoras que são proprietárias de hospitais e clínicas de tratamento, com resultados promissores. Isso não significa que todas as operadoras precisam comprar hospitais. A adoção das sugestões acima está ao alcance de todos e poderá aliviar muito as despesas das empresas e das próprias operadoras com planos de saúde e ajudar a manter a tão necessária proteção dos trabalhadores.
As distorções do voto - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 03/05
Constatada a decadência de nossa democracia representativa, um fenômeno que não se restringe ao Brasil, mas que tem características próprias de nosso modelo político-eleitoral, quais soluções se apresentam para minorar os problemas que enfrentamos?
Parece haver uma confluência entre os especialistas sobre a inadequação de nosso sistema eleitoral, e a necessidade de haver uma contenção do número de partidos que possam integrar o Congresso. O voto proporcional levaria a distorções pelo voto de legenda e às coligações proporcionais.
O sociólogo Francisco Weffort crê que a grande influência na decadência da representação tem a ver com a permanência do sistema eleitoral de representação proporcional de voto com lista aberta. “Esse método tornou-se incapaz de funcionar adequadamente em um país como chegou a ser o Brasil, de enorme população eleitoral e de extraordinária diversidade regional”.
Nosso federalismo é extremamente desequilibrado, analisa Weffort. “Nas circunstâncias da lei atual, temos alguns deputados com muitos milhares de votos, em geral eleitos em grandes estados, e muitos outros com alguns poucos milhares de votos, eleitos em pequenos estados ou, mesmo em grandes estados, com as sobras ‘de legenda’”.
Tudo se complica, diz ele, quando se examina a representação no Senado, levando em conta que é igual o número de senadores por estado. E o que é pior, os senadores contam com suplentes que, sem votos próprios, esvaziam ainda mais o sentido da representação.
Weffort crê que seria preciso mudar o sistema eleitoral para voto distrital, “segundo o exemplo inglês ou, talvez melhor, o alemão”. Para os partidos haveria que admitir fórmula de barreira, pelo menos quanto à representação parlamentar, ao Fundo Partidário e à propaganda gratuita na TV. “Seriam medidas no caminho de aproximar o representante dos seus representados e de diminuir os custos das campanhas”.
Weffort diz que o recall seria importante, e não descarta a possibilidade do voto distrital, que sugere o sistema parlamentarista, com presidencialismo ao estilo americano ou com as mudanças do estilo francês.
O cientista político Nelson Paes Leme chama de “absurdo” o modelo de eleição que adotamos, tanto no voto proporcional para a Câmara quanto no majoritário no Senado, e os vê como os mais diretos e imediatos motivos dessa baixíssima qualidade. “No voto proporcional, temos a aberração do voto de legenda”, analisa ele. Mas há outros tumores localizados, ressalta, como a pluralidade “absurda e incontrolável de legendas inideológicas e aprogramáticas por natureza e essência”.
Ele culpa também os subsídios partidários obrigatórios, como a lei da propaganda eleitoral. No voto majoritário, cita “a aberração extra desses suplentes familiares, esposas, filhas, filhos e irmãos, que assumem cadeiras estaduais importantíssimas na Câmara Alta sem terem tido um único voto, consolidando uma representação primitiva, hereditária e feudal”.
Também o critério de representantes por unidade no Senado é totalmente distorcido do princípio de freios e contrapesos, diz ele. Mas talvez o pior de todos os problemas, na opinião de Paes Leme, seja a distância dos eleitos em face do eleitorado que os elegeu por esse sistema em país continental como o nosso.
“Distância física e política, porque a não existência do distrito federado e do voto distrital misto, como na maioria dos países europeus e no Japão, ou das exaustivas prévias regionais norte-americanas, faz com que o representante seja um solene desconhecido, um quase estranho para o eleitor que muito raramente tem a oportunidade de sequer apertar-lhe a mão, mesmo em raras campanhas quadrienais, do seu eleitorado”.
O cientista político Jairo Nicolau, especialista em sistemas eleitorais, chama a atenção para dados específicos de pesquisas de comportamento do eleitor, que certamente refletem esses problemas. “Poucas semanas após as eleições, metade dos eleitores já não lembrava como tinha votado para deputado federal ou estadual. Esses números são bem maiores do que o dos que esquecem a escolha para governador e presidente”.
Outro tópico é a relação entre preferência por um partido e voto para deputado federal e estadual. O número total de eleitores que votam na mesma sigla que preferem é de cerca de 5% para os 2 cargos. A convergência entre voto para deputado federal e voto para presidente é de cerca de 25% do eleitorado total, isto é, cerca de 1/3 dos eleitores fez escolhas incongruentes, votou em candidatos para deputado federal de siglas que não compunham a coligação presidencial.
Constatada a decadência de nossa democracia representativa, um fenômeno que não se restringe ao Brasil, mas que tem características próprias de nosso modelo político-eleitoral, quais soluções se apresentam para minorar os problemas que enfrentamos?
Parece haver uma confluência entre os especialistas sobre a inadequação de nosso sistema eleitoral, e a necessidade de haver uma contenção do número de partidos que possam integrar o Congresso. O voto proporcional levaria a distorções pelo voto de legenda e às coligações proporcionais.
O sociólogo Francisco Weffort crê que a grande influência na decadência da representação tem a ver com a permanência do sistema eleitoral de representação proporcional de voto com lista aberta. “Esse método tornou-se incapaz de funcionar adequadamente em um país como chegou a ser o Brasil, de enorme população eleitoral e de extraordinária diversidade regional”.
Nosso federalismo é extremamente desequilibrado, analisa Weffort. “Nas circunstâncias da lei atual, temos alguns deputados com muitos milhares de votos, em geral eleitos em grandes estados, e muitos outros com alguns poucos milhares de votos, eleitos em pequenos estados ou, mesmo em grandes estados, com as sobras ‘de legenda’”.
Tudo se complica, diz ele, quando se examina a representação no Senado, levando em conta que é igual o número de senadores por estado. E o que é pior, os senadores contam com suplentes que, sem votos próprios, esvaziam ainda mais o sentido da representação.
Weffort crê que seria preciso mudar o sistema eleitoral para voto distrital, “segundo o exemplo inglês ou, talvez melhor, o alemão”. Para os partidos haveria que admitir fórmula de barreira, pelo menos quanto à representação parlamentar, ao Fundo Partidário e à propaganda gratuita na TV. “Seriam medidas no caminho de aproximar o representante dos seus representados e de diminuir os custos das campanhas”.
Weffort diz que o recall seria importante, e não descarta a possibilidade do voto distrital, que sugere o sistema parlamentarista, com presidencialismo ao estilo americano ou com as mudanças do estilo francês.
O cientista político Nelson Paes Leme chama de “absurdo” o modelo de eleição que adotamos, tanto no voto proporcional para a Câmara quanto no majoritário no Senado, e os vê como os mais diretos e imediatos motivos dessa baixíssima qualidade. “No voto proporcional, temos a aberração do voto de legenda”, analisa ele. Mas há outros tumores localizados, ressalta, como a pluralidade “absurda e incontrolável de legendas inideológicas e aprogramáticas por natureza e essência”.
Ele culpa também os subsídios partidários obrigatórios, como a lei da propaganda eleitoral. No voto majoritário, cita “a aberração extra desses suplentes familiares, esposas, filhas, filhos e irmãos, que assumem cadeiras estaduais importantíssimas na Câmara Alta sem terem tido um único voto, consolidando uma representação primitiva, hereditária e feudal”.
Também o critério de representantes por unidade no Senado é totalmente distorcido do princípio de freios e contrapesos, diz ele. Mas talvez o pior de todos os problemas, na opinião de Paes Leme, seja a distância dos eleitos em face do eleitorado que os elegeu por esse sistema em país continental como o nosso.
“Distância física e política, porque a não existência do distrito federado e do voto distrital misto, como na maioria dos países europeus e no Japão, ou das exaustivas prévias regionais norte-americanas, faz com que o representante seja um solene desconhecido, um quase estranho para o eleitor que muito raramente tem a oportunidade de sequer apertar-lhe a mão, mesmo em raras campanhas quadrienais, do seu eleitorado”.
O cientista político Jairo Nicolau, especialista em sistemas eleitorais, chama a atenção para dados específicos de pesquisas de comportamento do eleitor, que certamente refletem esses problemas. “Poucas semanas após as eleições, metade dos eleitores já não lembrava como tinha votado para deputado federal ou estadual. Esses números são bem maiores do que o dos que esquecem a escolha para governador e presidente”.
Outro tópico é a relação entre preferência por um partido e voto para deputado federal e estadual. O número total de eleitores que votam na mesma sigla que preferem é de cerca de 5% para os 2 cargos. A convergência entre voto para deputado federal e voto para presidente é de cerca de 25% do eleitorado total, isto é, cerca de 1/3 dos eleitores fez escolhas incongruentes, votou em candidatos para deputado federal de siglas que não compunham a coligação presidencial.
Gaveta vazia - J.R. GUZZO
REVISTA VEJA
LÁ VAI O GOVERNO de Dilma Rousseff caminhando para o seu fim a cada dia que passa, e enquanto não se chegar ao desfecho o público em geral vai ficar com a atenção dividida entre as questões práticas que realmente interessam - como será, e o que vai fazer, o novo governo? - e a barulheira de algo que corre o risco de ser chamado "luta de resistência". Resistência a quê, mais exatamente? O ato de resistir, para ser de algum interesse concreto, normalmente requer que o resistente tenha alguma chance real de mudar a situação que se recusa a aceitar. Se não for assim, é apenas vaia de arquibancada - a torcida que perde fica xingando o juiz, a diretoria do time, o técnico, os jogadores, a bola, e no fim o resultado marcado no placar continua o mesmo.
Dilma, o ex-presidente Lula, o PT e a esquerda inconformada com o impeachment passam os dias correndo daqui para lá à procura de um portento qualquer, possivelmente sobrenatural, para poderem continuar mandando. Mas essas coisas em geral não existem no mundo da realidade. Para terem uma perspectiva séria de evitar o que vem por aí, Lula, Dilma e o seu sistema precisariam, obrigatoriamente e com urgência, oferecer à população um mínimo de atrativos coerentes em favor dos seus desejos. E aí é que está: não têm nada de útil a oferecer. Sua gaveta está vazia.
Falta gente, para começar. Lula e o governo que neste momento caminha para o cemitério não juntam multidão na rua, como os seus adversários foram capazes de juntar. Não se espera, por exemplo, mais de 1 milhão de pessoas na Avenida Paulista gritando "Fica Dilma!", ou "Fora Temer!". Faltam senadores para absolver Dilma da deposição, assim como faltaram deputados para impedir que fosse julgada no Senado - ela tinha mais ou menos 100 votos do seu lado quando a Câmara começou a decidir o caso, acabou com pouco mais que isso quando a votação se encerrou. Falta um plano concreto, imediato e compreensível para melhorar qualquer coisa que a população quer que melhore já. Não têm, nem Lula nem, menos ainda, Dilma, mais que 20% nas pesquisas de opinião. Não têm um "programa de oposição", como imaginam neste momento de anarquia mental em que estão dentro e fora do governo ao mesmo tempo. Será cômodo dizer, daqui a pouco, que há 10 milhões de desempregados; o difícil será convencer o eleitorado de que Dilma e o PT não têm nada a ver com isso, ou com os hospitais em estado de calamidade, a recessão, as placas de "vende-se" e "aluga-se", e por aí afora.
O ex-presidente, ao mesmo tempo, quer que acreditem nele quando diz que está enfrentando uma "quadrilha" política - mas de que jeito, se passou os últimos treze anos vivendo como sócio dessa mesma "quadrilha", que levou para dentro do governo e à qual até outro dia, num hotel de Brasília, estava tentando agradar com oferta de empregos?
O governo tem oferecido, isto sim, algo parecido a um projeto de guerra civil - ou pelo menos é o que vem dizendo em público, com ameaças de sabotagem econômica, greve geral, "parar o país" etc., se for seguido o único caminho legal que existe para a substituição de Dilma, ou seja, a posse do vice-presidente Michel Temer. O PT já decidiu que o governo a ser formado por decisão do Congresso Nacional e do STF é "ilegal"; promete que não vai dar "um dia de sossego" a quem ficar na cadeira de Dilma.
Lula e seu partido vão mesmo tentar seguir por aí? Pode ser, mas não se sabe se terão os meios reais de fazer o que propõem. Além do mais, quantos votos pode render uma coisa dessas? Têm sido ofertados, também, episódios de cuspe; não está claro se isso será promovido à categoria de "ato político de resistência". Sobram tentativas de fazer com que o Brasil receba punições "internacionais", possivelmente de entidades invisíveis como Unasul, Parlasul, ou coisas assim - mas quantos eleitores de carne e osso estariam preocupados com isso? Querem que a Operação Lava-Jato "pegue" os que estão indo para o governo. E as bombas que podem estourar contra Lula, Dilma e os amigos? Só seria interessante se a Justiça parasse as investigações contra eles e começasse a investigar só os outros. Ou estão esperando uma anistia geral?
A questão real, para Lula e todo o seu universo, é clara: é impossível conseguir o que estão querendo por qualquer meio que esteja fora da lei. Dentro da lei a única saída disponível é recuperar o governo pelo voto, e a próxima oportunidade para isso é a eleição presidencial de 2018. O resto é muita conversa de "resistência" - e nada mais.
LÁ VAI O GOVERNO de Dilma Rousseff caminhando para o seu fim a cada dia que passa, e enquanto não se chegar ao desfecho o público em geral vai ficar com a atenção dividida entre as questões práticas que realmente interessam - como será, e o que vai fazer, o novo governo? - e a barulheira de algo que corre o risco de ser chamado "luta de resistência". Resistência a quê, mais exatamente? O ato de resistir, para ser de algum interesse concreto, normalmente requer que o resistente tenha alguma chance real de mudar a situação que se recusa a aceitar. Se não for assim, é apenas vaia de arquibancada - a torcida que perde fica xingando o juiz, a diretoria do time, o técnico, os jogadores, a bola, e no fim o resultado marcado no placar continua o mesmo.
Dilma, o ex-presidente Lula, o PT e a esquerda inconformada com o impeachment passam os dias correndo daqui para lá à procura de um portento qualquer, possivelmente sobrenatural, para poderem continuar mandando. Mas essas coisas em geral não existem no mundo da realidade. Para terem uma perspectiva séria de evitar o que vem por aí, Lula, Dilma e o seu sistema precisariam, obrigatoriamente e com urgência, oferecer à população um mínimo de atrativos coerentes em favor dos seus desejos. E aí é que está: não têm nada de útil a oferecer. Sua gaveta está vazia.
Falta gente, para começar. Lula e o governo que neste momento caminha para o cemitério não juntam multidão na rua, como os seus adversários foram capazes de juntar. Não se espera, por exemplo, mais de 1 milhão de pessoas na Avenida Paulista gritando "Fica Dilma!", ou "Fora Temer!". Faltam senadores para absolver Dilma da deposição, assim como faltaram deputados para impedir que fosse julgada no Senado - ela tinha mais ou menos 100 votos do seu lado quando a Câmara começou a decidir o caso, acabou com pouco mais que isso quando a votação se encerrou. Falta um plano concreto, imediato e compreensível para melhorar qualquer coisa que a população quer que melhore já. Não têm, nem Lula nem, menos ainda, Dilma, mais que 20% nas pesquisas de opinião. Não têm um "programa de oposição", como imaginam neste momento de anarquia mental em que estão dentro e fora do governo ao mesmo tempo. Será cômodo dizer, daqui a pouco, que há 10 milhões de desempregados; o difícil será convencer o eleitorado de que Dilma e o PT não têm nada a ver com isso, ou com os hospitais em estado de calamidade, a recessão, as placas de "vende-se" e "aluga-se", e por aí afora.
O ex-presidente, ao mesmo tempo, quer que acreditem nele quando diz que está enfrentando uma "quadrilha" política - mas de que jeito, se passou os últimos treze anos vivendo como sócio dessa mesma "quadrilha", que levou para dentro do governo e à qual até outro dia, num hotel de Brasília, estava tentando agradar com oferta de empregos?
O governo tem oferecido, isto sim, algo parecido a um projeto de guerra civil - ou pelo menos é o que vem dizendo em público, com ameaças de sabotagem econômica, greve geral, "parar o país" etc., se for seguido o único caminho legal que existe para a substituição de Dilma, ou seja, a posse do vice-presidente Michel Temer. O PT já decidiu que o governo a ser formado por decisão do Congresso Nacional e do STF é "ilegal"; promete que não vai dar "um dia de sossego" a quem ficar na cadeira de Dilma.
Lula e seu partido vão mesmo tentar seguir por aí? Pode ser, mas não se sabe se terão os meios reais de fazer o que propõem. Além do mais, quantos votos pode render uma coisa dessas? Têm sido ofertados, também, episódios de cuspe; não está claro se isso será promovido à categoria de "ato político de resistência". Sobram tentativas de fazer com que o Brasil receba punições "internacionais", possivelmente de entidades invisíveis como Unasul, Parlasul, ou coisas assim - mas quantos eleitores de carne e osso estariam preocupados com isso? Querem que a Operação Lava-Jato "pegue" os que estão indo para o governo. E as bombas que podem estourar contra Lula, Dilma e os amigos? Só seria interessante se a Justiça parasse as investigações contra eles e começasse a investigar só os outros. Ou estão esperando uma anistia geral?
A questão real, para Lula e todo o seu universo, é clara: é impossível conseguir o que estão querendo por qualquer meio que esteja fora da lei. Dentro da lei a única saída disponível é recuperar o governo pelo voto, e a próxima oportunidade para isso é a eleição presidencial de 2018. O resto é muita conversa de "resistência" - e nada mais.
Não seremos uma Venezuela - MAÍLSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA
A CRISE em que o PT nos meteu trouxe o temor de que possamos viver uma catástrofe econômica, social e política como a que ora infelicita o povo da Venezuela. Felizmente, estamos muito longe dessa trágica situação.
Diferimos da Venezuela em dois campos essenciais. Temos instituições sólidas que controlam o governo e permitem corrigir equívocos graves. Na Venezuela, uma das instituições fundamentais, o Judiciário, curva-se frequentemente a pressões do Executivo.
Em recente palestra no Instituto Fernando Henrique Cardoso, Luis Vicente León, conceituado economista venezuelano, afirmou que os juízes da Suprema Corte tomavam posse do cargo evocando o nome de Chávez.
Há poucos dias, a corte levou menos de uma semana para, a pedido do presidente Nicolás Maduro, considerar inconstitucional lei aprovada pelo Congresso que concedia anistia aos desafetos políticos do governo condenados em processos sumários no Judiciário.
Como sabem os leitores desta coluna, tenho aqui defendido que o Brasil possui instituições sólidas. Elas incluem não apenas as organizações do setor público, mas também a imprensa, as crenças da sociedade e os mercados. Nossa democracia está consolidada.
O PT, é verdade, deteriorou algumas de nossas instituições. Agências reguladoras perderam autonomia e foram dirigidas por pessoas nem sempre dotadas da qualificação necessária. Há evidências de que o Banco Central recebeu uma ordem para reduzir a taxa de juros de forma voluntarista.
A outra diferença está na robustez e na diversificação da economia brasileira. A Venezuela, ao contrário, tem sua economia baseada essencialmente no petróleo, cujos preços caíram dois terços em relação à média de 2012, com efeitos devastadores na receita pública e no potencial de crescimento econômico. O país importa praticamente tudo, incluindo alimentos e bens de consumo sem sofisticação produtiva.
A indústria brasileira, malgrado a perda de competitividade na era petista, ainda é uma das mais complexas entre os países emergentes. O Brasil é uma potência agrícola, graças à qualidade de seus agricultores e aos impressionantes ganhos de produtividade dos últimos quarenta anos. Somos os maiores exportadores de soja, carne, aves, suco de laranja, café e açúcar. Nosso sistema financeiro é sólido e bem supervisionado.
A Venezuela sofre a maldição do petróleo, isto é, os efeitos do desperdício, da corrupção e da inépcia de países ricos no produto mas pobres em instituições. A era bolivariana caracterizou-se por hostilidade ao setor privado, excessiva intervenção na economia, desapropriações e outros desmandos que legaram uma inflação sem controle, mercado negro de moeda e mercadorias, e assim por diante.
A política econômica multiplicou distorções. A embalagem de uma garrafa de água mineral custa mais do que a própria água. Este é o terceiro ano de recessão. As reservas internacionais caíram de 31,6 bilhões para apenas 14,6 bilhões de dólares entre 2011 e 2015. Mais de 80% dos produtos essenciais - alimentos, material de limpeza, papel higiênico e outros - estão fora do mercado. Há crises de abastecimento, inclusive de remédios.
No Brasil, tudo indica que Dilma será afastada do poder. Isso não garante a recuperação da economia, mas contribuirá para melhorar as expectativas, evitar o colapso fiscal, reduzir a inflação e fazer renascer a esperança.
Na Venezuela, o impeachment é uma hipótese remota, dado o controle do Judiciário pelo governo. A Constituição prevê o referendo a partir da metade do mandato do presidente, quando o eleitorado pode ser consultado sobre sua continuidade no poder. Acontece que a medida depende de iniciativa do presidente ou de decisão do Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelo chavismo. Um golpe de Estado parece pouco provável, pois os mais cobiçados postos do governo foram entregues aos militares. Maduro pode, pois, continuar no cargo até 2019. Há outras diferenças entre os dois países, mas as aqui mencionadas bastam para assinalar o baixíssimo risco de virarmos uma nova Venezuela.
A CRISE em que o PT nos meteu trouxe o temor de que possamos viver uma catástrofe econômica, social e política como a que ora infelicita o povo da Venezuela. Felizmente, estamos muito longe dessa trágica situação.
Diferimos da Venezuela em dois campos essenciais. Temos instituições sólidas que controlam o governo e permitem corrigir equívocos graves. Na Venezuela, uma das instituições fundamentais, o Judiciário, curva-se frequentemente a pressões do Executivo.
Em recente palestra no Instituto Fernando Henrique Cardoso, Luis Vicente León, conceituado economista venezuelano, afirmou que os juízes da Suprema Corte tomavam posse do cargo evocando o nome de Chávez.
Há poucos dias, a corte levou menos de uma semana para, a pedido do presidente Nicolás Maduro, considerar inconstitucional lei aprovada pelo Congresso que concedia anistia aos desafetos políticos do governo condenados em processos sumários no Judiciário.
Como sabem os leitores desta coluna, tenho aqui defendido que o Brasil possui instituições sólidas. Elas incluem não apenas as organizações do setor público, mas também a imprensa, as crenças da sociedade e os mercados. Nossa democracia está consolidada.
O PT, é verdade, deteriorou algumas de nossas instituições. Agências reguladoras perderam autonomia e foram dirigidas por pessoas nem sempre dotadas da qualificação necessária. Há evidências de que o Banco Central recebeu uma ordem para reduzir a taxa de juros de forma voluntarista.
A outra diferença está na robustez e na diversificação da economia brasileira. A Venezuela, ao contrário, tem sua economia baseada essencialmente no petróleo, cujos preços caíram dois terços em relação à média de 2012, com efeitos devastadores na receita pública e no potencial de crescimento econômico. O país importa praticamente tudo, incluindo alimentos e bens de consumo sem sofisticação produtiva.
A indústria brasileira, malgrado a perda de competitividade na era petista, ainda é uma das mais complexas entre os países emergentes. O Brasil é uma potência agrícola, graças à qualidade de seus agricultores e aos impressionantes ganhos de produtividade dos últimos quarenta anos. Somos os maiores exportadores de soja, carne, aves, suco de laranja, café e açúcar. Nosso sistema financeiro é sólido e bem supervisionado.
A Venezuela sofre a maldição do petróleo, isto é, os efeitos do desperdício, da corrupção e da inépcia de países ricos no produto mas pobres em instituições. A era bolivariana caracterizou-se por hostilidade ao setor privado, excessiva intervenção na economia, desapropriações e outros desmandos que legaram uma inflação sem controle, mercado negro de moeda e mercadorias, e assim por diante.
A política econômica multiplicou distorções. A embalagem de uma garrafa de água mineral custa mais do que a própria água. Este é o terceiro ano de recessão. As reservas internacionais caíram de 31,6 bilhões para apenas 14,6 bilhões de dólares entre 2011 e 2015. Mais de 80% dos produtos essenciais - alimentos, material de limpeza, papel higiênico e outros - estão fora do mercado. Há crises de abastecimento, inclusive de remédios.
No Brasil, tudo indica que Dilma será afastada do poder. Isso não garante a recuperação da economia, mas contribuirá para melhorar as expectativas, evitar o colapso fiscal, reduzir a inflação e fazer renascer a esperança.
Na Venezuela, o impeachment é uma hipótese remota, dado o controle do Judiciário pelo governo. A Constituição prevê o referendo a partir da metade do mandato do presidente, quando o eleitorado pode ser consultado sobre sua continuidade no poder. Acontece que a medida depende de iniciativa do presidente ou de decisão do Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelo chavismo. Um golpe de Estado parece pouco provável, pois os mais cobiçados postos do governo foram entregues aos militares. Maduro pode, pois, continuar no cargo até 2019. Há outras diferenças entre os dois países, mas as aqui mencionadas bastam para assinalar o baixíssimo risco de virarmos uma nova Venezuela.
O País que se dane - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADÃO - 03/05
No comício promovido pela CUT em São Paulo para comemorar o 1.º de Maio, a presidente Dilma Rousseff mostrou-se capaz de, nos estertores de seu catastrófico mandato, transpor a barreira do ridículo para se perder nas brumas da falta de juízo. É o caso de se pensar se já não é mais questão de mero impeachment, mas de auxílio terapêutico. Não há outra explicação para Dilma ter afirmado que seus opositores são os verdadeiros “responsáveis pela economia brasileira estar passando uma grande crise”. Afirmação que soa tão mais insana quando feita no mesmo discurso em que anunciou um “pacote de bondades” que amplia o bilionário rombo orçamentário que legará a seu sucessor.
É triste constatar que Dilma Rousseff renunciou à possibilidade de deixar o governo com um mínimo de dignidade, se não admitindo honestamente erros cometidos – atitude que não combina com sua enorme arrogância – pelo menos se poupando, e ao País, do deplorável espetáculo desse ímpeto revanchista com que tenta transferir a outros a responsabilidade por sua clamorosa incompetência. A escalada de absurdos a que Dilma se entregou nesses últimos dias torna plausível até as mais disparatadas especulações que circulam em Brasília. Fala-se, por exemplo, que, para registrar de modo dramático sua indignação e repulsa ao “golpe” de que se considera vítima, Dilma estaria cogitando receber a comunicação oficial do afastamento literalmente acorrentada a sua cadeira presidencial. Só pensar em tal cena já é um disparate.
Se o desempenho de Dilma no comício da CUT já foi chocante, imagine-se o que virá por aí. O Palácio do Planalto programou, até o fim desta semana, uma intensa agenda de compromissos públicos que Dilma pretende usar não apenas para atacar os “golpistas” que a vitimam, como para continuar iludindo a população com o anúncio de projetos de “bondades” que certamente não ofereceria se ela própria tivesse que arcar, mesmo na qualidade de presidente da República, com o pagamento das contas. O rombo orçamentário previsto para este ano é de cerca de R$ 100 bilhões e até dias atrás Dilma não via problema em aprofundar esse buraco. O “pacote de bondades” anunciado pela presidente provocará, sem dúvida, um aumento do déficit orçamentário com o qual o próximo governo terá que se haver. É a chamada cortesia com o chapéu alheio, que depois permitirá ao PT, na oposição, criticar severamente o “descontrole das contas públicas”.
No campo estritamente político, alguns petistas se mostram dispostos a apoiar a ideia da realização de eleições presidenciais antecipadas que está sendo apresentada por um grupo de senadores. Há notícias de que Dilma estaria considerando essa possibilidade, que implicaria sua renúncia e a de Michel Temer a seus mandatos. Mas dentro do próprio PT há forte resistência à ideia, sob o argumento de que a renúncia de Dilma seria interpretada como uma confissão de culpa. E ninguém acredita que Michel Temer a aprove.
A antecipação do pleito presidencial para outubro próximo, coincidindo com as eleições municipais, objetivaria a escolha apenas de novos presidente e vice, para completar o mandato de Dilma, que termina em 31 de dezembro de 2018. A novidade dependeria da aprovação de uma emenda constitucional. Mesmo que Senado e Câmara conseguissem cumprir os prazos estabelecidos para a tramitação da emenda e o Tribunal Superior Eleitoral lograsse preparar em tempo a eleição para outubro, o quórum exigido para aprovação é praticamente inatingível nas atuais circunstâncias políticas. Além disso, a proposta esbarraria na intransponível cláusula constitucional da anualidade exigida para todas as modificações do processo eleitoral. A proposta, portanto, se presta apenas a tumultuar o ambiente político e retardar o urgente trabalho de reconstrução que o País exige.
Mas não é um disparate, como alguns julgam. Afinal, seria desta maneira que o PT reduziria os prejuízos eleitorais que o petrolão e o desastre do governo Dilma decerto lhe causarão. E, mais importante, a campanha eleitoral colocaria Lula, hoje um dois de paus, novamente no proscênio político. Dilma e a tigrada do PT, enquanto agonizam politicamente, não deixarão passar nenhuma oportunidade para “infernizar” o governo que deverá assumir nos próximos dias. O País? Ora, o País que se dane.
No comício promovido pela CUT em São Paulo para comemorar o 1.º de Maio, a presidente Dilma Rousseff mostrou-se capaz de, nos estertores de seu catastrófico mandato, transpor a barreira do ridículo para se perder nas brumas da falta de juízo. É o caso de se pensar se já não é mais questão de mero impeachment, mas de auxílio terapêutico. Não há outra explicação para Dilma ter afirmado que seus opositores são os verdadeiros “responsáveis pela economia brasileira estar passando uma grande crise”. Afirmação que soa tão mais insana quando feita no mesmo discurso em que anunciou um “pacote de bondades” que amplia o bilionário rombo orçamentário que legará a seu sucessor.
É triste constatar que Dilma Rousseff renunciou à possibilidade de deixar o governo com um mínimo de dignidade, se não admitindo honestamente erros cometidos – atitude que não combina com sua enorme arrogância – pelo menos se poupando, e ao País, do deplorável espetáculo desse ímpeto revanchista com que tenta transferir a outros a responsabilidade por sua clamorosa incompetência. A escalada de absurdos a que Dilma se entregou nesses últimos dias torna plausível até as mais disparatadas especulações que circulam em Brasília. Fala-se, por exemplo, que, para registrar de modo dramático sua indignação e repulsa ao “golpe” de que se considera vítima, Dilma estaria cogitando receber a comunicação oficial do afastamento literalmente acorrentada a sua cadeira presidencial. Só pensar em tal cena já é um disparate.
Se o desempenho de Dilma no comício da CUT já foi chocante, imagine-se o que virá por aí. O Palácio do Planalto programou, até o fim desta semana, uma intensa agenda de compromissos públicos que Dilma pretende usar não apenas para atacar os “golpistas” que a vitimam, como para continuar iludindo a população com o anúncio de projetos de “bondades” que certamente não ofereceria se ela própria tivesse que arcar, mesmo na qualidade de presidente da República, com o pagamento das contas. O rombo orçamentário previsto para este ano é de cerca de R$ 100 bilhões e até dias atrás Dilma não via problema em aprofundar esse buraco. O “pacote de bondades” anunciado pela presidente provocará, sem dúvida, um aumento do déficit orçamentário com o qual o próximo governo terá que se haver. É a chamada cortesia com o chapéu alheio, que depois permitirá ao PT, na oposição, criticar severamente o “descontrole das contas públicas”.
No campo estritamente político, alguns petistas se mostram dispostos a apoiar a ideia da realização de eleições presidenciais antecipadas que está sendo apresentada por um grupo de senadores. Há notícias de que Dilma estaria considerando essa possibilidade, que implicaria sua renúncia e a de Michel Temer a seus mandatos. Mas dentro do próprio PT há forte resistência à ideia, sob o argumento de que a renúncia de Dilma seria interpretada como uma confissão de culpa. E ninguém acredita que Michel Temer a aprove.
A antecipação do pleito presidencial para outubro próximo, coincidindo com as eleições municipais, objetivaria a escolha apenas de novos presidente e vice, para completar o mandato de Dilma, que termina em 31 de dezembro de 2018. A novidade dependeria da aprovação de uma emenda constitucional. Mesmo que Senado e Câmara conseguissem cumprir os prazos estabelecidos para a tramitação da emenda e o Tribunal Superior Eleitoral lograsse preparar em tempo a eleição para outubro, o quórum exigido para aprovação é praticamente inatingível nas atuais circunstâncias políticas. Além disso, a proposta esbarraria na intransponível cláusula constitucional da anualidade exigida para todas as modificações do processo eleitoral. A proposta, portanto, se presta apenas a tumultuar o ambiente político e retardar o urgente trabalho de reconstrução que o País exige.
Mas não é um disparate, como alguns julgam. Afinal, seria desta maneira que o PT reduziria os prejuízos eleitorais que o petrolão e o desastre do governo Dilma decerto lhe causarão. E, mais importante, a campanha eleitoral colocaria Lula, hoje um dois de paus, novamente no proscênio político. Dilma e a tigrada do PT, enquanto agonizam politicamente, não deixarão passar nenhuma oportunidade para “infernizar” o governo que deverá assumir nos próximos dias. O País? Ora, o País que se dane.
Compromisso de Temer precisa ser com a História - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 03/05
Não se trata de mera troca de presidente, mas de paradigma na administração; ou seja, garantir que não haverá de fato qualquer condescendência com a corrupção
A experiência do impeachment do presidente Collor, vivida há 24 anos, o primeira da era republicana brasileira, ensinou que se trata de um momento grave, tenso, em que é preciso serenidade e clarividência das lideranças políticas. Como já se vê. Mesmo naquele processo de impedimento, em que não restaram atrás do presidente partidos com um mínimo de representatividade, o rito de passagem de poder para o vice Itamar Franco precisou ser feito com extrema cautela, e também em meio a uma tempestade econômica.
Hoje, no impedimento de Dilma, a debacle econômica é maior, e seu partido, o PT, mesmo acompanhando a presidente na queda vertiginosa de popularidade, é organizado, conta com bases históricas e outras cooptadas na manipulação de dinheiro do contribuinte nos 13 anos de poder.
O vice Michel Temer tem a seu favor, em comparação a Itamar, um grande partido em que se apoiar, o PMDB, do qual é presidente licenciado. Mas esta vantagem também lhe traz ônus, pela sedimentada tradição da legenda de exercitar sem remorsos o clientelismo, o fisiologismo.
Os primeiros movimentos feitos por Michel Temer, nesta contagem regressiva para o provável afastamento temporário de Dilma ainda nesta primeira quinzena, emitem sinais que dão esperança, mas também preocupam.
O otimismo decorre, por exemplo, da elevada cotação, no momento, de Henrique Meirelles, de larga experiência no setor privado e já testado no BC de Lula, para assumir o Ministério da Fazenda de Temer. Deriva, ainda, da seriedade de propostas que circulam em documentos como “Uma ponte para o futuro”, na macroeconomia, e outras para a área social, além de ideias positivas para retomar as privatizações e acelerar as concessões por meio de uma regulação confiável.
Na outra ponta, há várias preocupações e temores. O adesismo avassalador a Temer tem forçado a revisão de previsões de cortes de ministérios, um dos símbolos do desregramento fiscal do lulopetismo. Os 32 atuais seriam cortados para algo entre 20 e 22, mas já se fala em 26, a fim de acomodar aliados. Um péssimo começo.
Outra questão, de relevância estratégica, é a imagem do governo. Se vingar, ele já carregará a má simbologia do PMDB — embora deva se reconhecer que o partido serve de barreira a aventuras inconstitucionais —, que será enfatizada se Temer permitir que políticos investigados pela Lava-Jato ou qualquer outra operação anticorrupção ocupem cargos na administração. Romero Jucá é o nome mais óbvio.
Há muita gente arrolada em operações contra corrupção na era lulopetista, em que se envolveram, além do óbvio PT, o PMDB, PP, PR , e assim por diante. Legendas que correm para buscar espaço numa gestão Temer.
Não se é ingênuo de imaginar-se que não haja custos na montagem de uma ampla base parlamentar que dê sustentação às reformas necessárias. Mas existem limites razoáveis nessas negociações, como demonstrado na administração de FH. O provável governo Temer não pode repetir a explicação malandra do lulopetismo de que “pessoas investigadas não devem ser prejulgadas”. Sim, mas não podem fazer parte de um governo o qual a sociedade espera que seja a antítese dos que patrocinaram o mensalão e o petrolão, apenas para falar dos escândalos maiores.
Não se trata de mera troca de presidente, mas de paradigma na administração; ou seja, garantir que não haverá de fato qualquer condescendência com a corrupção
A experiência do impeachment do presidente Collor, vivida há 24 anos, o primeira da era republicana brasileira, ensinou que se trata de um momento grave, tenso, em que é preciso serenidade e clarividência das lideranças políticas. Como já se vê. Mesmo naquele processo de impedimento, em que não restaram atrás do presidente partidos com um mínimo de representatividade, o rito de passagem de poder para o vice Itamar Franco precisou ser feito com extrema cautela, e também em meio a uma tempestade econômica.
Hoje, no impedimento de Dilma, a debacle econômica é maior, e seu partido, o PT, mesmo acompanhando a presidente na queda vertiginosa de popularidade, é organizado, conta com bases históricas e outras cooptadas na manipulação de dinheiro do contribuinte nos 13 anos de poder.
O vice Michel Temer tem a seu favor, em comparação a Itamar, um grande partido em que se apoiar, o PMDB, do qual é presidente licenciado. Mas esta vantagem também lhe traz ônus, pela sedimentada tradição da legenda de exercitar sem remorsos o clientelismo, o fisiologismo.
Os primeiros movimentos feitos por Michel Temer, nesta contagem regressiva para o provável afastamento temporário de Dilma ainda nesta primeira quinzena, emitem sinais que dão esperança, mas também preocupam.
O otimismo decorre, por exemplo, da elevada cotação, no momento, de Henrique Meirelles, de larga experiência no setor privado e já testado no BC de Lula, para assumir o Ministério da Fazenda de Temer. Deriva, ainda, da seriedade de propostas que circulam em documentos como “Uma ponte para o futuro”, na macroeconomia, e outras para a área social, além de ideias positivas para retomar as privatizações e acelerar as concessões por meio de uma regulação confiável.
Na outra ponta, há várias preocupações e temores. O adesismo avassalador a Temer tem forçado a revisão de previsões de cortes de ministérios, um dos símbolos do desregramento fiscal do lulopetismo. Os 32 atuais seriam cortados para algo entre 20 e 22, mas já se fala em 26, a fim de acomodar aliados. Um péssimo começo.
Outra questão, de relevância estratégica, é a imagem do governo. Se vingar, ele já carregará a má simbologia do PMDB — embora deva se reconhecer que o partido serve de barreira a aventuras inconstitucionais —, que será enfatizada se Temer permitir que políticos investigados pela Lava-Jato ou qualquer outra operação anticorrupção ocupem cargos na administração. Romero Jucá é o nome mais óbvio.
Há muita gente arrolada em operações contra corrupção na era lulopetista, em que se envolveram, além do óbvio PT, o PMDB, PP, PR , e assim por diante. Legendas que correm para buscar espaço numa gestão Temer.
Não se é ingênuo de imaginar-se que não haja custos na montagem de uma ampla base parlamentar que dê sustentação às reformas necessárias. Mas existem limites razoáveis nessas negociações, como demonstrado na administração de FH. O provável governo Temer não pode repetir a explicação malandra do lulopetismo de que “pessoas investigadas não devem ser prejulgadas”. Sim, mas não podem fazer parte de um governo o qual a sociedade espera que seja a antítese dos que patrocinaram o mensalão e o petrolão, apenas para falar dos escândalos maiores.