terça-feira, abril 12, 2016

O legado de Dilma - EDITORIAL FOLHA DE SP

Folha de SP - 12/04
Integrantes do governo Dilma Rousseff (PT) mobilizam-se quanto podem para tentar convencer deputados a votar contra o impeachment da presidente. Afora promessas de cargos e emendas, não se imagina quais argumentos possam ser utilizados em favor da atual ocupante do Planalto.

Sua principal vitrine de realizações é a Petrobras. No mostruário, vê-se uma empresa, a maior do Brasil, superendividada e em processo de encolhimento e desmonte, a registrar prejuízos monstruosos.

Como se não bastassem as dívidas que sobrevieram devido a preços tabelados, investimentos equivocados e corrupção, a Petrobras arcou com os custos de um programa de industrialização que a obrigou a adquirir produtos nacionais a preços muito acima do mercado mundial. Somadas, são perdas na casa de centenas de bilhões.

Reportagens desta Folha e do jornal "Valor Econômico" vêm mostrando que desde o início a empresa sabia da inviabilidade dos investimentos na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e no Comperj, polo petroquímico no Rio.

Nas fases cruciais de decisão do investimento, de 2009 a 2012, a própria estatal, em relatórios então sigilosos, indicava que a rentabilidade não superaria as despesas de capital –prejuízo depois elevado pela pilhagem e pelo descontrole de custos.

A dimensão espetacular da destruição na petroleira desvia a atenção de casos de ruína similar em vários setores que conheceram a mão deste governo, marcada por intervenção política rudimentar, incompetência e apego a ideias econômicas ultrapassadas.

A tentativa de baixar a fórceps os preços da energia, em 2012, contribui para que a segunda maior estatal do país, a Eletrobras, tenha prejuízos desde aquele ano.

A manipulação de preços de combustíveis e energia elétrica arruinou a Petrobras e todo o complexo petroleiro, diminuiu o setor de biocombustíveis e desorganizou e endividou o setor elétrico.

A politização da gerência dos fundos de pensão de estatais provocou prejuízos históricos. Além da mera incompetência, tais fundos foram levados a investir em projetos do "Brasil Grande" petista, caso da Sete Brasil ou de Belo Monte –um caso de falência quase certa e outro de prejuízo duradouro.

Os leilões de concessão de infraestrutura foram prejudicados e chegaram quase ao fim em 2013, dadas as tentativas canhestras do governo de controlar a rentabilidade dos empreendimentos e a barafunda das normas regulatórias.

Perdeu-se então uma chance restante de conter a desaceleração econômica, que começava.

Não se sabe quando nem de que forma terminará o governo Dilma Rousseff, mas já se sabe que a presidente deixará um legado histórico de destruição incomparável.

Novas eleições' é o novo #FicaDilma - KIM KATAGUIRI

Folha de SP - 12/04

Que o governo de Dilma Rousseff se tornou indefensável, todo mundo sabe. Até o governo. Tanto que o foco de suas negociações para barrar o impeachment não está sendo comprar deputados para votar "não", mas para que faltem. O problema é que agora existe uma maneira de ajudar Dilma Rousseff sem defendê-la; de dar opinião e ficar em cima do muro ao mesmo tempo: as tais das "novas eleições".

Marina Silva, como já escrevi nesta Folha, defende que o novo pleito ocorra por meio da cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE. O problema é que só ocorrem eleições diretas caso a chapa seja cassada nos dois primeiros anos de mandato, ou seja, até o final deste ano. Devido à lentidão do processo, essa hipótese é praticamente impossível. Após esse período, caso o processo se concretize, as eleições são indiretas, ou seja, o Congresso elege o presidente.

Outras forças políticas, como a Folha e setores do PT, defendem que as novas eleições ocorram por meio de uma renúncia coletiva ou da aprovação de uma emenda constitucional. Existem petistas que querem até que as eleições sejam gerais, ou seja, todos os deputados, senadores e governadores também perderiam seus mandatos. Para quem acredita ser dono do país, faz sentido: quebraram as regras, mas, como a bola é deles, ninguém mais joga.
Assim como a hipótese TSE, as possibilidades da renúncia e da emenda também têm entraves que as impossibilitam.

O problema da tese da renúncia chama-se Dilma Rousseff. Ela não vai renunciar. E deixa isso bem claro em todos os seus pronunciamentos. Do ponto de vista dela, não há motivo: além de perder o poder que ainda lhe resta, perderia a narrativa de que sofreu um golpe, principal combustível para manter a militância viva após sua queda.

A questão da emenda é evidente: o governo não tem votos suficientes para aprová-la. Emendas constitucionais só passam se houver maioria de três quintos em dois turnos, ou seja, o governo precisaria vencer duas votações dificílimas na Câmara e mais duas no Senado. Se nem prometendo o que não tem o governo está conseguindo os 172 deputados necessários para barrar o processo de impeachment, como conseguiria 308 votos para aprovar uma emenda constitucional?

Em suma, a chapa que elegeu o governo não será cassada, não haverá renúncia coletiva e muito menos aprovação de nova emenda constitucional. O que significa que, dentro da lei, não existe saída possível para aqueles que defendem novas eleições.

Então, para que serve o discurso das "novas eleições"? Para dar impressão de superioridade intelectual àqueles que se recusam a assumir suas posições publicamente —os famosos "isentões"—, e para enfraquecer a tese do impeachment. Deputados que se venderem para o governo, mas que não têm coragem de defendê-lo poderão dizer que votam contra o impeachment porque a verdadeira solução é as "novas eleições".

Ainda que um novo pleito fosse possível, questiono se seria desejável. Segundo a última pesquisa do Datafolha, os preferidos numa hipotética eleição são Marina Silva e Lula. Como revelou nas últimas eleições, Marina é a candidata do voo de galinha: salta, mas não decola. O que significa que estaríamos tentando resolver os estragos que o PT causou ao país colocando Lula no poder. Pouco inteligente, não?

Não nos deixemos enganar pelo discurso bonito daqueles que escondem seu posicionamento atrás de uma falsa razoabilidade. Quem está no muro das "novas eleições" está com Dilma. A única posição ao mesmo tempo honesta e sensata a se adotar em relação ao governo mais corrupto e incompetente da história do país é defender o impeachment. Todo o resto é fumaça vermelha.

PS: A votação do impeachment na Câmara dos Deputados será no próximo domingo, dia 17. Estaremos nas ruas para garantir que a pressão popular seja mais persuasiva do que o feirão de cargos promovido pelo governo. Estamos de olho, deputados! Aqueles que votarem contra a denúncia serão lembrados para sempre como traidores que venderam a República em troca de uma teta estatal.

O impeachment avança - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 12/04

Impeachment avança e dificilmente haverá mudança de voto. A mancada do vice Michel Temer, deixando vazar um discurso que preparara para a noite de domingo próximo caso o impeachment seja aprovado no plenário da Câmara, não teve consequência nenhuma na votação de ontem na comissão, que deu uma vitória folgada à oposição, e provavelmente não terá influência na decisão final dos partidos.

O fato de a oposição não ter alcançado os 2/3 dos votos necessários no plenário não é sintoma de que o número mágico de 342 votos não será atingido. É bom não esquecer que a comissão foi montada de acordo com a indicação dos líderes, que naquela ocasião eram majoritariamente governistas. O que aconteceu de lá para cá é que o governo foi perdendo apoios, o que se refletiu na vitória folgada da oposição.

Duvido que algum deles mude de posição revoltado com a antecipação de Temer, mesmo porque não há nenhum motivo no discurso que justifique uma reação dessas. A fala de Temer, ponderada e conciliadora, deve, ao contrário, ter dado a algum indeciso a garantia de que um eventual novo governo não perseguirá nenhum partido e, mais importante, não exterminará os programas sociais, como dizem os governistas.

Ninguém tem dúvida de que Temer há muito negocia nos bastidores apoios ao impeachment da presidente Dilma, assim como todo mundo sabia, na ocasião, que o PT, com o apoio da própria presidente Dilma e do ex-presidente Lula, boicotou a tarefa de negociação política que o vice fazia como ministro-coordenador da política.

Essa disputa entre o PT e o PMDB já vem acirrada desde o início, e não há em Brasília quem não soubesse que Temer trabalhava nos bastidores, o mesmo fazendo Lula. O ex-presidente, aliás, fez gozações com Temer em diversos comícios, dizendo, entre outras coisas, que se ele quisesse ser presidente deveria disputar eleição no voto. Como se a chapa Dilma-Temer tivesse recebido 54 milhões de votos apenas de petistas. É claro que o PMDB foi chamado para compor a chapa porque o partido é o maior do país e tem capilaridade muito maior que o PT, sendo extremamente útil na captação de votos.

Querer transformar Temer em um reles traidor, que mereceria a rejeição da população, é criar artificialmente uma crise que já se desenrola há muito tempo. Nem é provável que alguém se desencante com o vice ao ouvi-lo pronunciar um discurso que, claramente, era uma preparação para o caso de vitória no domingo.

O Planalto também quis dar ao gesto a categoria de arrogância, quando está claro que houve mesmo foi uma boa trapalhada com a nova tecnologia, o que só demonstra um amadorismo surpreendente no PMDB. Se Temer não é ágil no manejo de tecnologias como o Whatsapp, melhor seria que houvesse algum assessor com mais familiaridade para mandar mensagens.

Uma trapalhada desse tipo pode marcar a imagem de Temer como um político antiquado, mas não como um traidor, pois os dois lados estavam em guerra aberta e de conhecimento público. Ou ninguém ouviu dizer que Lula atraía seus interlocutores ameaçando-os de que Temer estava preparando um ministério de notáveis, e que o baixo clero não teria vez? 


Nesse enredo novelístico que se desenrola em Brasília acontece de tudo. E essa gafe do vice é apenas mais um toque inusitado. Comparar a atitude de Temer com a de Fernando Henrique, que sentou na cadeira de prefeito de São Paulo como se já estivesse eleito e perdeu a eleição, não é acurado. A atitude de Fernando Henrique pode ter sido considerada arrogante por muitos, mas duvido que os deputados que são os eleitores da eleição do próximo domingo se surpreendam ou se indignem com o vazamento do discurso de Temer. Primeiro porque está claro que foi um erro, não uma atitude arrogante. E o texto é absolutamente conciliatório, humilde até. A indignação dos adeptos de Dilma tem sua razão de ser, faz parte da luta política, e eles têm mesmo que exacerbar a reação para tentar reverter a situação que parece tender ao impeachment.

Mas não creio que essa seja uma razão suficiente para mudar alguma posição partidária. O melhor para Temer é que não tivesse acontecido o imprevisto, e não creio na versão de que foi um vazamento proposital para tranquilizar certas áreas. O governo pode até conseguir conter essa tendência, ou até mesmo revertê-la, mas não será por causa dessa mancada.