ESTADÃO - 10/04
O PSDB pode não ser o beneficiário direto, mas não tem outra alternativa a não ser se tornar sócio e avalista de um governo de transição com Michel Temer, caso se confirme o impeachment de Dilma Rousseff. “Quem pariu Matheus que o embale”, quem está parindo Temer também. E não há dúvidas, principalmente depois da reunião de cúpula de sexta-feira, sobre o quanto os tucanos estão embalando o impeachment.
Fernando Henrique, Aécio Neves, José Serra, Pedro Taques e Beto Richa anunciaram que o partido está 100% fechado com o impeachment, como declarou Aécio, até anteontem contrário à tese e defensor de novas eleições. Mas, como tucanos são tucanos, eles apoiam a queda de Dilma e dão uma força para o vice, mas tentam não se comprometer com o abacaxi maior: a participação no eventual governo Temer.
Por que mais esse muro? Porque eles, como as torcidas do Corinthians e do Flamengo, também morrem de medo do “day after”. Collor não tinha partido, “povo”, nenhum setor da sociedade. Mas Dilma, apesar de tudo, tem partido, militantes, extratos entre juristas, artistas e movimentos que podem fazer uma confusão infernal, dia e noite, se ela cair. Tudo isso com a Lava Jato afundando Eduardo Cunha e Renan Calheiros e chegando a Aécio. E há a questão central: não tem santo que dê jeito numa economia esfarelada, de um dia para o outro, e as medidas serão duras. Tempos bicudos à frente.
Assim, o PSDB balança entre ser ou não ser efetivamente sócio do governo Temer. Se for, há dois cenários. Dando tudo certo, ótimo; dando errado, lá se foi o projeto de voltar à presidência pelo voto direto, seja pela cassação da chapa Dilma-Temer, seja em 2018. Se não for sócio, os atores políticos e econômicos, a opinião pública e a história não perdoarão o que será, obviamente, visto como covardia e oportunismo. Derruba Dilma e lava as mãos? (Aliás, como o PT fez com Collor e Itamar Franco).
Em discurso, o tucano Marcus Pestana, de Minas, reagiu às teses petistas do “golpe” e da “vingança” do PSDB por ter perdido as eleições: “Nunca vi terceirização de vingança. O PSDB está a cavaleiro, porque não é beneficiário. Quem vai assumir o poder é um parceiro de vocês, o PMDB”. Mas não assume sozinho, certo?
Assim como Gilberto Kassab mantém o Ministério das Cidades, mas conversa com Temer e libera o PSD para cada um votar “com a sua consciência”, os tucanos liberam quem quiser assumir cargos no eventual governo Temer “em caráter individual”, deixando a porta aberta para Serra, por exemplo, virar um dos “notáveis” da transição. Cômodo, não?
Queiram ou não, os tucanos estão no meio do furacão, são o principal contraponto ao PT, têm imensa responsabilidade pelo que der e vier e não podem assistir nem ao êxito nem ao fracasso da transição com Temer “a cavaleiro”, fingindo que não têm nada a ver com isso. O argumento de que tirar Dilma é uma questão de interesse nacional, para salvar a economia e o país, vale para Temer. Sustentar e dividir ônus e bônus é igualmente questão de interesse nacional, para salvar a economia e o país. Tudo o que disserem em contrário soará como oportunismo.
Comissão. No mesmo dia em o poderoso Antonio Carlos Magalhães o impôs na presidência da CPI do Collor para impedir o impeachment, o deputado Benito Gama me cochichou: “Eu não me chamo Job Lorena”. Referia-se ao coronel que fraudou a investigação do atentado do Riocentro, não foi um Job Lorena e pagou caro por isso: ACM jamais permitiu que chegasse a um cargo majoritário. Um quarto de século depois, porém, produziu uma das melhores análises na Comissão de Impeachment de Dilma. Mostrou por “a mais b” quais foram os crimes e, como economista, ensinou o peso e a importância da tragédia da economia num julgamento que é essencialmente político.
domingo, abril 10, 2016
Desmonte da responsabilidade fiscal - SAMUEL PESSÔA
Folha de SP 10/04
Desde 2009 a responsabilidade fiscal tem piorado. Partimos de um superavit primário, obtido somente com receitas recorrentes, de 3,5% do PIB em 2008 para um deficit primário recorrente de provavelmente 2,5% do PIB em 2016.
A responsabilidade fiscal foi construída no segundo mandato do presidente FHC, tendo como princípio básico que o Executivo nacional era responsável, perante o eleitor, pelo equilíbrio macroeconômico. Era necessário, portanto, controlar os Estados e os municípios, que, no afã de resolver seus problemas locais, acabaram produzindo nossa hiperinflação nos anos 1990.
A construção do segundo mandato de FHC impediu os Estados e os municípios de aumentar seus gastos sem ter receitas, bem como limitou pesadamente a capacidade deles de contrair dívidas.
Não houve muita preocupação com a União. A ideia, como vimos, era que a estrutura de incentivos de nossa democracia é suficiente para garantir a responsabilidade fiscal da União.
A irresponsabilidade fiscal que assolou crescentemente a União desde 2009 sugere que a construção do segundo mandato de FHC superestimou a inteligência dos futuros governantes: ao serem irresponsáveis, acabaram gerando brutal problema para si mesmos, além de atolarem o país na pior crise fiscal de nossa história.
Como escreveu meu colega Alexandre Schwartsman neste espaço na semana passada, não é a crise econômica que causou a crise fiscal. A crise fiscal, ao encurtar muito o horizonte de cálculo empresarial, fez o investimento despencar, processo que está na raiz da atual crise, além dos efeitos sobre a produtividade da desastrosa "nova matriz econômica".
O diagnóstico do governo e do Congresso Nacional de que a crise fiscal é consequência, e não causa, da crise econômica tem produzido uma agenda legislativa que está destruindo a construção mais importante do segundo mandato de FHC: o equilíbrio fiscal dos Estados e dos municípios.
Foi aprovado no Senado, na semana passada, o projeto de lei complementar 315, de 2015, que elimina a punição –barrar as transferências voluntárias; a obtenção de garantia, direta ou indireta, de outro ente federativo; e as contratações de operações de crédito– aos municípios cuja despesa de pessoal exceda o limite de 60% da receita corrente líquida, quando há queda de 10% da receita.
Não importa se o município já estava desenquadrado antes da queda da receita e consideram-se, no cômputo da receita total, os royalties de petróleo, que não deveriam ser computados, pois são de caráter não recorrente. Não poderiam ser empregados para financiar gastos de custeio.
Tramita também no Congresso Nacional o projeto de lei complementar 257, de 2016, que renegocia as dívidas dos Estados em troca de diversas contrapartidas. O objetivo do PLC é, como foi o caso do projeto dos municípios, aumentar o espaço fiscal atual dos Estados e empurrar para a frente o problema fiscal.
A nota positiva do alívio é que ele requer algumas contrapartidas dos Estados: vedação à concessão de reajustes acima da inflação a servidores e benefícios fiscais a empresas e limitação do crescimento de outras despesas correntes à taxa de inflação, entre outras.
Mas há um movimento para que, como no caso dos municípios, o projeto seja aprovado sem contrapartidas! Vai-se o último bastião da responsabilidade fiscal. Retorno aos anos 1980.
Desde 2009 a responsabilidade fiscal tem piorado. Partimos de um superavit primário, obtido somente com receitas recorrentes, de 3,5% do PIB em 2008 para um deficit primário recorrente de provavelmente 2,5% do PIB em 2016.
A responsabilidade fiscal foi construída no segundo mandato do presidente FHC, tendo como princípio básico que o Executivo nacional era responsável, perante o eleitor, pelo equilíbrio macroeconômico. Era necessário, portanto, controlar os Estados e os municípios, que, no afã de resolver seus problemas locais, acabaram produzindo nossa hiperinflação nos anos 1990.
A construção do segundo mandato de FHC impediu os Estados e os municípios de aumentar seus gastos sem ter receitas, bem como limitou pesadamente a capacidade deles de contrair dívidas.
Não houve muita preocupação com a União. A ideia, como vimos, era que a estrutura de incentivos de nossa democracia é suficiente para garantir a responsabilidade fiscal da União.
A irresponsabilidade fiscal que assolou crescentemente a União desde 2009 sugere que a construção do segundo mandato de FHC superestimou a inteligência dos futuros governantes: ao serem irresponsáveis, acabaram gerando brutal problema para si mesmos, além de atolarem o país na pior crise fiscal de nossa história.
Como escreveu meu colega Alexandre Schwartsman neste espaço na semana passada, não é a crise econômica que causou a crise fiscal. A crise fiscal, ao encurtar muito o horizonte de cálculo empresarial, fez o investimento despencar, processo que está na raiz da atual crise, além dos efeitos sobre a produtividade da desastrosa "nova matriz econômica".
O diagnóstico do governo e do Congresso Nacional de que a crise fiscal é consequência, e não causa, da crise econômica tem produzido uma agenda legislativa que está destruindo a construção mais importante do segundo mandato de FHC: o equilíbrio fiscal dos Estados e dos municípios.
Foi aprovado no Senado, na semana passada, o projeto de lei complementar 315, de 2015, que elimina a punição –barrar as transferências voluntárias; a obtenção de garantia, direta ou indireta, de outro ente federativo; e as contratações de operações de crédito– aos municípios cuja despesa de pessoal exceda o limite de 60% da receita corrente líquida, quando há queda de 10% da receita.
Não importa se o município já estava desenquadrado antes da queda da receita e consideram-se, no cômputo da receita total, os royalties de petróleo, que não deveriam ser computados, pois são de caráter não recorrente. Não poderiam ser empregados para financiar gastos de custeio.
Tramita também no Congresso Nacional o projeto de lei complementar 257, de 2016, que renegocia as dívidas dos Estados em troca de diversas contrapartidas. O objetivo do PLC é, como foi o caso do projeto dos municípios, aumentar o espaço fiscal atual dos Estados e empurrar para a frente o problema fiscal.
A nota positiva do alívio é que ele requer algumas contrapartidas dos Estados: vedação à concessão de reajustes acima da inflação a servidores e benefícios fiscais a empresas e limitação do crescimento de outras despesas correntes à taxa de inflação, entre outras.
Mas há um movimento para que, como no caso dos municípios, o projeto seja aprovado sem contrapartidas! Vai-se o último bastião da responsabilidade fiscal. Retorno aos anos 1980.
Para inglês ver - FERREIRA GULLAR
Folha de SP - 10/04
O país está assistindo, nestes últimos meses, a uma inacreditável farsa, cujos personagens principais são o ex-presidente Lula, a presidente Dilma Rousseff, os dirigentes do PT e seus representantes no Congresso Nacional.
Em face da revelação do uso que fizeram da Petrobras e da máquina estatal, saqueando-as para se manterem no poder; em face das delações premiadas feitas pelos participantes desses crimes contra a nação brasileira; em face das comprovadas propinas que encheram os bolsos dos sócios de Lula e subvencionaram as campanhas eleitorais e os cofres do PT e dos partidos aliados; em face de tudo isso, não resta ao Lula, à Dilma e a seus sócios, senão inventar uma falsa versão dos fatos para assim passarem de vilões a vítimas.
E foi então que surgiu a versão do golpe que estaria sendo tramado contra o governo de Dilma Rousseff. Mas tramado por quem? Pela Procuradoria da República? Pela Justiça? Pelo Supremo Tribunal Federal?
Ou seja, trata-se de um golpe que seria consumado pelas instituições legais do país? Noutras palavras, um golpe que segue o que as leis determinam?
Então será esta a primeira vez na História que se chama de golpe, não a violação dos princípios constitucionais, mas sua aplicação!
Quer dizer, nesta nova e surpreendente concepção petista, segundo a qual golpe é cumprir a lei, respeitar a democracia seria não punir os corruptos que a Operação Lava Jato identificou e que levaram a Petrobras à beira da falência. Prender os donos das empreiteiras que, através de contratos fraudulentos, roubaram bilhões de reais à empresa estatal, seria antidemocrático, conforme a nova concepção petista de democracia, defendida por Lula, Dilma e seus comparsas. Democrático é deixá-los livres e felizes, já que, generosamente, doaram milhões ao Instituto Lula e financiaram a campanha eleitoral de Dilma Rousseff.
Quem viveu no Brasil dos anos de 1960 aos 80 sabe muito bem o que é golpe e o que não é democracia.
Os militares golpistas de 1964 não propuseram que o Congresso votasse o impeachment do então presidente João Goulart. Simplesmente puseram os tanques na rua, fecharam o Congresso e entregaram o governo a um general.
Os que teimaram em defender a democracia foram simplesmente encarcerados e muitos deles assassinados. Os meios de comunicação foram censurados, de modo que nenhuma palavra contra o golpe podia ser veiculada.
Aliás, a presidente Dilma Rousseff conhece muito bem essa história, pois participou dela, integrando o movimento da luta armada, o que a levou à prisão por parte dos militares.
Que o ex-presidente Lula –que, como sempre, jogou com um pau de dois bicos, já que se entendia muito bem com o general Golbery do Couto e Silva, homem-chave do governo militar– queira se fazer de desentendido, já era de se esperar.
Mas Dilma, não, ela experimentou na carne o que é golpe e o que é ditadura. Não obstante, está agora representando um papel que lamentavelmente não condiz com seu passado.
Alguma coisa parecida com 1964 está ocorrendo no Brasil de hoje? Muito pelo contrário. O que estamos assistindo é a uma sucessão de medidas da presidente de República para comprar, com ministérios e cargos, os votos do partido que rompeu com ele –o PMDB– e de partidos menores que se vendem por qualquer cargo.
O suposto golpe de hoje, a que Dilma se refere, portanto, é diferente, tanto que ela mesma afirmou estar disposta a "lançar mão de todos os recursos legais" para defender-se e evitar que o impeachment se concretize. É bom lembrar à "presidenta" que, quando se trata de golpe, os recursos legais não funcionam. Não é, portanto, o caso.
Pois bem, mas se há uma coisa que me surpreende em tudo isso é alguns artistas e intelectuais acreditarem nesse golpe inexistente, inventado pelos petistas.
Por que acreditam em tão deslavada mentira? Por ignorância não é, pois são todos muito bem informados. E, se não é por ignorância, só pode ser porque têm necessidade de se enganarem. Preferem a mentira à verdade.
E por falar nisso, que constrangedora a defesa que fez o advogado-geral da União também repetindo que o impeachment é golpe. E diz isso com a ênfase de quem fala a verdade! Haja saco!
O país está assistindo, nestes últimos meses, a uma inacreditável farsa, cujos personagens principais são o ex-presidente Lula, a presidente Dilma Rousseff, os dirigentes do PT e seus representantes no Congresso Nacional.
Em face da revelação do uso que fizeram da Petrobras e da máquina estatal, saqueando-as para se manterem no poder; em face das delações premiadas feitas pelos participantes desses crimes contra a nação brasileira; em face das comprovadas propinas que encheram os bolsos dos sócios de Lula e subvencionaram as campanhas eleitorais e os cofres do PT e dos partidos aliados; em face de tudo isso, não resta ao Lula, à Dilma e a seus sócios, senão inventar uma falsa versão dos fatos para assim passarem de vilões a vítimas.
E foi então que surgiu a versão do golpe que estaria sendo tramado contra o governo de Dilma Rousseff. Mas tramado por quem? Pela Procuradoria da República? Pela Justiça? Pelo Supremo Tribunal Federal?
Ou seja, trata-se de um golpe que seria consumado pelas instituições legais do país? Noutras palavras, um golpe que segue o que as leis determinam?
Então será esta a primeira vez na História que se chama de golpe, não a violação dos princípios constitucionais, mas sua aplicação!
Quer dizer, nesta nova e surpreendente concepção petista, segundo a qual golpe é cumprir a lei, respeitar a democracia seria não punir os corruptos que a Operação Lava Jato identificou e que levaram a Petrobras à beira da falência. Prender os donos das empreiteiras que, através de contratos fraudulentos, roubaram bilhões de reais à empresa estatal, seria antidemocrático, conforme a nova concepção petista de democracia, defendida por Lula, Dilma e seus comparsas. Democrático é deixá-los livres e felizes, já que, generosamente, doaram milhões ao Instituto Lula e financiaram a campanha eleitoral de Dilma Rousseff.
Quem viveu no Brasil dos anos de 1960 aos 80 sabe muito bem o que é golpe e o que não é democracia.
Os militares golpistas de 1964 não propuseram que o Congresso votasse o impeachment do então presidente João Goulart. Simplesmente puseram os tanques na rua, fecharam o Congresso e entregaram o governo a um general.
Os que teimaram em defender a democracia foram simplesmente encarcerados e muitos deles assassinados. Os meios de comunicação foram censurados, de modo que nenhuma palavra contra o golpe podia ser veiculada.
Aliás, a presidente Dilma Rousseff conhece muito bem essa história, pois participou dela, integrando o movimento da luta armada, o que a levou à prisão por parte dos militares.
Que o ex-presidente Lula –que, como sempre, jogou com um pau de dois bicos, já que se entendia muito bem com o general Golbery do Couto e Silva, homem-chave do governo militar– queira se fazer de desentendido, já era de se esperar.
Mas Dilma, não, ela experimentou na carne o que é golpe e o que é ditadura. Não obstante, está agora representando um papel que lamentavelmente não condiz com seu passado.
Alguma coisa parecida com 1964 está ocorrendo no Brasil de hoje? Muito pelo contrário. O que estamos assistindo é a uma sucessão de medidas da presidente de República para comprar, com ministérios e cargos, os votos do partido que rompeu com ele –o PMDB– e de partidos menores que se vendem por qualquer cargo.
O suposto golpe de hoje, a que Dilma se refere, portanto, é diferente, tanto que ela mesma afirmou estar disposta a "lançar mão de todos os recursos legais" para defender-se e evitar que o impeachment se concretize. É bom lembrar à "presidenta" que, quando se trata de golpe, os recursos legais não funcionam. Não é, portanto, o caso.
Pois bem, mas se há uma coisa que me surpreende em tudo isso é alguns artistas e intelectuais acreditarem nesse golpe inexistente, inventado pelos petistas.
Por que acreditam em tão deslavada mentira? Por ignorância não é, pois são todos muito bem informados. E, se não é por ignorância, só pode ser porque têm necessidade de se enganarem. Preferem a mentira à verdade.
E por falar nisso, que constrangedora a defesa que fez o advogado-geral da União também repetindo que o impeachment é golpe. E diz isso com a ênfase de quem fala a verdade! Haja saco!
O prazo de validade de nelson barbosa - ELIO GASPARI
FOLHA DE SP - 10/04
Lula disse que o ministro Joaquim Levy estourara seu prazo de validade no Ministério da Fazenda. O PT decidiu estourar o prazo de validade de Nelson Barbosa na cadeira que a doutora Dilma transformou em cama de faquir.
Outro dia, ele foi a um seminário e mencionou a frase de um "importante líder": "Não existe essa coisa de dinheiro público, o que existe é o dinheiro do contribuinte".
Aleluia, um ministro de governo petista citando Margaret Thatcher, a dama de ferro da ressurreição conservadora do final do século passado. Não pronunciou seu santo nome, mas aí seria demais.
O ministro citou a baronesa num evento do banco Itaú em São Paulo enquanto em Brasília o PT cozinha uma monstruosidade matemática, moral e fiscal.
Os Estados e municípios devem à União R$ 402 bilhões. São papagaios do século passado, renegociados em 1997. Ninguém foi obrigado a repactuar a dívida. Passou o tempo, alguns devedores honraram os contratos, outros não. Começou a grita pela renegociação do renegociado e o assunto está na reta final da discussão no Congresso. Os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul são donos de 83% dessa dívida e o refresco custaria cerca de R$ 10 bilhões por ano à União. Vá lá.
O ministro Nelson Barbosa conduziu as conversas para espichar os prazos e melhorar as condições para os devedores, exigindo contrapartidas. Quem quiser as novas condições deve se comprometer com coisas assim:
1) Não conceder aumentos aos servidores acima do reajuste linear determinado pela Constituição.
2) Suspender a contratação de pessoal.
3) Não criar novos programas de incentivos tributários.
4) Elevar as alíquotas de contribuição previdenciária dos servidores.
A União nada quer além da verdade matemática e da responsabilidade administrativa. Se um Estado ou município está quebrado porque jogou dinheiro pela janela e não pode pagar o que deve, obriga-se a mudar de conduta. É assim que a coisa funciona na casa das pessoas. Novamente, ninguém é obrigado a aderir.
Seria natural que críticas e emendas oportunistas partissem da oposição, mas o líder da bancada petista na Câmara sugeriu o seguinte: "É melhor separar o projeto em dois, aprovar a renegociação e discutir as contrapartidas depois em uma comissão especial". Esse é o sonho de todos os caloteiros. Primeiro eu recebo as facilidades, depois discutimos os compromissos.
Isso é punga. Penaliza quem paga o que deve e só gasta o que pode, beneficiando quem torra o que não tem e não paga o que já renegociou.
Se o ministro Nelson Barbosa não tem o apoio do seu partido no encaminhamento de uma questão desse tamanho, seu prazo de validade venceu. Fazendo de conta que não vê os pregos na cama de faquir, ele continuará num governo ruinoso a serviço de um partido irresponsável, levando o país à bancarrota.
TUCANOS VOAM
Em qualquer época e em qualquer situação, sempre haverá tucanos voando para todos os lados.
Por isso, não há razão para surpresa ao se ver que pelo menos um grão-tucano, eterno defensor do impedimento da doutora Dilma, está conversando com os subúrbios do caderninho telefônico de Lula.
Talvez isso seja resultado da percepção de que Dilma supera a votação na Câmara.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e faz um curso intensivo de ciência política lendo textos do professor Celso Lafer.
Há pouco, ele escreveu um artigo descascando o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos por ter se metido na política interna brasileira. Lafer tratou da discussão do impedimento da doutora Dilma e, com um toque de malícia, lembrou que "o caso mais conhecido é o do presidente Collor, que não foi qualificado como golpe".
Ele tem razão ao expor a seletividade da memória dos petistas.
Eremildo não entende porque Lafer é sistematicamente qualificado ao pé de seus artigos apenas como "professor da USP e ministro das Relações Exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso".
Lafer foi o último ministro das Relações Exteriores de Fernando Collor, de 13 de abril a 2 outubro de 1992.
VOTO ÚTIL
Admita-se que um voto contra o impedimento da doutora valesse R$ 2 milhões e a simples ausência do deputado estivesse cotada a R$ 1 milhão.
Qual a melhor maneira para se provar que o voto não foi vendido? Indo à sessão, com o dinheiro no bolso e votando a favor do impeachment.
Quem já viu elefante voar garante que aconteceram casos assim na degola de Fernando Collor.
MAU SINAL
Em 2002, o jornalista Larry Rohter, correspondente do "New York Times" no Brasil travou uma longa e silenciosa guerra com a burocracia do jornal para que deixassem de qualificar Lula como "leftist" (esquerdista). Prevaleceu, mas quando escreveu que Nosso Guia tinha um fraco pelo copo, ele tentou tirá-lo do país.
Há poucas semanas, o jornal fez um duro editorial contra a doutora Dilma por ter nomeado seu mentor para a chefia da Casa Civil, justificando-se com um blablablá que qualificou de "ridículo".
Nele, meteram de novo o "leftist" em Lula.
A seção de editoriais do "Times" nada tem a ver com o corpo de repórteres e correspondentes do jornal. No dia 3 de abril de 1964 o Times publicou um editorial saudando a queda de João Goulart, chamando-o de "incompetente" e "irresponsável", adjetivos que fazia por merecer. É muito provável que esse editorial tenha sido escrito por Herbert Matthews, queridinho da esquerda pela louvação que fizera de Fidel Castro. A Casa Branca cabalava editoriais contra Jango desde o dia 28 de março.
MADAME NATASHA
Madame Natasha, como todo mundo, não consegue ver nexo no carnaval que tomou conta do Congresso e de uma parte do Judiciário. A senhora continua cuidando do idioma e não vê razão para o surgimento de um novo título nobiliárquico, o de "jurista". Há "juristas" pedindo impeachment, e "juristas" vão ao Planalto para denunciar o golpe.
A senhora acredita que eles são apenas advogados. Alguns são advogados e professores.
MARINA E A TEORIA DO ERRO DOS OUTROS
Se a crise desembocar numa eleição presidencial, a ex-senadora Marina Silva entrará com boa vantagem na disputa. Duas vezes candidata, teve 19 milhões de votos em 2010 e 22 milhões em 2014. Tomara que ela pare de culpar os eleitores pelo fato de nunca ter chegado ao segundo turno. A ex-senadora pisou três vezes na mesma bola.
Numa, disse: "A população terá oportunidade de corrigir o erro a que foi induzida".
Na outra: "O TSE devolveria para os 200 milhões de brasileiros a possibilidade de reparar o erro a que foram induzidos a cometer."
Num documento da Rede, repetiu-se, sempre atribuindo o "erro" aos eleitores e usando expressões como "corrigir" e "reparar". Que tal discutir os indutores e deixar em paz os eleitores?
Fez melhor Aécio Neves, que disse ter sido derrotado por uma "organização criminosa".
Lula disse que o ministro Joaquim Levy estourara seu prazo de validade no Ministério da Fazenda. O PT decidiu estourar o prazo de validade de Nelson Barbosa na cadeira que a doutora Dilma transformou em cama de faquir.
Outro dia, ele foi a um seminário e mencionou a frase de um "importante líder": "Não existe essa coisa de dinheiro público, o que existe é o dinheiro do contribuinte".
Aleluia, um ministro de governo petista citando Margaret Thatcher, a dama de ferro da ressurreição conservadora do final do século passado. Não pronunciou seu santo nome, mas aí seria demais.
O ministro citou a baronesa num evento do banco Itaú em São Paulo enquanto em Brasília o PT cozinha uma monstruosidade matemática, moral e fiscal.
Os Estados e municípios devem à União R$ 402 bilhões. São papagaios do século passado, renegociados em 1997. Ninguém foi obrigado a repactuar a dívida. Passou o tempo, alguns devedores honraram os contratos, outros não. Começou a grita pela renegociação do renegociado e o assunto está na reta final da discussão no Congresso. Os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul são donos de 83% dessa dívida e o refresco custaria cerca de R$ 10 bilhões por ano à União. Vá lá.
O ministro Nelson Barbosa conduziu as conversas para espichar os prazos e melhorar as condições para os devedores, exigindo contrapartidas. Quem quiser as novas condições deve se comprometer com coisas assim:
1) Não conceder aumentos aos servidores acima do reajuste linear determinado pela Constituição.
2) Suspender a contratação de pessoal.
3) Não criar novos programas de incentivos tributários.
4) Elevar as alíquotas de contribuição previdenciária dos servidores.
A União nada quer além da verdade matemática e da responsabilidade administrativa. Se um Estado ou município está quebrado porque jogou dinheiro pela janela e não pode pagar o que deve, obriga-se a mudar de conduta. É assim que a coisa funciona na casa das pessoas. Novamente, ninguém é obrigado a aderir.
Seria natural que críticas e emendas oportunistas partissem da oposição, mas o líder da bancada petista na Câmara sugeriu o seguinte: "É melhor separar o projeto em dois, aprovar a renegociação e discutir as contrapartidas depois em uma comissão especial". Esse é o sonho de todos os caloteiros. Primeiro eu recebo as facilidades, depois discutimos os compromissos.
Isso é punga. Penaliza quem paga o que deve e só gasta o que pode, beneficiando quem torra o que não tem e não paga o que já renegociou.
Se o ministro Nelson Barbosa não tem o apoio do seu partido no encaminhamento de uma questão desse tamanho, seu prazo de validade venceu. Fazendo de conta que não vê os pregos na cama de faquir, ele continuará num governo ruinoso a serviço de um partido irresponsável, levando o país à bancarrota.
TUCANOS VOAM
Em qualquer época e em qualquer situação, sempre haverá tucanos voando para todos os lados.
Por isso, não há razão para surpresa ao se ver que pelo menos um grão-tucano, eterno defensor do impedimento da doutora Dilma, está conversando com os subúrbios do caderninho telefônico de Lula.
Talvez isso seja resultado da percepção de que Dilma supera a votação na Câmara.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e faz um curso intensivo de ciência política lendo textos do professor Celso Lafer.
Há pouco, ele escreveu um artigo descascando o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos por ter se metido na política interna brasileira. Lafer tratou da discussão do impedimento da doutora Dilma e, com um toque de malícia, lembrou que "o caso mais conhecido é o do presidente Collor, que não foi qualificado como golpe".
Ele tem razão ao expor a seletividade da memória dos petistas.
Eremildo não entende porque Lafer é sistematicamente qualificado ao pé de seus artigos apenas como "professor da USP e ministro das Relações Exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso".
Lafer foi o último ministro das Relações Exteriores de Fernando Collor, de 13 de abril a 2 outubro de 1992.
VOTO ÚTIL
Admita-se que um voto contra o impedimento da doutora valesse R$ 2 milhões e a simples ausência do deputado estivesse cotada a R$ 1 milhão.
Qual a melhor maneira para se provar que o voto não foi vendido? Indo à sessão, com o dinheiro no bolso e votando a favor do impeachment.
Quem já viu elefante voar garante que aconteceram casos assim na degola de Fernando Collor.
MAU SINAL
Em 2002, o jornalista Larry Rohter, correspondente do "New York Times" no Brasil travou uma longa e silenciosa guerra com a burocracia do jornal para que deixassem de qualificar Lula como "leftist" (esquerdista). Prevaleceu, mas quando escreveu que Nosso Guia tinha um fraco pelo copo, ele tentou tirá-lo do país.
Há poucas semanas, o jornal fez um duro editorial contra a doutora Dilma por ter nomeado seu mentor para a chefia da Casa Civil, justificando-se com um blablablá que qualificou de "ridículo".
Nele, meteram de novo o "leftist" em Lula.
A seção de editoriais do "Times" nada tem a ver com o corpo de repórteres e correspondentes do jornal. No dia 3 de abril de 1964 o Times publicou um editorial saudando a queda de João Goulart, chamando-o de "incompetente" e "irresponsável", adjetivos que fazia por merecer. É muito provável que esse editorial tenha sido escrito por Herbert Matthews, queridinho da esquerda pela louvação que fizera de Fidel Castro. A Casa Branca cabalava editoriais contra Jango desde o dia 28 de março.
MADAME NATASHA
Madame Natasha, como todo mundo, não consegue ver nexo no carnaval que tomou conta do Congresso e de uma parte do Judiciário. A senhora continua cuidando do idioma e não vê razão para o surgimento de um novo título nobiliárquico, o de "jurista". Há "juristas" pedindo impeachment, e "juristas" vão ao Planalto para denunciar o golpe.
A senhora acredita que eles são apenas advogados. Alguns são advogados e professores.
MARINA E A TEORIA DO ERRO DOS OUTROS
Se a crise desembocar numa eleição presidencial, a ex-senadora Marina Silva entrará com boa vantagem na disputa. Duas vezes candidata, teve 19 milhões de votos em 2010 e 22 milhões em 2014. Tomara que ela pare de culpar os eleitores pelo fato de nunca ter chegado ao segundo turno. A ex-senadora pisou três vezes na mesma bola.
Numa, disse: "A população terá oportunidade de corrigir o erro a que foi induzida".
Na outra: "O TSE devolveria para os 200 milhões de brasileiros a possibilidade de reparar o erro a que foram induzidos a cometer."
Num documento da Rede, repetiu-se, sempre atribuindo o "erro" aos eleitores e usando expressões como "corrigir" e "reparar". Que tal discutir os indutores e deixar em paz os eleitores?
Fez melhor Aécio Neves, que disse ter sido derrotado por uma "organização criminosa".
O que fazer com o Brasil na UTI - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP -10/04
O Brasil não terá paz econômica e sociopolítica mínima se não contiver logo o aumento do desemprego e da dívida do governo. Além de animar o paciente com a esperança de cura, um tratamento longo e difícil, mas eficaz, as "reformas", será preciso levá-lo já a um pronto-socorro com UTI.
Diz-se que um governo com um plano crível de mudanças profundas produziria tal melhora na confiança de empresas e consumidores que a economia voltaria a respirar sem tubos, ainda que em estado crítico.
Enquanto a fada da confiança não vem, o que fazer? É difícil dar injeções de vitamina em uma economia sem crédito, de governo quebrado e com inflação ainda alta.
Mas é preciso um choque de desfibrilador, de estabilização da atividade, já, a fim de evitar queda maior de receita do governo e o círculo vicioso criado pelo desemprego crescente.
Onde arrumar crédito? A inadimplência está mascarada. Bradesco e Itaú empurram com a barriga o reconhecimento de perdas prováveis. Os bancos estão "enrolando", no melhor dos sentidos: refinanciam, renegociam. Tentam evitar falências e o susto de balanços manchados de sangue de calotes. Menos mau. Mas não é bom sinal para a volta do crédito.
Para começar a resolver a encrenca, é preciso baixar as taxas de juros. Um plano de política fiscal (gastos do governo) crível ajudaria: derrubaria juros por conta, controlaria o dólar (e, assim, inflação). Mas o efeito é algo lento e retardado.
A construção civil vai encolher até 2017. Obras de infraestrutura (metade do setor) param. Há encalhe de residências (um quarto do setor).
A fim de dar algum jeito nisso, é preciso relançar com urgência dramática as concessões de infraestrutura, atoladas na insegurança terrível causada por Dilma Rousseff.
Será preciso ofertar rentabilidade gorda, concentrar dinheiros do BNDES nisso, rearrumar as empresas do setor (pequenas? Estrangeiras?), limpar o terreno regulatório de sujeiras menores (as maiores levam tempo). É difícil, mas é para ontem.
O setor imobiliário vai purgar excessos, estoques altos. Alguma confiança do consumidor e juros menores podem antecipar a recuperação. Mas falta crédito. O dinheiro da poupança minguou. É outra tarefa da UTI.
Dada a pindaíba, há o risco de o governo cortar mais investimento "em obras". Não pode. Terá de cortar alhures, além de arrumar algum dinheiro extra: mais imposto, mais privatizações. A grita louca contra alta de imposto, ao menos emergencial, vai dar problema.
É preciso arrumar a Petrobras e o setor elétrico. Não se trata de planos bonitos de reconstruir a regulação arruinada por Dilma Rousseff, necessários, mas demorados. As finanças da petroleira assombram e pioram o crédito de país e governo.
É preciso verificar quais dos elefantes brancos soltos por Dilma Rousseff, obras mal planejadas, são ainda e logo viáveis; quais obras paradas podem ser ressuscitadas.
Além do plano de reformas, o governo que vier precisa de um "plano de cem dias", de providências imediatas, com equipes frenéticas, de alto nível, que descubram como sair do chão puxando os cabelos, pois os meios de estimular consumo e investimento são escassos.
Se bobear, as "reformas" vão se perder no tumulto social e político.
O Brasil não terá paz econômica e sociopolítica mínima se não contiver logo o aumento do desemprego e da dívida do governo. Além de animar o paciente com a esperança de cura, um tratamento longo e difícil, mas eficaz, as "reformas", será preciso levá-lo já a um pronto-socorro com UTI.
Diz-se que um governo com um plano crível de mudanças profundas produziria tal melhora na confiança de empresas e consumidores que a economia voltaria a respirar sem tubos, ainda que em estado crítico.
Enquanto a fada da confiança não vem, o que fazer? É difícil dar injeções de vitamina em uma economia sem crédito, de governo quebrado e com inflação ainda alta.
Mas é preciso um choque de desfibrilador, de estabilização da atividade, já, a fim de evitar queda maior de receita do governo e o círculo vicioso criado pelo desemprego crescente.
Onde arrumar crédito? A inadimplência está mascarada. Bradesco e Itaú empurram com a barriga o reconhecimento de perdas prováveis. Os bancos estão "enrolando", no melhor dos sentidos: refinanciam, renegociam. Tentam evitar falências e o susto de balanços manchados de sangue de calotes. Menos mau. Mas não é bom sinal para a volta do crédito.
Para começar a resolver a encrenca, é preciso baixar as taxas de juros. Um plano de política fiscal (gastos do governo) crível ajudaria: derrubaria juros por conta, controlaria o dólar (e, assim, inflação). Mas o efeito é algo lento e retardado.
A construção civil vai encolher até 2017. Obras de infraestrutura (metade do setor) param. Há encalhe de residências (um quarto do setor).
A fim de dar algum jeito nisso, é preciso relançar com urgência dramática as concessões de infraestrutura, atoladas na insegurança terrível causada por Dilma Rousseff.
Será preciso ofertar rentabilidade gorda, concentrar dinheiros do BNDES nisso, rearrumar as empresas do setor (pequenas? Estrangeiras?), limpar o terreno regulatório de sujeiras menores (as maiores levam tempo). É difícil, mas é para ontem.
O setor imobiliário vai purgar excessos, estoques altos. Alguma confiança do consumidor e juros menores podem antecipar a recuperação. Mas falta crédito. O dinheiro da poupança minguou. É outra tarefa da UTI.
Dada a pindaíba, há o risco de o governo cortar mais investimento "em obras". Não pode. Terá de cortar alhures, além de arrumar algum dinheiro extra: mais imposto, mais privatizações. A grita louca contra alta de imposto, ao menos emergencial, vai dar problema.
É preciso arrumar a Petrobras e o setor elétrico. Não se trata de planos bonitos de reconstruir a regulação arruinada por Dilma Rousseff, necessários, mas demorados. As finanças da petroleira assombram e pioram o crédito de país e governo.
É preciso verificar quais dos elefantes brancos soltos por Dilma Rousseff, obras mal planejadas, são ainda e logo viáveis; quais obras paradas podem ser ressuscitadas.
Além do plano de reformas, o governo que vier precisa de um "plano de cem dias", de providências imediatas, com equipes frenéticas, de alto nível, que descubram como sair do chão puxando os cabelos, pois os meios de estimular consumo e investimento são escassos.
Se bobear, as "reformas" vão se perder no tumulto social e político.
Vamos falar sobre ela - FERNANDO GABEIRA
O GLOBO - 10/04
Não vejo ameaça, mas sim uma face crescente da demanda de democracia no Brasil
Neste momento de crise, sinto falta dos longos debates do passado. Era necessário estudar, escrever documentos, discuti-los. Hoje, o debate se ampliou com as redes sociais e ganhou inúmeras outras formas de expressão, desde clicar like, aos comentários, memes, animações. Não creio que em outro momento da História o Brasil tenha discutido tão extensamente o seu problema. Mas o debate afunilou com o impeachment.
Há ainda o ritmo dos fatos. Como se não bastassem nossas bombas domésticas, estourou uma bomba mundial com os “Panama Papers”, 11,5 milhões de documentos pesquisados por um grupo internacional de repórteres, inclusive do Brasil. Os “Panama Papers”, ainda que não assimilados como um todo, acrescentaram novidades para nossa observação: como cada país reage diante dos escândalos indicando corrupção. No caso da Islândia, o primeiro-ministro renunciou diante da notícia de que tinha contas numa offshore. Reagem muito rápido, as pessoas vão para a rua e o governo cai.
Não há notícias de manifestações a favor do governo. Parece que existe na Islândia um certo consenso sobre a democracia. E este consenso nos falta no momento. Aqui no Brasil os manifestantes a favor do governo veem um golpe à democracia num processo de impeachment realizado dentro da lei, respaldado pela corte suprema do país. A esperança é que percebam com o tempo que é, precisamente, de um déficit de democracia que o governo do PT é acusado.
Ou não é um déficit de democracia inserir decretos secretos no Orçamento? Ou comprar o apoio da base aliada no mensalão? Arruinar a Petrobras com outra aliança política para vencer as eleições? Existem déficits mais sutis, como por exemplo ter uma política partidária e não nacional. O PT se concentrou nos vizinhos bolivarianos e deu as costas para os centros de renovação e tecnologia, especialmente os Estados Unidos. Ou déficits mais grosseiros como tentar interferir no Supremo, pressionar procuradores, tentar obstruir a Justiça.
Talvez esse debate nem se faça porque os acontecimentos são muito rápidos e, em breve, seremos forçados a iniciar outro mais urgente: os caminhos da reconstrução.
Momento complicado em que as benesses eleitorais que sobrecarregam o Estado terão de ser reavaliadas mobilizando inúmeros grupos de interesse. E aí não me refiro tanto aos gastos sociais que precisam ter foco para proteger os mais vulneráveis. Refiro-me principalmente às isenções ficais, ao crédito subsidiado do BNDES que cultivou uma réplica da burguesia bolivariana da Venezuela, milionários na órbita do governo.
Quando o barco entra na tempestade, o ideal é uma articulação de todos os tripulantes para superar a tormenta. Não é isso que acontece: estamos brigando, e nossos movimentos nos empurram para o naufrágio. Na falta do consenso, é necessário buscar a unidade possível. Não é uma tarefa para Dilma e o PT rejeitados hoje pela maioria.
As ironias de Lula sobre os manifestantes de verde e amarelo confirmam apenas que ele se refugiou no vermelho. Isso se explica pelo momento defensivo em que ele e o PT vivem. É impossível se encastelar na minoria, numa visão partidária de nós contra eles e aspirar a uma unidade nacional.
Considerando as tarefas históricas pela frente, o isolamento é o lugar do perdedor. Essa realidade transcende a votação do impeachment.
Daqui a pouco as delações premiadas recolocariam o tema no TSE, novas denúncias surgem na Lava-Jato, enfim o governo viveria de espasmos como um peixe na areia. O impeachment é o caminho mais rápido. Lula tenta culpabilizar os adversários dizendo que é imoral assumir o poder sem ter sido votado. Segundo ele, será difícil contar a história para os netos.
Lula e tantos outros, com meu apoio, derrubaram o governo Collor, eleito, legalmente, e não foi imoral que Itamar Franco assumisse o governo. Muito menos temos vergonha de contar aos netos que apoiamos a queda de Collor.
Mas no caso Collor havia razão para o impeachment, dirão alguns. O Supremo o absolveu, logo, historicamente, é possivel afirmar que o julgamento também foi político. Quando se trata de um governo considerado conservador, o impeachment é um instrumento democrático. Quando se trata de um governo de esquerda, ele é um golpe.
Voltamos ao debate reprimido. A democracia não é instrumento tático que se usa oportunisticamente. Ela é um objetivo estratégico e foi duramente espancada ao longo destes anos.
A sociedade se manifestou pacificamente e canalizou seu protesto para a instituição que poderia resolver legalmente o problema. Não vejo ameaça à democracia, mas sim uma face crescente da demanda de democracia no Brasil, cujo primeiro grande momento foi a campanha das diretas.
Não vejo ameaça, mas sim uma face crescente da demanda de democracia no Brasil
Neste momento de crise, sinto falta dos longos debates do passado. Era necessário estudar, escrever documentos, discuti-los. Hoje, o debate se ampliou com as redes sociais e ganhou inúmeras outras formas de expressão, desde clicar like, aos comentários, memes, animações. Não creio que em outro momento da História o Brasil tenha discutido tão extensamente o seu problema. Mas o debate afunilou com o impeachment.
Há ainda o ritmo dos fatos. Como se não bastassem nossas bombas domésticas, estourou uma bomba mundial com os “Panama Papers”, 11,5 milhões de documentos pesquisados por um grupo internacional de repórteres, inclusive do Brasil. Os “Panama Papers”, ainda que não assimilados como um todo, acrescentaram novidades para nossa observação: como cada país reage diante dos escândalos indicando corrupção. No caso da Islândia, o primeiro-ministro renunciou diante da notícia de que tinha contas numa offshore. Reagem muito rápido, as pessoas vão para a rua e o governo cai.
Não há notícias de manifestações a favor do governo. Parece que existe na Islândia um certo consenso sobre a democracia. E este consenso nos falta no momento. Aqui no Brasil os manifestantes a favor do governo veem um golpe à democracia num processo de impeachment realizado dentro da lei, respaldado pela corte suprema do país. A esperança é que percebam com o tempo que é, precisamente, de um déficit de democracia que o governo do PT é acusado.
Ou não é um déficit de democracia inserir decretos secretos no Orçamento? Ou comprar o apoio da base aliada no mensalão? Arruinar a Petrobras com outra aliança política para vencer as eleições? Existem déficits mais sutis, como por exemplo ter uma política partidária e não nacional. O PT se concentrou nos vizinhos bolivarianos e deu as costas para os centros de renovação e tecnologia, especialmente os Estados Unidos. Ou déficits mais grosseiros como tentar interferir no Supremo, pressionar procuradores, tentar obstruir a Justiça.
Talvez esse debate nem se faça porque os acontecimentos são muito rápidos e, em breve, seremos forçados a iniciar outro mais urgente: os caminhos da reconstrução.
Momento complicado em que as benesses eleitorais que sobrecarregam o Estado terão de ser reavaliadas mobilizando inúmeros grupos de interesse. E aí não me refiro tanto aos gastos sociais que precisam ter foco para proteger os mais vulneráveis. Refiro-me principalmente às isenções ficais, ao crédito subsidiado do BNDES que cultivou uma réplica da burguesia bolivariana da Venezuela, milionários na órbita do governo.
Quando o barco entra na tempestade, o ideal é uma articulação de todos os tripulantes para superar a tormenta. Não é isso que acontece: estamos brigando, e nossos movimentos nos empurram para o naufrágio. Na falta do consenso, é necessário buscar a unidade possível. Não é uma tarefa para Dilma e o PT rejeitados hoje pela maioria.
As ironias de Lula sobre os manifestantes de verde e amarelo confirmam apenas que ele se refugiou no vermelho. Isso se explica pelo momento defensivo em que ele e o PT vivem. É impossível se encastelar na minoria, numa visão partidária de nós contra eles e aspirar a uma unidade nacional.
Considerando as tarefas históricas pela frente, o isolamento é o lugar do perdedor. Essa realidade transcende a votação do impeachment.
Daqui a pouco as delações premiadas recolocariam o tema no TSE, novas denúncias surgem na Lava-Jato, enfim o governo viveria de espasmos como um peixe na areia. O impeachment é o caminho mais rápido. Lula tenta culpabilizar os adversários dizendo que é imoral assumir o poder sem ter sido votado. Segundo ele, será difícil contar a história para os netos.
Lula e tantos outros, com meu apoio, derrubaram o governo Collor, eleito, legalmente, e não foi imoral que Itamar Franco assumisse o governo. Muito menos temos vergonha de contar aos netos que apoiamos a queda de Collor.
Mas no caso Collor havia razão para o impeachment, dirão alguns. O Supremo o absolveu, logo, historicamente, é possivel afirmar que o julgamento também foi político. Quando se trata de um governo considerado conservador, o impeachment é um instrumento democrático. Quando se trata de um governo de esquerda, ele é um golpe.
Voltamos ao debate reprimido. A democracia não é instrumento tático que se usa oportunisticamente. Ela é um objetivo estratégico e foi duramente espancada ao longo destes anos.
A sociedade se manifestou pacificamente e canalizou seu protesto para a instituição que poderia resolver legalmente o problema. Não vejo ameaça à democracia, mas sim uma face crescente da demanda de democracia no Brasil, cujo primeiro grande momento foi a campanha das diretas.
Lula tenta se reinventar - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 10/04
Lula não está morto, está mais vivo do que nunca. Quem avisa é o próprio ex-presidente, para não deixar morrer a lenda de que é um negociador político insuperável. Joga com a expectativa de poder que ainda pode exalar para tentar reverter os votos contra a presidente Dilma na batalha do impeachment no plenário da Câmara.
Mas o golpe que recebeu do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, parece ter sido um direto no queixo. Pelo menos assim interpretaram muitos dos deputados alvos de sua ação, que já imaginam Lula na lona.
Mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) não acate o parecer de Janot, e devolva a Lula o Gabinete Civil da Presidência, a dúvida sobre sua real importância no cenário atual fez com que perdesse poder político na hora mais necessária. No mínimo vai ser difícil para os ministros do STF não encararem a denúncia do Procurador-Geral de que a nomeação de Lula foi uma tentativa de obstruir a Justiça.
O Supremo só tratará do caso depois da votação do impeachment, o que faz com que ele não possa acenar com sua presença no Palácio do Planalto como garantia de que suas promessas serão cumpridas.
Como anunciou em um comício que tomaria posse no ministério na quinta-feira passada, e nada aconteceu, ficou a sensação de que anda prometendo o que não pode entregar, assim como insinuou uma capacidade de influência no Supremo que na realidade não tem.
Ninguém mais tem certeza sobre o poder de Lula depois que o Procurador-Geral da República mostrou a independência que Lula queria tirar dele, como revelou uma das conversas telefônicas grampeadas.
Lula disse a um interlocutor que Janot era ingrato, pois o nomeara para o cargo, e recebeu de volta o comentário de que o Procurador-Geral da República só se considera devedor de gratidão a sua família. De fato, Janot foi o primeiro de uma lista tríplice, e Lula apenas seguiu a tradição. É certo que poderia ter escolhido um dos outros dois, mas isso não o faz credor da gratidão do nomeado.
Essa visão patrimonialista de Lula, que considera uma traição ministros e juízes nomeados por ele votarem contra seus interesses, é uma das facetas mais perversas reveladas pelos áudios das conversas de Lula, pois até mesmo aquele linguajar chulo pode ser relevado, por se tratarem de conversas informais.
Mas a exibição pública de como Lula trata as questões de Estado retira dele até mesmo o que parecia uma grandeza de sua parte, a nomeação de ministros do Supremo que se mostraram independentes em seus votos.
Como não tivemos acesso aos áudios das conversas de Lula durante o mensalão, não soubemos como ele reagiu a cada voto de ministros como Ayres Brito, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso ou Carmem Lucia, todos indicados por ele e que tiveram comportamentos independentes durante o julgamento. Mas agora podemos imaginar.
Quando Lula e o PT criticam a atuação de Geraldo Brindeiro como Procurador-Geral na época de Fernando Henrique Cardoso, chamando-o de “engavetador-geral”, sabemos agora que não passa de inveja, em vez de exaltação da imparcialidade.
Lula queria mesmo que Janot fosse tão grato a ele quanto acha que Brindeiro foi a FHC, sem imaginar que o Procurador-Geral da República na era tucana possa apenas ter seguido a lei e não recebido as reclamações por considerá-las ineptas. O senador petista Lindbergh Farias, um dos mais constantes interlocutores de Lula no momento, definiu bem a situação dizendo quem as críticas que os petistas fazem ao ministro Gilmar Mendes, do STF, é inveja por não terem um Gilmar do lado deles.
Para reforçar sua imagem de poderoso, deixa que espalhem que já está escolhendo o futuro chefe da Polícia Federal em conversas com o novo ministro da Justiça Eugênio Aragão, esse sim, demonstrando diariamente que é mesmo amigo do PT, como Lula exigiu em uma das conversas telefônicas gravadas: “Esse Aragão tem que fazer papel de homem, parece que é nosso amigo, parece, parece, mas está sempre dizendo olha...”.
O fato é que a dúvida sobre o real poder de Lula retirou de suas negociações contra o impeachment a força que ele anuncia que ainda tem.
Lula não está morto, está mais vivo do que nunca. Quem avisa é o próprio ex-presidente, para não deixar morrer a lenda de que é um negociador político insuperável. Joga com a expectativa de poder que ainda pode exalar para tentar reverter os votos contra a presidente Dilma na batalha do impeachment no plenário da Câmara.
Mas o golpe que recebeu do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, parece ter sido um direto no queixo. Pelo menos assim interpretaram muitos dos deputados alvos de sua ação, que já imaginam Lula na lona.
Mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) não acate o parecer de Janot, e devolva a Lula o Gabinete Civil da Presidência, a dúvida sobre sua real importância no cenário atual fez com que perdesse poder político na hora mais necessária. No mínimo vai ser difícil para os ministros do STF não encararem a denúncia do Procurador-Geral de que a nomeação de Lula foi uma tentativa de obstruir a Justiça.
O Supremo só tratará do caso depois da votação do impeachment, o que faz com que ele não possa acenar com sua presença no Palácio do Planalto como garantia de que suas promessas serão cumpridas.
Como anunciou em um comício que tomaria posse no ministério na quinta-feira passada, e nada aconteceu, ficou a sensação de que anda prometendo o que não pode entregar, assim como insinuou uma capacidade de influência no Supremo que na realidade não tem.
Ninguém mais tem certeza sobre o poder de Lula depois que o Procurador-Geral da República mostrou a independência que Lula queria tirar dele, como revelou uma das conversas telefônicas grampeadas.
Lula disse a um interlocutor que Janot era ingrato, pois o nomeara para o cargo, e recebeu de volta o comentário de que o Procurador-Geral da República só se considera devedor de gratidão a sua família. De fato, Janot foi o primeiro de uma lista tríplice, e Lula apenas seguiu a tradição. É certo que poderia ter escolhido um dos outros dois, mas isso não o faz credor da gratidão do nomeado.
Essa visão patrimonialista de Lula, que considera uma traição ministros e juízes nomeados por ele votarem contra seus interesses, é uma das facetas mais perversas reveladas pelos áudios das conversas de Lula, pois até mesmo aquele linguajar chulo pode ser relevado, por se tratarem de conversas informais.
Mas a exibição pública de como Lula trata as questões de Estado retira dele até mesmo o que parecia uma grandeza de sua parte, a nomeação de ministros do Supremo que se mostraram independentes em seus votos.
Como não tivemos acesso aos áudios das conversas de Lula durante o mensalão, não soubemos como ele reagiu a cada voto de ministros como Ayres Brito, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso ou Carmem Lucia, todos indicados por ele e que tiveram comportamentos independentes durante o julgamento. Mas agora podemos imaginar.
Quando Lula e o PT criticam a atuação de Geraldo Brindeiro como Procurador-Geral na época de Fernando Henrique Cardoso, chamando-o de “engavetador-geral”, sabemos agora que não passa de inveja, em vez de exaltação da imparcialidade.
Lula queria mesmo que Janot fosse tão grato a ele quanto acha que Brindeiro foi a FHC, sem imaginar que o Procurador-Geral da República na era tucana possa apenas ter seguido a lei e não recebido as reclamações por considerá-las ineptas. O senador petista Lindbergh Farias, um dos mais constantes interlocutores de Lula no momento, definiu bem a situação dizendo quem as críticas que os petistas fazem ao ministro Gilmar Mendes, do STF, é inveja por não terem um Gilmar do lado deles.
Para reforçar sua imagem de poderoso, deixa que espalhem que já está escolhendo o futuro chefe da Polícia Federal em conversas com o novo ministro da Justiça Eugênio Aragão, esse sim, demonstrando diariamente que é mesmo amigo do PT, como Lula exigiu em uma das conversas telefônicas gravadas: “Esse Aragão tem que fazer papel de homem, parece que é nosso amigo, parece, parece, mas está sempre dizendo olha...”.
O fato é que a dúvida sobre o real poder de Lula retirou de suas negociações contra o impeachment a força que ele anuncia que ainda tem.
Por que morreu? - SÉRGIO BESSERMAN VIANNA
O GLOBO - 10/04
O governo é como um El Cid ao contrário: morto em vida
Com ou sem impeachment, o governo Dilma acabou, concorda a maioria dos analistas. Por que?
Uma primeira resposta nos leva ao karma do que o debate tem chamado de estelionato eleitoral. A sociedade brasileira, onde códigos de honra e a primazia das relações pessoais estão muito presentes, não perdoa rupturas de contrato.
Mas isso também ocorreu no segundo governo FHC e as condições da governabilidade foram mantidas, mesmo com a popularidade presidencial em níveis muito baixos.
Uma segunda resposta nos remete à incompetência política. De fato, numa reeleição em que a vitória só ocorreu devido ao apoio da maior parte do PMDB, o primeiro movimento político do governo foi trair esse partido e tentar promover defecções na direção de uma nova legenda partidária.
Daí em diante, a cada esquina ou encruzilhada o governo invariavelmente optou pela escolha errada, quase sempre em tributo a uma vocação autoritária e hegemonista. Mas não basta para explicar algo tão inusitado como um governo que é como El Cid ao contrário: morto em vida.
Uma terceira resposta aponta para a Lava-Jato. Nossa “mãos limpas” sacode a estrutura corrompida de um poder político que já estava na lona em termos da legitimidade de sua representatividade junto aos cidadãos. Isso abala qualquer força política no governo. Muito mais uma que está no poder há 13 anos e envolvida até as tripas com a corrupção.
Por que o governo Dilma morreu? Pela combinação dos três vetores? Um governo zumbi é um fenômeno mais raro do que governos que caem ou renunciam, de modo que minha intuição ainda não se satisfaz, apesar de a combinação dessas três ondas já assegurar uma ressaca gigante.
A quarta resposta é a tsunami: a maior queda do PIB desde 1930/31. Além das óbvias responsabilidades do governo nas causas da profundidade da crise, a isso se soma essa absurda incapacidade de implementar uma política econômica crível.
Em parte é o preço pago pelo “bolchevismo sem projeto", obrigado a assumir que ser uma “metamorfose ambulante” é virtude. E pela tolerância da sociedade brasileira com narrativas incongruentes.
Cem por cento dos que estiveram na manifestação “não vai ter golpe” são radicalmente contra a política econômica do governo e denunciam um golpe motivado por forças que “não aceitaram” a derrota eleitoral e querem mudar a política econômica do governo.
O advogado geral da União diz no Congresso Nacional que há um golpe em andamento e, em vez de recomendar ao governo a decretação do estado de sítio e a convocação das Forças Armadas para defender a democracia e a Constituição, diz que vai recorrer ao STF.
Há limites para o delírio. Ele funciona quando não há dificuldades a enfrentar, mas quando a sociedade e a nação necessitam, em uma situação muito grave, de governo, o descompasso entre a realidade e a narrativa delirante dos líderes da força política no poder gera paralisia.
Sérgio Besserman Vianna é economista
Economia lulopetista provoca retrocessos sociais - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 10/04
PT, bom de marketing, construiu a imagem de legenda monopolista na defesa dos pobres, mas os erros da sua política econômica passaram a produzir miséria
No campo da luta político-partidária e ideológica, o PT, bom de marketing e de campanha eleitoral, conseguiu fixar a imagem de que tem o monopólio da defesa dos pobres. Com o tempo, construiu a ideia de que, não fosse o lulopetismo, ninguém teria sido resgatado da miséria e da pobreza, não teria existido a “nova classe média.”
Quando se vai para o mundo real e a História, sem maniqueísmos, vê-se que os ganhos sociais obtidos na era PT foram parte de um encadeamento de avanços iniciados a partir do fim da gestão de Itamar Franco, com o Real, e nos dois governos tucanos de Fernando Henrique Cardoso, responsável pelo lançamento do plano quando ministro da Fazenda de Itamar.
No poder, o lulopetismo fabricou o discurso da “herança maldita” (de FH), apenas como peça de embate político-eleitoral. Mas, no primeiro governo Lula, foram mantidos os três pés que haviam ajudado a estabilizar a economia: responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação.
Beneficiado, ainda, por um ciclo histórico de crescimento sincronizado de grandes economias do planeta, amplificado pela ressurreição da China como grande potência, Lula consagrou-se no segundo governo (2007/10).
Infelizmente para o país, naquele auge da carreira política, Lula começou a abandonar a responsabilidade fiscal e, consequentemente, os cuidados com a inflação. O resultado é o que se vê, e com uma “herança maldita” para o próprio lulopetismo: a regressão dos avanços sociais, tão alardeadas na propaganda como um patrimônio exclusivo do PT. Trata-se, na verdade, de um bem da sociedade, mas sua destruição será creditada, com acerto, ao lulopetismo.
Em recente artigo no “O Estado de S.Paulo”, o economista José Márcio Camargo, da PUC, estimou que, dos 3,9 milhões que ultrapassaram os umbrais da “nova classe média”, 2,5 milhões já foram expulsos deste paraíso social. Devido, é certo, ao desemprego e à inflação produzidos pela equivocada política do “novo marco macroeconômico”.
Na realidade, o “novo marco”é a velha política econômica do PT: intervencionismo estatal, gastos públicos em alta e descuidos com a inflação. A lista de desastres colhidos até agora é impactante: recessão em 2015 de 3,8%, rumando-se para algo semelhantes este ano; desemprego no limiar dos dois dígitos; déficit público em siderais 10,7% do PIB; e inflação que já bateu em dois dígitos. Está em recuo, mas continua acima do teto da meta de 6,5%.
A desigualdade de renda voltou a subir em 2015, algo que não acontecia desde 2011. Também no ano passado, o Brasil caiu no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) — uma posição, de 74º para 75º lugar. Pela primeira vez em cinco anos.
Não é para menos. Estatísticas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, indicavam, em fevereiro, um saldo de 243 mil desempegados no comércio, 410 mil nos serviços e 1.745 mil na indústria. Sem que haja qualquer sinal de inversão da tendência, mesmo porque o governo insiste a voltar a aprofundar o “novo marco”. Será ruinosa a herança maldita do lulopetismo também no campo social.
Resta superar-se a crise política, de alguma forma, a fim de que haja uma aliança de forças para se retomar a responsabilidade fiscal e os devidos cuidados com a inflação. Sem isso não há como se erradicar de fato a pobreza e a miséria de maneira sustentável. Voltaremos a surtos populistas de crescimento e distribuição de renda efêmeros. Voos de galinha. É a lição que ficará dos dias atuais.