terça-feira, março 29, 2016

O petismo verde - KIM KATAGUIRI

FOLHA DE SP - 29/03

Nos aparentemente intermináveis debates sobre impeachment, "golpe" e o futuro pós-PT, uma figura bastante relevante está sendo esquecida: Marina Silva. A ex-petista, após aparecer como preferida para as eleições presidenciais, decidiu sair da toca.

Toda a mística que cerca a possuidora de "sonhos humildes" e defensora da "nova política" faz com que tudo que saia da sua boca pareça ser uma solução mágica. Apesar de admitir a obviedade de que impeachment não é golpe, Marina se nega a apoiá-lo. Diz acreditar que a cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seja a solução de que o país precisa.

O que a ex-senadora esquece de mencionar é que o processo do TSE é muito lento. Na melhor das hipóteses, conseguirá adiantar as eleições de 2018 em 2 ou 3 meses. Marina sabe disso. E é por isso que diz o que diz.

O que ela realmente quer é aumentar seu capital político em cima do desgaste do governo - e, consequentemente, da desgraça do país - para garantir uma eleição tranquila em 2018. Muito nobre da parte daquela que "não desistiu do Brasil", não é?

A aura amazônico-messiânica de Marina Silva é tão intocável que não se suja nem mesmo com a lama da realidade. O gigantesco desastre ambiental em Mariana, que arruinou a vida de incontáveis famílias, passou absolutamente despercebido pela ambientalista. Até a Dilma, que, vale lembrar, é... a Dilma, teve a consciência de marcar presença e se solidarizar com as vítimas da tragédia.

"Ah, mas ela tem uma equipe liberal!", dizem alguns dos meus colegas. Dilma indicou e manteve Joaquim Levy como ministro até quando pôde. O que ele fez? Tudo o que o governo permitiu. Ou seja, praticamente nada. Não importa que peso o mercado financeiro dê para o nome que ocupa a Fazenda; no fim, o que realmente vale são as convicções e o projeto do presidente. É ingenuidade demais cair no mesmo golpe duas vezes.

O partido de Marina, a Rede Sustentabilidade, tem servido como uma espécie de saída honrosa para petistas e protopetistas. O deputado Alessandro Molon (RJ), por exemplo, iniciou sua carreira política no PT e lá permaneceu durante mais de uma década, tornando-se uma das mais importantes figuras do partido.

No ano passado, ao perceber o tamanho do furo no barco petista, fugiu para a proteção das asas da maga das selvas. Randolfe Rodrigues (AP), que era o único representante no Senado do PSOL, desembarcou do partideco que diz fazer "oposição à esquerda" para não admitir a simpatia pela canalhice petista e também buscou refúgio nos cipós de Marina. Alguém acredita que esses nomes mudaram de convicção tão facilmente quanto mudaram de legenda?

O fim do governo do PT não significa o fim do petismo. Lula e Dilma já estão eleitoralmente acabados. Mas o espírito de seu método de governo permanece vivo e representado por uma poderosa força política, que, assim como o PT de outrora, apresenta-se como messias da honestidade, de "origem humilde" e alternativa para os que querem "mudança".

Por isso, temos de ficar em alerta. Não importa quantas penas o adornem, quantos cipós o envolvam ou quanto urucum lambuze o seu rosto: o petismo será sempre petismo.

Convite para uma decapitação - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 29/03

História recorrente: viajo para o Brasil com o propósito simpático de conhecer leitores, assinar livros, conversar sobre as banalidades da vida.

Fatalmente, surge o momento da confissão: o leitor aproxima-se e, com voz clandestina, pede para eu escrever mais livros. Na universidade onde ele estuda, o fechamento intelectual é absoluto.

Pensadores conservadores são inexistentes. Ideologias mais liberais, ou libertárias, idem.

Fico sempre atônito com essas descrições. Serão verdadeiras? Serão exagero? Ou os alunos brasileiros que eu conheço têm o supremo azar de estudar em instituições bolcheviques que ainda vivem em 1917?

Alguns, mais temerários, perguntam-me ou escrevem-me com uma questão de vida ou morte: haverá algum lugar no planeta -ou, pelo menos, em Portugal- onde seja possível estudar história ou ciência política sem ter o cérebro sequestrado pelas vulgatas marxistas?

As minhas respostas são sempre lacônicas e pasmadas: aconselho livros, professores; e prometo continuar a publicar. Mas agora tenho um novo argumento nas mãos: os alunos brasileiros, apesar de aprisionados, ainda conservam uma réstia de sanidade -a sanidade própria de quem sabe que existe outro caminho. Na Europa, e sobretudo na Inglaterra, o manicômio é muito pior.

Que o diga Nick Cohen, em artigo para "The Spectator". Conta Cohen que, no Reino Unido, o número de universidades que ainda podem legitimamente usar esse nome -espaços de livre debate onde é possível escutar o que não gostamos e argumentar o que queremos- está em vias de extinção.

Tradicionalmente, a universidade servia para confrontar o estudante com ideias novas, por vezes desconfortáveis, mas seguramente diferentes do mundo estreito onde ele viveu a adolescência. A universidade era um espaço de adultos e para adultos.

Hoje, as universidades são "lugares de segurança" onde qualquer sombra de insulto à cartilha multiculturalista é tratada com violência e segregação.

Nick Cohen dá exemplos recentes. No King's College de Londres, uma das melhores universidades, um professor da casa tentou promover um debate sob o título: "Será que o Ocidente é responsável pelo extremismo islâmico?"

Essa pergunta, formulada nesses termos, já é uma concessão à mentalidade fanática dos fanáticos.

Mas nem assim eles acalmaram. Quando se pergunta se o Ocidente é responsável pelo extremismo islâmico, existe sempre a possibilidade insana de alguém dizer "não".

De que vale fazer um debate quando as conclusões podem ser contrárias às nossas opiniões primárias (no duplo sentido da palavra)? Precisamente: melhor não fazer debate nenhum. O risco é elevado.

Não foi caso único. Na mesma cidade, o University College tentou organizar um outro debate para discutir o papel da população curda na luta contra o Estado Islâmico. A sessão, aliás, teria como convidado um ex-aluno da universidade, Macer Gifford, que lutara com os curdos na Síria.

Logo se levantaram vozes contra. Na douta opinião dos estudantes, existem sempre dois lados em qualquer conflito. Não seria preferível escutar ambos?

Longe de mim contestar esse "pensamento". Mas será que o pessoal do Estado Islâmico, ocupado a organizar os seus massacres, teria alguém com disponibilidade para enviar à universidade?

E, em caso afirmativo, será que a morte do combatente e ex-estudante Macer Gifford em pleno debate seria um argumento válido para a discussão?

Não sabemos. Mas por pouco tempo: com o Estado Islâmico a operar na Turquia, na França, na Bélgica e a ocupar o vazio de liderança aqui perto, na Líbia, rapidamente a Europa terá mais contato com os jihadistas.

Não excluo, aliás, que alguns deles possam participar de seminários ou até dar aulas nas universidades europeias.

Nada contra: se os professores de humanidades, dominados pela sharia do multiculturalismo, não servem para grande coisa, um jihadista sempre seria útil para ensinar o fabrico de bombas ou a melhor forma de decapitar um herege ajoelhado.

Como diz o povo, conhecimento não ocupa lugar.


Espírito público e coragem - EDITORIAL OESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 29/03

A se confirmar a decisão do PMDB de se afastar de um governo que dois em cada três brasileiros querem ver pelas costas, estará aberto o caminho para o impeachment constitucional de Dilma Rousseff e o fim da nefasta era petista, cujo populismo irresponsável jogou o País no impasse político, no desastre econômico, na falência moral e na frustração social. Decretado o afastamento de Dilma, os brasileiros terão um breve sentimento de alívio, mas logo perceberão que, a partir daí, estará apenas começando o enorme desafio da reconstrução nacional, necessária diante da razzia que a tigrada fez na infraestrutura do País e nos fundamentos da economia nacional. E a condição essencial para que isso ocorra é que o novo governo, apesar das concessões políticas que inevitavelmente lhe serão solicitadas, assuma imbuído de genuíno espírito público e da coragem necessários para banir o populismo e dar início à correção dos erros e equívocos do estatismo voluntarista com a execução de um programa mínimo de governo que permita, com a brevidade possível, a retomada do crescimento econômico como alavanca para o verdadeiro desenvolvimento social.

A diferença entre um populista como Lula e uma liderança movida por genuíno espírito público e democrático é que o ex-presidente, paternalisticamente, se empenha em dar ao povo o que o povo pede, enquanto o verdadeiro líder cria condições para que o povo tenha efetivamente acesso àquilo de que precisa e a que tem direito. Lula só diz ao povo o que o povo quer ouvir. O líder verdadeiramente democrático tem a coragem de não vender ilusões. Numa verdadeira democracia, aquela em que o instituto da representação popular funciona de verdade, o povo não depende da generosidade dos governantes, porque aquilo que lhe é de direito – em síntese, condições dignas de vida e igualdade de oportunidades para desenvolver suas potencialidades – é garantido pelo aparato legal e pela eficácia da gestão governamental.

Essa é a descrição da sociedade justa da qual apenas algumas nações desenvolvidas conseguem chegar perto. Mas o subdesenvolvimento cultural não é justificativa para que políticos despreparados e inescrupulosos eleitos pela falta de discernimento popular optem pelo caminho fácil do populismo. Aqui, mais do que em qualquer país do Primeiro Mundo, é necessário – além de ações emergenciais para combater a miséria – que as lideranças políticas sejam movidas por genuíno espírito público e tenham a coragem de aplicar medidas impopulares em benefício de toda a população e em especial dos que estão marginalizados da vida econômica. Esse é o grande desafio aos que terão a responsabilidade de governar o País depois que Dilma tiver ido embora.

Diante dessa perspectiva, é possível esperar dias melhores? Não será fácil, certamente, porque a estrutura política do País está podre, comprometida por um sistema partidário absurdamente atomizado criado por uma legislação pretensamente democrática que só tem servido aos interesses de caciques políticos e, para piorar, é um sistema que, se historicamente nunca foi imaculado, sob o lulopetismo se corrompeu até a raiz. Basta ver como nos últimos dias Dilma tem tentado comprar votos contra o impeachment por meio de uma açodada e indecorosa distribuição de cargos públicos. Olhando para o Congresso Nacional, os mais céticos defensores do saneamento tendem a desanimar. Mas o fato é que esse é o Parlamento de que o País dispõe, e ele foi colocado lá pelo voto dos brasileiros. É com ele, portanto, que pelo menos até 2018 o Brasil terá de se haver.

Será difícil depositar grandes esperanças no comportamento patriótico de senadores e deputados – aqueles que escaparem da Lava Jato e congêneres. Tome-se o exemplo da maior legenda oposicionista, o PSDB, cujos principais líderes, em vez de se empenharem numa proposta alternativa de governo, se digladiam numa disputa rasteira pela próxima candidatura à Presidência. Assim sendo, só resta esperar que o substituto legal de Dilma, que já se comprometeu com programas pontuais importantes, continue a inscrever com dignidade seu nome na História do Brasil, convencendo o corpo político de que o momento exige muito espírito público e coragem e trazendo para a administração pessoas notáveis que se afastaram da política partidária, mas jamais deixaram de combater o bom combate.


Cerimônia do adeus - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 29/03

Prevê-se para hoje, em Brasília, uma cena inédita no enredo político brasileiro dos últimos 30 anos: a cerimônia do adeus do PMDB a um governo.

Se confirmada, será uma despedida na cadência do processo de impeachment de Dilma Rousseff e na perspectiva de uma dura disputa na eleição municipal de outubro.

Assentado numa singular estrutura de núcleos de poder regionais, o PMDB depende mais que outros partidos do desempenho eleitoral do conjunto de seus 3,4 mil diretórios municipais. Em 2012, por exemplo, elegeu 996 prefeitos e indicou o vice em outras 840 chapas vitoriosas. Essa azeitada máquina eleitoral permitiu-lhe emergir das urnas em 2014 com uma bancada de 142 deputados estaduais, 67 federais (13% da Câmara) e 17 senadores (24% do plenário).

Com veias abertas em dois terços das zonas eleitorais do país, e tendo optado por não ter candidato presidencial nas últimas três décadas, transformou-se no sócio desejado por todos os governantes do período pós-ditadura. Empenhou-se numa sociedade com o PT de Lula. Ampliou-a com Dilma que abraçou Michel Temer na vice-presidência, complementando com a partilha dos orçamentos de 22% dos ministérios entre diferentes grupos do partido.

A ruptura ocorre em condições agravadas por uma sequência de ofensivas desastrosas do PT, combinadas entre Dilma e Lula, para neutralizar uma parceria que sempre foi percebida como indesejável pelos efeitos no controle do caixa federal. Foi Lula quem deu essa dimensão à fatura, ainda em 2002.

Logo depois de sair das urnas com 61,5% dos votos, no início de novembro, viu seu “capitão” José Dirceu anunciar acordo com o PMDB para o ministério. Desmentiu-o em público, horas depois. Qualificou como “exageradas” as exigências dos aliados de José Sarney, Michel Temer e Renan Calheiros. Optou por 13 ministros do PT, entregou 7 ministérios a outros partidos e deixou o PMDB à margem, sem nenhum, limitando-se a acertar um rodízio no comando da Câmara e do Senado.

Refez o entendimento na crise do mensalão e selou o pacto na sucessão. Desde a campanha de 2010, porém, é evidente que Dilma e Temer convivem, se toleram e, eventualmente, compartilham tapetes e ar refrigerado. Nunca foram amigos, mas no governo se tornaram inimigos íntimos.

A cacofonia no Palácio do Planalto virou discórdia com os sistemáticos vetos da presidente às propostas emuladas pelo vice que, ao seus olhos, redundariam em benefícios pecuniários a uma fração do PMDB, na contramão dos interesses do PT.

Foi o caso das negociações palacianas a respeito da conversão dos créditos “podres” contabilizados no caixa de instituições financeiras sob intervenção do Banco Central. As narrativas derivam no seguinte: a presidente vetou um negócio com potencial de impacto bilionário para os cofres públicos, supostamente defendido pelo vice, no qual os principais beneficiários seriam os banqueiros habituais patrocinadores do deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara.

Renegado, Temer viu-se no espelho como um “vice decorativo”. A desconstrução da sociedade PMDB-PT ocorre num ambiente marcado pelos efeitos da recessão econômica e pelo abrupto aumento na rejeição a Dilma e Lula: dois em cada três eleitores classificam o governo entre “ruim”e “péssimo”, segundo Ibope e Datafolha. E 60% avisam que não votariam em Lula “de jeito nenhum” para presidente da República.

Isso tem peso específico às vésperas de uma disputa municipal que se antevê complicada. O Ibope, em outra pesquisa, revela que 40% dos eleitores, na média, consideram “ruim” ou “péssima” a administração do prefeito de sua cidade, declarando disposição para votar num candidato de oposição. E mais: a maioria (54%) sinaliza vontade de premiar com o voto candidatos sem biografia partidária. Nesse quadro, Dilma, Lula e o PT passaram a ser vistos como excesso de peso.

O desembarque do governo também atende às conveniências dos líderes desse um partido que há duas décadas não tem candidato presidencial e continua sem nome para 2018. Abraçados à oposição, eles vislumbram a chance de chegar ao centro do poder numa travessia sem o voto direto — o impeachment de Dilma levaria Temer ao Planalto. Significa mudar para continuar como está.

Se vai dar certo, não sabem, pois sua sorte, assim como a de Dilma, depende do imponderável em outra arena, a do Judiciário.

Uma sentença da Justiça Eleitoral pode redundar na cassação de Dilma e Temer, por abuso de poder econômico na eleição de 2014. Levaria a novas eleições.

Há, também, a série de inquéritos sobre corrupção na Petrobras e outras estatais. Entre 12 parlamentares do PMDB denunciados no Supremo, seis integram a direção nacional que hoje vai presidir a cerimônia do adeus ao PT de Lula e Dilma.

Além desses, estão sob investigação os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, do Senado, Renan Calheiros, e ainda o senador Edison Lobão — a quem Lula e Dilma entregaram o comando do Ministério das Minas e Energia durante sete anos.

Lobão tomou conta de um polêmico portfólio de despesas da Eletrobrás, que inclui gastos suspeitos na usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Nos próximos dias, o STF começa a retirar o manto de sigilo sobre esse caso, que ameaça tragar boa parte da cúpula do PMDB.

Avalanche - BERNARDO MELLO FRANCO

Folha de SP - 29/03

Uma avalanche. Esta é a imagem escolhida por um petista histórico, muito próximo ao ex-presidente Lula, para descrever o que se passa em Brasília. Ele olha para o Congresso e enxerga o desmoronamento da massa partidária que sustenta o governo Dilma Rousseff.

O maior bloco de gelo vai despencar hoje. É o PMDB do vice-presidente Michel Temer, que articulou pessoalmente o rompimento da sigla com o Planalto. O próximo a se descolar deve ser o PP, que controla a terceira maior bancada da Câmara.

A queda de um partido ajudará a impulsionar outros ladeira abaixo. Assim se formará a avalanche que, na previsão do amigo de Lula, deve soterrar Dilma e o que resta de seu governo até o fim de abril.

Quem contempla a montanha com atenção consegue reconhecer a silhueta de Temer no topo, ajudando a empurrar as pedras. Ontem ele deixou mais uma digital no deslizamento. Dos sete ministros peemedebistas, o primeiro a pedir demissão foi Henrique Eduardo Alves, justamente o mais próximo do vice.

A saída reforçará a pressão sobre os peemedebistas que ainda tentam se agarrar a seus cargos. Eles estão ouvindo o mesmo recado: quem não ajudar a derrubar a montanha será varrido junto com o entulho.

A debandada do PMDB pôs fim às últimas chances de conciliação entre a presidente e o vice. Ontem os líderes do governo na Câmara e no Senado abandonaram a diplomacia e passaram a atacá-lo diretamente.

O deputado José Guimarães acusou Temer de estar "no comando" da "operação do golpe", como ele descreve o movimento para derrubar Dilma. O senador Humberto Costa disse que um eventual governo do vice não duraria muito.

"Não pense que os que hoje saem organizados para pedir Fora Dilma vão às ruas para dizer Fica Temer", afirmou o petista, usando a tribuna para se dirigir ao peemedebista. "Seguramente, Vossa Excelência será o próximo a cair", completou.

Oportunidades que as crises criam - ODEMIRO FONSECA

O GLOBO - 29/03

Tentar salvar as estatais com mais leis irá amordaçá-las mais. Os contrapesos que existem na empresa privada (de falir, entre outros) não existem na estatal


Fernando Henrique Cardoso escreveu que precisamos mudar as regras do jogo para superarmos a crise econômica e política. Concordam economistas nacionais e estrangeiros, antigos auxiliares de governos e o professor italiano Luigi Zingales, que nos visitou recentemente e que já viu esse filme na Itália.

Para o Prêmio Nobel Douglass North, as regras do jogo numa sociedade são as instituições políticas e econômicas. Precisamos mudar as nossas, mas não é fácil. Mudanças numa democracia se fazem na arena política, onde existem dois grupos de opositores. O primeiro é formado pelas nossas piores lideranças políticas, em simbiose com os que se beneficiam da vizinhança com o Estado. Esse filme está passando agora no Brasil e é de terror. O segundo grupo é formado pelas nossas melhores lideranças políticas, que acreditam sinceramente em ações que destroem as regras que Douglass North identifica como essenciais à prosperidade. Esse filme passou no governo FHC.

O Estado regulador, braço perigoso do Executivo, cresceu com FHC. Regulamentação aumenta os custos transacionais, torna os mercados mais imperfeitos e atrai mais intervenção, o que gera menos competição, eficiência e progresso. Houve captura de reguladores, cresceu o capitalismo de compadres e a carga fiscal.

Mas foi sobre o Estado empresário que FHC perdeu a maior oportunidade. Enquanto o Estado empresário desaparecia na Austrália, Nova Zelândia, em países do ex-império soviético, na Europa e Ásia, no Brasil pouco aconteceu. Faltou convicção, confessa hoje FHC, que era contra a desestatização. A Alemanha colocou as estatais sob uma holding, anunciou no “The Economist” e vendeu todas em dois anos. Nós ficamos brincando de comissão.

Tentar salvar as estatais com mais leis irá amordaçá-las mais. Os contrapesos que existem na empresa privada (de falir, entre outros) não existem na empresa estatal. Os defensores das estatais oferecem sempre a mesma gororoba: entreguismo de riqueza nacional; relevantes serviços públicos; função social. Como se irrelevantes fossem as empresas privadas e sua função, mineral. Nunca falam sobre atender ao consumidor, dar lucro. E a ideia de isolar estatais da política é risível.

Zingales alerta que Justiça e polícia não são suficientes para enfrentarmos corrupção no atacado. E nos recomenda que a corrupção nos costumes também precisa ser enfrentada. Outra vez, só lei não adianta. Roberto DaMatta ensina que é nossa a “ideologia do legalismo mágico (a lei resolve o costume)”. E existe simbiose parasita entre excesso de leis e regulamentos e a corrupção no varejo.


A boa notícia é que a desestatização elimina na raiz a corrupção no atacado e no varejo. Exemplo é a corrupção nos Detrans, imbricada com maus costumes no tráfego. Mas existe alinhamento de interesses entre proprietários de veículos, revendedoras, seguradoras. Em tecnologia digital, nosso atraso é brutal. Impostos e multas podem ser recolhidos por entes privados, como na Califórnia. Divergências podem ser resolvidas por juízo arbitral. Assim como a Petrobras, Detrans estatais não precisam existir.

FHC afirma que crises criam oportunidades. Ele poderia, então, guiar uma frente política para aproveitar a atual oportunidade. O Brasil está apenas bêbado. Os investidores nacionais e estrangeiros gostam do Brasil e estão à espera. Críveis reformas do Estado empresário, do Estado regulador e uma reforma fiscal coerente farão o Brasil desabrochar.

Odemiro Fonseca é empresário

Ciclo de fuga - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 29/03

Há um momento no presidencialismo de coalizão, de acordo com o conceito desenvolvido pela ciência política para explicar o sistema brasileiro, em que os políticos da base fogem do poder central. Este é o momento que estamos vivendo. O PMDB decide hoje se fica ou não na coalizão, ontem entregou um ministério, e outros grupos já estão se afastando da Presidência.

Isso ocorre quando a estrela maior perde força e surgem novos polos de atração. A impopularidade é o horror do político porque é contagiosa e pode acabar com suas chances de ter mandato. Em pleno ano eleitoral, a forte rejeição ao PT e à presidente Dilma estão alimentando o chamado ciclo centrífugo. Reverter uma dinâmica como essa é muito difícil.

A reação do governo de ir para "o varejo total, balcão de feira", como informou o GLOBO, adianta pouco num contexto como este e no estágio avançado em que está esse processo. O poder atrai, a perda do poder afugenta. Na hora da fuga, adianta pouco distribuir nacos da administração, em cenas de fisiologismo explícito, se o poder é visto como poente.

No final do governo Sarney, com o país em hiperinflação após o fracasso do Plano Verão, o terceiro daquela administração, o pais viu um processo de abandono total da Presidência. Na fragmentada eleição de 1989, nenhum candidato defendia o governo ou se dizia governista, nem mesmo o deputado Ulysses Guimarães.

Durante o julgamento de Collor, o centrão, que o havia sustentado, se desfez, e a Presidência não atraia mais nem aliados da primeira hora como Renan Calheiros. A vantagem foi que o então vice- presidente Itamar Franco havia brigado com Collor antes da posse e se mantido totalmente distante do governo. Itamar parecia ser um vice à deriva durante o período em que a presidência de Collor atraía apoios, o ciclo centrípeto. No ciclo de fuga, ele virou alternativa.

Há duas diferenças na crise atual. O PRN não era um partido, mas um arranjo oportunista de ocasião, e o PT é um partido. Itamar não participava dos atos de governo nem estava envolvido na mesma investigação, e Michel Temer tem sido atingido por suspeitas na Lava- Jato. Nada se repete da mesma forma, mas a dinâmica que leva o governo a temer a debandada é a mesma de outros momentos na história. O poder se alimenta da perspectiva de poder, por isso uma Presidência enfraquecida e que seja vista como sem futuro perderá apoios rapidamente. Por isso também faz sentido os movimentos da presidente Dilma de negar a renúncia para manter seu núcleo na sua órbita. A mesma lógica levou o ex- presidente Lula a se colocar como candidato porque assim ele cria para si mesmo uma perspectiva futura de poder e tenta conter o abandono atual.

No ciclo centrífugo vão se tornando cotidianos pequenos e grandes sinais de desprestígio, da recusa de cargos ao não comparecimento a reuniões. O político começa a evitar ser visto como condômino do poder porque isso afeta suas possibilidades de sobrevivência.

Boas notícias econômicas podem reverter o processo em seu estágio inicial. O segundo mandato do governo FHC começou com crise cambial e valorização do dólar. A mudança foi vista como quebra de promessa de manutenção do Plano Real que Fernando Henrique havia feito na campanha. A popularidade despencou, o PT lançou o "Fora FHC". Em 1999, no entanto, a inflação foi controlada, os piores temores, afastados, e a economia não teve a recessão que se temia. O PIB cresceu forte no ano 2000, e o governo se reorganizou.

Agora, não há possibilidade de boas notícias econômicas. Há um processo de desinflação que reduz a taxa em 12 meses, mas à custa da recessão e com índice ainda alto. O ajuste externo produz números bons, mas isso não é perceptível pelas pessoas. A recessão é profunda. Na economia não há boias de salvação. Na política, pode ser tarde demais para deter o ciclo de fuga.


Por que tanto ódio? - RODRIGO CONSTANTINO

O GLOBO - 29/03

Esquerda em geral e o PT em particular têm segregado o Brasil há anos, colocando mulheres contra homens, negros contra brancos, gays contra heterossexuais



O PT e a “gangue do pixuleco” estão dispostos a “fazer o diabo” para não largar o osso, para manter suas benesses estatais. É atitude de perdedor deselegante, de quadrilha, de máfia. Mas, em meio a essa iminente e inevitável debacle, há um fenômeno interessante: caíram as máscaras de “paz e amor” dessa gente. O que se vê é a feiura da carranca em sua essência, sem a maquiagem de marqueteiros corruptos.

Sério, gostaria de perguntar a esses que ainda defendem o PT o motivo para tanto ódio. Por que odeiam tanto a democracia, por exemplo, a vontade popular expressa nos milhões de patriotas que foram às ruas de forma espontânea demandar o fim desse desgoverno incompetente e corrupto?

Por que odeiam tanto a classe média trabalhadora, que sustenta este país? Por que a baba de ódio ao acusarem de “fascistas” todos os que discordam do socialismo, sendo que está claro quem realmente adota postura fascista nessa história? Por que um Guilherme Boulos da vida, do MTST, fala em “incendiar o país” com tanto ódio irresponsável? Por que o presidente da CUT, Vagner Freitas, incita tanto a violência e faz ameaças absurdas?

Por que o público intolerante reagiu de forma tão raivosa quando um ator simplesmente falou em prender um ex-presidente ladrão no musical de Chico Buarque? E por que o sambista resolveu impedir o uso de suas músicas no espetáculo depois, demonstrando intolerância com quem pensa diferente politicamente? Por que, aliás, Chico elogia até hoje a mais cruel ditadura do continente?

A esquerda em geral e o PT em particular têm segregado o Brasil há anos, colocando mulheres contra homens, negros contra brancos, gays contra heterossexuais, empregado contra patrão. Por que tanto ódio disfarçado de defesa das “minorias”? Por que os socialistas, sempre tão invejosos, odeiam aquele que foi bem-sucedido no mercado, acumulando patrimônio por mérito próprio em vez de esquemas corruptos com o governo?

Sabemos que o problema da esquerda não é com o rico em si. Lula é milionário, como Chico Buarque e tantos outros. Mas por que odeia tanto o empresário que ficou rico criando empregos e riqueza, oferecendo produtos demandados de forma mais eficiente? Por que vocês odeiam tanto o indivíduo independente que se sustenta pelo próprio esforço, sem depender de esmolas estatais?

A retórica de vítima da esquerda serve para ocultar esse ódio todo que sente dos que não precisam desse amuleto falso para subir na vida. Ao se colocarem do lado “oprimido” contra os “opressores”, esses “progressistas” simulam um “amor à Humanidade” que mascara esse profundo ódio ao próximo, de carne e osso. O discurso verdadeiro da esquerda não é de amor, mas de ódio. Basta observar.

Os “professores” marxistas odeiam os trabalhadores de verdade, que querem apenas melhorar sua qualidade de vida, e não fazer a “revolução”. O “intelectual” ama o “povo” enquanto abstração, mas não suporta o povo real que ocupa as ruas pedindo o impeachment de uma presidente claramente incapaz, autoritária e conivente com o crime. Por que tanto ódio, gente?

Os esquerdistas falam o tempo todo em “diversidade” e “pluralidade”, mas tentam calar de forma agressiva, intimidando todo aquele que ousa pensar diferente, defender uma visão conservadora legítima de mundo. O uso do termo “coxinha” já demonstra esse ódio, essa raiva ao Outro, ao diferente. O sonho de todo esquerdista é um mundo de pessoas exatamente iguais, como insetos gregários, e todos feitos, claro, à sua própria imagem e semelhança. As diferenças lhe são insuportáveis, talvez porque lhe falte amor próprio.

Mas por que não tratar desse recalque todo, desse ressentimento, de uma forma mais pessoal e construtiva, mais corajosa? Por que se deixar levar pelas piores emoções, as mais mesquinhas? Está claro que o esquerdismo pode ser uma doença mental, que aprisiona a pessoa numa camisa de força ideológica, causando forte dissonância cognitiva no contato com suas contradições e hipocrisias. Só que não é destruindo o mundo à sua volta que se resolve tal angústia. Essa é a postura dos terroristas islâmicos!

O governo petista produziu apenas corrupção, alta inflação e desemprego, tendo enriquecido os empreiteiros no processo. Por que tanto ódio dos mais pobres, que sofrem na pele com tanta incompetência e safadeza? Por que esse ódio da mudança necessária para evitar um destino trágico como o venezuelano? Por que a esquerda é tão reacionária, apegando-se a esse antigo regime fracassado, que pune os mais pobres para favorecer os políticos e empresários corruptos?

Rodrigo Constantino é economista e presidente do Instituto Liberal

Sem choro nem vela - JOSEF BARAT

O ESTADO DE S. PAULO - 29/03

Não é preciso chorar nem acender vela para este governo agonizante. Basta uma fita verde e amarela - sem o nome dela. Apesar da ruína, o Brasil está vivo e com esperança num futuro melhor. Está consciente de quanto custou a incompetência de um governo dedicado obstinadamente a errar. A impressionante mobilização popular mostrou que a absoluta maioria dos que trabalham (ou perderam seu emprego) e pagam pesados impostos não quer mais ser refém dos que se julgam eternos donos do poder.

Diante deste ambiente angustiante de recessão, desemprego, inflação, descontrole total das contas públicas e descrédito internacional, o que se tem como resposta? O governo nos oferece arrogância, perda do senso do ridículo, falta de respeito e insistência em repetir os erros. Emendas são alardeadas - cada vez mais mambembes que os sonetos - num jogo de prestidigitação que envergonha mágicos profissionais. E que razões levam às ruas multidões? Elas se sentem atingidas pela afronta, desfaçatez e deboche. E por que um ex-presidente que deixou um legado importante se presta a protagonizar um papel ridículo e degradante?

E importante entender como foi meticulosamente gerado o caos econômico. O primeiro governo Lula tirou partido de uma conjunção favorável: preservação do poder de compra pelo controle da inflação, expansão e diversificação do consumo com suporte da expansão do crédito e o câmbio favorável às importações. Além disso, baratearam-se os bens industriais de consumo, em razão das cadeias produtivas globalizadas. Um legado inegável foi o maior alcance dos programas de redistribuição de renda e inclusão social. O cenário internacional favoreceu o grande impulso nas exportações, apoiado num prolongado ciclo de valorização das commodities. Houve, ainda, continuidade na atração do capital privado para investimentos, inclusive em infraestrutura. Por fim, preservaram-se a credibilidade e a atratividade do País, que obteve o grau de investimento.

Mas, no segundo governo Lula, já se viam sinais de esgotamento do ciclo baseado na expansão do consumo e baixa capacidade de investimento. Buscou-se como alternativa para dinamizar o crescimento um novo nacional-desenvolvimentismo, uma visão ideológica reciclada que apostou na economia cada vez mais apoiada no voluntarismo do Estado intervencionista. Foram resgatados antigos conceitos da liderança estatal nos investimentos, expansão do crédito e concessão de benefícios fiscais a setores "estratégicos". A política econômica foi dispersiva e sem coordenação de objetivos.

O primeiro governo Dilma herdou as dificuldades geradas pelo esgotamento do ciclo de expansão do consumo e, atingido pela crise de 2009, optou por aprofundar mais as ações intervencionistas. Alterou a direção da política econômica, com a chamada nova matriz econômica. A média da inflação nos primeiros quatro anos foi de 6%, batendo no teto da meta estabelecida. O represamento das tarifas dos combustíveis e da energia elétrica impediu que a inflação ultrapassasse o teto. Excetuando o crescimento de 2010 (7,5%), o desempenho do PIB foi medíocre no período. A taxa de investimento, com média de 18%, continuou a ser o grande fator restritivo para um crescimento mais forte e continuado.

A nova matriz cedeu mais espaço para os ideológicos, afrouxando os controles sobre os gastos públicos e os objetivos de superávit primário. Pôs em risco o controle da inflação - sempre batendo no teto da meta. Aprofundaram-se, ainda, as medidas pontuais de isenções fiscais e favorecimentos de crédito pelos bancos oficiais. O segundo mandato, mal iniciado, já revelava uma economia com gastos públicos sempre crescentes, inflação fora de controle, desemprego em dois dígitos, queda forte e continuada do PIB e aumento da dívida pública.

Não foi surpresa, portanto, o País quebrar e mergulhar na mais prolongada e grave recessão de sua história. Não tendo mais a quem culpar, os donos do poder perderam a compostura e partiram para o achincalhe.

Lula sem privilégios - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 29/03

Embora a manifestação do procurador- geral da República, Rodrigo Janot, sobre a nomeação de Lula para a Casa Civil não deva ter repercussão prática, já que existe uma liminar impedindo a posse até que o plenário do STF se pronuncie, seus argumentos no documento de ontem revelam o que deverá ser sua posição em outro processo, este criminal, que poderá gerar um inquérito contra a presidente da República por obstrução da Justiça.

A sugestão de Janot de que Lula, mesmo nomeado ministro, não tenha foro privilegiado em relação aos crimes acontecidos antes de sua nomeação, retira dela a proteção política que se buscava, e deixa Lula descoberto diante daqueles com quem deverá negociar apoios à presidente Dilma.

Com a presidente ameaçada por um inquérito sobre obstrução da Justiça, e Lula igualmente ameaçado de voltar à esfera do juiz Moro, o governo perde mais substância política e reforça a ideia de que o PMDB e outras siglas no entorno do governo como o PP e o PSD deixem a coalizão governamental e comecem a preparar o governo de Michel Temer pós-impeachment.

O ministro Teori Zavascki, relator da Lava- Jato no Supremo, deve dar uma liminar mantendo a suspensão da nomeação de Lula já determinada por outra liminar do ministro Gilmar Mendes, mas os pontos levantados pelo procurador- geral são fundamentais para se entender as consequências políticas das decisões do Supremo sobre o ex- presidente Lula.

Janot afirmou em seu parecer que a nomeação de Lula para a Casa Civil pela presidente Dilma Rousseff teve o objetivo de influenciar as investigações sobre o ex-presidente na primeira instância da Justiça Federal, mais especificamente na 13ª Vara Federal em Curitiba, onde o juiz Sérgio Moro conduz os processos da Operação Lava- Jato. No documento encaminhado nesta segunda-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF), Janot classificou de "inegavelmente inusual" e "circunstância anormal" a decisão de Dilma de apressar a posse de Lula no ministério.

Ele atribui ao ato um "desvio de finalidade", o que por si só não significa que a presidente tentou obstruir a Justiça. Mas ao afirmar as duas coisas, isto é, que com o desvio de finalidade ela tentou "influenciar as investigações", ele está encaminhando a conclusão para o campo criminal, e não apenas meramente administrativo.

Se, como se espera, Janot mantiver esse encadeamento de raciocínio quando responder à questão criminal relativa às gravações entre Lula e Dilma, ele estará sugerindo ao ministro Teori Zavascki que abra um inquérito para apurar a atuação da presidente da República no caso.

De acordo com ele, o dano à persecução penal pode ocorrer de diversas maneiras: necessidade de interromper investigações em curso, tempo para remessa das peças de informação e para análise delas por parte dos novos sujeitos processuais no STF e ritos mais demorados de investigações e ações relativas a pessoas com foro por prerrogativa de função, decorrentes da legislação penal (particularmente da Lei 8.038, de 28 de maio de 1990), da jurisprudência e da dinâmica própria dos tribunais.

Janot acrescenta que a prerrogativa do chamado foro por prerrogativa de função não é absoluta. "Caso se apure ter sido a nomeação praticada com abuso de direito ou tentativa de fraude processual, pode autorizar- se deslocamento da competência para outro juízo", diz. A discussão sobre o foro privilegiado não deverá ser enfrentada agora pelo ministro Teori Zavascki, mas sim quando o assunto for analisado pelo plenário do Supremo, a partir do dia 2 de abril, quando o ministro Gilmar Mendes, relator dos mandados de segurança que sustaram a posse de Lula no Gabinete Civil, retorna de Lisboa.

A partir de hoje, quem ainda nutria a esperança de que o governo tinha força junto à Procuradoria-Geral da República para proteção de seus apoiadores já deve estar convencido de que não existe a possibilidade de parar as investigações da Operação Lava- Jato. A começar por Lula.


Atração irresistível - EDITORIAL FOLHA DE SP

Folha de SP - 29/03

Na política, poucas forças são tão decisivas quanto a atração exercida pela perspectiva de poder –e poucos partidos terão se revelado tão sensíveis a ela quanto o PMDB.

Governista por excelência, a legenda deve sacramentar nesta terça (29) a decisão de romper seu contrato com o PT e abandonar os cargos que ocupa na esfera federal. A hipótese não é inédita; em muitas outras ocasiões o PMDB aventou essa possibilidade, mas se tratava apenas de estratégia para abocanhar nacos maiores do Orçamento.

Desta vez, como se sabe, há em jogo muito mais que uma reles ameaça. Ninguém imagina que, após tanto alarde nos últimos dias, a sigla do vice-presidente Michel Temer venha a tomar uma atitude que não seja o desembarque.

Pior para a presidente Dilma Rousseff (PT), deve configurar-se uma talvez inédita unanimidade numa agremiação historicamente conhecida pelas divisões internas. A perspectiva de poder não deixou incólumes aqueles que mantinham laços com o Palácio do Planalto.

Que esse seja o cenário, e que o próprio governo Dilma trabalhe com ele, dá uma ideia precisa de quanto o PMDB considera provável o impeachment da presidente. O partido jamais arriscaria todas as suas fichas se não se julgasse franco favorito na aposta.

Também pudera. Articulado por Temer –ironicamente, o único peemedebista que não entregará seu cargo–, o rompimento por aclamação produzirá consequências em diversas outras agremiações.

Está à vista de todos o que aliados de Dilma têm chamado de "efeito manada".

Legendas como PP, PR e PSD dificilmente resistirão à atração que o PMDB passará a exercer. Juntas, elas somam 121 deputados federais, número suficiente para fazer a diferença na votação do impeachment.

Contam-se hoje 152 deputados favoráveis ao afastamento da presidente. Acrescidos de 69 peemedebistas e de 121 daquela trinca partidária, montam a 342, exatamente o mínimo necessário para aprovar o processo na Câmara e enviá-lo para apreciação do Senado. Isso, bem entendido, se todos dessas siglas atuarem em uníssono.

A fim de barrar tal unidade, o Planalto usará contra o PMDB os cargos que este deixará vagos. Seriam quase 500 postos à disposição para futuras negociações com o governo petista –caso este sobreviva ao impeachment, naturalmente.

Em 1992, o presidente Fernando Collor, então no PRN, adotou a mesma estratégia dias antes de o plenário da Câmara tomar sua decisão. A história é conhecida.

Pouco importa quem segura a caneta hoje; para a maioria dos deputados, interessa apenas quem poderá assinar decretos amanhã. O PMDB tem certeza de que ela não estará nas mãos de Dilma Rousseff.


Dilma repete os erros de Fernando Collor - RAYMUNDO COSTA

VALOR ECONÔMICO - 29/03

Faltava pouco para o início da votação do impeachment de Collor quando um jatinho alugado pela tropa de choque do presidente taxiou numa das pistas do aeroporto internacional de Brasília. Nele embarcaram dois deputados federais do Paraná. Aquela não era a primeira leva de parlamentares que escapavam de Brasília para não votar a destituição de Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente da República eleito pelo voto direto, após 25 anos.

Dias antes, um dos coordenadores da tropa de choque montada por Collor para enfrentar o impeachment havia decretado, durante uma reunião: "Ausência vale tanto quanto o voto". A mesma sentença, agora, enche de esperanças a presidente Dilma Rousseff e seu cada dia mais reduzido círculo de aliados. Dilma não precisa necessariamente cravar 172 votos no painel da Câmara dos Deputados para impedir o impeachment. Seus adversários é que precisam cravar 342 votos.

Por isso a ausência vale tanto quanto o voto para quem se opõe ao impeachment. Grosso modo, se apenas os 58 deputados do PT e os 13 do PCdoB votarem em Dilma, mas a oposição não conseguir os 342 votos, o impeachment será recusado. Parece a solução dos problemas para um governo que precisaria juntar 172 deputados com coragem para ir ao microfone e dizer "não" ao impeachment, em pleno ano eleitoral, quando Dilma e o PT estão em baixa. Na prática, trocar voto por ausência indica governo em fase terminal.

O governo Collor alugou aviões para retirar deputados aliados de Brasília, porque eles não queriam assumir publicamente o voto contrário ao impeachment. Naquele 29 de setembro de 1992, cerca de 500 mil pessoas foram às ruas em 17 cidades brasileiras - este ano, só a Avenida Paulista reuniu este número de manifestantes, segundo o cálculo do Datafolha, em geral bem abaixo daqueles anunciados pela organização dos protestos e pela Polícia Militar.

Se serve de exemplo para a tropa de choque da presidente Dilma, a experiência do impeachment de Collor comprova que de fato ausência vale tanto quanto voto, mas também mostra que quem falta é justamente quem poderia dizer "não" ao afastamento da presidente. Não será surpresa, portanto, para os coordenadores do impeachment, se o maior número de ausentes for justamente daqueles partidos mais próximos da presidente da República. Alguns do PT e do PCdoB, principalmente se forem reeditadas as manifestações do domingo 13 de março. Dos 28 votos do PRN, o partido do presidente Collor, 18 votaram a favor do impeachment.

A autorização da Câmara para o Senado processar o presidente Collor foi aprovada com os votos de 441 deputados (eram necessários apenas 336, pois à época a Casa tinha 503 integrantes, contra os 513 atuais). Houve apenas uma abstenção e 38 deputados preferiram enfrentar a opinião pública favorável ao impeachment e votar "não". Ou seja, 15 a mais que os 23 que se ausentaram por qualquer motivo, seja pressão do governo ou outro motivo qualquer, como doença. O deputado Roberto Campos (1917-2001) foi votar "sim" em cadeira de rodas.

Um outro tipo de ausente pode ser registrado também no impeachment de Collor: aquele que aparece para votar só na segunda chamada, geralmente quando o placar já está definido. Em 1992, um desses exemplares foi o atual presidente do Tribunal de Contas da União, Aroldo Cedraz. Era deputado de primeiro mandato, eleito pelo PRN (partido de Collor) graças a sua proximidade com o homem-forte da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, que até o fim brigou contra o impeachment do presidente.

Para não desagradar o cacique, que costumava ser implacável com os aliados infiéis, Cedraz não respondeu à primeira chamada. A votação era nominal. Na repescagem, quando Collor já estava no corredor da morte do impeachment que separa o salão verde (Câmara) do salão azul (Senado), Cedraz correu ao microfone, quando seu nome foi chamado, e gritou pausadamente, a pleno pulmões - "Sim, pelo povo de Valente".

Em retrospectiva, Dilma repete muitos dos erros que foram cometidos pelo ex-presidente Collor e sua tropa de choque. Outro deles é abrir o cofre, na expectativa de ter alguma correspondência no fisiologismo. Na semana passada, o governo alocou mais R$ 9 bilhões para gastar em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), na tentativa de fisgar votos nas bancadas. No governo Collor, o Ministério da Ação Social, nos três meses que antecederam a votação do impeachment, liberou US$ 60 milhões - nos cinco meses anteriores, mal havia autorizado US$ 1,07 milhão. Não deu certo.

Há outros paralelos entre a história do impeachment de Collor e o processo em curso contra a presidente Dilma Rousseff. Coordenador político e um dos principais chefe da tropa de choque do presidente, o deputado pernambucano Ricardo Fiuza (1939-2005) sugeriu ao presidente renunciar ao mandato. Arrogante, Collor respondeu que iria ficar (enquanto era julgado no Supremo) e "apostar nas besteiras do Itamar [Franco]", o vice que assumiu em seu lugar. Dilma já ouviu a proposta de renúncia de mais de uma pessoa.

Fiuza comandava sobretudo a tropa de choque congressual. Antes da votação, ele chegou a reunir 300 deputados na casa do amazonense Ezio Ferreira. O presidente do Banco do Brasil, Lafaiete Coutinho, cuidava do resto. De todo o resto. Fora ele o responsável pelo aluguel do jatinho que naquela tarde de setembro decolou rumo a Curitiba levando dois deputados com base na tese de que ausência vale tanto quanto o voto. O avião já estava no ar quando a votação nominal foi aberta no plenário da Câmara, exatamente às 17h45.

Mas no Congresso nem tudo é o que parece. O jatinho já estabilizara quando o deputado Onaireves (Severiano, ao contrário) pediu para o piloto dar meia volta. Havia esquecido a mala no aeroporto. O piloto obedeceu. No hangar, Onaireves telefonou para o deputado Benito Gama, hoje no PTB, que presidira a CPI do PC Farias, cuja investigação resultou no processo contra Collor. Informado do que acontecia, Onaireves correu para a Câmara onde chegou ainda a tempo de votar pelo impeachment do presidente. Desolado, Lafaiete se deu conta de seu erro: não avisara o piloto que aquela viagem só deveria acabar em Curitiba.

Pior que a recessão - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 29/03

O estrago imposto à economia brasileira pela gestão petista vai muito além da maior recessão dos últimos 25 anos, da devastação da Petrobrás, do enorme desarranjo das contas públicas e da inflação ainda elevada. Em algum momento – ninguém sabe quando – o fundo do poço será atingido e os negócios voltarão a movimentar-se. Haverá algum aumento da atividade pela mera ocupação da capacidade ociosa. Trabalhadores deverão acionar máquinas e equipamentos hoje desligados. Aos poucos, vagas serão abertas. Mas qual será o ritmo de expansão, quando a ociosidade estiver eliminada, ou quase? Será muito baixo, porque o País perdeu produtividade e potencial de crescimento. Neste ano, como informou oEstado, o governo federal só terá dinheiro para manutenção de rodovias até agosto. O problema é bem mais amplo, mas esse dado já é um bom indicador dos obstáculos.

O Brasil depende em excesso do transporte rodoviário de cargas e isso é uma desvantagem quando se consideram os padrões internacionais. Além de muito caro, esse transporte já funciona mal, por deficiências da malha de estradas. Mas o quadro deve piorar, porque nem os serviços de reparos estão garantidos.

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) foi autorizado a gastar R$ 6,5 bilhões neste ano, mas destinou R$ 2,7 bilhões à liquidação de contas em atraso. O resto, R$ 3,8 bilhões, daria para manutenção, mas o governo terá de aplicar R$ 1,5 bilhão em obras indicadas por emendas de parlamentares.

Somam-se aí vários problemas. A acumulação de atrasos de pagamentos é um forte indício de má gestão. Em segundo lugar, o processo orçamentário é ineficiente, com baixa coordenação de prioridades. Em terceiro, pode-se perguntar se os problemas de financiamento seriam tão grandes, se o governo tivesse cuidado com mais interesse e maior competência das concessões de rodovias e de outras modalidades de transporte.

O governo já havia paralisado outras obras de pavimentação e de duplicação de estradas. Esses investimentos seriam necessários para ampliar a capacidade do sistema. Como faltam recursos até para a manutenção da rede, a consequência só pode ser uma redução da capacidade de transporte rodoviário. Isso representa aumento de custos e perda de eficiência e de poder de competição internacional.

Mas a redução do potencial de crescimento resulta de um conjunto mais amplo de problemas. Economistas costumam apontar as dificuldades do cálculo do produto potencial, mas, ainda assim, o conceito é importante. A noção de produto potencial indica até onde pode avançar a atividade sem maiores desajustes inflacionários e sem desequilíbrio das contas externas.

Há anos o Fundo Monetário Internacional (FMI) vem alertando para a perda de potencial de crescimento da economia brasileira. Há uns três anos seus economistas estimavam uma capacidade de expansão de até 2,5%. As avaliações pioraram a partir daí, mas o governo brasileiro nunca deu indício de levar a sério as advertências. Novos cálculos apontam mais enfraquecimento. Segundo economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) citado pelo Globo, o potencial brasileiro chegou a 1,59% em 2014 e a 0,90% no ano passado.

Especialistas poderão discutir essas outras estimativas, mas será difícil de menosprezar alguns dados. O investimento em máquinas, equipamentos e construções vem caindo há anos e é muito inferior aos padrões observados em economias da Ásia e da América Latina. Além disso, parte do capital aplicado nesses investimentos tem sido desperdiçada pelo uso ineficiente e também pela corrupção (vejam-se os escândalos apontados pela Operação Lava Jato). Como complemento é preciso levar em conta a baixa produtividade da mão de obra, atribuível em parte às más políticas educacionais, e o escasso investimento em tecnologia de produtos e de processos. Esses dados compõem parte importante do balanço da gestão petista.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

QUEM AGORA ATACA MORO ANTES INSULTAVA BARBOSA

Os que hoje atacam o juiz Sérgio Moro e o ministro Gilmar Mendes, por decisões contrárias aos interesses do governo e do PT, na gatunagem investigada pela Lava Jato, foram os mesmos que há quase dois anos, em junho de 2014, divulgaram manifesto denunciando “arbitrariedades” do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, por manter na Papuda os ladrões transitados em julgado do mensalão.

EM DEFESA DE LADRÕES
O manifesto era contra o regime fechado do chefe da quadrilha, José Dirceu, e de José Genoino e Delúbio Soares, cúmplices no esquema.

MILITÂNCIA CEGA
O documento exigindo que o STF pegasse leve com aqueles corruptos era firmado por “juristas”, “intelectuais”, artistas e porraloucas do MST.

COITADINHOS
Os defensores da ladroagem no PT acusaram Joaquim Barbosa de levar “caos ao sistema prisional” e “angústia e desespero” aos ladrões.

MESMA LADAINHA
Como hoje fazem, tentando intimidar a Justiça e blindar o “inimputável” Lula, em 2014 citaram “afronta ao Estado de Direito”, Corte de Haia etc.

DILMA ESFREGA CARGOS E PMDB REAFIRMA RUPTURA
Sempre inábil nas relações políticas, a presidente Dilma mandou listar os cargos ocupados pelo PMDB em seu governo, e tentou esfregá-los no rosto de ministros indicados pelo partido. Mas coube ao ministro Eduardo Braga (Minas e Energia), que tentava fazer a ponte com o vice Michel Temer, informar a ela que, além de perder o apoio do PMDB, os cargos do partido na Esplanada estarão vagos em duas semanas.

BALCÃO
O Planalto levantou que o PMDB ocupa cerca de 600 cargos. Agora, chama parlamentares influentes, um a um, para negociar as cadeiras.

DESCULPE QUALQUER COISA
Os ministros afirmaram a Dilma que são contrários ao impeachment, mas devem lealdade ao partido e ao vice-presidente Michel Temer.

SEM TETO
Kátia Abreu (Agricultura), que não queria deixar o cargo, sondou filiação no PSD, novamente. Recebeu um “não” como resposta.

A CASA CAIU MESMO
Se Henrique Alves largou o osso, a casa de Dilma realmente caiu. Ele até pediu ao PMDB para ficar mais 2 meses agarrado ao Ministério do Turismo. E se credencia a ser ministro em eventual governo Temer.

PROTESTO REMUNERADO
Funcionários da Câmara e do Senado foram usados, no horário de trabalho, para tentar impedir no braço que a OAB protocolasse mais um pedido de impeachment da presidente Dilma. Caso de Tânia Maria de Oliveira, que embolsa R$12 mil mensais na liderança do PT.

PSD NO MURO
O Planalto está inconformado com a liberação da bancada do PSD na Câmara para votar como quiser em relação ao impeachment. O governo ameaça tomar de Gilberto Kassab o Ministério das Cidades.

MEDO DE ASSOMBRAÇÃO
A reunião secreta com um comandante militar parece assustar tanto o pretendido interlocutor, senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), quanto seus assessores. Informado e confirmado em off por assessores dele, o encontro foi nervosamente negado por uma assessora.

PELO CANO
Mauro Lopes (Aviação Civil) fez péssimo negócio ao desafiar a convenção do PMDB: ficará sem partido, porque deverá ser expulso, e perderá o cargo, porque já não representará ninguém no governo.

DESCULPA ESFARRAPADA
O ministro abestado da Saúde, Marcelo Castro, fará voo sem escala, de volta ao baixo clero. Ao ser cobrado pelo PMDB sobre a demissão do seu subordinado presidente da Funasa, disse que soube do caso pelos jornais, revelando assim o tamanho do seu prestígio no governo.

NOTÍCIAS DO BALCÃO
O governo tenta reconquistar o PRB através do senador Marcelo Crivella (RJ), que se empenhou das campanhas de Dilma. Prometem a ele até um ministério importante para o PRB voltar a ser aliado.

SÍNDROME DE ESCORPIÃO
“O PT confirma a síndrome de escorpião (o inseto traiçoeiro)”, afirma o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), sobre a tentativa do PT de desqualificar o vice-presidente Michel Temer.

PERGUNTA NA LAVA JATO
O ex-ministro do Turismo Henrique Alves queria continuar no cargo para não largar a boquinha ou com medo de perder o foro privilegiado?