quinta-feira, março 10, 2016

Um momento especial na luta contra a impunidade – EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 10/03

É difícil o combate à corrupção, mas ocorrem avanços, como a decisão do STF de que pena mantida em segunda instância pode começar a ser cumprida

Quando o então poderoso Delúbio Soares, tesoureiro do PT, apostou que o mensalão viraria uma “piada de salão”, foi difícil discordar dele. Não era mesmo norma, numa República que preservava da monarquia castas de fidalgos, punir abastados e gente com poder político. Mas já transcorria um fortalecimento das instituições, e assim Delúbio, além de companheiros de mensalão até mais graduados, como José Dirceu, terminaram na cadeia, condenados no Supremo.

Percebe- se hoje que uma renovação de quadros no Estado, protegidos do aparelhamento empreendido pelo PT, e a mobilização social têm levado a decisivos aperfeiçoamentos legais e jurídicos. Dessa forma, surgiu a Ficha Limpa, em 2010, apelido da lei complementar derivada de um projeto de origem popular, sustentado por aproximadamente 1,6 milhão de assinaturas. Por ela ficou instituído que político condenado em segunda instância fica inelegível.

Neste momento, uma quantidade semelhante de assinaturas sustenta um projeto de dez pontos para melhorar a eficácia da Justiça no combate à corrupção. Ele veio do grupo de procuradores que atuam na Lava- Jato, e portanto são propostas inspiradas nas dificuldades que a força-tarefa da operação tem encontrado numa investigação histórica.

Uma das reivindicações procura acelerar a aplicação das penas, para coibir uma das mais graves distorções da Justiça brasileira, o número excessivo de recursos, razão direta da lentidão do sistema. Neste sentido, há pouco, o Supremo promoveu uma revolução: contra as chicanas protelatórias, estabeleceu que penas confirmadas na segunda instância, ou seja, por colegiado, podem começar a ser executadas logo.

O primeiro efeito, até simbólico, do bem-vindo veredicto, foi, afinal, mandar- se para a penitenciária o empresário Luiz Estevão, ex- senador, condenado em 2006, no caso de corrupção na construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, e até agora mantendo- se longe das grades à força de dezenas de recursos.

Nos últimos dias, houve novos sinais alvissareiros: a condução coercitiva do ex- presidente Lula, para depor na Lava- Jato, reafirmando que não há quem esteja acima da lei no Brasil, e a condenação a 19 anos de prisão, em primeira instância, pelo juiz Sérgio Moro, do maior empreiteiro do país, já preso, Marcelo Odebrecht.

Não há guerra vencida neste terreno. Sempre existem chances de interferência de poderosos. Apesar de tudo, ocorrem vitórias importantes contra a corrupção nas “elites” às quais o lulopetismo se aliou: empreiteiros, operadores financeiros, políticos sem ética etc.

A degradação do padrão moral da vida pública cria uma reação em contrário que já produz ganhos visíveis. Parece surgir uma base com alguma solidez, no Estado, para se limpar de fato a política e sanear seus vínculos com o mundo dos altos negócios. Seja à esquerda ou à direita.


Entre o ruim e o pior - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 10/03

O avanço da Lava Jato e a volta do fantasma do impeachment fizeram o PT ressuscitar um antigo plano. O partido quer transformar o ex-presidente Lula em ministro do governo Dilma Rousseff.

A ideia ganhou até porta-voz no Planalto. "Qual time não gostaria de colocar o Pelé em campo?", perguntou ontem o ministro Ricardo Berzoini, que despacha um andar acima do gabinete da presidente.

Não é bem disso que se trata. Lula não seria nomeado para brilhar nos gramados de Brasília, e sim para se livrar do juiz de Curitiba. Como ministro, ele recuperaria o foro privilegiado e só poderia ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Em princípio, a ideia não seria boa para o ex-presidente. Lula passaria a imagem de que está com medo de ser preso a qualquer momento por Sergio Moro. Sua nomeação soaria como manobra para driblar a Justiça.

O ex-presidente teria outros problemas. Depois de ensaiar um afastamento de Dilma, ele se ligaria de vez ao futuro político da presidente. Como ela não dá sinais de recuperação, isso poderia significar um adeus ao plano Lula-2018.

Nomear o antecessor também é mau negócio para Dilma. A presidente já foi forçada a fazer todo tipo de concessão para se manter no poder. Abaixou a cabeça para o mercado, aguentou as humilhações do correntista suíço e teve que entregar até o orçamento da Saúde ao PMDB.

Se transformar Lula em ministro, Dilma assumirá de vez o papel de rainha da Inglaterra -ou de presidente decorativa, para usar uma expressão cara ao vice Michel Temer. O esvaziamento da autoridade dela será imediato e definitivo.

Se a ideia é ruim para ambas as partes, por que ainda não foi descartada? Simples: porque a alternativa parece ainda pior.

Uma eventual prisão de Lula é o cenário mais temido por ele próprio, por motivos óbvios, e por Dilma, que perderia seu único general na batalha contra o impeachment.

Sem golpe de cúpulas - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 10/03

É uma autêntica tradição da política brasileira que, em meio a crises lancinantes, apareça alguém com uma proposta parlamentarista.

Cogita-se disso (ou de um "semipresidencialismo") na cúpula do Senado, que instalou comissão especial para estudar o tema. Em artigo recente na imprensa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) relançou a ideia de uma "Presidência forte e equilibradora, mas não gerencial".

Para além das ambições pessoais deste ou daquele senador a que possa convir, compreende-se o atrativo da propositura.

Sistemas parlamentaristas tornam a maioria no Legislativo responsável, porque interessada no êxito do governo, ao mesmo tempo em que permitem abreviar sem trauma uma administração que tenha fracassado. Por valorizar essas vantagens, do prisma doutrinário esta Folha apoia há décadas o parlamentarismo.

Mas adotá-lo de improviso, num passe de mágica congressual, não parece indicado. Seria um remendo comparável ao de 1961, logo revogado pelo plebiscito de 1963, que restaurou os poderes da Presidência. Uma segunda consulta popular, feita em 1993 a mando da nova Constituição, confirmou a anterior por larga maioria (55,6% X 24,9%).

A fim de não configurar intolerável golpe de cúpulas, qualquer solução do tipo demandaria aprovação num terceiro referendo. Sobretudo no caso de se pretender implantar a medida durante o atual mandato, seja com a atual presidente reduzida a figura decorativa, seja com o vice em seu lugar.

Difícil crer, ainda assim, que a maioria do eleitorado se disponha a conferir mais poderes a um Congresso que é desprezado em escala quase universal.

Mesmo que terminasse aceito, tal arranjo não estaria assentado em persistente campanha de persuasão pública que houvesse formado lastro na sociedade. Decerto seria a primeira coisa que o presidente eleito com imensa legitimidade em 2018 trataria de desfazer.

Somadas as dificuldades, a sugestão resulta inviável. Parte de seu espírito, no entanto, poderá se materializar na prática, uma vez que um eventual governo Michel Temer (PMDB) necessitaria de ampla base parlamentar e concederia o que fosse necessário para conquistá-la, na tentativa de confinar na oposição apenas o que restasse do PT e sua franja ideológica.

O futuro parece mais volátil do que nunca, exceto pela sólida convicção de que a solução da crise acontecerá dentro da lei. Em meio ao cenário desolador, as instituições têm dado provas de bom funcionamento. Não é hora de mexer na única parte do sistema que vai bem.

Fechando o cerco - MERVAL PEREIRA

O Globo - 10/03

A decisão do Ministério Público de São Paulo de denunciar Lula e familiares por ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro, resultado da investigação sobre o tríplex no Guarujá, é um sinal mais do que claro de que também o Ministério Público Federal, que atua na Operação Lava- Jato, está na fase final da investigação, que tem provas compartilhadas.
A preocupação de Lula e seus próximos com um possível desfecho das investigações contra ele, com a consequente denúncia ao juiz Sérgio Moro em Curitiba, é mais do que razoável, e por isso a insistência para que ele aceite ir para o ministério da presidente Dilma, a fim de ganhar foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal.

Mesmo que aceite, porém, além do fato de ter que assumir praticamente uma confissão de culpa, Lula e o governo teriam que passar por outro constrangimento, o de defender no STF a nomeação insólita.

Por certo, a nomeação de ministro, de acordo com a Constituição, é ato político do presidente da República, que é quem decide quanto à conveniência e oportunidade da nomeação, imune, nestes aspectos, ao controle judicial, devido ao princípio da separação dos poderes.

Mas, seria essa imunidade absoluta, podendo se fazer tábula rasa do princípio constitucional da moralidade? Pode a presidente, a pretexto de ser um ato político, nomear Lula ministro, com a finalidade escancarada de livrá-lo das investigações da Lava- Jato na primeira instância?

Ontem mesmo, o Supremo impediu a nomeação do novo ministro da Justiça, por ser ele membro do Ministério Público da Bahia. A preocupação com um desfecho iminente dos processos da Operação Lava-Jato em relação ao ex-presidente Lula tem base nos fatos. Quem ler o documento de 89 páginas em que o Ministério Público Federal requer ao Juiz Sérgio Moro as medidas cautelares de busca e apreensão e a condução coercitiva de várias pessoas, inclusive o ex-presidente Lula, ficará com a certeza de que os procuradores encarregados do caso estão convencidos da culpabilidade do ex-presidente.

Ao longo de suas páginas, há trechos como o seguinte: “Mostrou- se, ainda, que esse esquema tinha como um de seus líderes José Dirceu, e que continuou a existir mesmo após este ser afastado por corrupção em esquema idêntico desvelado no caso mensalão, o que mostra que alguém de igual ou superior hierarquia comandava o esquema: e o elemento comum para esses esquemas todos, detentor do poder de nomeação e beneficiado com o apoio político era, particularmente, Lula".

“Nessa toada, considerando os dados colhidos no âmbito da Operação Lava Jato, há elementos de prova de que Lula tinha ciência do esquema criminoso engendrado em desfavor da Petrobras, e também de que recebeu, direta e indiretamente, vantagens indevidas decorrentes dessa estrutura delituosa".

“Nesse âmbito, considerando que uma das formas de repasse de propina dentro do arranjo montado no seio da Petrobras era a realização de doações eleitorais, impende destacar que, ainda em 2005, Lula admitiu ter conhecimento sobre a prática de ‘ caixa dois’ no financiamento de campanhas políticas. Além disso, conforme recente depoimento prestado à Polícia Federal, reconheceu que, quanto à indicação de diretores para a Petrobras ‘ recebia os nomes dos diretores a partir de acordos políticos firmados’. Ou seja, Lula sabia que empresas realizavam doações eleitorais ‘ por fora’ e que havia um ávido loteamento de cargos públicos. Não é crível, assim, que Lula desconhecesse a motivação dos pagamentos de ‘ caixa 2’ nas campanhas eleitorais, o porquê da voracidade em assumir elevados postos na administração pública federal, e a existência de vinculação entre um fato e outro".

“Repise- se que a estrutura criminosa perdurou por, pelo menos, uma década. (...) Considerando que todas essas figuras, diretamente envolvidas no estratagema criminoso, orbitavam em volta de Lula e do Partido dos Trabalhadores, não é crível que ele desconhecesse a existência dos ilícitos. (...) Além disso, é inegável a influência política que Lula continuou a ter no governo federal, mesmo após o término de seu mandato (encontrando-se até hoje, mais de cinco anos após o fim do seu mandato, com a atual presidente da República)”.


Impeachment depende da rua - ROGÉRIO GENTILE

FOLHA DE SP - 10/03

O PT chamou a população para defender Lula nas ruas e agora corre o risco de ouvir como resposta no próximo domingo o mesmo "não" que derrubou Fernando Collor em 1992.

Acusado naquela época de ter contas pagas por terceiros, Collor fez um discurso exaltado no dia 13 de agosto daquele ano. Dizendo-se presidente dos descamisados, falou em "golpe", reclamou que a "central única dos conspiradores" pretendia promover o "terceiro turno das eleições" e conclamou a população a vestir as cores da bandeira nacional.

O efeito foi o de um bumerangue. Três dias depois, enquanto Collor reunia cerca de 300 apoiadores em frente à Casa da Dinda, o país presenciou uma onda de manifestações em favor do impeachment na qual o preto foi adotado como símbolo e as gargantas pediam "cadeia". Collor durou só mais 44 dias no cargo.

Lula não é um outsider como era o seu adversário de 1989. Tem na retaguarda um partido estruturado, ainda que combalido, uma central sindical e alguns movimentos sociais. Mas o fato de não conseguir formular uma resposta minimamente convincente para os presentes que recebeu de empreiteiras torna sua posição muito frágil. Como convencer alguém a defender o direito do Lula de ser paparicado pela Odebrecht?

Tanto assim que, na própria sexta, a despeito de o PT ter tentado mobilizar sua militância contra a condução coercitiva de Lula, pouca gente foi para rua. Houve alguns protestos, uma ou outra confusão, um ex-deputado mostrando a cueca, mas o máximo que o partido conseguiu foi lotar a quadra de um sindicato. É pouco para o Lula que já foi considerado o presidente mais popular da história.

A manifestação de domingo, dependendo da sua amplitude e vigor, pode significar o respaldo que a Câmara aguarda para o pedido de impedimento de Dilma. Como disse Michel Temer a aliados meses atrás, não é o Congresso quem aprova o impeachment. "É a rua."