domingo, março 06, 2016

Dilma, e agora? - MIRIAM LEITÃO

O Globo -06.03

O governo Dilma está diante do fim antecipado, independentemente de quanto tempo ela fique no cargo. Um governante se sustenta em apoios, e hoje concretamente ela não os tem. A base política há muito tempo desmoronou, o PMDB tem seu próprio projeto, que só se encontra com o de Dilma quando a mesma ameaça paira sobre ambos. Até o PT se afastou. A presidente não tem, há muito tempo, apoio popular.
Seu governo é altamente impopular. Qualquer pesquisa de opinião mostra que pouco mais de 10% acham seu governo bom ou ótimo e sobe de 60% a 70% os que a rejeitam. A situação econômica torna pouco provável qualquer recuperação dessa popularidade que se esvaiu rapidamente após a reeleição. Seu mago publicitário permanece na prisão, sem poder ensinar para ela qualquer outro dos seus truques, que ademais não estavam mais funcionando.
Sem apoio popular, sem base parlamentar, sem partido que a sustente e diante de uma devastadora crise econômica é a hora de perguntar, como nos versos de Drummond: Dilma, e agora?
Há um equívoco sobre a relação causal entre a crise política e a econômica. A economia foi ferida pelos erros na condução da política econômica, ela não foi vitimada pela política e muito menos pela Lava-Jato. A política também entrou em seus próprios descaminhos por outros motivos que não a crise econômica, mas um ambiente de recessão de dimensão histórica, aumento do desemprego, de quebra de empresas, certamente piora qualquer crise política. Se o país estivesse crescendo, ou revertendo situação desfavorável, seria mais fácil para a presidente recuperar um pouco a popularidade e a partir daí se fortalecer para o diálogo político. Tudo está ligado de certa forma, mas sem que um seja a causa do outro. A economia criou a sua crise; a política criou a sua crise. São dois tornados que se encontraram e viraram gêmeos. Agora um agrava o outro.
Nessa complexidade, a Lava-Jato tem efeitos econômicos sim e abala a política. A investigação não é a culpada, porque ela apenas procura saber, e punir, os que cometeram os mais diversos crimes contra a ordem política e econômica do país.
Neste quadro em que tudo se liga, mesmo que tenha origem diversa, produzindo uma crise de dimensões gigantescas, a presidente foi perdendo aos poucos a capacidade de iniciativa política. Ela apenas reage aos eventos. Ela não governa. O ex-presidente Lula disse que não a deixam governar, e assim terceirizou, novamente, a culpa que é do governo.
A situação econômica é lastimável. Empresas estão vendo sumir os consumidores e contratantes, a produção está sendo reduzida, os empregos estão sendo cortados, a renda, caindo, e a arrecadação, diminuindo. O efeito dominó das dores econômicas está se espalhando como foi previsto tantas vezes por tantos. Tudo está dando errado porque o governo errou. A dívida pública aumentou de forma assustadora e não há perspectiva de estabilização e queda. Isso alimenta a incerteza. Quanto mais o governo erra nas decisões que toma — ou adia as medidas necessárias — mais fundo fica o fundo do poço; mais longa será a caminhada até a recuperação.
Diante disso, o governo Dilma esgotou-se muito tempo antes do seu fim. Esta é a armadilha na qual o país está. Uma presidente sem força e sem poder é um lame duck, como se diz em inglês, mas só se pode estar assim quando o governo apenas conta o tempo para passar a faixa.
De tudo o que disse Lula na sexta-feira, o mais importante talvez seja que ele quer de novo viajar pelo Brasil. Sonha assim em recriar o ambiente da caravana da cidadania em que viajava atacando o governo de então e prometia que mudaria tudo. Ele tenta recriar o ambiente de campanha eleitoral no qual se sente imbatível — apesar das várias derrotas eleitorais que amargou — e poderá defender sua tese de autolouvação. “Eu fui o melhor que todos os presidentes, melhor que os cientistas políticos, melhor que os advogados...”, disse Lula. Poderá também defender sua tese distorcida de que a elite não o aceitou, apesar de ele, o PT e o governo estarem em apuros pelas relações promíscuas com empresas e empresários da elite brasileira. Se Lula tiver sucesso nesse ilusionismo populista, no qual, de fato, é bom, ele estará tornando ainda mais pálida a figura da presidente Dilma.

E a orquestra já não toca - CLÓVIS ROSSI

Folha de São Paulo - 06/03

O Brasil como Titanic é a comparação de Judd Webber, na newsletter sobre América Latina do "Financial Times".

Depois de informar que, em um dos luxuosos shoppings que pontuam o cenário do país tropical, toma-se sorvete a US$ 4 a casquinha, ele afirma: "Mas, ao contrário da orquestra tocando enquanto o transatlântico afundava, a aparência de normalidade não pode durar".

Judd vai ao exagero de sugerir ao vendedor de sorvetes que aceite apenas pagamento em dinheiro, porque "a taxa de cheques devolvidos no Brasil é a maior desde que as estatísticas começaram".

De acordo, Judd, com uma ressalva: é evidente que, se por orquestra se tomar o governo, ela já parou de tocar faz algum tempo.

Meses atrás, um inquilino importante do Palácio do Planalto desabafou comigo: "É muito difícil governar quando o horizonte que se tem é de apenas uma semana".

De lá para cá, ficou pior.

Breve recapitulação: na quinta-feira (3) cedinho, chegava à minha caixa de correspondência eletrônica boletim da "Economist" em tom tão lúgubre quanto o de Judd Webber.

Dizia: "Os estatísticos confirmarão hoje [quinta] que o PIB encolheu cerca de 4% no ano passado [foi, na verdade, 3,8%]. Cerca de 100 mil empregos foram perdidos em janeiro, além de mais de 1,5 milhão em 2015. O gasto dos consumidores está se contraindo: vendas no varejo caíram 7% em dezembro. A inflação, correndo a 11%, está comendo os salários daqueles que ainda têm emprego. A treva estagflacionária persistirá até que Dilma Rousseff enfrente o deficit orçamentário que mina a confiança, agora em chocantes 10,8% do PIB".

Termina com a previsão de que, do jeito que as coisas vão, as notícias sobre o PIB de 2016 serão igualmente lúgubres.

Parecia, pois, a descrição perfeita do fundo do poço, mas eis que, nas horas seguintes, vieram informações que demonstram que o excelente colunista Vinicius Torres Freire estava certo ao imaginar que o fundo do poço tem um alçapão.

Primeiro, o vazamento da delação premiada do senador Delcídio do Amaral, apontando o dedo para a presidente e para seu antecessor e padrinho, Luiz Inácio Lula da Silva.

Mais 24 horas e a Polícia Federal leva Lula, sob vara, para prestar depoimento sobre as inúmeras suspeitas que pesam sobre o ex-presidente.

É a tempestade perfeita, dificultando ou, no limite, impedindo o resgate dos passageiros do Titanic Brasil, agora que a orquestra já não toca e não há salva-vidas para todos.

Pode ser que Delcídio do Amaral esteja mentindo, pode ser que ele não tenha provas, o que será fundamental no âmbito jurídico. Mas, no âmbito político, o "iceberg" já bateu no navio.

É como no caso Roberto Jefferson/mensalão: ele tampouco ofereceu provas, na entrevista que deu à Folha, mas o desfecho acabou sendo a prisão de uma parte da cúpula do PT.

A diferença entre o mensalão e o petrolão é o estado da economia (saudável à época) e a popularidade do presidente de turno, inexistente agora. O comandante irá ao fundo com o navio?

Moro deu a Lula o papel de coitadinho - ELIO GASPARI

Folha de São Paulo - 06/03

Realizou-se parcialmente o primeiro objetivo dos procuradores da Lava Jato: o juiz Sergio Moro determinou a condução coercitiva de Lula a uma delegacia. Ele não foi preso, foi submetido a um constrangimento inédito: um ex-presidente da República entrou numa viatura policial. É bom lembrar que, quando os coronéis de IPMs da ditadura chamavam Juscelino Kubitschek para depor num quartel, marcavam hora e ele ia. O grande JK deixava-se fotografar entrando no prédio com seu inesquecível sorriso.

Há mais de um ano, Moro e os procuradores mostram que sabem o que estão fazendo. Indicações de contas mal explicadas envolvendo Nosso Guia, eles as têm, e podem ser encontradas nas 89 páginas em que o Ministério Público mostrou como o dinheiro de empresas metidas em petrorroubalheiras ia para as arcas do Instituto Lula e da família Silva. Como indício não é prova, podem ter dado um passo maior que a perna. Sobretudo porque a condução coercitiva deu ao episódio uma teatralidade desnecessária.

Lula foi presenteado com o papel de vítima, que desempenha há 40 anos com maestria. Como o marqueteiro João Santana já explicou, ele alterna a condição de coitadinho com a de poderoso. O coitadinho é perseguido pela elite. O poderoso defende as empreiteiras.

Lula teve seu mau momento quando respondeu a uma pergunta sobre os pedalinhos de Atibaia dizendo que ela não honrava a Polícia Federal. Deu-se ares de poderoso quando na verdade está diante de um caso em que um suboficial do Exército pagou do seu bolso brinquedos caros para os netos do chefe. O que não honra a Presidência da República é a família Silva ter se metido nesse tipo de transações. Os policiais fizeram muito bem ao perguntar e Lula continua devendo diversas respostas.

Uma conjunção dos astros fez com que, no mesmo dia em que se soube da colaboração de Delcídio do Amaral, o IBGE divulgasse uma contração de 3,8% da economia.

Governo em crise política é coisa comum. Crise política junto com recessão é coisa mais rara. Ambas, somadas a um governo catatônico, ecoam o ocaso do mandato de Fernando Collor de Mello.

O JOGO DA TROCA DE PRESIDENTE

Quem não torce pela sobrevivência do mandato de Dilma Rousseff deve saber o que quer. Tirar a doutora da cadeira é uma coisa. Quem colocar no lugar, e como, é outra.
Pelo caminho do impeachment, o vice-presidente Michel Temer assume no dia seguinte.
Pelo caminho da cassação da chapa de Dilma e Temer, assumirá o presidente da Câmara (hoje, Eduardo Cunha), obrigado a convocar eleições em até 90 dias. Se a lâmina do TSE cair depois do início de julho, o pleito poderá coincidir com a eleição municipal de outubro. Candidatos? Marina Silva, sem dúvida. Além dela, quem sobreviver na briga dos tucanos, e resta a possibilidade de aparecimento de um meteoro. Esta opção expressaria diretamente a vontade popular.
Se o TSE cassar a chapa Dilma-Temer a partir de 1º de janeiro, deputados e senadores elegerão, 30 dias depois, o seu substituto, para concluir o mandato. Votam todos aqueles que estiverem no exercício de suas funções. Se continuarem nas cadeiras, Eduardo Cunha presidirá a eleição e Delcídio do Amaral votará.
Esse colégio eleitoral será composto de 594 pessoas. Deles, 99 têm processos à espera de julgamento no STF e são 500 os inquéritos em andamento envolvendo parlamentares.
Vinte e um anos depois da campanha das Diretas, o regime democrático brasileiro corre o risco de eleger indiretamente um presidente da República.

JOÃO SANTANA

As eventuais colaborações de Léo Pinheiro da OAS e de diretores da Odebrecht poderão colocar mais um magano na fila: João Santana.
O marqueteiro do PT foi surpreendido pelo acervo de informações que os investigadores reuniram a respeito de suas transações com a Odebrecht. Essa é a parte mais simples.
Santana é um arquivo vivo dos métodos e das manhas do mercado que fez dele um milionário. Desde sua chegada à carceragem de Curitiba, ele está em outro mundo, diante da estratégia do Ministério Público. De um lado, os procuradores acumulam provas para buscar condenações. De outro, não se contentam com confissões. Se um preso quer colaborar, precisa botar na mesa coisas novas.
Por exemplo: diretores da Andrade Gutierrez destamparam a panela das pesquisas eleitorais pagas pela empresa para atender às necessidades de candidatos. Esse é um costume velho e multipartidário. A empreiteira mostrou uma árvore, Santana poderá mostrar a floresta.

ODEBRECHT

Em outubro, quando a Camargo Corrêa fechou seu acordo de colaboração, a Odebrecht desmentiu categoricamente que caminhasse na mesma direção.
Acreditava que antes das festas de Natal o STJ soltaria seu presidente. Confiava na macumba palaciana narrada por Delcídio do Amaral e divulgada pela repórter Débora Bergamasco. Tinham uma conta fechada, na ponta do lápis. Deu água.
Apesar da ênfase do desmentido da Odebrecht, ela vinha testando as águas para seguir no mesmo caminho, já aceito pela Andrade Gutierrez.

DILMÊS

A doutora Dilma disse, no ano passado, que os problemas da Petrobras eram "página virada", depois informou que "não respeito delator". Agora, indignada, repudiou o que chama de "uso abusivo de vazamentos".
Ela pode ter dito o certo, mas, se a Lava Jato não tivesse continuado a folhear o livro da Petrobras, a roubalheira teria ido para baixo do tapete e, se os colaboradores não tivessem sido ouvidos, as empreiteiras continuariam caladas.
Um vazamento pode ser irregular, mas isso não exclui a possibilidade de ele ser verdadeiro. É melhor haver uma verdade vazada do que blindá-la com mentiras.

VALÉRIO DE VOLTA

O empresário Marcos Valério continua na penitenciária. Ele poderá desempatar uma parte das revelações de Delcídio do Amaral.
O senador deve lembrar que, na primeira vez em que mencionou as ansiedades de Valério, Lula, calado, olhava para as próprias meias. Na segunda, mandou que procurasse Paulo Okamotto.

BOA NOTÍCIA

Depois de seu magnífico retrato de Stálin e de seu comissariado, o historiador Simon Montefiore mandará às livrarias em maio uma história dos czares Romanov, que governaram a Rússia até 1917.
Tem tudo para ser coisa fina, pois antes de se meter com os bolcheviques, Montefiore escreveu uma elegante biografia de Grigory Potemkin, o poderoso primeiro-ministro e namorado de Catarina, a Grande. Uma história de poder e amor.
O tio-avô de Montefiore foi sócio dos banqueiros Rothschild e ele tem um olho de lince para observar o poder e as elites. Essa foi uma das virtudes do retrato de Stálin com sua "corte do Czar Vermelho".

Em busca da saída - MERVAL PEREIRA

O Globo - 06/03

Se a política não resolver a crise, a crise vai resolver a política. Mais que um jogo de palavras que o deputado Raul Jungman gosta de usar, esta é uma constatação que fica mais evidente ainda diante da iniciativa de militares de contatarem na sexta-feira autoridades civis - governadores de Estados estratégicos como Rio e São Paulo, ministros, líderes partidários - para colocarem à disposição tropas em caso de necessidade de garantir a ordem pública, conforme Ricardo Noblat noticiou em seu blog.

Os confrontos entre petistas e seus adversários políticos nas ruas de diversas capitais do país, enquanto Lula depunha na Polícia Federal, insuflados por uma convocação do presidente do PT, Rui Falcão, acendeu a luz amarela nas instituições militares, que pelo artigo 142 da Constituição têm a missão de garantir a ordem pública.

O fato de terem oferecido apoio às autoridades civis mostra que, ao contrário de outras ocasiões, os militares não estão dispostos a uma intervenção, mas se preocupam com a crise e se dispõem a auxiliar as autoridades civis em caso de necessidade.

Já há algum tempo, diante do agravamento da crise político-econômica, militares de alta patente estão conversando com lideranças civis de diversos setores da sociedade, e agora consideram que está na hora de o mundo político encontrar saídas constitucionais para o impasse em que estamos metidos, com o Congresso, que é o único caminho para uma solução em moldes democráticos, paralisado diante de sua própria crise: um presidente da Câmara tornado réu pelo Supremo Tribunal Federal, um presidente do Senado alcançado por nada menos que seis processos, cerca uma centena de deputados e senadores envolvidos de alguma maneira em problemas com a Justiça e tantos outros sujeitos ao imponderável das delações premiadas da Lava-Jato.

Mesmo soluções constitucionais como o impeachment ficam contaminadas pela presença de Eduardo Cunha na presidência da Câmara, e a perspectiva de que ele possa assumir a presidência da República, por poucos meses que seja, para convocar novas eleições - no caso de uma impugnação da chapa PT-PMDB até o fim desse ano, o que é improvável - é no mínimo desanimador.

Nos bastidores do Congresso negocia-se de tudo, desde a implantação de um semipresidencialismo de ocasião, até a sugestão mais recente da Rede de Marina Silva de aprovar uma emenda constitucional com o instituto do recall, pelo qual a presidente Dilma poderia ser retirada do poder através de uma consulta popular.

Houve há poucos dias a tentativa de fazer com que Dilma rompesse com o PT e partisse para uma nova coalizão partidária, que poderia contar até mesmo com setores da oposição. Os fatos, porém, atropelaram essas negociações, e hoje Dilma e Lula estão juntos no que pode ser um abraço de afogados, mas é a única maneira de os dois tentarem sair vivos politicamente dessa crise.

A oposição, por seu turno, começa a deixar a dubiedade para apoiar o impeachment , pois um processo de impugnação da chapa no Tribunal Superior Eleitoral pode levar mais um ano, com marchas e contramarchas no STF e, mais complicado que tudo, no terceiro ano de mandato um novo governo seria eleito de maneira indireta por este Congresso sem credibilidade diante da população.

A pressão agora é para que o PMDB rompa o mais rápido possível com o governo e entre de cabeça no processo de impeachment. Ao mesmo tempo, arma-se na Câmara uma ação conjunta para obstruir as sessões até que a permanência de Cunha na presidência se torne inviável.

Alguma coisa terá que ser feita, e rápido, diante da deterioração do ambiente econômico e da mudança de patamar da crise política, com a Lava-Jato tendo chegado literalmente às portas do ex-presidente Lula. Se as forças políticas que representam a maioria do país, hoje claramente posicionada contra o PT, não se unirem em busca de uma saída democrática para a crise, estaremos diante de uma ameaça de retrocesso institucional.

As milícias petistas mobilizadas na confrontação física nas ruas podem transformar o país em uma Venezuela, e quanto mais os fatos forem sendo desvelados, mais a resposta violenta será a única saída.

O Congresso tem que encontrar rapidamente uma saída constitucional que possibilite a formação de um governo de transição democrática, e o caminho mais viável parece ser o impeachment, já que a presidente Dilma não se mostra capaz de articular essa transição, e se revela comprometida cada dia mais com as ações criminosas que a levaram ao governo.

De volta ao palanque - BERNARDO MELLO FRANCO

Folha de S. Paulo - 06/03

A sexta-feira quente fez as peças avançarem no tabuleiro da crise. A Lava Jato ensaiou seu movimento mais ousado ao obrigar Lula a depor sob condução coercitiva da polícia. O ex-presidente reagiu com fúria e convocou a tropa para defendê-lo. A tensão transbordou para as ruas, com cenas de pancadaria que podem se repetir nos próximos dias.

Em Curitiba, Sergio Moro abandonou de vez o discurso de que Lula não seria alvo das investigações. O juiz deixou claro que o petista está em sua mira e já indicou que pretende condená-lo. Em decisão, apontou "fundada suspeita" de que o ex-presidente recebeu "benefícios materiais" de fornecedoras da Petrobras.

Curiosamente, Moro não esperou o petista se defender nos autos. Ele contestou uma nota enviada à imprensa sobre o tríplex do Guarujá. A seu juízo, apresentaria um "álibi" de "pouca consistência com os fatos".

Em São Paulo, Lula se pintou para a guerra. Reuniu aliados, criticou o juiz e prometeu reagir. "Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça. Bateram no rabo, porque a jararaca está viva", desafiou.

A ofensiva da Lava Jato pôs o ex-presidente de volta no palanque. Em tom de campanha, ele escancarou o discurso de candidato ao Palácio do Planalto. "O que aconteceu hoje era o que precisava acontecer para o PT levantar a cabeça", afirmou. "Estou disposto a andar por este país."

Aos 70 anos, Lula mostrou que ainda tem força para mobilizar aliados a defendê-lo de forma incondicional. No dia em que acordou com a polícia na porta, ele voltou para casa nos braços de seguidores.

Resta saber se o discurso aplaudido pelos petistas será capaz de hipnotizar plateias mais amplas no Brasil de 2018. O país está mudando, e a imagem do ex-presidente também. Ele não está fora do jogo, mas terá dificuldade de sustentar o velho figurino de vítima das elites. Pelo menos enquanto não explicar bem a relação de simpatia, quase amor, que manteve com empreiteiras do petrolão.

O adversário é a lei - DORA KRAMER

O Estado de S. Paulo - 06/03
Triste do homem público cujo adversário é a lei. Desalento visto com nitidez no semblante do ex-presidente Luiz Inácio da Silva depois do interrogatório de sexta-feira quando, num angustiado esforço para se manter altivo, manifestou-se contra o perfeito funcionamento de instituições do País que presidiu.

Mais tarde, no Sindicato dos Bancários – aquele que deixou a ver navios vazios os bancários que viram suas economias desviadas de uma cooperativa habitacional para o cofre do PT e para o bolso de petistas –, atirou-se ao ato patético de anunciar a candidatura à Presidência em 2018. Ocasião em que tanto poderá estar na batalha para convencer uma população já devidamente informada a colocá-lo de novo no topo de uma cadeia alimentar de corrupção, quanto poderá ser um réu ou um condenado.

Em razão das perspectivas desfavoráveis, Lula da Silva tenta circunscrever suas agruras e embates ao campo da política, quando os dados objetivos transportam seu infortúnio para as alçadas da polícia e da Justiça. Foi-se o tempo em que Lula e o PT podiam brigar na arena e com as regras sob as quais detêm total domínio, a disputa política e, sobretudo, eleitoral.

Não é disso o que se trata no presente. Não está na oposição a raiz dos problemas do ex-presidente, de seu partido e de sua sucessora. Por seus erros e também por seus acertos de conduta, o PSDB nunca se mostrou nem se mostra agora um adversário à altura. A oposição formal perdeu todas quando tentou enfrentar os mestres da manipulação do peso da consciência alheia, da condescendência dos ingênuos, das conveniências dos aproveitadores e da omissão dos covardes.

Agora o tucanato dá sinal de racionalidade ao perceber o lance e se recusar a entrar no jogo da provocação. Enquanto o PT aposta na radicalização nas ruas para tentar intimidar as forças contrárias, o senador Aécio Neves faz um apelo à moderação e ao respeito às investigações, sabedor de que poderia ser responsabilizado por males maiores se incitasse protestos.

Deu corda ao enforcado. Optou por deixar o PT brigar sozinho e, assim, pagar a conta por eventuais danos à civilidade. Prejuízos estes que poderão ser maiores ou menores, dependendo da disposição de Lula de prosseguir na mesma incitação ao confronto que marcou a conduta dele à frente da Presidência da República. Na época era movido pela soberba. Hoje é motivado pelo ódio aos que não se rendem à sua presumida (e já perdida) majestade.

Nesse cenário de articulada radicalização, seria de esperar da presidente da República uma posição apaziguadora. Não foi, contudo, o que se viu no pronunciamento de Dilma Rousseff no final da tarde de sexta-feira. Ela, ao contrário, deu gás à (falsa) polêmica, desqualificou o trabalho da Polícia Federal e desclassificou decisão da Justiça ao se dizer “absolutamente inconformada” com a condução coercitiva de Lula.

Nada fez contra a suposta ilegalidade, porque nada havia a fazer além de falar como quem dá salvo-conduto a um personagem perdido em seu labirinto. Dele, Lula tentará sair por meio da intimidação e da violência. Não vai conseguir porque já não combate em campo conhecido.

O ex-presidente trava, sim, uma batalha. Guerra, no entanto, perdida para a legalidade, a impessoalidade, a probidade e a transparência de um grupo de policiais argutos e de procuradores muito bem preparados para fazer frente a uma gente que só tem em mente as conveniências e o bem estar da própria gente.
Para Dilma só restam duas escolhas: ou embarca ou deixa o barco correr.

As portas de março - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 06/03

O sítio Santa Bárbara, em Atibaia, tem um caseiro chamado Maradona e é um autêntico gol de mão, desses que se fazem na esperança de enganar o juiz. O sítio foi reformado, assim como o tríplex de Guarujá, por duas empreiteiras envolvidas no Petrolão: OAS e Odebrecht. É um enigma como o tríplex do Guarujá. Estávamos nos divertindo com os pedalinhos do sítio Santa Bárbara, quando surgiu a delação premiada de Delcídio do Amaral, ex-líder do governo. São revelações tenebrosas de sabotagem da Lava-Jato. Lula pagando à família de Nestor Cerveró para proteger seu amigo Bumlai. Dilma nomeando um ministro do STJ para libertar os empreiteiros.

Tudo isso acontece depois de o PT derrubar um ministro da Justiça e colocar outro com as iniciais WC para tentar conter a lama que chega ao Palácio do Planalto. O que significa controlar a Lava-Jato, nesta altura das investigações? Há uma fila de delatores no pipeline. Novas informações virão à tona, as coisas ficarão mais claras ainda, como se ainda não fossem suficientemente claras. Na sexta, com novo ministro e tudo, a Polícia Federal, cumprindo determinações da Justiça, fez uma devassa no Instituto Lula e nas casas da família. Uma pessoa sensata diria que não é hora de brigar com a polícia e sim discutir coisas mais práticas com ela, como banho de sol, visita íntima.

O filme está acabando, e as revelações de Delcídio mostram uma realidade que já intuíamos: a luta surda contra a Lava-Jato. Diziam que José Eduardo Cardozo caiu porque não controlava a Polícia Federal. Caiu, na verdade, depois de tentar o controle e fracassar. Esse juiz, Marcelo Navarro, que teria sido nomeado para liberar no STJ, já foi denunciado inúmeras vezes no site “O antagonista” como o homem que iria dar os habeas corpus. Bem que ele tentou: perdeu por 4 a 1.

Tentaram controlar o Supremo, a julgar pela delação de Delcídio, e falharam. Tentaram o STJ, perderam de 4 a 1. Fizeram de tudo e se esborracharam. As portas estão se abrindo. A começar pela tarefa urgente de derrubar Eduardo Cunha, transformado em réu pelo Supremo Tribunal Federal.

Cunha é um imenso trambolho no caminho. Se a Câmara não destitui da presidência um réu na Lava Jato, acusado em depoimentos de delatores e com contas na Suíça, então é uma tarefa que os próprios ministros precisam executar. Mas isso pode ser feito rapidamente na Câmara. Basta parar tudo e forçá-lo a sair. A oposição tem o dever de fazer isso e realizar uma nova eleição. Como conviver com a ideia de que um presidente da Câmara é, ao mesmo tempo, réu no maior processo de corrupção do país? É tão grave quanto conviver com um governo que se elegeu usando dinheiro do Petrolão para pagar seu marqueteiro. E tentou de várias maneiras sabotar as investigações da Lava-Jato. Dilma e Cunha estão queimados, há um rastro de fumaça nos poderes da República. Os tribunais, Superior e Eleitoral, são as únicas forças de pé. Têm que dar uma resposta.

O que está se passando no Brasil pode ser visto de muitas formas. Mas é também humilhante viver num país em que dois poderes estão afundados no escândalo. Daí a importância de domingo que vem, dia 13 de março. É o momento em que a sociedade tem chance de mostrar como vê tudo isso. As pesquisas já indicam o sentimento majoritário.

Manifestações são diferentes de cifras: pessoas de carne e osso expressando sua vontade de resolver a crise política. Elas sabem que desatar esse nó traz um alento para o combate em outro front assustador: a economia. Já se fala num cenário de moratória, no qual o Brasil não terá condições de saldar os seus compromissos. Quebradeira. Ainda é um cenário no horizonte. Torna-se mais provável quanto mais demorar a solução da crise política com a saída de Dilma e Cunha.

Dessa maneira vejo o 13 de março. Um dia não apenas para protestar contra Dilma e Cunha, pateticamente agarrados aos seus cargos, enquanto o país afunda. Mas para afirmar que esse é o passo inicial de um longo e áspero caminho para soerguer a economia. O PIB caiu 3,8% em 2015. As perspectivas são piores em 2016. As respostas positivas do mercado ao fim do governo indicam como o colapso dos dois podres poderes será um passo adiante. Entre outras, a vantagem de mudanças impulsionadas pela sociedade é a consciência coletiva da amplitude da crise econômica. Não posso garantir que esse será o caminho vitorioso. Apenas afirmo que as possibilidades de saída são muito maiores quando há sintonia entre um governo respeitável e uma população consciente da gravidade do momento.

Já disse isso de muitas formas. O Brasil está parecendo um pouco com aquele personagem do Castelo do Kafka que esperou anos diante de uma porta, para descobrir que estava aberta.

Quem sabe, domingo que vem?

Lula fortão, Lula fraquinho e a crise - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S.Paulo - 06/03
Lula no papel de vítima é uma personagem que mais preocupa do que anima a oposição, o PSDB pelo menos; prejudica o plano de deposição de Dilma Rousseff. Lula na delegacia e o tumulto decorrente vão fazer o PMDB deixar como está para ver como é que fica até os protestos contra a presidente, no dia 13. Vai à breca a discussão parlamentar de planos para conter a ruína econômica, que assim mais ruína será.

Essas parecem ser algumas consequências do transe da semana passada e de Lula ter sido levado, sob vara, a uma delegacia.

Lula vítima das elites, o "Lula fraquinho", a seguir pode se tornar o "Lula fortão", o pobre que venceu na vida, vingador do povo. Relembra-se aqui uma mistura de teoria com roteiro de cinema inventada lá por 2006 por João Santana. "Fortão" e "fraquinho" eram os papéis subliminares desempenhados pelo ex-presidente em campanhas e discursos orientados pelo marqueteiro.

O Lula "fraquinho" que, tal como o Hulk dos quadrinhos, se torna "fortão", assusta oposicionistas. Mais que isso, embates contra Lula tiram o foco da derrubada de Dilma, na análise de senadores tucanos.

"Bater em Lula é desperdiçar energia. Não resolve o problema do país. Lula não está no poder, é um problema da Justiça. Dilma é o foco", diz um líder tucano. Pior ainda, os ataques a Lula podem reaproximá-lo da presidente e reunificar o "campo petista" ou da esquerda. Movimentos sociais, partes do PT e o governo vinham se insultando.

Na sexta-feira de noite, movimentos sociais que andavam chamando Dilma Rousseff de "traidora" da esquerda juntaram-se para saudar Lula e "barrar o golpe", no comício de desagravo no Sindicato dos Bancários de São Paulo.

A "condução coercitiva" levou Lula a relançar sua candidatura para 2018 e prometer uma "caravana" pelo país. O PT prepara protestos para esta semana e para 31 de março, data do golpe que derrubou João Goulart. A princípio, essa manifestação deve se chamar "1964 Nunca Mais".

O PMDB fica quieto, por ora. Antes de tomar um rumo, até o do impeachment, a ideia é: 1) Continuar o programa de pacificação até a convenção do partido, no dia 12: passar uma cola na relação entre Renan Calheiros e Michel Temer; 2) Esperar o que "será das ruas": avaliar a força de Lula e, principalmente, o tamanho do protesto do dia 13 contra Dilma.

Segundo o pessoal do PSDB, praticamente foi por água abaixo a ideia de "colaborar" com programas de reformas ou remendos econômicos do governo. O plano é atravancar tramitações e insistir em destravar o processo de impeachment. Eduardo Cunha vai pelo mesmo caminho, emperrando a Câmara enquanto o Supremo não der definições sobre o rito de impeachment.

Um trio de empresários e banqueiros relevantes ficou incomodado com o cerco a Lula, uma "irresponsabilidade, vai insuflar os ânimos e aumentar o conflito no país arrasado, como se já não bastasse a Dilma", no dizer de um deles, de resto nem favorável ao impeachment. O resumo da ópera dessa visão é que os processos "precisam ser resolvidos", com o mínimo de conflito, rapidamente, para que o país possa tomar um rumo, o que de qualquer modo julgam improvável –a crise ainda iria longe. Mas conflito na rua preocupa muito essas pessoas.

Cartas na mesa - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

ESTADÃO - 06/03

É preciso abrir o jogo: não se trata só de Dilma ou do PT, mas da exaustão do atual arranjo político brasileiro. E mais: o que idealizamos na Constituição de 1988, cujo valor é indiscutível, era construir uma democracia plena e um país decente, com acesso generalizado à educação pública, saúde gratuita e previdência social. Mais ainda, acesso à terra para os que nela precisassem trabalhar, bem como assistência social para os que dela necessitassem. A execução desse programa encontra dificuldades crescentes porque a estrutura estatal é burocratizada e corporativista. E também porque a sociedade não quer e não pode pagar cada vez mais tributos quando os gastos não param de se expandir.

Era inevitável que nos encontrássemos nesta situação? Não. Contudo, para evitar a crise do sistema de partidos e da relação Executivo-Legislativo, teriam sido necessários, no mínimo, os contrapesos da “lei de barreira” e da proibição de alianças partidárias nas eleições proporcionais, restrição aos gastos de campanha e regras mais severas para seu financiamento.

Mas não é só. A má condução da política econômica tornou impossível ao governo petista seguir oferecendo os benefícios sociais propostos, senão pagando o preço da falência do Tesouro. Não me refiro às bolsas, que vêm do governo Itamar, foram ampliadas em meu governo e consolidadas nos governos petistas: elas são grãos de areia quando comparadas com as “bolsas empresário” oferecidas pelos bancos públicos com recursos do Tesouro. Sem mencionar o grau inédito de corrupção, azeite que amaciou as relações entre governos, partidos e empresas e deu no que deu: desmoralização e desesperança. Oxalá continue a dar cadeia também.

Diante disso, como manter a ilusão de que as instituições estão funcionando? Algumas corporações do Estado, sim, se robusteceram: partes do Ministério Público e da Polícia Federal, segmentos do Judiciário, as Forças Armadas e partes significativas da burocracia pública, como no Itamaraty, na Receita e em algum ministério, ou no Banco Central. Entretanto, no conjunto, o Estado entrou em paralisia, não só o Executivo, como também a burocracia e o Congresso. Este pelas causas acima aludidas, cuja consequência mais visível é a fragmentação dos partidos e a quase impossibilidade de se constituírem maiorias para enfrentar as dificuldades que estão levando ao desmonte do sistema político.

Nada disso aconteceu de repente. Repito o que disse em outras oportunidades: na viagem que a presidente Dilma fez em 2013 para prestar homenagens fúnebres a Mandela, acompanhada por todos os ex-presidentes, eu mesmo lhes disse: o sistema político acabou; nossos partidos não podem ou não querem mudar; busquemos os mínimos denominadores comuns para sair do impasse, pois somos todos responsáveis por ele. Apenas o presidente Sarney se mostrou sensível às minhas palavras.

Agora é tarde. Estamos em situação que se aproxima à da Quarta República Francesa, cujo fim coincidiu com os desajustes das guerras coloniais, tentativas de golpe e, finalmente, a solução gaullista. Aqui as Forças Armadas, como é certo, são garantes da ordem, e não atores políticos. É hora, portanto, de líderes, de pessoas desassombradas dizerem a verdade: não sairemos da encalacrada sem um esforço coletivo e uma mudança nas regras do jogo. A questão não é só econômica. Sobre as medidas econômicas, à parte os aloprados de sempre, vai-se formando uma convergência, basta ler nos jornais o que dizem os economistas.

Mesmo temas sensíveis, nos quais ousei tocar quando exercia a Presidência e que caro me custaram em matéria de popularidade, voltam à baila: no âmbito trabalhista, como disse o novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Gandra Martins, citando como exemplo o Programa de Proteção ao Emprego, comecemos por aceitar que o acordado entre os sindicatos prevaleça sobre o legislado, desde que respeitadas as garantias fundamentais asseguradas aos trabalhadores pela CLT. Enfrentemos o déficit previdenciário, definindo uma idade mínima para a aposentadoria que se efetive progressivamente, digamos, em dez anos. Aspiremos, com audácia, a que um novo governo, formado dentro das regras constitucionais, leve o Congresso a aprovar algumas medidas básicas que limitem o endividamento federal, compatibilizem o gasto público com o crescimento do PIB e das receitas e melhorem o sistema tributário, em especial em relação ao ICMS.

Dentre as medidas fundamentais a serem aprovadas, a principal é, obviamente, a reformulação da legislação partidário-eleitoral. O nó é político: eleições com a legislação atual resultarão na repetição do mesmo despautério no Legislativo. Há que mudar logo a lei dos partidos, restringindo a expansão de seu número e alterando as regras de financiamento eleitoral, para evitar a corrupção. Por boas que tenham sido as intenções da proibição de contribuição de empresas aos partidos, teria sido melhor limitar a contribuição de cada conglomerado econômico a, digamos, x milhões de reais, obrigando as empresas a doar apenas ao partido que escolherem, e por intermédio do Tribunal Superior Eleitoral, que controlaria os gastos das campanhas. A proibição pura e simples pode levar, como ocorreu em outros países, a que o dinheiro ilícito, de caixa 2 ou do crime organizado, destrua de vez o sistema representativo.

Ideias não faltam. Mas é preciso mudar a cultura, o que é lento, e reformar já as instituições. É tempo para que se verifique a viabilidade, como proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil e por vários parlamentares, de instituir um regime semiparlamentarista, com uma Presidência forte e equilibradora, mas não gerencial.

Só nas crises se fazem grandes mudanças. Estamos em uma. Mãos à obra.

Dilma defende Lula num encontro com governadores e sofre uma contestação - JOSIAS DE SOUZA

BLOG DE JOSIAS DE SOUZA - 06.03
Dilma Rousseff foi submetida a uma saia justa ao dizer, num encontro com governadores, que ficara “indignada” com o tratamento “desrespeitoso” dispensado a Lula por Sérgio Moro, juiz da Lava Jato. Um dos visitantes, Pedro Taques (PSDB), governador de Mato Grosso, retrucou a anfitriã: “Entendo que não houve desrespeito, presidente. Ninguém está acima da lei.”

Os governadores voaram até Brasília para discutir, na noite da última sexta-feira, o alongamento das dívidas dos seus Estados com a União. Horas antes, agentes da Polícia Federal haviam executado uma ordem de “condução coercitiva” de Lula, para prestar depoimento sobre a suspeita de receber vantagens de empresas pilhadas roubando a Petrobras.

Dilma enxergou na coerção ordenada por Moro um “abuso de autoridade”, pois “bastava convidar” Lula, que “não se negaria a prestar os esclarecimentos”. Ao contraditá-la, Taques chamou Dilma de “presidente”, não de presidenta, como ela prefere. Brindou-a, de resto, com um cerimonioso “vossa excelência”. Ex-procurador da República, ele sapecou:

“Eu não sairia desta sala com a consciência tranquila e não respeitaria o bom povo de Mato Grosso, que me mandou aqui, se não expressasse minha opinião. Entendo que não houve abuso ou perseguição. Ninguém está acima da lei. Todos, inclusive eu, podemos ser investigados. A lei não pode servir para beneficiar amigos nem para prejudicar inimigos.”

Além das referências a Lula, Dilma tomou o tempo dos governadores para defender a si mesma das acusações feitas por seu ex-líder no Senado, Delcídio Amaral, hoje um delator premiado da Lava Jato. Delcídio disse, entre outras coisas, que Dilma sabia que a refinaria de Pasadena, no Texas, fora adquirida com sobrepreço pela Petrobras, para que a diferença fosse usada no pagamento de propinas.

Dilma presidia o Conselho Administrativo da Petrobras na época em que o negócio foi fechado. Contra o ataque de Delcídio, ela exibiu aos governadores decisão do procurador-geral da República Rodrigo Janot. Em despacho de julho de 2014, o chefe do Ministério Público Federal arquivara representação em que um grupo de senadores pedia a abertura de inquérito para responsabilizar Dilma pelo prejuízo imposto à Petrobras –coisa de US$ 800 milhões.

Por mal dos pecados, Pedro Taques assinou a representação protocolada na Procuradoria contra Dilma. Na época, ele era senador pelo governista PDT. Viu-se compelido a mencionar o fato na reunião da última sexta: “Presidente, quero dizer a Vossa Excelência que eu, pessoalmente, redigi essa peça. Representei contra a senhora na Procuradoria. Meu nome está aí. Não posso esquecer o que assinei e redigi. Eu e colegas como Cristovam Buarque, Pedro Simon, Randolfe Rodrigues… Li a decisão do procurador-geral. Respeito a sua história. Mas não renego o que escrevi.”

“Você viu a minha resposta ao procurador?”, indagou Dilma, determinando a um auxiliar que entregasse cópia a Taques. O governador respondeu que já conhecia a peça. Não quis polemizar com a presidente. Autorizado, deixou a reunião antes do término.

Nenhum dos outros governadores ecoou as observações do colega matogrossense. Ao contrário. Vários endossaram o desagravo a Lula e solidarizaram-se com Dilma. Entre eles o alagoano Renan Filho (PMDB), o piauiense Wellington Dias (PT) e o cearense Camilo Santana (PT).

O governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), que também era senador e assinou a representação contra Dilma, preferiu silenciar. Vice-governadora do Paraná, Cida Borghetti (Pros) representou o governador tucano Beto Richa. Disse na reunião de sexta-feira que os ataques a Dilma atingem a mulher brasileira.

Neste sábado, Dilma visitou Lula na cobertura dele em São Bernardo. Reiterou a tese de que seu padrinho político sofreu uma “violência injustificável''. Em nota, o juiz Sérgio Moro defendeu a ação envolvendo Lula. O Ministério Público tachou de “cortina de fumaça'' o debate sobre o método empregado para ouvir Lula. em torno do ex-presidente.