domingo, fevereiro 28, 2016

Política monetária com juros nulos - SAMUEL PESSÔA

Folha de SP - 28/02

As economias desenvolvidas têm convivido com juro nominal nulo ou muito próximo disso. Em geral, essa situação ocorre com o fenômeno de carência de demanda agregada: após o estouro de uma bolha de ativos, como a bolha imobiliária norte-americana, em setembro de 2008, as famílias se veem muito mais endividadas do que supunham. O valor das residências, que servia como garantia para diversos empréstimos, reduziu-se muito.

Para pagar suas dívidas, as famílias aumentam (ou tentam aumentar) sua poupança e, portanto, reduzem o consumo. O baixo consumo produz deflação ou inflação muito baixa e desemprego persistente.

Nessa situação, uma solução possível é o setor público aumentar o investimento em infraestrutura financiado por meio de elevação do deficit público e, portanto, do endividamento. Trata-se da receita keynesiana padrão para economias com desemprego involuntário crônico.

No entanto, o Japão -o caso de mais longa duração de juros superbaixos- não se enquadra no diagnóstico descrito acima. Os juros japoneses são muito baixos, e a inflação também, mas não há sinais de desemprego de fatores. A taxa de desemprego é da ordem de 3,5%.

Adicionalmente, não parece que a economia apresente problemas dramáticos de crescimento. A taxa de expansão do produto per capita rodava a 1% entre 2004 e 2008 e, após 2011, tem rodado também pouco acima de 1%.

De fato, nos últimos 15 anos, a economia japonesa apresentou crescimento per capita aproximadamente igual ao dos Estados Unidos. O baixo crescimento absoluto do Japão deve-se à elevada renda per capita que já apresenta e ao encolhimento populacional.

Não obstante o baixo desemprego e a baixíssima taxa de juros, a economia japonesa tem taxas de poupança significativamente superiores às de investimento. Esse excesso de poupança pressiona os juros e a inflação para baixo.

As pessoas poupam, apesar dos juros tão baixos, a fim de constituir reserva para fazer frente a imprevistos típicos de uma economia de mercado -desemprego, doença e invalidez- ou para a aposentadoria. O risco impede que a poupança caia, apesar dos juros baixíssimos.

O juro extremamente baixo, em um ambiente de pleno emprego, sugere que há sobreinvestimento, isto é, o retorno do capital, líquido da depreciação, deve ser muito baixo ou até negativo. Esse é um sinal de excesso de infraestrutura.
De fato, a economia japonesa já é tão bem servida em infraestrutura que parece não fazer muito sentido a saída keynesiana típica de turbinar os investimentos públicos na área.

Que fazer? Restam, portanto, medidas que reduzam o risco, para estimular o aumento do consumo. É necessário que haja no Japão um Estado de bem-estar mais generoso.

No limite, os gastos adicionais do Estado de bem-estar poderiam ser financiados por meio de emissão monetária direta do banco central para o Tesouro. Quebra-se um dos pilares de uma política monetária responsável.

Juro nominal nulo como fenômeno de equilíbrio de longo prazo é uma novidade. Novidades obrigam-nos a pensar fora da caixa e a criar instituições diferentes daquelas que foram pensadas para o período inflacionário que vigorou nas economias centrais do pós-guerra até a década de 1990.


Caixa de penhores - SUELY CALDAS

O ESTADÃO - 28/02

Com sua política econômica rejeitada pelo PT, pelo padrinho Lula e por quem tem poder de investir e fazer rodar a economia, a presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, conseguiram fechar o círculo de oposição ao esforço desesperado para sair do atoleiro e dar aparência de que existe comando e um governo que vai pôr o Brasil na rota do crescimento. PT e Lula, agora, propõem um plano de governo em oposição ao que ela acaba de lançar esperando seduzir empresários, investidores e o mercado financeiro.

Foi um fiasco. A descrença no governo, que já era grande, piorou. A Moody’s, única agência de risco que ainda mantinha o grau de investimento do Brasil, no dia seguinte rebaixou a nota do País em dois pontos e sinalizou viés de baixa. Dilma e Barbosa estão perdidos e os brasileiros, mergulhados no desemprego e na expansão da pobreza. A cena de uma família pobre e triste encarando o prato vazio na mesa, explorada por Dilma na eleição para condenar proposta da candidata Marina Silva, saiu do imaginário para a vida real de milhares de brasileiros. Hoje Dilma protagoniza a acusação feita à Marina e seu marqueteiro, que criou a cena da campanha, está preso.

Entre a promessa de reforma da Previdência e a apropriação indevida de dinheiro dos precatórios, há no ajuste fiscal do governo uma proposta em gestação com poder explosivo de criar problemas de difícil solução para sucessores de Dilma. Trata-se da federalização de empresas estatais estaduais que governadores repassariam para o governo federal privatizá-las, e o dinheiro da venda seria aplicado para abater o valor das prestações mensais da dívida dos Estados com a União.

Vendida como alívio ao sufoco financeiro que governadores vivem hoje, o Ministério da Fazenda ainda não detalhou a proposta, mas a comparou com a experiência vivida no governo FHC, que condicionou o alongamento da dívida dos Estados com a União à privatização dos bancos estaduais. Na época, o objetivo dos economistas de FHC era acabar com o farto uso do dinheiro desses bancos (todos carregavam rombos gigantes) para financiar campanhas eleitorais e enriquecer governadores e amigos. Para isso foi criada uma diretoria específica no Banco Central (BC), que acabou por privatizar todos os bancos e pôs fim a uma fonte poderosa de fraudes e corrupção. Regras semelhantes serviram para privatizar as distribuidoras estaduais de energia elétrica, igualmente usadas por governadores para financiar campanhas políticas. Agente da privatização, o BNDES vendeu 20 empresas estaduais de energia e arrecadou US$ 18,330 bilhões para os Estados.

Na época, a ideia deu certo porque: 1) havia vontade política do governo, pois a ideia era parte importante de uma bem arquitetada e abrangente reforma do Estado; 2) os escândalos de fraudes e roubalheiras nessas empresas penalizavam a população, que, cansada de pagar o prejuízo, deu apoio popular à privatização, tanto que a oposição feita pelo PT e sindicatos foi pobre em adesões; e 3) o governo escolheu quadros técnicos e experientes do BC e do BNDES para preparar licitações, avaliar ativos, enfim, levar as empresas a leilão com chances reais de sucesso.

Nada disso há hoje no governo Dilma. A falta de confiança tem afastado potenciais investidores e o programa de privatização se arrasta, porque não há competência técnica para conduzi-lo, além de enfrentar tiroteios vindos do próprio PT. Mas há ainda outro fator na proposta tão perigoso quanto arriscado: o governo federal virar uma caixa de penhores não de joias preciosas e valiosas penduradas no prego por governadores, mas de bijuterias vagabundas e bugigangas invendáveis.

“Cada Estado vai apresentar a empresa que acreditar ser mais interessante se desfazer em troca de uma redução no fluxo de pagamento de dívidas”, explicou o secretário do Tesouro Nacional, Otavio Ladeira. Sem nenhuma dúvida, governadores vão empurrar para Brasília suas piores empresas. Como as distribuidoras elétricas de seis Estados que há anos a Eletrobrás tenta e não consegue vender.


Parabéns pra você! - ELIANE CANTANHÊDE

O ESTADÃO - 28/02

Na década de 1990, surgiram os sem-terra na área rural. Mais adiante, vieram os sem-teto na área urbana. Pois agora está em gestação no Planalto Central a figura da presidente sem partido. Saiu Joaquim Levy, entrou Nelson Barbosa e o partido de Dilma Rousseff, o PT, continua implacável na oposição ao ajuste fiscal do governo e, portanto, à própria Dilma. Já a principal sigla da base aliada, o PMDB, retomou as articulações para o impeachment.

Durma-se com um partido desses! Ou com partidos como esses! Dilma, que já tem (e criou) problemas de sobra, deve estar dando uns bons gritos, roendo as unhas e xingando a mãe de muito petista por aí, inclusive de um tal Quaquá, presidente do PT do Rio, que deixou claro que não fazia a menor questão da presença da presidente, ontem, no aniversário do partido.

Conclusão: Dilma não queria ir à festa do próprio partido, nem o próprio partido queria Dilma num encontro com dois objetivos: atacar Dilma e defender Lula. Os bois de piranha, nos dois casos, foram os ministros Barbosa e José Eduardo Cardozo.

Já na sexta-feira, o PT mandou seus recados contra o que Levy dizia e Barbosa continua dizendo sobre a necessidade de uma política econômica responsável, capaz de fechar as contas públicas, equilibrar receitas e despesas e estancar a trajetória de queda do Brasil e dos brasileiros – sobretudo dos mais pobres – no precipício.

Segundo resolução que passou pelo Diretório Nacional, o PT “só apoia medidas pactuadas com o sindicalismo, as organizações populares e os movimentos sociais”. Ou seja, o PT se volta de costas para o seu governo e de frente para os movimentos aliados. Só topa qualquer coisa com o viés populista e sem nenhum traço de responsabilidade e pragmatismo. Sindicatos, organizações populares e movimentos sociais estão no seu direito, aliás, dever, de fazer pressão, mas o partido da presidente da República tem a obrigação de ir além, de pensar e agir estrategicamente.

Mas, não. Nega-se a admitir que a farra fiscal e a inflação atingem justamente os assalariados e os que dependem do Estado para saúde, educação, saneamento, infraestrutura. Para assegurar isso, dispensam-se discursos contra o “sacrifício do povo trabalhador” e exige-se a responsabilidade de traçar uma política econômica sólida, confiável, que garanta de fato bem-estar e direitos de médio e longo prazos desse mesmo povo trabalhador.

Na prática, o PT faz o oposto do que pretende: fala contra o “golpismo”, mas dá argumentos para o impeachment; defende a unidade, mas racha o governo para um lado e o partido para o outro; sabe que Lula e Dilma são indissociáveis, mas empurra um contra o outro; reconhece que há enorme fragilidade, mas opera para converter os convertidos e ignora reconquistar a maioria que debandou.

Em resumo, o partido da presidente age como se Dilma não tivesse mais jeito. Logo, toda a energia e todas as festas devem ser para renegar o presente, ressuscitar o passado e investir no futuro. Ou seja, contra Dilma, a favor de Lula. Só que... se Dilma não vai bem, porque seu governo destruiu a economia, Lula não está melhor, porque o dele explodiu a Petrobrás e permitiu uma farra com dinheiro público e com as empreiteiras num nível nunca antes visto e imaginado.

E O PMDB? Está sendo novamente empurrado para o PSDB e para a tese do impeachment, depois da prisão de João Santana – aliás, o grande ausente na festa do PT, junto com José Dirceu, Delcídio Amaral, André Vargas e uma penca de ex-tesoureiros. Se o PT é de oposição e o PMDB é uma ameaça, Dilma está perto de criar o movimento dos presidentes sem partido – e sem base, sem povo e sem credibilidade.

Festa do PT é para renegar o presente, ressuscitar o passado e investir no futuro

Ataque a Lula, Dilma e até Cunha - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de SP - 28/02

Há semanas de guerra fria e de guerra quente nestes dois anos em que o país vem se desmilinguindo. A guerra quente recomeçou na semana passada; a que virá será também de tiro, pancada e bomba.

Há um rumor persistente, lá de Curitiba, a respeito de uma ofensiva policial maior contra Lula e família. Além do mais, o ex-presidente foi intimado a depor sobre sítio e tríplex no Ministério Público de São Paulo, na quinta-feira (3).

O governo terá de lidar com um PT que acaba de condenar o plano econômico de Dilma Rousseff (reforma da Previdência e contenção legal de gastos do governo).

Sem o apoio do PT, vão-se alguns dos últimos fiapos de esperança de dar rumo ao governo da economia. A tentativa de Dilma 2 de assoviar e chupar cana, de satisfazer PT e o dito "mercado", não tem dado certo.

Os tiros contra o programa Dilma 2 tiveram o aval de Lula. As relações do ex-presidente com sua afilhada são descritas como "frias" no entorno luliano. Lula, de resto, voltou a dizer que quer ver pelas costas o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, "mole com a Polícia Federal".

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi triturado nas conversas da direção petista, reunida na sexta-feira (26) no Rio. O partido pregou o aprofundamento da política econômica dos anos Lula: o oposto do vago programa de Dilma 2.

Haverá o começo do estrebuchamento de Eduardo Cunha. Na quarta-feira (2), o Supremo Tribunal Federal deve transformar o presidente da Câmara em réu, acusado de receber propina do petrolão na Suíça. Quando se debate na lama em que atolou, Cunha espalha estilhaços.

Uma decisão crucial do Supremo na prática deve favorecer delações premiadas e um pique acelerado nesse jogo de denúncias. Condenados em segunda instância começam a cumprir pena na prisão, se for o caso, decidiu o STF faz dez dias.

Por acaso, nesses dias foi preso João Santana. A defesa do publicitário tem apertado o garrote de Marcelo Odebrecht: Santana troca suas penas por acusações à empreiteira. A perspectiva de cadeia pode revelar muito das relações da empresa com a campanha da reeleição de Dilma Rousseff.

Por falar em campanha, o TSE acaba de demandar investigações sobre empresas prestadoras de serviço para Dilma 2014, no mínimo outra fonte potencial de vazamentos sensacionais e convulsão político-policial.

Há rumores de mais escândalo em fundos de pensão e de mais batidas contra empresas acusadas de pagar propina para sonegar (Zelotes).

Na quinta, o IBGE divulga o crescimento do PIB em 2015. O anúncio não terá coisas boas nem coisas novas, uma recessão entre 3,5% e 4%, mas vai fazer manchetes ruins.

Apesar de a numeralha econômica do início do ano confirmar as previsões sombrias para 2016, há tímida melhoria de ânimo do consumidor. Não se entende bem o motivo, pois a inflação ainda está alta; emprego e renda baixam agora mais rápido. De qualquer modo, será difícil ver recuperação do prestígio da presidente, pelo menos enquanto durar essa temporada de guerra quente.

A Lava Jato faz dois anos no dia 17 de março, na mesma semana em que o PMDB pode tirar mais um pedaço do pé da canoa de Dilma Rousseff, ainda que alguns dos chefes do partido estejam quase afogados.


Inflação, indexação e 'feijão com arroz' - GUSTAVO FRANCO

O ESTADÃO - 28/02

Toda vez que ouço que a inflação é causada pela indexação eu sinto um frio na barriga. Sobretudo quando há um desastre fiscal em andamento, as autoridades não acham grave e muita gente pensa em elevar o gasto público.

Mas foi isso o que disse o ex-ministro Bresser-Pereira, outro dia, no Roda Viva, diante do semblante cordato, e invariavelmente debochado, do professor Belluzzo.

Bresser dizia também que vinha conversando com um parlamentar que tencionava propor uma lei vedando a indexação em relações econômicas onde o poder público fosse parte. Pelo que entendi, isso seria uma nova e poderosa ideia para prevenir ou combater a inflação.

Lembrei que os dois professores tinham sido figuras proeminentes em dois congelamentos de preços fracassados no Brasil, em 1986 e 1987, 30 anos passados. Nada a estranhar.

A ideia de que a indexação causa a inflação é um exemplo admirável de uma frase célebre do jornalista americano Henry Mencken, uma das favoritas do ex-ministro Pedro Malan, segunda a qual “para cada problema complexo, há sempre uma solução que é simples, elegante e errada”.

Afinal se a ideia fizesse algum sentido esses dois congelamentos teriam funcionado, assim como os outros três, em 1988, 1990 e 1991.

Na mente desse povo alternativo há algo que Mario Henrique Simonsen definiu certa vez como “um princípio de contra-indução”, pelo qual uma experiência que dá errado, em vez de atestar a morte de uma hipótese, resulta em nova tentativa, até que a coisa funcione.

Pois bem, é importante ter claras as razões pelas quais é um erro dizer que a indexação causa a inflação, pois esta é uma crença e muito perigosa nesse momento em particular.

Primeiro, vamos a uma definição mais precisa de indexação: trata-se de comportamento pelo qual uma pessoa, física ou jurídica, fixa seus preços e salários desejados, ou simplesmente manuseia grandezas monetárias, tendo em mente o poder de compra da moeda. Não há muito mistério aqui. As pessoas, como regra, não confundem valores nominais com valores reais, ou seja, não estão sujeitas a uma doença que os economistas designam como “ilusão monetária”.

Nos cursos de introdução a economia, quando os professores explicam esse conceito, os alunos sempre reagem como se já soubessem disso desde sempre. Podem mesmo ter aprendido antes do ensino médio, quando ganharam a primeira mesada. É este o momento onde terão de descobrir por conta própria quantos picolés se compra com aquele dinheirinho. Ninguém esquece dessa descoberta, sobretudo se, no segundo mês, o mesmo dinheiro não for suficiente para o picolé.

Portanto, a indexação é o comportamento pelo qual as pessoas demonstram que não possuem “ilusão monetária”, e pelo qual elas sempre relacionarão as grandezas nominais a algum índice que tenha a ver com o custo de vida, picolés ou dólares, pois o dinheiro é apenas um pedaço de papel, seu valor é sempre relativo a alguma coisa.

Como imaginar que um comportamento tão inocente e natural possa ser a causa da inflação? Não seria um despautério uma lei que nos obrigasse à ilusão monetária?

É claro que a indexação não causa a perda do poder de compra da moeda, esteja a indexação escrita num contrato ou apenas intuitivamente na mente das pessoas.

Proibir a indexação é como congelar preços, é como proibir o cálculo da inflação ou tentar impedir qualquer efeito que o conhecimento do índice de inflação possa ter nas ações das pessoas. Desindexação, por sua vez, é quando ninguém quer praticá-la, é o que se passa nos Estados Unidos, onde as pessoas acham mais simples não pensar em cláusulas de correção monetária, ou em contas de poder compra.

Desindexação é a ausência de restrições à indexação, coisa que ocorre em países onde as pessoas confiam que o governo não vai lhes enganar.

A ideia de criar embaraços à indexação é, na verdade, uma forma insidiosa de fazer um congelamento pela metade, ou de forma seletiva. Mas, a despeito da nossa longa experiência com esse tipo de expediente, Dilma Rousseff foi capaz de nos impor um choque heterodoxo em câmera lenta ao fazer um semicongelamento (ou “desindexação parcial”) dos preços públicos a partir de 2010 e com mais vigor em 2012.

Com esse truque velho, amansou artificialmente a inflação e obteve a sua reeleição, após a qual soltou os preços. É impressionante que a velha fórmula populista, de que se valeu o governo em 1986, 30 anos atrás, ainda pudesse funcionar.

Talvez tenha sido a passagem do tempo, que fez as pessoas esquecerem como é ser enganado pelo governo dessa forma tosca e primária. No escurinho de seu gabinete, a presidente deve rir um bocado, juntamente com seus conselheiros econômicos, daqueles que diziam que as pessoas logo perceberiam a existência de “inconsistência temporal” em suas políticas.

Mas o erro está em pensar que a malandragem, esta e todas as outras, vão ficar impunes. O preço de iludir as pessoas é um dano irreparável na credibilidade, o que parece uma descrição bem amena para o fato de que nenhuma autoridade de primeiro escalão, em nossos dias, tem coragem de sair para jantar fora num restaurante comum.

Mas o fato é que a inflação está descontrolada.

A marca de 10% é muito perigosa, pois leva naturalmente a um encolhimento da “periodicidade” com que se recontrata preços, aumenta desproporcionalmente a variância das expectativas e torna as coisas muito mais instáveis. Mesmo diante da maior recessão da história do Brasil, a inflação não cede como deveria.

Fora do mundo da fantasia dos heterodoxos e alternativos, os economistas sabem que a inflação tem a ver com expectativas. As pessoas possuem uma compreensão muito sofisticada das coisas da economia, sabem fazer conta e não confiam em Dilma Rousseff.

Ao estabelecer quantias em dinheiro, para seus preços, salários, planos e desejos, as pessoas olham para trás e para os lados, mas principalmente para o futuro. E está me parecendo que o futuro voltou para o mesmo lugar em que estava no fim de 1987, depois do colapso do Plano Bresser e a ascensão da política econômica que passou a ser conhecida como o “feijão com arroz”. O novo ministro da Fazendo Mailson da Nóbrega definiu três prioridades, duas das quais eram “controlar a inflação em níveis razoáveis para a situação, de 15% ao mês (sic), e convencer a sociedade de que não haveria congelamento”.

Está me parecendo que voltamos exatamente a esse ponto, porém com um novo feijão com arroz, onde os 15% podem valer para a inflação anual e para o desemprego, a depender dos acontecimentos. Na essência, é como se a presidente tivesse outras preocupações, e não quisesse se aborrecer mais com os temas da economia. Ou como se tivesse desistido da economia.

De fato, se a presidente tem 10 chamadas telefônicas para devolver, 9 das quais associadas aos eventos de Curitiba e uma do ministro da Fazenda, quais ela vai atender primeiro?


Criaturas de Santana - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 28/02


Era forte, muito forte o sentimento de que estavam protegidos pela capa da impunidade. Só isso explica João Santana e sua mulher, Mônica Moura. Eles trabalharam em campanhas presidenciais, usaram técnicas agressivas de publicidade e mantiveram contas secretas no exterior, onde receberam recursos de empresas e lobistas. Isso, depois de Duda Mendonça ter admitido que assim é que o PT lhe pagava.
Este não é o primeiro grande caso de corrupção investigado no Brasil. O Mensalão colocou o ex-chefe de Santana diante de uma CPI e da Justiça. Duda escapou do pior, mas ajudou a revelar o esquema. Disse que foi forçado pelo PT a abrir uma offshore para receber parte do dinheiro. Admitiu o caixa dois e pagou a multa.
De lá para cá, o país está claramente dobrando sua aposta no combate à corrupção através do Ministério Público, da Justiça e Polícia Federal. A Lava-Jato tem métodos e ação mais precisos, mais elaborados. Santana e Mônica acham que poderão se livrar com a estratégia de admitir alguma coisa para perder os anéis e ficar com os dedos. Eles reconhecem a existência de contas no exterior não declaradas, mas Santana diz que não sabe quem depositou nessa conta e seu advogado corrobora: “ele é um criador.”
Na Pólis de Santana e Mônica, as criaturas não tinham limites. Elas podiam subestimar a inteligência alheia, manipular os sentimentos, mentir sobre adversários e escamotear a crise que agora nos consome. As criações de João Santana fizeram mal ao país e à democracia brasileira, mas isso não levaria o casal à prisão. Revela, contudo, a arrogância e a sensação de impunidade que tinham. Ele fez tudo isso, enquanto dinheiro duvidoso era depositado por lobista e por empreiteira em uma de suas contas. A planilha da Odebrecht divulgada pela Época indica que pode ter havido ligação mais direta. Santana orientava Dilma Rousseff a mentir em debates e entrevistas, vivia na intimidade do poder como conselheiro político mesmo após as eleições, enquanto tinha seis contas não declaradas no exterior. Em novembro passado, diante dos avanços da Lava-Jato, fez uma declaração retificadora na Receita admitindo cinco contas, mas não a que recebeu o dinheiro de Zwi Skornicki e da Odebrecht.
O que contaram Santana e Mônica nos depoimentos é risível. Receberam no exterior porque trabalharam no exterior, não trouxeram o dinheiro, mas pretendiam fazê-lo, receberam caixa dois, mas nunca no Brasil, e sim em suas campanhas presidenciais em outros países. Mônica cuidava de toda a parte administrativa e financeira, a tal ponto que o distraído criador nem sabe dizer quanto e quem lhe pagou. A estratégia clara é admitir crimes menores para se livrar da cadeia e também proteger a presidente Dilma Rousseff e seu mandato.
No exterior, eles trabalharam para presidentes como Hugo Chávez e José Eduardo dos Santos e por essas campanhas admitem caixa dois. O que liga os dois políticos é a prática antidemocrática. José Eduardo do Santos é presidente desde 1979, seu governo é uma ditadura corrupta que faz eleições para encobrir seu caráter autoritário. Sua filha Isabel dos Santos é considerada a mulher mais rica da África, com fortuna avaliada em US$ 3,7 bilhões pela revista “Forbes”. Sua riqueza tem relação direta com o ambiente de corrupção instalado pelo governo para o qual João Santana trabalhou. Hugo Chávez tinha, como todos vimos, a decisão de se eternizar no poder, golpeando as instituições. Ele morreu, mas deixou seu ectoplasma que governa o país rumo à ruína.
Pela versão das primeiras horas após a prisão, eles aceitaram dinheiro de origem duvidosa, mas só no exterior. No Brasil, tudo foi feito dentro da lei. Uma delinquência com limites geográficos. No início da campanha, ele concedeu uma entrevista ao jornalista Luiz Maklouf na “Época”, em que disse que a presidente Dilma ganharia fácil no primeiro turno, enquanto haveria com os outros candidatos uma “antropofagia de anões”, e explicou: “eles vão se comer lá embaixo e ela, sobranceira, vai planar no Olimpo”. A história não foi assim, houve segundo turno, mas o que o país quer saber agora é o que aconteceu no Olimpo. Ele diz de si mesmo que tem ideias muito rápidas. Agora é a hora de mostrar isso, mas que a ideia seja crível, porque os velhos truques não funcionam mais. O país está mudando.

É o fim do caminho - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 28/02

A situação de Dilma e a do chavismo convergem para um mesmo ponto


“A liberdade é vermelha”, escreve num post de Paris Mônica Moura, mulher do marqueteiro João Santana. É uma alusão a uma trilogia de filmes inspirados nas cores da bandeira francesa. O primeiro deles se chamou “A liberdade é azul”. É compreensível que Mônica Moura tenha escolhido o vermelho entre as cores da bandeira. E que tenha escolhido a liberdade do lema da Revolução Francesa, que também conta com fraternidade e igualdade.

João Santana e Mônica ficaram milionários levantando a bandeira vermelha, no Brasil, na Venezuela, com as campanhas agressivas do PT e do chavismo. Com os bolsos entupidos de dólares, a liberdade é vermelha, pois à custa da manipulação dos eleitores latino-americanos, João Santana e Mônica Moura podem viajar pelo mundo com um padrão de vida milionário.

Mas chega o momento em que a cadeia é vermelha, e Mônica Moura não percebeu essa inversão. Nas celas da Polícia Federal e do presídio em Curitiba, o vermelho predomina. José Dirceu, Vaccari, o PT é vermelho. Marcelo Odebrecht, a Odebrecht é vermelha, basta olhar seus cartazes.

Uma vez entrei na Papuda e filmei uma cela vermelha com o número 13. Os condenados do mensalão estavam a ocupar o presídio. A divulgação da imagem foi um Deus nos acuda, insultos: as pessoas não têm muita paciência para símbolos. Mônica Moura fala esta linguagem. Se tivesse visto o take de seis segundos da cela vermelha, ela iria buscar outra cor para a liberdade.

A situação de Dilma e a do chavismo convergem para um mesmo ponto: tanto lá quanto aqui a aspiração majoritária é derrubá-los do poder. João Santana, num país onde se valoriza a esperteza, foi considerado um gênio. Gênio da propaganda enganosa, dos melodramas, dos ataques sórdidos contra adversários. O único critério usado é a eficácia eleitoral avaliada em milhões de dólares, certamente com taxa extra para os postes, Dilma e Haddad.

Sua obra continental se espelha também no resultado dos governos que ajudou a eleger: Dilma e Maduro são rejeitados pela maioria em seus países. O que aconteceu na semana passada é simplesmente o fim do caminho. Com abundantes documentos, cooperação dos Estados Unidos e da Suíça, não há espaço para truque de marqueteiros.

O dinheiro de Santana não veio de fora. Saiu do Brasil. Saiu de uma empresa que tinha negócios com a Petrobras, foi mandado para o exterior por seu lobista Zwi Skornicki. E saiu também pela Odebrecht.

A Lava-Jato demonstrou que a campanha de Dilma foi feita com dinheiro roubado da Petrobras. E agora? Não é uma tese política, mas um fato, com transações documentadas.

Na semana passada ouvi os panelaços por causa do programa do PT. O programa foi ao ar um dia depois da prisão de João Santana. Mas o tom era o mesmo, uma mistificação para levantar os ânimos. E um pedido de Lula: parem de falar da crise que as coisas melhoram.

Em que mundo eles estão? Em 2003, já afirmei numa entrevista que o PT estava morto como proposta renovadora. Um pouco adiante, com o mensalão, escrevi “Flores para los muertos”, mostrando como uma experiência que se dizia histórica terminou na porta da delegacia.

Na semana passada, escrevi “O processo de morrer”. Não tenho mais saída exceto apelar para “O livro tibetano dos mortos”, que dá conselhos aos que já não estão entre nós. O conselho é seguir em frente, não se apegar, não ficar rondando o mundo que deixaram.

Experimentei aquele panelaço como uma cerimônia de exorcismo: as pessoas saíam às janelas e varandas para espantar fantasmas que ainda estavam rondando as casas. Poc, poc, poc. Na noite escura, o silêncio, um grito ao longe: fora PT. E o PT na tela convidando para entrar nas fantasias paradisíacas tipo João Santana, já trancafiado numa cela da PF em Curitiba.

Simplesmente não dá para continuar mais neste pesadelo de um país em crise, epidemia de zika, desemprego, desastres ambientais, é preciso desatar o nó, encontrar um governo provisório que nos leve a 2018.

De todas as frentes da crise, a que mais depende da vontade das pessoas é a política. Se o Congresso apoiado por um movimento popular não resolver, o TSE acabará resolvendo. Com isso que está aí o Brasil chegará a 2018 como um caco, não só pela exaustão material, mas também por não ter punido um governo que se elegeu com dinheiro do assalto à Petrobras.

É hora de o país pegar o impulso da Lava-Jato: carro limpo, governo derrubado, de novo na estrada. É uma estrada dura, contenções, recuperação da credibilidade, quebradeira nos estados e cidades. É pau, é pedra, é o fim do caminho.

A semana, com a prisão do marqueteiro do PT e os dados sobre as transações financeiras, trouxe mais claramente o sentido de urgência. E a esperança de sair desta maré.

Esquema político na AL - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 28/02

Assim como ao investigar o triplex que seria do ex-presidente Lula no Guarujá a Operação Lava Jato deparou-se com diversos apartamentos registrados em offshores no Panamá, fazendo com que os procuradores do Ministério Público Federal vislumbrassem que haviam chegado a um novo filão de crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro, também ao investigar as contas internacionais, secretas ou declaradas, do marqueteiro João Santana a operação pode ter se deparado com um grande esquema ilegal de financiamento de projetos políticos de esquerda pela América Latina e a África.
Em diversos desses países, o marqueteiro João Santana recebeu pagamentos ilegais através de empresas offshores irrigadas pela Odebrecht, que também tinha interesses na eleição de políticos do esquema devido a financiamentos de grandes obras de infraestrutura.
Esse projeto de esquerda que chegou ao poder há cerca de 15 anos na região com a primeira eleição de Hugo Chavez na Venezuela, foi gestado no Foro de São Paulo, organismo criado por Lula e Fidel Castro em 1990 a partir de um seminário internacional em São Paulo. Partidos e organizações políticas da América Latina e do Caribe, em baixa naquele momento, se reuniram para discutir uma atuação conjunta de resistência ao que consideravam "políticas neoliberais" que dominavam a região.
A integração latino-americana passou a ser um projeto comum com a chegada ao poder de vários daqueles líderes. Hoje, embora muitos deles continuem no poder, os ventos políticos na região estão mudando. Na Bolívia, Evo Morales, do Movimento para o Socialismo, acabou de perder o plebiscito e não poderá concorrer a um quarto mandato. No Brasil, Dilma Rousseff do PT enfrenta a ameaça de um processo de impeachment; na República Dominicana, Danilo Medina (Partido de Libertação Dominicana) corre o risco de perder a reeleição devido ao escândalo da prisão do marqueteiro João Santana no Brasil.
A Venezuela passa por uma crise econômica e política sem precedentes e Nicolás Maduro, do Partido Socialista Unido da Venezuela, perdeu o domínio do Congresso em eleições recentes. Continuam no poder vários outros membros do Foro de São Paulo: Chile - Michelle Bachelet (Partido Socialista do Chile) Cuba - Raúl Castro (Partido Comunista de Cuba) Dominica - Roosevelt Skerrit (Partido Trabalhista da Dominica) Equador - Rafael Correa (Alianza País) El Salvador - Salvador Sánchez Cerén (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional) Nicarágua - Daniel Ortega (Frente Sandinista de Libertação Nacional) Peru - Ollanta Humala (Partido Nacionalista Peruano) Uruguai -Tabaré Vázquez (Frente Ampla). Olanta Humala aparece em uma das anotações apreendidas pela Operação Lava Jato, mas nega que tenha recebido dinheiro da Odebrecht.
A atuação internacional da empresa de João Santana começou em 2003*, na Argentina, onde coordenou campanhas legislativas, municipais e governamentais até 2007 na região de Córdoba. Em El Salvador, a Pólis fez a campanha que elegeu presidente Maurício Funes, em 2009, eleito pela Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), grupo guerrilheiro formado nos anos 1980 que se transformou em partido em 1992 e nunca havia chegado ao poder.
Em 2012, a Pólis atuou em três campanhas. Em Angola, elegeu o presidente José Eduardo dos Santos pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). No mesmo ano, reelegeu na Venezuela o ex-presidente Hugo Chávez.
Na República Dominicana, também em 2012, Santana coordenou a campanha de Danilo Medina, que disputou contra o ex-presidente Hipólito Mejía. Nesse período, João Santana também coordenou o marketing político da campanha de José Eduardo Santos em Angola, que teria custado U$ 50 milhões, sendo que parte foi paga em dinheiro não contabilizado na offshore dos Santana na Suíça. A Operação Lava Jato está desvendado toda essa rede de corrupção de campanhas políticas na América Latina, Caribe e África, definindo qual o papel da Odebrecht na distribuição ilegal de dinheiro pela região em que tem interesses em grandes obras de infra estrutura, a maioria delas financiadas pelo BNDES.

*Os dados sobre a atuação internacional de João Santana foram retirados de matéria do G1.

A Bolsa Angra x a cana de Curitiba - ELIO GASPARI

Folha de SP - 28/02

A decisão do Supremo Tribunal Federal que abriu as portas da cadeia para condenados em duas instâncias virou o jogo para os maganos apanhados na Lava Jato. Até então, com advogados caros e paciência, os réus podiam ficar em liberdade, ganhando tempo com recursos judiciais. Agora esperarão trancados.

Tomem-se dois exemplos:

Ricardo Pessoa, o homem da UTC, foi preso em novembro 2014, começou negando quase tudo e, meses depois, o Supremo soltou-o. Desmentindo a patranha segundo a qual os acusados colaboram para sair da tranca, Pessoa negociou sua colaboração em liberdade. Aceitou pagar uma multa de R$ 51 milhões e em troca recebeu a garantia de que não será condenado a mais de 18 anos de prisão. Não cumprirá tempo de cadeia. Durante até três anos poderá trabalhar, obrigando-se a ficar em casa à noite e nos fins de semana. Daí em diante, terá liberdade condicional.

Em geral, os réus da Lava Jato são abonados senhores que já passaram dos cinquenta anos. Com a colaboração que deram à Viúva, permitindo à Lava Jato chegar onde chegou, habilitam-se a viver numa boa casa em Angra do Reis ou numa zona de conforto semelhante, passando algum tempo al mare ou numa quadra de tênis. É a Bolsa Angra, usufruída por Pedro Barusco e Julio Camargo.

"Léo" Pinheiro, o presidente da OAS, foi preso no mesmo arrastão em que entrou Pessoa. Como ele, foi libertado pelo STF. Preferiu o silêncio. Em agosto, foi condenado pelo juiz Sergio Moro a 16 anos de prisão. Se o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmar a sentença, ele irá para a penitenciária. Lá, os presos devem andar de cabeça baixa, com as mãos para trás. Assim deverá esperar o julgamento de seus recursos. Não é à toa que ressurgiram os murmúrios de que negociará sua colaboração.

No mesmo caso entra o engenheiro Zwi Skornicki, castelão de uma boa casa na Barra da Tijuca, outra em Itaipava, onde guardava uma coleção de brinquedos.

(Pelo menos oito automóveis, entre eles um Porsche.) Sua terceira casa, em Angra, é cinematográfica. Tem três níveis e duas alas, uma para os caseiros. Elas ligam-se por uma pérgula coberta. Nada mal.

A PRISÃO DE LULA

Quem conhece os movimentos da Operação Lava Jato assegura:

O time vestiu o uniforme, calçou as chuteiras e quer entrar em campo para buscar a prisão de Lula.

Para que isso aconteça são necessárias algumas condições:

1ª- Que o juiz Sergio Moro aceite o pedido.

2ª- Que a acusação tenha força suficiente para não ser derrubada no Superior Tribunal de Justiça. Isso, entendendo-se que, se Moro conceder o pedido, é improvável que a medida seja revogada no Tribunal Federal da 4ª Região.

3ª- Ultrapassados esses dois obstáculos, restará um julgamento no Supremo Tribunal.

Ninguém pode saber qual será o desfecho de cada uma dessas situações. De qualquer forma, fica uma certeza: a infantaria da Lava Jato jogaria numa só mão de carta todas as fichas que acumulou ao logo de dois anos de trabalho. Ganhando, quebra a banca. Perdendo, fica sem uma perna.

Quando a Polícia Federal informou que "o possível envolvimento do ex-presidente da República em práticas criminosas deve ser tratado com parcimônia", estava dizendo mais que isso. Afinal, se o problema fosse de parcimônia, não precisava ter dito nada.

CAMPEÕES

Nosso Guia e a doutora venderam a ideia de que os "campeões nacionais" fortaleceriam o Brasil como exportador de serviços.

Conseguiram exportar muita coisa, inclusive corrupção.

Angola e Venezuela eram pedras cantadas há anos. Um conhecedor da vida angolana desde o tempo em que o MPLA era virgem, dizia que "lá, você só pode botar a mão no fogo pelo escritor Pepetela". José Eduardo dos Santos governa o país desde 1979 e sua filha é a mulher mais rica d'África.

PONTUALIDADE

Pérola encontrada no depoimento do empresário Milton Pascowitch ao Ministério Público da Lava Jato:

MP: Com qual periodicidade que eles retiravam esse dinheiro?

Pascowitch: Ah, rezavam para chegar no final do mês.

MP: Mensalmente?

Pascowitch: Mensalmente.

FRIGIDEIRA

No final de janeiro, a dona de uma loja de materiais de construção de Atibaia disse ao repórter Flávio Ferreira que a Odebrecht pagava as contas das obras na propriedade. Coisa de R$ 500 mil, em dinheiro vivo. Quem cuidava do trabalho era o engenheiro Frederico Barbosa, da Odebrecht.

A empreiteira disse que não sabia de nada, e Barbosa informou que fazia esse serviço nas férias.

Seria o jogo jogado se não houvesse o risco de estar obstruindo a investigação.

Passaram-se quatro dias e a Odebrecht reconheceu que Barbosa trabalhava na obra a pedido de um de seus chefes na empresa.

Do jeito que estava a coisa, numa transação que envolvia o lazer de um ex-presidente e a maior empreiteira do país, quem iria para a frigideira seria um engenheiro.

ZELOTES

Chamando o presidente da Gerdau para se explicar, a Operação Zelotes mostra que recuperou seu foco inicial: o propinoduto de grandes empresas e bancos, azeitando decisões no Conselho de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda.
É lá que mora um dragão.

CURITIBA

Pode ter sido coincidência, mas numa época de contração do mercado de voos comerciais, a Avianca anunciou que começará a operar um novo voo diário (o quarto), de São Paulo para Curitiba.

UM AMERICANO RECONTA O IMPÉRIO
O professor William Summerhill, da Universidade da Califórnia, é um bruxo da pesquisa econômica. Em 1998, ele publicou um artigo sobre a construção de ferrovias até os primeiros anos da República e virou de cabeça para baixo a sabedoria convencional que envolvia o assunto. Elas foram um operação bem sucedida, fator de grande progresso. Summerhill está de novo nas livrarias americanas com "Inglorious Revolution" (em tradução livre, "Uma Revolução Inglória - Instituições Políticas, Dívida Soberana e Subdesenvolvimento Financeiro no Brasil Imperial").

Trabalho prodigioso de pesquisa lida com um paradoxo: A teoria ensina que os países que honram suas dívidas progridem. Durante todo o Império, o Brasil honrou suas dívidas interna e externa e não progrediu. O crédito do Império em Londres era tão sólido que resistiu até a um rompimento de relações com a Inglaterra.

Entre os muitos fatores do atraso, um está aí até hoje. O sistema de crédito era controlado pelo governo, mas a banca, concentrada e com poderosas conexões, controlava o governo. Os grandes fazendeiros do café conseguiam dinheiro a 8% ao ano. Na Bahia, a 12%. Em Minas e Pernambuco, até a 30%.

O artigo das ferrovias, bem como "Order Against Progress" ("Ordem contra o Progresso"), o livro que resultou de sua expansão, publicado em 2003, não foram traduzidos para o português. Olavo Bilac tinha razão, o português, a ultima flor do Lácio, é esplendor e sepultura.