sexta-feira, janeiro 29, 2016

O pacote de crédito, no varejo - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 29/01

A propaganda diz que o governo tomou medidas a fim de aumentar em R$ 83 bilhões o total de empréstimos para empresas e consumidores, uma dinheirama prontinha para ser emprestada a gente prontinha para tomar empréstimos.

Não é bem assim.

Não se sabe se vai haver interessados em conceder e tomar empréstimos; parte do pacote se destina a atenuar as agruras de gente superendividada ou é refinanciamento. Não se sabe até quando esse dinheiro vai sair do papel.

Isto posto, empresários e sindicalistas ficaram contentes. Algo inquietante, o FGTS é a vaca leiteira do pacote: 60% dos fundos potenciais vêm de lá.

Até R$ 17 bilhões podem ser emprestados a quem quiser fazer empréstimo consignado usando o FGTS como garantia (se der calote, seu FGTS cobre). Isso ainda depende de mudança legal. Aprovado, baratearia empréstimos para muita gente enforcada em, por exemplo, cartão de crédito e cheque especial.

Outros R$ 15 bilhões do pacote serão destinados à renegociação de dívidas de empresas que compraram máquinas e equipamentos com crédito do BNDES (do Programa de Sustentação do Investimento, PSI). Trata-se de ajudar quem investiu e, em parte devido à crise, tem dificuldade de pagar as prestações.

O crédito para a compra de imóveis pode aumentar em até R$ 10 bilhões nos bancos caso essas instituições financeiras vendam ao FGTS empréstimos que já concederam. Isto é, o FGTS compraria Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), uma aplicação que rende o valor das prestações dos imóveis.

A instituição financeira que vende esse crédito ao FGTS (vende o direito de receber as prestações imobiliárias, o CRI) fica então com mais capital para emprestar a possíveis novos interessados em financiamentos imobiliários. Trata-se em tese de bom dinheiro: em 2015, venderam-se R$ 8,5 bilhões em CRIs.

O dinheiro para financiar o início da produção agrícola já fora anunciado. No final de 2015, fez-se uma gambiarra esperta para que o Banco do Brasil ofereça R$ 10 bilhões para o chamado "pré-custeio", dinheiro que não emprestava porque o governo não tinha dinheiro para bancar o subsídio, compensar o banco (a taxa de juros é negativa, abaixo da inflação). Agora, haverá subsídio indireto.

Outros R$ 5 bilhões iriam para o capital de giro de pequenas empresas (financiar estoques, clientes, pagamentos a fornecedores), graças a um programa de garantia chamado BNDES FGI. Empresas menores têm dificuldade de arrumar garantias exigidas por bancos. Assim, não conseguem crédito ou pagam caro. Pelo FGI, o BNDES oferece a garantia que o empresário mais modesto não tem. Esse mecanismo pode ser um alívio para os asfixiados por crédito caro e fornecedores inclementes, um calmante de quebradeiras.

Enfim, há R$ 22 bilhões para infraestrutura, na prática outra "linha de crédito" com dinheiro do FGTS. A ideia é facilitar o processo de concessão de empréstimos. O dinheiro já está lá. Basta saber se e quanto investimento em infraestrutura haverá para fazer. A coisa anda mal parada desde 2013, pelo menos.

No varejo, não é mau. Pode evitar que mais gente se afogue na lama da crise. O problema é que, no atacado, o governo não apareceu com planos para tirar o país do atoleiro.


Explicações esfarrapadas - CELSO MING

ESTADÃO - 29/01

A ata foi divulgada nesta quinta-feira sem que nela fosse apontada nenhuma razão técnica para a intempestiva mudança de posição do Banco Central

O Banco Central não convenceu. Por que mudou de rumo? Porque sim. Quem não entendeu que fique sem entender.

Para quem está chegando agora ao assunto, convém recapitular os fatos. Por meio de todos os documentos oficiais e por entrevistas, os diretores do Banco Central haviam preparado o mercado para novo ciclo de alta dos juros, com base na aceleração da inflação. No entanto, em atitude inédita, e só na véspera da reunião do Copom realizada dia 20, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, divulgou nota oficial em que indicava súbita virada no jogo, com base em novas projeções do PIB global anunciadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). É um critério esquisito, na medida em que nunca se viram projeções do FMI serem tomadas como parâmetro de definição de política de juros de nenhum banco central.

Em vez de voltar a puxar os juros para cima, como indicavam os avisos, a decisão do Copom foi mantê-los onde estavam, nos 14,25% ao ano. Prevaleceu entre os analistas a suspeita de que, para não mais puxar pelos juros, o Banco Central obedeceu não a critérios técnicos – e haveria um punhado deles–, mas a ordens superiores, com o que a autonomia da autoridade monetária teria ido para a cucuia, como se diz em Piracicaba.

Mas haveria a Ata do Copom, o instrumento por meio do qual o Banco Central poderia dar suas explicações. A ata foi divulgada nesta quinta-feira sem que nela fosse apontada nenhuma razão técnica para a intempestiva mudança de posição do Banco Central.

O parágrafo 28 fala em incertezas. Entre elas estão os notórios problemas fiscais do Brasil, cuja gravidade, diga-se, não vinha sendo apontada pelo Banco Central até então. Outros focos de incerteza que teriam levado o Banco Central a fazer o que fez foram a demora no realinhamento dos preços que o governo atrasou propositalmente em 2014; e a piora do cenário externo, especialmente as rateadas do motor econômico da China e o afundamento dos preços do petróleo.

São fatos inegáveis. O Banco Central só não conseguiu explicar como esses fatores de repente passaram a trabalhar para derrubar a inflação a ponto de dispensar a nova alta de juros que vinha sendo insistentemente cantada. A desordem fiscal, por exemplo, faz o contrário, concorre para aumentar a inflação; a crise global começou em 2008 e, ainda que possa se agravar e produzir deflação, até agora não contribuiu para derrubar a inflação interna; e o tombo dos preços do petróleo, que começou em 2014, também vem ajudando pouco aqui dentro, porque os preços internos dos combustíveis continuam os mesmos, desta vez para funcionar como muleta para a Petrobrás.

Outra vez: há razões técnicas para justificar até mesmo uma queda – e não apenas a manutenção dos juros internos nos mesmos níveis. O Banco Central poderia, por exemplo, argumentar que a recessão e a queda de renda estão suficientemente intensas para derrubar o consumo, fator que, por sua vez, acabaria puxando os preços para baixo sem o concurso de maior aperto monetário. No entanto, a ata não vai por esse caminho nem explica por que, de um dia para o outro, o que era para valer deixou de valer.

CONFIRA:


evolução rendimento real

Veja acima a evolução do rendimento real da população ocupada.


Tombo na renda
O nível de desemprego de dezembro ficou menor do que o de novembro: 6,9% ante 7,5%. Mas isso não deve ser tomado como indicação de melhora do mercado de trabalho, porque dezembro é mês atípico: há redução de procura de trabalho por aumento da ocupação (vendas de final de ano). A informação mais relevante é a da queda real da renda em relação a dezembro de 2014 (-5,8%), o que deve levar à redução do consumo e, a partir daí, à queda da atividade econômica.

A urgência da hora - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 29/01

O país vive uma crise avassaladora que justifica chamar representantes da sociedade, ouvir sugestões e propor medidas. Mas tudo só faria sentido se as propostas tivessem a dimensão da crise. O governo precisa ter noção de que estamos afundando e que as más notícias diárias podem ter entorpecido os seus sentidos, mas não domestica a crise. Ela está piorando.

O ex-ministro Delfim Netto fez um chamado à ação em declarações nos últimos dias que repercutiram porque é isso que muita gente sente. Numa entrevista para Claudia Safatle, do Valor Econômico, disse que a presidente Dilma precisa governar. Ontem, estive com ele, no seu escritório em São Paulo, e gravei uma entrevista para a Globonews. Em resumo, o que tem dito é que a presidente precisa ir ao Congresso e propor reformas fortes que sempre foram bloqueadas pelo seu partido. É uma emergência. “É para salvar o país”.

Delfim traça o quadro. O país já está com 10 milhões de desempregados. A recessão deve destruir outros 4% do PIB este ano. Ontem, foram divulgadas as contas do governo central: um déficit de R$ 115 bilhões. Há empresas, segundo me contou esta semana o economista José Roberto Mendonça de Barros, que, apesar de sólidas e bem geridas, tiveram uma escalada de endividamento em poucos meses. Não porque tomaram mais crédito, mas porque o faturamento caiu drasticamente e a dívida/ebitda deu um salto. O que vários economistas estão dizendo, independentemente de diferenças de pensamento entre eles, é que a partir de um determinado ponto uma crise escala e o país despenca.

O sinal de alerta de que estamos neste momento criando sequelas irreversíveis é a propagação do zika, esse inimigo do futuro. O vírus, ao destruir cérebros dos não nascidos, construiu a metáfora trágica deste momento de descuido, de descontrole, de desgoverno. Alguns casos nos Estados Unidos fizeram o presidente Barack Obama invocar a segurança nacional. É de segurança nacional que se trata, e não de torcer para que as mulheres contraiam o vírus antes de engravidar.

Havia interesse na reunião do Conselho Econômico e Social de ontem. Dois ex-conselheiros estão na prisão, Marcelo Odebrecht e José Carlos Bumlai, mas isso não desmerece o grupo. Ele tem pessoas relevantes em diversas áreas. Mas tudo foi feito na mesmice de sempre. Alguns elogios, como o da presidente da UNE, que disse que “os estudantes foram os mais privilegiados pelas políticas sociais do país”. Felizmente, a UNE não representa os estudantes brasileiros, porque se tivéssemos, a esta altura, uma juventude conformada seria ainda mais difícil encontrar o futuro. A propósito, o desemprego atinge principalmente os jovens.

A reunião foi fechada, apesar de atrair interesse. O país podia apenas acompanhar as pílulas distribuídas pela conta do Conselho no Twitter. Que segredo o governo queria guardar? Um segredo entregue a 100 pessoas?

Alexandre Tombini, presidente do Banco Central de um país que está com inflação de dois dígitos, disse que “permanecerá” vigilante e tomará as “medidas necessárias” para ter a inflação em 4,5% em 2017. O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, que fez parte das alquimias e invenções que arruinaram os cofres, propôs uma novidade. Duas. Um limite legal para o crescimento do gasto, mas, ao mesmo tempo, uma margem legal para acomodar as flutuações de receita. Propôs uma coisa e o seu contrário. Haverá limite, mas apenas se der para cumprir.

O país precisa de mudanças mais radicais. Tão profundas quanto a crise em que afundamos. De uma, a presidente Dilma falou, mas de forma contraditória: a reforma da Previdência que, pelo que disse, será um omelete que não quebrará ovos. Vai se tornar sustentável, mas não vai ferir direitos adquiridos nem expectativas de direito. Desta forma, ela só entraria em vigor quando os trabalhadores de hoje já estivessem aposentados. Será tarde.

A proposta concreta feita pelo ministro da Fazenda é maior do que o número antecipado nos jornais, mas é, de novo, ofertar mais crédito a um país endividado, inclusive com a sandice de usar o FGTS como garantia. Teria sido uma boa ideia conversar sobre a crise com líderes da sociedade, se o governo não fosse tão sem noção da urgência da hora.


A ética dos sem-noção - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 29/01

Outro dia fiz um comentário no J10 da Globonews que merece aprofundamento, a respeito da sem-cerimônia com que a ex-ministra do Gabinete Civil Erenice Guerra transita nos bastidores em Brasília, mesmo depois de ter sido demitida do seu cargo devido a acusações de tráfico de influência em favor de seu filho.

Além do fato corriqueiro de que Erenice só dispõe desse poder todo por sua ligação evidente com a hoje presidente Dilma - que se diz inatacável, mas não move uma palha para impedir que sua amiga continue traficando influência em Brasília -, é preciso discutir a noção de ética desses lobistas e das autoridades envolvidas na série de escândalos que estão sendo desvendados. Golpistas querem confundir o lobby com o pagamento de propinas.

Erenice Guerra está depondo no processo de compra de medidas provisórias, e admitiu à Polícia Federal que atuou em conjunto com o escritório de advocacia de José Ricardo da Silva, preso na Operação Zelotes, para solucionar uma grande dívida da empresa chinesa Huawei, que seria decidida justamente pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), onde José Ricardo era membro efetivo, ligado ao Ministério da Fazenda.

Questionada sobre o conflito de interesses claro que havia em um conselheiro de um órgão governamental advogar contra o próprio governo, candidamente Erenice disse que perguntou a José Ricardo sobre isso, e ele lhe garantiu que não havia nada na lei que o impedisse de advogar, desde que o caso não estivesse sendo julgado por sua turma.

Insurgi-me contra essa "ingenuidade" da ex-ministra, argumentando que, mesmo que tudo o que não é proibido em lei seja permitido, havia uma questão de ética pública a impedir esse procedimento. Mas a ministra Cármem Lúcia, no exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), me chamou a atenção para o fato de que essa máxima vale para a pessoa física, mas não para o servidor público. Para este, o que a lei não permite é proibido.

Há o entendimento no Direito de que o Princípio da Legalidade, cláusula pétrea de nossa Constituição, é uma garantia de a pessoa praticar atos, desde que a lei não proíba. Mas na administração pública ele tem sentido mais amplo, pois não pode o administrador público fazer algo que a lei não permita expressamente.

Não bastasse esse critério, que não é passível de interpretação e baseia o Código de Ética do Servidor Público, que tem um Conselho ligado à Presidência da República justamente para impedir que a ética pública seja desrespeitada, há o Estatuto da Advocacia que, nos artigos 27 e 28, da lei 8.096, de 4 de julho de 1994, trata da incompatibilidades e impedimentos do advogado.

"Art. 27. A incompatibilidade determina a proibição total, e o impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia"

"Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades: II - membros do órgão do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta" Mais claro impossível. O Carf é um órgão colegiado do Ministério da Fazenda, que tem por missão julgar recursos fiscais.

Lembrei-me também de uma palestra do historiador Boris Fausto na Academia Brasileira de Letras, onde ele comentou as questões éticas de nossa atualidade política. Fausto se recusou a considerar que os políticos atuais sejam piores que seus antecessores históricos, preferindo atribuir a decadência que estamos vivenciando na questão ética a circunstâncias históricas do desenvolvimento do país, como o crescimento avassalador do capitalismo de Estado, fazendo surgir uma nova classe dirigente, identificada originalmente pelo sociólogo Francisco Oliveira - que mistura o poder sindicalista emergente, dominando os fundos de pensão das estatais, e as megaempresas multinacionais.

E a consequente possibilidade de ganhar muito dinheiro também com a prevalência, a exemplo do que ocorre no mundo globalizado, do sistema financeiro. Boris Fausto chamou a atenção para a naturalização dos desvios éticos, que são explicados ou com desculpas do tipo "sempre foi assim" ou com versões muitas vezes fantasiosa, mas que acabam resolvendo a questão, por mais absurdas que possam parecer.

Com todos os casos que estão sendo revelados pela Operação Lava-Jato e pela Zelotes, Boris Fausto não podia ter definido melhor nossa situação. A partir de agora, essa distinção entre o público e o privado, a pessoa física e o servidor público, vai ser centro de nossa vida pública, e os homens públicos serão chamados a se definir.


O pacote de crédito e as eleições - RAQUEL LANDIN

FOLHA DE SP - 29/01

Ao participar do Fórum de Econômico de Davos na Suíça, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, disse que levaria o "cavalo para beber água". Com essa analogia, tentava explicar a lógica o pacote de R$ 83 bilhões de estímulo ao crédito anunciado nesta quinta-feira (28).

A aposta do governo é que empresas e famílias estão com "sede" de crédito e vão acabar tomando novos empréstimos, ao contrário da expectativa de boa parte dos analistas do setor privado. Para os economistas, a recessão, o desemprego, a inflação e o alto nível de endividamento reduzem a demanda por crédito, reduzindo os efeitos das medidas.

Também utilizando uma analogia, esse pacote tem sabor de comida requentada. A essência é igual ao que foi feito nos últimos anos, só que com menos margem de manobra por causa do estrago nas contas públicas do primeiro mandato de Dilma.

De novo, o governo vai utilizar os bancos e fundos públicos - BNDES, Caixa, Banco do Brasil, FI-FGTS - para emprestar a juros atraentes para alguns setores. A diferença é que o Tesouro não tem recursos para subsidiar diretamente e o dinheiro vai ter que sair totalmente do lucro dessas instituições.

Os setores e modalidades incentivados - consignado, habitacional, construção civil, máquinas e equipamentos, pequenas e médias empresas, exportadores, rural- mostram que até existe uma tentativa de elevar os investimentos, mas a grande preocupação é estimular o consumo.

A prioridade em destravar o crédito mostra que, mais uma vez, o interesse do governo é, principalmente, político e não econômico. Pressionado pelo PT, Barbosa se esforça para estancar a recessão e provocar pelo menos um leve crescimento do PIB, a fim de dar alento aos candidatos petistas nas eleições municipais e, principalmente, na disputa do pleito presidencial em 2018.

É verdade que os bancos estão restritivos na concessão de crédito e essas medidas poderiam dar uma perspectiva positiva para a economia brasileira, desde que acompanhadas do ajuste fiscal e das reformas previdenciária, trabalhista e política, além de forte estímulo às concessões de infraestrutura. Sem as reformas, não haverá mudança de expectativa, retomada do investimento, e retorno ao crescimento.

Se os economistas já duvidam que esse pacote de crédito estimule a economia no curto prazo, não resta dúvida de que - isoladamente - não vão adiantar nada no médio e longo prazo. Pode até agravar o ceticismo do mercado por repetir velhas receitas.

O problema do Planalto é que reformas estruturais podem indispor o PT com o eleitor. Por isso, transformam-se em promessas muitas vezes repetidas e nunca cumpridas.

p.s: Vale lembrar que outros partidos também costumam colocar a política à frente da economia quando estão no poder. O ex-presidente Fernando Henrique (PSDB) segurou a desvalorização do câmbio até o início de 1999 para garantir à reeleição. Também só começou a arrumar de verdade as contas públicas no segundo mandato.


Do ‘Aedes aegypti’ à tsé-tsé - FERNANDO GABEIRA

ESTADÃO - 29/01

A crise brasileira é um fato internacional. Dentro dos nossos limites, estamos puxando a economia mundial para baixo. Nossa queda não impacta tanto quanto a simples desaceleração chinesa. Mas com alguma coisa contribuímos: menos 1% no crescimento global.

Na crise da indústria do petróleo, com os baixos preços do momento, o Brasil aparece com destaque. Cerca de 30% dos projetos do setor cancelados no mundo foram registrados aqui, com o encolhimento da Petrobrás. Dizem que os brasileiros eram olhados com um ar de condolências nos corredores da reunião de Davos. Somos os perdedores da vez.

Diante desse quadro, Dilma diz-se estarrecida com as previsões negativas do FMI. Quase todo mundo está prevendo uma crise de longa duração e queda no PIB. Centenas de artigos, discursos e relatórios fortalecem essa previsão. Dilma, se estivesse informada, ficaria estarrecida por o FMI ter levado tanto tempo para chegar a essa conclusão. Ela promete que o Brasil volta a crescer nos próximos meses. No mesmo tom, Lula declarou aos blogueiros amestrados que não existe alma viva mais honesta do que ele. Não é recomendável entrar nessas discussões estúpidas. Não estou seguro nem se o Lula é realmente uma alma viva.

A troca de Levy por Barbosa está sendo vista como uma luta entre keynesianos e neoliberais. Pelo que aprendi de Keynes, na biografia escrita por Robert Skidelsky, é forçar um pouco a barra acreditar que sua doutrina é aplicável da forma que querem no Brasil de hoje. É um Keynes de ocasião, destinado principalmente a produzir algum movimento vital na economia, num ano em que o País realiza eleições municipais. É o voo da galinha, ainda que curtíssimo e desengonçado como o do tuiuiú.

O Brasil precisa de uma década de investimentos vigorosos, para reparar e modernizar sua infra. Hoje, proporcionalmente, gastamos nisso a metade do que os peruanos gastam.

O governo não tem fôlego para realizar essa tarefa. Isso não significa que não haja dinheiro no Brasil ou no mundo. Mas são poucos os que se arriscam a investir aqui. Não há credibilidade. O populismo de esquerda não é uma força qualquer, ele penetra no inconsciente de seus atores com a certeza de que estão melhorando a vida dos pobres. E garante uma couraça contra as críticas dos que “não querem ver pobre viajando de avião”.

Em 2016 largamos na lanterna do crescimento global. Dilma está estarrecida com isso e a mais honesta alma do Brasil diz “sai um lorde Keynes aí” como se comprasse cigarros num botequim de São Bernardo do Campo.

Aos poucos, o Brasil vai se dando conta da gravidade da epidemia causada peloAedes aegypti. Gente com zika foi encontrada nos EUA depois de viajar para cá. As TVs de lá martelam advertências às grávidas. Na Itália quatro casos de contaminação foram diagnosticados em viajantes que passaram pelo Brasil. O ministro da Saúde oscila entre a depressão e o entusiasmo. Ora exagera o potencial das campanhas preventivas, ora reconhece de forma fatalista que o Brasil está perdendo feio a guerra para o mosquito. Com nossa estrutura urbana, é quase impossível acabar com o mosquito. Mas há o que fazer.

Não se viu Dilma estarrecida diante da epidemia. Nem a mais honesta alma do Brasil articulando algo nessa direção. Solução que depende do tempo, a vacina ainda é uma palavra mágica.

No entanto, estamos nas vésperas da Olimpíada. Os líderes que a trouxeram para o Brasil, nos tempos de euforia, quase não tocam no assunto; não se sentam para avaliar como nos degradamos e como isso já é percebido com clareza lá fora.

A Economist publica uma capa com Dilma olhando para baixo e o título: A queda do Brasil. Na economia, área em que as coisas andam mais rápidas, não há mais dúvidas sobre o fracasso.

A segunda maior cidade do Rio, Estado onde se darão os Jogos, simplesmente quebrou. Campos entrou em estado de emergência econômica, agora que os royalties do petróleo parecem uma ilusão de carnaval.

O problema dos salvadores do povo é que não percebem outra realidade exceto a de permanência no poder. Quanto pior a situação, mais se sentem necessários. Os irmãos Castro acham que salvaram Cuba e levaram a um patamar superior ao da Costa Rica, por exemplo. O chavismo levou a Venezuela a um colapso econômico, marcado pelas filas para produtos de primeira necessidade, montanhas de bolívares para comprar um punhado de dólares. Ainda assim, seus simpatizantes dizem, mesmo no Brasil, que a Venezuela está muito melhor do que se estivesse em mãos de liberais.

O colapso, a ruína, a decadência, nada disso importa aos populistas de esquerda. Apenas ressaltam suas boas intenções e a maldade dos críticos burgueses, da grande mídia, enfim, de qualquer desses espaços onde acham que o diabo mora. O Lula tornou-se o símbolo desse pensamento. Na semana em que se suspeita de tudo dele, do tríplex à compra de caças, do petrolão às emendas vendidas, chegou à conclusão de que não existe alma viva mais honesta do que ele.

Aqueles que acreditam num diálogo racional com o populismo de esquerda deveriam repensar seu propósito. Negar a discussão racional pode ser um sintoma de intolerância. Existe uma linha clara entre ser tolerante e gostar de perder tempo. O mesmo mecanismo que leva Lula a se proclamar santo é o que move a engrenagem política ideológica do PT. Quando a maré internacional permitiu o voo da galinha, eles se achavam mestres do crescimento. Hoje, com a maré baixa, consideram-se os mártires da intolerância conservadora. Simplesmente não adianta discutir. No script deles, serão sempre os mocinhos, nem que tenham de atacar a própria Operação Lava Jato.

Considerando que Cuba é uma ditadura e a Venezuela chega muito perto disso com sua política repressiva, como explicar a aberração brasileira?

Certamente algum mosquito nos mordeu para suportarmos mentiras que nos fazem parecer otários. Não foi o Aedes aegypti. A tsé-tsé, quem sabe?


Barbas de molho - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 29/01

Luiz Inácio Lula da Silva sempre foi conhecido pela liberalidade e indulgência com que trata questões éticas. Um exemplo clássico dessa postura é o episódio da distribuição indevida de passaportes diplomáticos para todo o clã Da Silva às vésperas do encerramento de seu segundo mandato presidencial. Lula não poderia ignorar que a ordem que deu ao então chanceler, Celso Amorim, infringia as normas do Itamaraty para a concessão de passaportes diplomáticos – reservados a autoridades ou representantes do governo em missão oficial no Exterior –, mas não hesitou em usar a autoridade de presidente da República para presentear a família com uma regalia a que os cidadãos comuns não têm acesso.

Soam hipócritas, portanto, as manifestações de surpresa e indignação com que o governo petista, fazendo coro a amigos e correligionários de Lula, está reagindo ao inevitável: as notícias de que ele pode ser objeto das investigações da Operação Lava Jato relativas ao famoso tríplex de cobertura num condomínio da Praia das Astúrias, no Guarujá. Essas reações são tão hipócritas quanto a recente declaração de Lula de que não há no Brasil ninguém mais honesto do que ele próprio.

Solicitada pelos jornalistas, em Quito, a se manifestar sobre o assunto, a presidente Dilma Rousseff irritou-se e deu uma resposta de quem não lê jornais: “Eu me recuso a responder pergunta desse tipo porque se levantam acusações, insinuações e não me dizem por que, quando, como, onde e a troco de quê”. E ainda se permitiu dar uma demonstração de erudição histórica: “Foi a partir da Revolução Francesa, se não me engano, foi com Napoleão: a culpabilidade, ao contrário do mundo medieval, o ônus da prova é de quem acusa”. Isso posto, deixou-nos todos estarrecidos.

Em Brasília, um dos escalados para sair em defesa de Lula foi o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, para quem há uma “obsessão” na “tentativa de contaminar o presidente Lula”. Trata-se, acrescentou, de um “desserviço”, pois Lula “deveria ter um tratamento mais respeitoso” e as pessoas deveriam “aguardar um pouquinho as investigações antes de colocar carimbos”. Como se “colocar carimbos” não fosse uma das especialidades dos petistas.

O avanço das investigações da Lava Jato na direção de Lula, reforçado pela anunciada decisão do Ministério Público Federal em São Paulo, também no caso do tríplex do Guarujá, de denunciar o ex-presidente à Justiça, obviamente deixa preocupados o Planalto e o PT, por razões distintas. O governo, politicamente fragilizado, teme sobretudo que o desgaste de Lula se reflita negativamente na complexa operação política que está montando para garantir apoio parlamentar contra o impeachment. Já o PT, que a rigor nem pode mais ser considerado o partido “do governo”, tem na liderança de Lula e em seu prestígio popular, que apesar de desgastado ainda é grande, a única esperança de evitar uma catástrofe eleitoral no pleito municipal deste ano e, quem sabe, a garantia de um mínimo de competitividade em 2018.

As perspectivas são, no entanto, desalentadoras tanto para o governo como para o PT. As investigações da Operação Lava Jato ingressam agora na fase crítica de envolvimento dos políticos de primeira grandeza, como Lula, e daqueles com foro privilegiado, como os parlamentares e altas autoridades governamentais. É uma fase das investigações que ficou para o fim exatamente porque é mais complexa e politicamente complicada. Por isso, exige extremo rigor e perseverança nas investigações.

Mas os policiais e procuradores federais que esmiúçam o petrolão já demonstraram dedicação e competência para conduzir a bom termo sua difícil missão. Provaram-no ao quebrar o tabu da impunidade dos proprietários e executivos das maiores construtoras do País, colocando-os atrás das grades, vários deles já sentenciados. Provaram-no, principalmente, ao possibilitar que as decisões judiciais de primeira instância, como as tomadas por Sergio Moro, tenham um índice de mais de 95% de aprovação pelos escalões superiores da Justiça, inclusive a Suprema Corte. Menos de 4% dos recursos das defesas foram aceitos até agora. É, de fato, hora de Lula colocar as barbas de molho.


Lava-Jato expõe a extensão do fisiologismo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 29/01

Depoimentos dados na operação contêm rico material sobre como o apadrinhamento político de técnicos da Petrobras foi a base do assalto praticado na empresa

O fisiologismo, o toma lá dá cá patrocinado pelo governo para obter apoio parlamentar, e o aparelhamento da máquina pública são marcas fortes dos governos petistas, desde que Lula subiu a rampa do Planalto em 1º de janeiro de 2003.

A entrega das chaves de ministérios para partidos começou naquele tempo, do qual o exemplo de cores mais fortes é a cessão da pasta dos Transportes, e, claro, seu rico orçamento, ao grupo do atual PR. Lá estavam Alfredo Nascimento, ministro, e, na sua sombra, Valdemar Costa Neto (SP), mais tarde preso como mensaleiro. A demanda fisiológica ampliou-se tanto que, na fase Dilma Rousseff, aumentou-se o número de ministérios para 39, uma extravagância.

Também desde sempre grupos políticos aliados ao lulopetismo receberam passe livre para ocupar áreas da máquina pública: MST e satélites no Incra e Ministério do Desenvolvimento Agrário, militantes do movimento negro na secretaria do setor, e por aí foi.

Tem sido na Operação Lava-Jato, em muitos depoimentos colhidos em contribuições premiadas, que aparecem os relatos mais claros e contundentes do toma lá dá cá. Para a colocação de técnicos de carreira da Petrobras em postos-chave, a partir dos quais foram desviados bilhões da estatal, por meio do superfaturamento de contratos com empreiteiras cúmplices, a fim de financiar o projeto de poder lulopetista. Que incluía irrigar também o caixa dois do PT, do PP e do PMDB, até onde se sabe, e de alguns políticos . O acervo da Lava-Jato é uma peça para a História, também por revelar como partidos e políticos intervieram em nomeações para o alto escalão da estatal. Nenhuma novidade nessa interferência. Mas nunca antes neste país se viu essa prática em escala tão avantajada.

Paulo Roberto Costa, diretor da área de Abastecimento, um dos primeiros a fazer acordo de delação, deu um mapa do fisiologismo na estatal. Renato Duque, de Serviços, foi indicação de José Dirceu e do PT, ele, o todo poderoso ministro-chefe da Casa Civil. Depois, em outros testemunhos de implicados no escândalo, soube-se que Nestor Cerveró, diretor Internacional, devia o cargo ao PMDB, mais precisamente ao senador Renan Calheiros, presidente do Senado.

Há incontáveis relados sobre quem era de quem. Consta que Dirceu, preso em Curitiba, contará que Duque saiu de um acordo no diretório paulista do PT. Lula já foi ouvido, como testemunha, e não escondeu que os partidos influenciavam nas nomeações. Disse até que “talvez” Duque houvesse sido mesmo apadrinhado pelo PT. E que todos os nomes passavam pelo crivo do hoje trancafiado Dirceu.

Questionada sobre essas interferências em nomeações, Dilma preferiu jogar pedras na ditadura, quando as indicações eram “técnicas”. Mas o problema nos governos do PT é que o apadrinhamento político de técnicos serviu para saquear a maior empresa brasileira. Tudo registrado na Lava-Jato, para os arquivos. Não será esquecido.

A conta, por favor - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 29/01

Maquiada anos a fio por encobrimento de despesas, recauchutagem de receitas e outros ardis, a contabilidade do governo federal finalmente foi exibida na plenitude de sua feiura.

Divulgado nesta quinta-feira (28), o resultado do Tesouro Nacional de 2015 exibe um descalabro orçamentário sem precedentes nas últimas duas décadas de relativa estabilidade da moeda nacional.

Os gastos cotidianos da máquina pública –benefícios sociais, subsídios, pessoal, custeio– e os investimentos em infraestrutura superaram em nada menos de R$ 115 bilhões a arrecadação de impostos e outras fontes de recursos.

Somem-se a isso compromissos extravagantes com os juros da dívida, de R$ 356 bilhões, impulsionados pela elevação da taxa do Banco Central na tentativa de conter o avanço da inflação, artificialmente represada no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (PT).

Custa crer que, apenas dois anos antes, os balanços oficiais mostrassem um saldo positivo de R$ 77 bilhões entre receitas e despesas não financeiras, mais encargos da dívida de R$ 186 bilhões.

Naquele 2013, porém, estavam em pleno andamento as manobras que mascaravam a deterioração contínua das contas federais.

Driblava-se a perda de fôlego da arrecadação com a edição de um programa de vantagens para contribuintes em atraso com o fisco; o Tesouro, além disso, extraía de suas estatais generosos dividendos que pouca relação tinham com a lucratividade das empresas.

Continham-se a inflação e os juros com a manipulação de tarifas públicas e outros preços sob controle governamental, como os da energia elétrica e da gasolina.

Postergava-se o pagamento de subsídios devidos em financiamentos agrícolas, industriais e habitacionais, os quais acabavam assumidos pelos bancos federais –expediente celebrizado pelo apelido de "pedalada fiscal".

O esgotamento do arsenal de truques, em plena recessão econômica, escancarou as dimensões de um gasto público insustentável –agravado, em 2015, pelo desembolso de R$ 56 bilhões para a regularização das ditas pedaladas.

Menos mal que se disponha, agora, de um cálculo realista do fosso entre as ambições das políticas federais e os meios para sustentá-las. Os números não oferecem nenhuma outra boa notícia.