Recessão econômica é resultado de uma série de ações do governo Dilma – do aumento do crédito ao subsídio à energia elétrica e aos combustíveis
Estamos vivendo uma das recessões mais longas e mais profundas dos últimos 35 anos. O que nem todos perceberam, contudo, é que o País já estava em recessão durante a campanha eleitoral de 2014, enquanto a presidente Dilma Rousseff garantia que vivíamos em um País próspero e florescente, e acusava a oposição de propor um ajuste fiscal que levaria à recessão. Segundo ela, a oposição aumentaria os preços da energia e dos combustíveis, e subiria a taxa de juros para controlar a inflação, favorecendo os banqueiros e tirando a comida do prato dos pobres. Uma vez eleita, foi obrigada a adotar medidas que antes condenara, gerando vertiginosa queda de confiança em si e no seu governo, e colhendo a perda da sua capacidade de governar.
O desastre foi cuidadosamente plantado pelo governo. Durante o seu primeiro mandato a presidente Rousseff buscou estimular o crescimento da economia expandindo artificialmente a demanda pelo aumento do crédito; tentou controlar a inflação ao reduzir as tarifas de energia elétrica e ao subsidiar o preço da gasolina; e abusou de uma política fiscal expansionista. A “teoria” por trás destas ações era de que “a demanda gera a sua própria oferta”, e que através de estímulos tributários direcionados a setores específicos seria possível sustentar o crescimento acelerado do PIB (Produto Interno Bruto). Era isso que os empresários pediam ao governo, e foi isto que o governo lhes proporcionou, ignorando que nem sempre o que é bom para cada empresário individualmente é bom para o País como um todo.
Ao repetir o que já havia ocorrido no governo anterior, deu força ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), continuou a prática de conceder generosos subsídios e empréstimos a empresas com recursos transferidos por fora do orçamento. Ao buscar favorecer a indústria de bens de capital, obrigou a Petrobrás a comprar equipamentos com elevado índice de conteúdo nacional, dando mais um passo na direção de colocar a companhia na precária condição em que se encontra. Ela manteve o crescimento dos gastos públicos como se não houvesse amanhã, em uma forma de angariar apoio entre a população, setores empresariais e o Congresso. O crescimento do PIB não veio, mas foram geradas duas pesadas consequências na economia: o retorno da inflação e um profundo desequilíbrio fiscal.
Crises simultâneas. Vivemos duas crises simultâneas – uma fiscal e outra política –, com os custos de fazer um ajuste fiscal agravando a crise política, cujo aprofundamento dificulta ou mesmo impede o ajuste fiscal.
As sementes da crise fiscal já estavam plantadas bem antes do início da atual crise. Há anos que os gastos primários do governo central vêm crescendo continuamente em relação ao PIB e, por algum tempo, somente foi possível cumprir as metas de superávit primário devido ao crescimento endógeno das receitas, vindo predominantemente da formalização do mercado de trabalho e da “bonança externa”, que permitiu a arrecadação de impostos sobre as importações.
Com a perda dessas fontes de receita restou ao governo conter os gastos e aumentar ainda mais a carga tributária. A dificuldade em elevar receitas e a falta de disposição de controlar os gastos levou aos déficits primários, que causaram o crescimento explosivo da dívida pública.
Entre o fim de 2013 e o fim de 2015 a dívida bruta do setor público passou de 54% para 66% do PIB. Embora entre 2007 e 2015 as transferências aos bancos oficiais por fora do orçamento tenham aumentado a dívida bruta em 10 pontos porcentuais do PIB, mais de 90% deste aumento ocorreu entre 2007 e 2013, sendo incapaz de explicar o salto de 12 pontos porcentuais ocorrido nos dois últimos anos. Este se deve aos déficits primários, que por algum tempo ficaram parcialmente escondidos devido à prática da contabilidade criativa, em franco descumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Com um governo politicamente fraco e sem qualquer disposição de realizar as reformas que contenham os gastos, o mais provável é que a recessão persista ao lado de déficits primários, levando a dívida pública a superar a marca de 75% do PIB em pouco mais de um ano, continuando a crescer.
Em um quadro como este ocorre o crescimento dos prêmios de risco, sendo uma de suas manifestações a elevação das cotações do CDS brasileiro (sigla para Credit Default Swap, título que funciona como um termômetro de risco de calote de um País), que é seguida da depreciação cambial. Entre 2012 e 2013, o real veio se depreciando aproximadamente na mesma velocidade de depreciação das moedas de outros produtores de commodities.
Mas em 2015 o real se depreciou muito mais do que estas moedas, o que decorre do aumento dos riscos, cuja medida mais visível é a cotação do CDS brasileiro. Não são riscos associados ao balanço de pagamentos, dado que as reservas internacionais são elevadas e que há um forte encolhimento no déficit em contas correntes. São riscos associados ao crescimento explosivo da dívida pública, que precisa ser contido.
Crises como esta sempre levam a um forte ajuste externo e este é o seu único lado positivo. Porém, embora a depreciação cambial favoreça o aumento das exportações líquidas, ela tem sido predominantemente proveniente dos riscos mais elevados, o que reduz os investimentos em capital fixo. Crescem as exportações líquidas devido ao real mais fraco, mas isto não impulsiona o crescimento do PIB, porque caem os investimentos em capital fixo.
Uma das vítimas da depreciação combinada com o excessivo grau de indexação de salários é a inflação. Em 2015, ela está sendo afetada pela correção dos preços administrados, mas a indexação e a depreciação cambial dificultam a sua queda. O temor do Banco Central é de que ocorra uma perda de controle, e por isso sinaliza um aumento da taxa de juros mesmo com a economia em uma profunda recessão. Não tenho dúvidas de que juros mais elevados reduzem a inflação, mas na ausência de superávits primários ocorre, também, uma aceleração no crescimento da dívida bruta, que eleva as cotações do CDS e deprecia o real, dificultando a queda da inflação e exigindo doses mais altas de juros reais, fechando-se um círculo vicioso no qual o que se colhe é uma piora do quadro fiscal e um agravamento da recessão.
Na base de todos estes problemas está um governo politicamente enfraquecido e com um diagnóstico errado sobre os problemas brasileiros. Infelizmente, o Brasil somente voltará a crescer com a inflação sob controle em um novo governo, que execute uma agenda de reformas e que obtenha o necessário apoio político.
Enquanto isto não ocorre é muito provável que a atual recessão não seja apenas uma das mais profundas e mais longas de nossa história, e sim uma depressão, na qual o PIB não consegue crescer após uma forte queda, permanecendo estagnado por um extenso período.
*Sócio-fundador da A. C. Pastore & Associados e ex-presidente do Banco Central