O GLOBO - 31/03
Os canais políticos tradicionais estão entupidos, não se comunicam com o pessoal das manifestações
Tem uma conversa esquisita rolando em meios empresariais e políticos. Envolve figuras conhecidas do mundo econômico — alguns diretamente apanhados na Lava-Jato, outros com medo e outros assustados com a paralisia do negócios. Conversam com lideranças políticas tradicionais.
O que querem?
Não sabem exatamente. Quer dizer, muitos sabem perfeitamente: dar um jeito de brecar ou pelo menos diminuir a velocidade e o alcance da Lava- Jato. O que não sabem é como articular isso parecendo que estão querendo outra coisa.
Assim, fala-se em um grande acordo nacional, um governo de união para superar a crise. Até algum tempo atrás, meses, muitos empresários e políticos achavam que tudo poderia começar com uma boa conversa entre FHC e Lula. Diziam que a crise era uma ameaça para “todo mundo”, de modo que era melhor que “todos” se entendessem antes.
Não podia dar certo. Não é “todo mundo” que está sob ameaça. Lula, Dilma, o PT e associados estão. Muitos grandes empresários também.
Mas FHC — e tudo o que representa, de autoridade política e moral — está fora disso.
Queriam, portanto, que FHC entrasse como o avalista, o garantidor desse grande acordo. Claro, o tucano não caiu nessa jogada.
Mas ainda há poucas semanas, a presidente Dilma achou que tinha uma chance. Mandou recados a FHC sugerindo uma conversa, ainda que reservada. O tucano declinou. A marcha do impeachment acelerava.
Convém lembrar que FHC foi contra quando saíram os primeiros movimentos pró-impeachment, lá no início do ano passado. Achava que seria um processo difícil e doloroso, de modo que lhe parecia mais apropriado que a história seguisse seu curso, e o governo petista fosse afastado nas eleições de 2018. Muita gente na oposição formal pensava assim.
Duas coisas mudaram o quadro: o aprofundamento da recessão e o avanço da Lava-Jato. A recessão liquidou com a popularidade do governo — 69% de ruim e péssimo, sendo espantosos 54% de péssimo contra ridículos 2% de ótimo, segundo o último Ibope. A Lava-Jato acabou com Lula, Dilma, PT e associados.
Não é que a oposição decidiu-se pelo impeachment. O processo tornou-se um ser autônomo, empurrado pela maioria da sociedade representada nas grandes manifestações.
Aliás, aquela inviável tentativa de um acordo nacional deixava de fora o principal ator do momento, o pessoal das manifestações.
Na outra ponta, Lula radicalizava para voltar às suas origens, as bases sindicais e os movimentos sociais organizados.
E a Lava-Jato pegando um por um.
Nesse quadro, os senhores estão propondo mesmo qual acordo? — foi o que os diversos interlocutores ouviram de FHC. Ou ainda: “Já combinaram com os russos?” Russos? É, os de Curitiba.
Então ficamos assim: o governo Dilma está acabado. Lula corre o risco efetivo de ser preso. Certamente, será condenado no mínimo pelo que já se sabe — o recebimento de vantagens indevidas —, no máximo pelo que a Lava-Jato já sabe e ainda não contou. Delações premiadas que estão por aparecer são demolidoras. A recessão avança, e tudo que o governo tenta fazer para escapar do impeachment, distribuindo dinheiro e empréstimos, só piora as coisas.
E os canais políticos tradicionais estão entupidos, não se comunicam com o pessoal das manifestações. Esse pessoal não é novo e não quer simplesmente o “Fora PT”.
Há muito tempo, andando pelo país, tenho encontrado uma geração de brasileiros que não quer mamar nas tetas do Estado; acha que o governo não cabe no país; acha que a iniciativa privada é que cria riquezas; e por aí vai. Podem chamar de agenda liberal, neoliberal, conservadora, o que seja. Mas esse pessoal entendeu que a Lava-Jato não está apenas apanhando um bando de ladrões. Está revelando as entranhas de um arranjo político que funcionou durante anos beneficiando uma turma que não é o povo.
Encontra-se esse pessoal novo tanto no Matopiba — se não sabem o que é, estão por fora — quanto em uma reunião de microempreendedores em Manaus ou em Maringá. É animador.
Mas antes temos o andamento da crise. Não tem “acordo nacional” antes que o ambiente seja depurado, antes que passe a Lava-Jato. Um futuro governo Temer terá que passar pelo teste.
Tem jeito?
Sempre tem. Não é verdade que “todo mundo” está na roubalheira, que são todos aproveitadores.
Também não é verdade que a crise seja insolúvel. Lembram-se do governo Itamar Franco? Teve três ministros da Fazenda nos primeiros sete meses. Só começou a sair do buraco quando Fernando Henrique Cardoso foi nomeado ministro da Fazenda em maio de 1993, passando a agir como primeiro-ministro de fato. Naquele ano, a inflação foi de 2.477,15% (notaram a precisão das duas casas depois da vírgula?). Em 94, FHC implantou o Real, e o país mudou para muito melhor.
Hoje, dos seus 85 anos, FHC conversa, sugere caminhos. Mas não pode voltar à cena principal. Quem seria o novo?
quinta-feira, março 31, 2016
Nomeação ilegal - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 31/03
A solução proposta pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, aparentemente salomônica, permitindo que o ex-presidente Lula assuma a Chefia do Gabinete Civil do ministério de Dilma, mas sem foro privilegiado, permanecendo os processos contra ele na jurisdição do Juiz Sérgio Moro, é simplesmente ilegal segundo diversos juristas.
O deputado federal Raul Jungman, do PPS, entra hoje na Procuradoria-Geral da República com uma ação de prevaricação contra a presidente Dilma, baseado justamente na análise de Janot, que admite que a intenção da presidente era obstruir a Justiça.
Janot atribui ao ato um “desvio de finalidade” para “influenciar as investigações”. .De acordo com um especialista, o Ato Administrativo deve preencher os seguintes requisitos: Competência, Objeto, Finalidade, Forma e Motivo. Desses requisitos, três são vinculados (Competência, Finalidade e Forma) e os outros 2 são discricionários (objeto e Motivo).
Se o Ato Administrativo estiver viciado em algum de seus elementos obrigatórios (vinculados), ele é nulo de pleno direito. Quanto aos elementos discricionários, embora não sejam obrigatórios, se forem explicitados no ato, passam a vinculá-lo (Teoria dos Motivos Determinantes).
No caso da nomeação do Lula, a competência da Presidente da República é cristalina e o próprio Janot admite isso no Parecer. A forma também é inquestionável. Mas, quanto à finalidade, que também é elemento essencial do ato administrativo, Janot admite que houve desvio de finalidade, um vício insanável. Portanto, a conclusão é clara: a nomeação do Lula é nula.
Já o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Galba Velloso, autor do livro “Desvio de Poder”, da Editora Malheiros, afirma que o Procurador-Geral da República, ao admitir a possibilidade de Lula ser Ministro e continuar sob a jurisdição comum “está completamente equivocado”.
O ato da Presidente da República é nulo por desvio de poder, e não se pode fatiá-lo admitindo a nomeação e negando o foro. “Ele não pode ser Ministro em virtude do desvio de finalidade praticado e por isso não pode ter foro privilegiado”, ressalta o ministro Velloso.
Ele lembra que o excesso de poder tem duas formas, o abuso de autoridade, quando esta vai além de sua competência, e o desvio de finalidade, quando, embora dentro de sua competência, a autoridade declara um motivo de finalidade pública ocultando um objetivo diverso.
“A Presidente pode nomear o Ministro que quiser, dentro da lei. Mas não está dentro da lei nomear alguém Ministro para escapar do Juiz que teme e escolher quem deve julgá-lo”, ressalta Velloso
Tanto o abuso de poder, como faltar ao cumprimento do dever por interesse ou má-fé, são definições de prevaricação, que é a acusação que o deputado Raul Jungman fará contra a presidente da República.
O ministro Teori Zavascki está cuidando do caso no Supremo em duas instâncias: na parte cível, pediu informações ao Procurador-Geral para decidir sobre uma ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental) que visa suspender a nomeação de Lula. Como já existe uma liminar em mandado de segurança com o mesmo efeito, a questão será resolvida no mérito pelo plenário do STF.
Na parte criminal, o Juiz Sérgio Moro e o Procurador-Geral foram também consultados, para saber se há indícios de que a presidente Dilma tentou obstruir a Justiça ao nomear o ex-presidente para seu ministério. O Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo, disse que não há nada de ilegal na conversa, que considerou "republicana".
O Procurador-Geral já admitiu que houve, sim, essa tentativa de obstrução, e o Juiz Sérgio Moro, além de pedir desculpas pela polêmica que causou ao permitir a divulgação do áudio da conversa da presidente Dilma com o ex-presidente Lula, manteve sua convicção de que houve no caso pelo menos uma tentativa de obstrução da Justiça.
Disse que autorizou a divulgação “atendendo o requerimento do MPF, dar publicidade ao processo e especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que podem eventualmente caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de obstrução à Justiça”.
Moro, embora cite objetivamente o ex-presidente Lula quando se refere à obstrução da Justiça, tenta se defender em relação à presidente, e insinua que ela também pode ter atuado nesse sentido, afirmando que “não parece que era tão óbvio assim que também poderia ser relevante juridicamente para a excelentíssima presidenta da República”.
A solução proposta pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, aparentemente salomônica, permitindo que o ex-presidente Lula assuma a Chefia do Gabinete Civil do ministério de Dilma, mas sem foro privilegiado, permanecendo os processos contra ele na jurisdição do Juiz Sérgio Moro, é simplesmente ilegal segundo diversos juristas.
O deputado federal Raul Jungman, do PPS, entra hoje na Procuradoria-Geral da República com uma ação de prevaricação contra a presidente Dilma, baseado justamente na análise de Janot, que admite que a intenção da presidente era obstruir a Justiça.
Janot atribui ao ato um “desvio de finalidade” para “influenciar as investigações”. .De acordo com um especialista, o Ato Administrativo deve preencher os seguintes requisitos: Competência, Objeto, Finalidade, Forma e Motivo. Desses requisitos, três são vinculados (Competência, Finalidade e Forma) e os outros 2 são discricionários (objeto e Motivo).
Se o Ato Administrativo estiver viciado em algum de seus elementos obrigatórios (vinculados), ele é nulo de pleno direito. Quanto aos elementos discricionários, embora não sejam obrigatórios, se forem explicitados no ato, passam a vinculá-lo (Teoria dos Motivos Determinantes).
No caso da nomeação do Lula, a competência da Presidente da República é cristalina e o próprio Janot admite isso no Parecer. A forma também é inquestionável. Mas, quanto à finalidade, que também é elemento essencial do ato administrativo, Janot admite que houve desvio de finalidade, um vício insanável. Portanto, a conclusão é clara: a nomeação do Lula é nula.
Já o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Galba Velloso, autor do livro “Desvio de Poder”, da Editora Malheiros, afirma que o Procurador-Geral da República, ao admitir a possibilidade de Lula ser Ministro e continuar sob a jurisdição comum “está completamente equivocado”.
O ato da Presidente da República é nulo por desvio de poder, e não se pode fatiá-lo admitindo a nomeação e negando o foro. “Ele não pode ser Ministro em virtude do desvio de finalidade praticado e por isso não pode ter foro privilegiado”, ressalta o ministro Velloso.
Ele lembra que o excesso de poder tem duas formas, o abuso de autoridade, quando esta vai além de sua competência, e o desvio de finalidade, quando, embora dentro de sua competência, a autoridade declara um motivo de finalidade pública ocultando um objetivo diverso.
“A Presidente pode nomear o Ministro que quiser, dentro da lei. Mas não está dentro da lei nomear alguém Ministro para escapar do Juiz que teme e escolher quem deve julgá-lo”, ressalta Velloso
Tanto o abuso de poder, como faltar ao cumprimento do dever por interesse ou má-fé, são definições de prevaricação, que é a acusação que o deputado Raul Jungman fará contra a presidente da República.
O ministro Teori Zavascki está cuidando do caso no Supremo em duas instâncias: na parte cível, pediu informações ao Procurador-Geral para decidir sobre uma ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental) que visa suspender a nomeação de Lula. Como já existe uma liminar em mandado de segurança com o mesmo efeito, a questão será resolvida no mérito pelo plenário do STF.
Na parte criminal, o Juiz Sérgio Moro e o Procurador-Geral foram também consultados, para saber se há indícios de que a presidente Dilma tentou obstruir a Justiça ao nomear o ex-presidente para seu ministério. O Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo, disse que não há nada de ilegal na conversa, que considerou "republicana".
O Procurador-Geral já admitiu que houve, sim, essa tentativa de obstrução, e o Juiz Sérgio Moro, além de pedir desculpas pela polêmica que causou ao permitir a divulgação do áudio da conversa da presidente Dilma com o ex-presidente Lula, manteve sua convicção de que houve no caso pelo menos uma tentativa de obstrução da Justiça.
Disse que autorizou a divulgação “atendendo o requerimento do MPF, dar publicidade ao processo e especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que podem eventualmente caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de obstrução à Justiça”.
Moro, embora cite objetivamente o ex-presidente Lula quando se refere à obstrução da Justiça, tenta se defender em relação à presidente, e insinua que ela também pode ter atuado nesse sentido, afirmando que “não parece que era tão óbvio assim que também poderia ser relevante juridicamente para a excelentíssima presidenta da República”.
Lembranças de 'Mani Pulite' - CONTARDO CALLIGARIS
FOLHA DE SP - 31/03
No começo dos anos 1990, na Itália, um grupo de magistrados milaneses (o mais popular foi Antonio di Pietro) tentou acabar com os esquemas de corrupção (antigos e tradicionais) que ligavam empresários, financistas e políticos.
Esse sistema viciado enchia os bolsos dos políticos (pessoas físicas) e financiava os partidos com comissões que as empresas pagavam para ganhar contratos públicos.
Anos antes, Sandro Pertini, presidente da República (honesto), declarara que um político deveria sempre ter as mãos limpas ("le mani pulite"). A expressão ficou e voltou em 1992, para batizar a "operação" dos magistrados milaneses.
Naquela década, eu vivia entre o Brasil e os EUA, mas visitava regularmente meus pais e meu irmão em Milão —por isso mesmo, minhas impressões daqueles anos são sobretudo o reflexo dos anseios e dos medos de meus familiares, que estavam lá, na Itália.
Já nos anos 1980 e antes (pela podridão do "milagre italiano", que reconstruiu o país depois da Segunda Guerra Mundial), havia uma tremenda desconfiança dos italianos diante da política tradicional.
Salvavam-se só os comunistas. Mas isso talvez fosse uma ilusão de óptica produzida pela minha própria história de militância. Ou pelo fato de que os comunistas ficaram quase sempre longe do poder executivo nacional.
O fato é que, para o italiano médio, qualquer governo roubava e roubaria. Os brasileiros não pensariam (não pensam) muito diferente: o grito "Roma ladra" poderia facilmente ser traduzido, ainda hoje, como "Brasília ladra".
A partir de "Mani Pulite", em 1992, ganharam espaço um movimento antimáfia e anticorrupção (fato curioso: ele se chamava "La Rete", a rede), e um movimento de direita do qual Bolsonaro, Feliciano e companhia gostariam (a Liga Norte).
De qualquer forma, a opinião pública estava, forte e unida, com o Ministério Público e com os juízes.
Pipocavam escritas nos muros de Milão: "Di Pietro, não volte atrás! Não perdoe!". De uma, em particular, me lembro bem —a que eu li estava num muro de tijolos, talvez na parte externa da Universidade de Milão: "Di Pietro, facci sognare" (Di Pietro, faça a gente sonhar).
Era isso mesmo, os italianos sabiam que aquilo seria, ao menos em parte, um sonho.
Os inimigos naturais de "Mani Pulite" se oporiam de todas as maneiras possíveis. De 1992 a 1996, políticos tradicionais e empresários desonestos lutaram para sujar os magistrados milaneses —foi sem muito efeito. No meio de 1992, os juízes Giovanni Falcone e Paulo Borsellino foram assassinados pela Máfia (a relação entre a Máfia e a classe política era o pano de fundo sombrio da corrupção).
Mesmo assim, aos poucos, na Itália, o jeito de fazer política mudou para sempre. Sumiram os partidos que tinham se tornado instituições fisiológicas. Imagine o que isso poderia significar hoje no Brasil.
A política italiana de hoje (a própria figura do primeiro-ministro Renzi) seria impensável sem "Mani Pulite". E ela é infinitamente melhor do que ela era no passado.
Há quem diga, aqui no Brasil, que o resultado de "Mani Pulite" foi Berlusconi. Isso é historicamente falso: ao contrário, Berlusconi se instalou no poder por uma década a partir de 2001, justamente quando os italianos se cansaram de "Mani Pulite".
Porque, de fato, eles se cansaram. De quê? Do fedor da lama? Do clima paranoico? Será que o mesmo cansaço nos espreita?
Não sei, mas o fato é que, em geral, quando a corrupção é o sistema de governo, é porque ela é também a forma dominante da vida social, pública e privada.
Você dá R$ 20 a um colega para que ele faça seu dever de casa. Isso é possível porque os políticos, lá em cima, são corruptos? Ou é o contrário: os políticos, lá em cima, se permitem ser corruptos porque sabem que a corrupção é a regra aqui em baixo, na nossa vida cotidiana?
O cidadão médio vive de pequenas corrupções: venda e compra de pontos na carteira, notas fiscais não emitidas, colas numa prova, pequenas sonegações e fraudes...
Ele pede transparência e honestidade até se dar conta de que muitas de suas ações são filhas da mesma confusão que ele denuncia no político: uma incapacidade de distinguir os interesses públicos dos interesses privados.
Não basta que uma boa faxina seja pelas calçadas e pelas praças; ela precisa acontecer em casa. Isso seria uma verdadeira mudança cultural...
Vou continuar sobre público e privado.
No começo dos anos 1990, na Itália, um grupo de magistrados milaneses (o mais popular foi Antonio di Pietro) tentou acabar com os esquemas de corrupção (antigos e tradicionais) que ligavam empresários, financistas e políticos.
Esse sistema viciado enchia os bolsos dos políticos (pessoas físicas) e financiava os partidos com comissões que as empresas pagavam para ganhar contratos públicos.
Anos antes, Sandro Pertini, presidente da República (honesto), declarara que um político deveria sempre ter as mãos limpas ("le mani pulite"). A expressão ficou e voltou em 1992, para batizar a "operação" dos magistrados milaneses.
Naquela década, eu vivia entre o Brasil e os EUA, mas visitava regularmente meus pais e meu irmão em Milão —por isso mesmo, minhas impressões daqueles anos são sobretudo o reflexo dos anseios e dos medos de meus familiares, que estavam lá, na Itália.
Já nos anos 1980 e antes (pela podridão do "milagre italiano", que reconstruiu o país depois da Segunda Guerra Mundial), havia uma tremenda desconfiança dos italianos diante da política tradicional.
Salvavam-se só os comunistas. Mas isso talvez fosse uma ilusão de óptica produzida pela minha própria história de militância. Ou pelo fato de que os comunistas ficaram quase sempre longe do poder executivo nacional.
O fato é que, para o italiano médio, qualquer governo roubava e roubaria. Os brasileiros não pensariam (não pensam) muito diferente: o grito "Roma ladra" poderia facilmente ser traduzido, ainda hoje, como "Brasília ladra".
A partir de "Mani Pulite", em 1992, ganharam espaço um movimento antimáfia e anticorrupção (fato curioso: ele se chamava "La Rete", a rede), e um movimento de direita do qual Bolsonaro, Feliciano e companhia gostariam (a Liga Norte).
De qualquer forma, a opinião pública estava, forte e unida, com o Ministério Público e com os juízes.
Pipocavam escritas nos muros de Milão: "Di Pietro, não volte atrás! Não perdoe!". De uma, em particular, me lembro bem —a que eu li estava num muro de tijolos, talvez na parte externa da Universidade de Milão: "Di Pietro, facci sognare" (Di Pietro, faça a gente sonhar).
Era isso mesmo, os italianos sabiam que aquilo seria, ao menos em parte, um sonho.
Os inimigos naturais de "Mani Pulite" se oporiam de todas as maneiras possíveis. De 1992 a 1996, políticos tradicionais e empresários desonestos lutaram para sujar os magistrados milaneses —foi sem muito efeito. No meio de 1992, os juízes Giovanni Falcone e Paulo Borsellino foram assassinados pela Máfia (a relação entre a Máfia e a classe política era o pano de fundo sombrio da corrupção).
Mesmo assim, aos poucos, na Itália, o jeito de fazer política mudou para sempre. Sumiram os partidos que tinham se tornado instituições fisiológicas. Imagine o que isso poderia significar hoje no Brasil.
A política italiana de hoje (a própria figura do primeiro-ministro Renzi) seria impensável sem "Mani Pulite". E ela é infinitamente melhor do que ela era no passado.
Há quem diga, aqui no Brasil, que o resultado de "Mani Pulite" foi Berlusconi. Isso é historicamente falso: ao contrário, Berlusconi se instalou no poder por uma década a partir de 2001, justamente quando os italianos se cansaram de "Mani Pulite".
Porque, de fato, eles se cansaram. De quê? Do fedor da lama? Do clima paranoico? Será que o mesmo cansaço nos espreita?
Não sei, mas o fato é que, em geral, quando a corrupção é o sistema de governo, é porque ela é também a forma dominante da vida social, pública e privada.
Você dá R$ 20 a um colega para que ele faça seu dever de casa. Isso é possível porque os políticos, lá em cima, são corruptos? Ou é o contrário: os políticos, lá em cima, se permitem ser corruptos porque sabem que a corrupção é a regra aqui em baixo, na nossa vida cotidiana?
O cidadão médio vive de pequenas corrupções: venda e compra de pontos na carteira, notas fiscais não emitidas, colas numa prova, pequenas sonegações e fraudes...
Ele pede transparência e honestidade até se dar conta de que muitas de suas ações são filhas da mesma confusão que ele denuncia no político: uma incapacidade de distinguir os interesses públicos dos interesses privados.
Não basta que uma boa faxina seja pelas calçadas e pelas praças; ela precisa acontecer em casa. Isso seria uma verdadeira mudança cultural...
Vou continuar sobre público e privado.
Tem leilão e xepa até abril - VINICIUS TORRES FREIRE
Folha de SP - 31/03
Vamos ter então uma quinzena de ofertas, até meados de abril, como era costume das antigas lojas de departamentos. O governo vai tentar adquirir apoios, por assim dizer, em leilões e xepas que devem durar até meados de abril, quando em tese se vota o impeachment na Câmara.
É verdade que cliente morto não paga. No entanto, se deputados e até partidos ainda negociam com o governo, é porque acreditam que vão receber. Em tese pode-se argumentar que Dilma teria meios de vencer a batalha da deposição na Câmara, sem perspectiva alguma, porém, de restabelecer alguma governança e rumo para a economia.
Por ora, trata-se de uma hipótese racional, apenas. No entanto, há zonas imensas de nebulosidade mesmo perto do rés do chão do inferno para onde desceu a nossa em geral já baixa política.
Por exemplo, ainda é misterioso o que estaria havendo com Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, que ontem e outra vez se fez de enigmático.
Calheiros ainda quer ir devagar com o andor, para que se preservem alguns santos de barro, não se sabe quais, como já se escreveu aqui na semana passada.
Note-se que, na semana passada, ainda restava alguma dúvida sobre o "rompimento" do PMDB com o governo. Ou melhor, na semana passada ainda havia dúvida sobre a cerimônia do adeus aos cargos desta terça-feira. Esse teatro ontem era outra vez farsa, pois meia dúzia de ministros do partido se agarrava desesperadamente às cadeiras.
Não era certo, porém, que os peemedebistas ficassem nos cargos, pois não se sabe quantos votos podem entregar na votação do impeachment. Um ministro de um PMDB lascado vale mais ou menos que o hipotético partido nanico PXPTO?
Enfim, a barafunda indica que estão cozinhando alguma coisa, não se sabe bem o quê, nem eles mesmos, no feirão político, parecem saber muito bem. O PMDB permanece o partido de todas as situações, seja ainda minoritariamente com Dilma Rousseff, seja com o vice quase presidente Michel Temer.
O que se sabe é que começou o leilão de deputados avulsos do PMDB. No caso do PP e do PR, trata-se ainda de negociações em lotes. Não houve o desembarque em massa e o golpe fatal contra Dilma Rousseff, esperados até anteontem.
Tanto PP como PR decidiram ontem que não vão decidir nada pelo menos até as vésperas da votação do impeachment na Câmara, a partir do dia 15 de abril.
Juntos PP e PR têm 89 votos (o PMDB tem 68, por exemplo). O PP ocupa o Ministério da Integração Nacional. O PR, o dos Transportes. O PP, convém recordar, é o partido mais enrolado com a Lava Jato em termos quantitativos (número de cabeças no bico do corvo).
Ainda que Dilma vença a batalha do impeachment de abril ou pelo menos adie a decapitação, a guerra continuará, talvez ainda mais suja. Na melhor das hipóteses alegre e loucamente otimistas, a presidente não teria meios de governar até pelo menos finda a eleição municipal, analisados seus resultados e inventado um discurso de "reconciliação": Carnaval do ano que vem.
A degradação do que resta da governança será imensa, em um ministério que é quase pura esculhambação ou coisa pior. Em vez de se estatelar em um fundo de poço no trimestre final do ano, a economia seria tragada por uma nova gorja do inferno.
Vamos ter então uma quinzena de ofertas, até meados de abril, como era costume das antigas lojas de departamentos. O governo vai tentar adquirir apoios, por assim dizer, em leilões e xepas que devem durar até meados de abril, quando em tese se vota o impeachment na Câmara.
É verdade que cliente morto não paga. No entanto, se deputados e até partidos ainda negociam com o governo, é porque acreditam que vão receber. Em tese pode-se argumentar que Dilma teria meios de vencer a batalha da deposição na Câmara, sem perspectiva alguma, porém, de restabelecer alguma governança e rumo para a economia.
Por ora, trata-se de uma hipótese racional, apenas. No entanto, há zonas imensas de nebulosidade mesmo perto do rés do chão do inferno para onde desceu a nossa em geral já baixa política.
Por exemplo, ainda é misterioso o que estaria havendo com Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, que ontem e outra vez se fez de enigmático.
Calheiros ainda quer ir devagar com o andor, para que se preservem alguns santos de barro, não se sabe quais, como já se escreveu aqui na semana passada.
Note-se que, na semana passada, ainda restava alguma dúvida sobre o "rompimento" do PMDB com o governo. Ou melhor, na semana passada ainda havia dúvida sobre a cerimônia do adeus aos cargos desta terça-feira. Esse teatro ontem era outra vez farsa, pois meia dúzia de ministros do partido se agarrava desesperadamente às cadeiras.
Não era certo, porém, que os peemedebistas ficassem nos cargos, pois não se sabe quantos votos podem entregar na votação do impeachment. Um ministro de um PMDB lascado vale mais ou menos que o hipotético partido nanico PXPTO?
Enfim, a barafunda indica que estão cozinhando alguma coisa, não se sabe bem o quê, nem eles mesmos, no feirão político, parecem saber muito bem. O PMDB permanece o partido de todas as situações, seja ainda minoritariamente com Dilma Rousseff, seja com o vice quase presidente Michel Temer.
O que se sabe é que começou o leilão de deputados avulsos do PMDB. No caso do PP e do PR, trata-se ainda de negociações em lotes. Não houve o desembarque em massa e o golpe fatal contra Dilma Rousseff, esperados até anteontem.
Tanto PP como PR decidiram ontem que não vão decidir nada pelo menos até as vésperas da votação do impeachment na Câmara, a partir do dia 15 de abril.
Juntos PP e PR têm 89 votos (o PMDB tem 68, por exemplo). O PP ocupa o Ministério da Integração Nacional. O PR, o dos Transportes. O PP, convém recordar, é o partido mais enrolado com a Lava Jato em termos quantitativos (número de cabeças no bico do corvo).
Ainda que Dilma vença a batalha do impeachment de abril ou pelo menos adie a decapitação, a guerra continuará, talvez ainda mais suja. Na melhor das hipóteses alegre e loucamente otimistas, a presidente não teria meios de governar até pelo menos finda a eleição municipal, analisados seus resultados e inventado um discurso de "reconciliação": Carnaval do ano que vem.
A degradação do que resta da governança será imensa, em um ministério que é quase pura esculhambação ou coisa pior. Em vez de se estatelar em um fundo de poço no trimestre final do ano, a economia seria tragada por uma nova gorja do inferno.
Remando em direções opostas - BERNARDO MELLO FRANCO
Folha de SP - 31/03
Na tentativa de evitar o naufrágio do governo, Dilma Rousseff passou a remar em duas direções opostas. De um lado, a presidente ensaia uma guinada à esquerda para tentar mobilizar a militância petista em sua defesa. Ao mesmo tempo, oferece cargos e verbas para atrair partidos de centro-direita que definirão a votação do impeachment.
O primeiro movimento começou a dar resultado. Com ajuda de Lula, o Planalto voltou a ter canal direto com movimentos sociais e sindicatos próximos ao PT. Essas entidades haviam se afastado por discordar da política econômica adotada após a eleição de 2014. Agora voltaram a colorir as ruas de vermelho contra o que consideram um mal maior: um eventual governo Michel Temer.
As manifestações continuam menores que os atos pró-impeachment, mas cresceram em número e em frequência. Isso mostra que o petismo ainda tem uma base capaz de defender o mandato da presidente, o que Fernando Collor não teve em 1992. Nesta quarta (30) essa militância transformou uma solenidade no Planalto em comício contra o impeachment. Guilherme Boulos, do MTST, prometeu liderar atos "para resistir ao golpe".
Dilma também passou a receber apoio público de juristas, intelectuais e artistas identificados com a esquerda. Até outro dia, o retrato da classe artística na crise era a atriz Suzana Vieira com uma camiseta verde-amarela do "Morobloco". A adesão de celebridades como Wagner Moura é uma boa notícia para a presidente.
O problema do Planalto é que o PT e seus aliados que contam com a simpatia desses setores não somam mais de cem votos na Câmara. Por isso Dilma iniciou um leilão de cargos para partidos do chamado "centrão", como PP, PR e PSD. O loteamento deixará o governo mais entregue do clientelismo e mais distante dos ideais de esquerda que a presidente voltou a defender.
As próximas semanas vão mostrar se a tática de remar em direções opostas será capaz de salvar o barco.
A médica que dispensou o filho da petista - DAVID COIMBRA
ZERO HORA - 31/03
Quando li a notícia sobre a médica que se recusou a atender uma criança porque a mãe dela era do PT, fiquei revoltado. ´E o Juramento de Hipócrates!´, pensei, olhando para o Leste, na direção de onde suponho que se esparramem as ilhas gregas. ´O que Esculápio, Hígia e Panaceia pensarão disso?´.
Pior: o presidente do Sindicato dos Médicos, Paulo de Argollo Mendes, disse que a médica estava certa em se negar a prestar atendimento. ´Por favor!´, ralhei, ainda pensando na ética da velha e sábia avó Grécia. ´Nem se Hitler estivesse precisando de atendimento, o médico poderia recusar!´.
Continuei com minhas exclamações, até que entrevistamos o presidente do Sindicato, ontem, no Timeline da Gaúcha.
Paulo de Argollo explicou que a médica não se negou a dar atendimento a uma emergência, nem veta petistas em geral, mas aquela em particular. O que ela fez foi solicitar aos pais da criança para que trocassem de pediatra, porque não aguentava mais a conversa deles durante as consultas.
Bem... Nesse ponto, comecei a entender a médica.
É que todo sectário é um porre, seja qual for o dogma. Eles estão sempre prontos para a briga, e gente sempre pronta para a briga é extremamente aborrecida.
Reparem no atual slogan dos petistas: ´Não vai ter golpe, vai ter luta´.
Luta?
Contra quem eles vão lutar? Será guerra civil, é isso? Vai haver distribuição de armas nos diretórios do PT? Ou será só o exército do Stédile que vai para a frente de batalha?
Luta, luta, eles estão sempre em luta. José Dirceu é o ´guerreiro do povo brasileiro´, André Vargas desafia o STF erguendo o punho fechado, eles se acham Espártaco enfrentando as legiões de Crasso em defesa da liberdade dos escravos, Zapata liderando os camponeses contra a tirania de Porfírio Diaz, Marx aconselhando os proletários do mundo a se unirem. O sonho deles é travar a luta de classes. Combater o bom combate, como disse Paulo.
Que babaquice.
Sim, existem explorados e exploradores, negros e brancos, ricos e pobres, empresários e proletários, sim, mas o mundo não está dividido apenas entre explorados e exploradores, negros e brancos, ricos e pobres, empresários e proletários. O mundo é mais sofisticado, a sociedade é mais complexa e o Brasil, felizmente, é mais variado e complicado do que qualquer fórmula maniqueísta.
Antes era mais fácil: você era contra a ditadura ou a favor da ditadura. Ponto.
Agora é preciso pensar um pouco. Quem é contra o governo do PT não é necessariamente tucano, nem simpático a Bolsonaro, nem entusiasta do futuro governo Temer. Quem considera o Bolsa Família um bom programa não é necessariamente petista. Quem é contra o aparelhamento do Estado pelo governo não é necessariamente a favor do Estado mínimo. E quem é petista não é necessariamente um chato. Mas, neste momento de ânimos espinhados, há de se reconhecer que os petistas transformaram-se em pessoas especialmente chatas.
Se você se afasta de uma pessoa de quem não gosta, você está sendo saudável; se você se aproxima, procurando o confronto, você está com problemas sérios.
Uma médica não querer atender um paciente por ele ser de determinado partido ou ter determinada opinião é totalmente reprovável. Uma médica não querer atender um paciente que a incomoda é totalmente compreensível. Importunos de todo o mundo: vade retro.
Quando li a notícia sobre a médica que se recusou a atender uma criança porque a mãe dela era do PT, fiquei revoltado. ´E o Juramento de Hipócrates!´, pensei, olhando para o Leste, na direção de onde suponho que se esparramem as ilhas gregas. ´O que Esculápio, Hígia e Panaceia pensarão disso?´.
Pior: o presidente do Sindicato dos Médicos, Paulo de Argollo Mendes, disse que a médica estava certa em se negar a prestar atendimento. ´Por favor!´, ralhei, ainda pensando na ética da velha e sábia avó Grécia. ´Nem se Hitler estivesse precisando de atendimento, o médico poderia recusar!´.
Continuei com minhas exclamações, até que entrevistamos o presidente do Sindicato, ontem, no Timeline da Gaúcha.
Paulo de Argollo explicou que a médica não se negou a dar atendimento a uma emergência, nem veta petistas em geral, mas aquela em particular. O que ela fez foi solicitar aos pais da criança para que trocassem de pediatra, porque não aguentava mais a conversa deles durante as consultas.
Bem... Nesse ponto, comecei a entender a médica.
É que todo sectário é um porre, seja qual for o dogma. Eles estão sempre prontos para a briga, e gente sempre pronta para a briga é extremamente aborrecida.
Reparem no atual slogan dos petistas: ´Não vai ter golpe, vai ter luta´.
Luta?
Contra quem eles vão lutar? Será guerra civil, é isso? Vai haver distribuição de armas nos diretórios do PT? Ou será só o exército do Stédile que vai para a frente de batalha?
Luta, luta, eles estão sempre em luta. José Dirceu é o ´guerreiro do povo brasileiro´, André Vargas desafia o STF erguendo o punho fechado, eles se acham Espártaco enfrentando as legiões de Crasso em defesa da liberdade dos escravos, Zapata liderando os camponeses contra a tirania de Porfírio Diaz, Marx aconselhando os proletários do mundo a se unirem. O sonho deles é travar a luta de classes. Combater o bom combate, como disse Paulo.
Que babaquice.
Sim, existem explorados e exploradores, negros e brancos, ricos e pobres, empresários e proletários, sim, mas o mundo não está dividido apenas entre explorados e exploradores, negros e brancos, ricos e pobres, empresários e proletários. O mundo é mais sofisticado, a sociedade é mais complexa e o Brasil, felizmente, é mais variado e complicado do que qualquer fórmula maniqueísta.
Antes era mais fácil: você era contra a ditadura ou a favor da ditadura. Ponto.
Agora é preciso pensar um pouco. Quem é contra o governo do PT não é necessariamente tucano, nem simpático a Bolsonaro, nem entusiasta do futuro governo Temer. Quem considera o Bolsa Família um bom programa não é necessariamente petista. Quem é contra o aparelhamento do Estado pelo governo não é necessariamente a favor do Estado mínimo. E quem é petista não é necessariamente um chato. Mas, neste momento de ânimos espinhados, há de se reconhecer que os petistas transformaram-se em pessoas especialmente chatas.
Se você se afasta de uma pessoa de quem não gosta, você está sendo saudável; se você se aproxima, procurando o confronto, você está com problemas sérios.
Uma médica não querer atender um paciente por ele ser de determinado partido ou ter determinada opinião é totalmente reprovável. Uma médica não querer atender um paciente que a incomoda é totalmente compreensível. Importunos de todo o mundo: vade retro.
As ameaças de Dilma - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 31/03
E Dilma passou a dizer isso toda vez que tem plateia espontânea ou convocada. Alguns defensores do governo usam por má fé a tese do golpe. Outros, sobretudo os mais jovens, acreditam estar vivendo tempos heroicos em que é preciso resistir aos “golpistas”. Diante do funcionamento das instituições e da inexistência de qualquer movimentação militar, a tese é totalmente falsa, mas é repetida por falta de argumentos. O efeito dessa declaração da mais alta autoridade brasileira é extremamente deletério. A presidente invoca seu passado de militante para assegurar aos mais jovens que é isso mesmo que se está vivendo no Brasil, quando o que ocorre é a falência do seu governo por inépcia.
Os dados trazidos ontem pela CNI-Ibope não deixam dúvida do alto grau de rejeição do seu governo. A grande piora na avaliação da presidente Dilma entre as famílias que tem renda de até um salário mínimo aconteceu logo após as eleições. Foi nos três primeiros meses que sua aprovação mergulhou numa queda livre. Isso sugere que eles perceberam uma diferença grande entre o cenário que foi veiculado pela propaganda petista e a realidade que o país enfrentou nos meses seguintes à reeleição. É o custo extra de uma propaganda que não se sabe até hoje a que preço foi contratada.
Se em dezembro de 2014 apenas 10% dos entrevistados nessa faixa de renda consideravam o governo péssimo e 7% o avaliavam como ruim, em março de 2015 o percentual de péssimo já havia subido para 47% e o de ruim para 13%. Ou seja, o grupo de pessoas com rendimento de até um salário mínimo que consideram o governo ruim ou péssimo saltou de 17% para 60% em apenas três meses e vem se mantendo nesse patamar até a pesquisa divulgada ontem. Nesse grupo, 76% desaprovam a forma de Dilma governar. Entre os entrevistados na região Nordeste, o percentual de ruim e péssimo está em 54%. Entre os que têm baixa escolaridade, 60% acham seu governo ruim e péssimo. A base da pirâmide social que ela alega estar defendendo a rejeita. Por que será?
É pela mesma razão que outras regiões e outras classes sociais a criticam. Dilma vendeu um país cenográfico na eleição, para esconder os sinais da ruína econômica que produziu; manipulou o preço da energia e deu um tarifaço logo após o fechamento das urnas; produziu a pior recessão da nossa história. Além disso, seu governo está envolvido num gravíssimo caso de corrupção.
O que a presidente argumenta é que não cometeu crime de responsabilidade, portanto não poderia estar respondendo a um processo de impeachment. Na verdade, as suas manobras fiscais que ficaram conhecidas pelo nome de “pedaladas” infringiram sim a Lei de Responsabilidade Fiscal. Para piorar o quadro, vieram as denúncias de dinheiro de origem não esclarecida em sua campanha ou delações como a do senador Delcídio, que até dezembro passado era o líder do seu governo.
A presidente pode e deve usar todo o amplo direito de defesa. Ela tem a seu favor o fato de que com uma minoria de deputados, de apenas 171, pode parar o processo. O Supremo Tribunal Federal estabeleceu o rito de impeachment e estará pronto a corrigir qualquer erro cometido. O que ela não pode é inventar um golpe inexistente e pôr em dúvida a democracia brasileira que foi tão dolorosamente conquistada.
Tentativa desesperada com o velho fisiologismo - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 31/03
Governo vai para a troca de cargos por votos, agora contra o impeachment, com o objetivo, que pode ser frustrado, de impedir novas debandadas
Consumada a formalização da saída do PMDB da base do governo, nos três minutos da reunião-relâmpago realizada anteontem no Congresso, o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, logo definiu o novo momento do Planalto como de “repactuação”. Quer dizer, de redistribuição dos postos desocupados pelo PMDB entre aliados, para que permaneçam apoiando a presidente Dilma.
Parece manobra fadada ao fracasso. Afinal, a constelação de pequenos partidos talvez não tenha condições de compensar, em plenário, a migração de votos que seguirão os peemedebistas para dar sustentação ao impeachment.
Atrás do PMDB, ou de parte dele — o partido, sabe-se, tem como característica fazer apostas múltiplas — já foi o PSB, o PP ameaça fazer o mesmo, e por aí se vai. É visível que hoje o poder de sedução de um possível governo Temer está na praça. Mesmo que amanhã não venha a ser aprovado o impeachment da presidente Dilma.
Ela, enquanto insiste no discurso vazio de que o processo de seu impedimento é “golpe”, já exercita o jogo do toma lá, dá cá do fisiologismo, a fim de manter aliados no Congresso e garantir o mínimo de 172 votos para impedir o impeachment e/ou ausências de deputados em plenário que impeçam a oposição de somar os 342 votos correspondentes a dois terços da Câmara, requeridos para a aprovação da demissão da presidente pela Casa.
Com a debandada do PMDB, estima-se entre 500 e 600 o número de cargos à disposição do Planalto para praticar esta rodada de fisiologismo. Há, nessa barganha, preciosos gabinetes de ministros, e isso deve dar um razoável poder de barganha ao Planalto.
A prática do fisiologismo não é novidade nos governos petistas. Trata-se de “tecnologia” dominada, desde o primeiro governo Lula, quando ministérios foram doados a partidos como capitanias hereditárias, ao mesmo tempo em que a máquina pública era aparelhada por companheiros. (Em 2014, com a Lava-Jato, começou-se a ter a dimensão dos estragos que esta política havia causado à Petrobras e ao país).
A própria Dilma tentou fazer uma faxina no Ministério, no seu primeiro governo, cuja equipe inicial foi escolhida com a assessoria do ex-presidente Lula. Logo mais adiante teve de voltar atrás e recolocar em ministérios esquemas políticos que havia afastado naquele surto de limpeza ética.
A presidente não é portanto neófita no ramo do fisiologismo. Infelizmente, o toma lá, dá cá — cargos em troca de votos contra o impeachment — degradará ainda mais a qualidade já baixa dos serviços públicos.
A Saúde é um exemplo, por ter sido entregue ao deputado peemedebista Marcelo Castro quando o país começava a ser atingido pelo surto de zika, motivo de preocupação mundial. Às favas com a população. É sempre este o lema que acompanha o fisiologismo.
Consumada a formalização da saída do PMDB da base do governo, nos três minutos da reunião-relâmpago realizada anteontem no Congresso, o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, logo definiu o novo momento do Planalto como de “repactuação”. Quer dizer, de redistribuição dos postos desocupados pelo PMDB entre aliados, para que permaneçam apoiando a presidente Dilma.
Parece manobra fadada ao fracasso. Afinal, a constelação de pequenos partidos talvez não tenha condições de compensar, em plenário, a migração de votos que seguirão os peemedebistas para dar sustentação ao impeachment.
Atrás do PMDB, ou de parte dele — o partido, sabe-se, tem como característica fazer apostas múltiplas — já foi o PSB, o PP ameaça fazer o mesmo, e por aí se vai. É visível que hoje o poder de sedução de um possível governo Temer está na praça. Mesmo que amanhã não venha a ser aprovado o impeachment da presidente Dilma.
Ela, enquanto insiste no discurso vazio de que o processo de seu impedimento é “golpe”, já exercita o jogo do toma lá, dá cá do fisiologismo, a fim de manter aliados no Congresso e garantir o mínimo de 172 votos para impedir o impeachment e/ou ausências de deputados em plenário que impeçam a oposição de somar os 342 votos correspondentes a dois terços da Câmara, requeridos para a aprovação da demissão da presidente pela Casa.
Com a debandada do PMDB, estima-se entre 500 e 600 o número de cargos à disposição do Planalto para praticar esta rodada de fisiologismo. Há, nessa barganha, preciosos gabinetes de ministros, e isso deve dar um razoável poder de barganha ao Planalto.
A prática do fisiologismo não é novidade nos governos petistas. Trata-se de “tecnologia” dominada, desde o primeiro governo Lula, quando ministérios foram doados a partidos como capitanias hereditárias, ao mesmo tempo em que a máquina pública era aparelhada por companheiros. (Em 2014, com a Lava-Jato, começou-se a ter a dimensão dos estragos que esta política havia causado à Petrobras e ao país).
A própria Dilma tentou fazer uma faxina no Ministério, no seu primeiro governo, cuja equipe inicial foi escolhida com a assessoria do ex-presidente Lula. Logo mais adiante teve de voltar atrás e recolocar em ministérios esquemas políticos que havia afastado naquele surto de limpeza ética.
A presidente não é portanto neófita no ramo do fisiologismo. Infelizmente, o toma lá, dá cá — cargos em troca de votos contra o impeachment — degradará ainda mais a qualidade já baixa dos serviços públicos.
A Saúde é um exemplo, por ter sido entregue ao deputado peemedebista Marcelo Castro quando o país começava a ser atingido pelo surto de zika, motivo de preocupação mundial. Às favas com a população. É sempre este o lema que acompanha o fisiologismo.
quarta-feira, março 30, 2016
Eli, Eli, lamá sabachtháni? - ALEXANDRE SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 30/03
Caso o raro leitor tenha a impressão de já ter lido esta coluna, minhas sinceras desculpas. No entanto, como lamentei mais de uma vez, se os responsáveis pela política econômica insistem na repetição, o que pode fazer o analista senão seguir com a brincadeira?
Digo isso a propósito de nova decisão desastrada no campo da política econômica, expressa em mais uma mudança da meta fiscal. A original, R$ 24 bilhões, foi reduzida para cerca de R$ 3 bilhões, o que em si não chega a ser um completo desastre; o problema, na verdade, refere-se às inúmeras exceções, deduções, abatimentos, descontos, cláusulas de escape, desculpas esfarrapadas e afins, que permitem, no final das contas, que mesmo um deficit primário na casa de R$ 100 bilhões (1,6% do PIB) seja tomado como coerente com a (minúscula) meta fiscal.
A mera leitura do parágrafo acima já é suficiente para ilustrar a desmoralização do regime de política fiscal. Pelas regras, a meta fiscal para determinado ano é fixada em abril do ano anterior pela LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e guia a proposta orçamentária propriamente dita, enviada ao Congresso em agosto do mesmo ano.
Passados 11 meses, contudo, o governo de plantão pode não apenas alterar a meta determinada pela LDO mas violar as leis da matemática, em particular as que distinguem números positivos dos negativos e fingir que tudo vai bem.
Institucionalmente falando, trata-se da pá de cal sobre o regime que foi montado a partir do final do século passado, em torno do qual se articulou a visível melhora das contas públicas entre 1999 e 2008.
Tem razão meu amigo Samuel Pessôa em destacar o papel central da evolução da receita tributária no período, mas, de uma forma ou de outra, as regras vigentes não permitiram que todo crescimento da arrecadação terminasse por se tornar expansão ainda maior da despesa, o que certamente já deixou de ser o caso hoje.
Afora isso, a afirmação do ministro da Fazenda ("Eli, Eli, lamá sabachtháni?"*) acerca do "papel anticíclico" da despesa pública seria de fazer chorar qualquer economista de verdade.
Não se trata apenas de lembrar que essa mesma política, sob o comando da patativa genovesa, devidamente escudada pelo atual ministro, esteve no centro da deterioração econômica que nos trouxe à atual crise; ainda mais relevante, no presente contexto, é notar que preços de mercado já embutem um risco significativo de calote da dívida nacional, circunstância sob a qual a eficácia do gasto público para aumentar a demanda e a atividade praticamente inexiste.
Talvez nelson barbosa (pode manter as minúsculas, revisor) saiba disso, embora eu não coloque minha mão no fogo. Ainda assim, em face das pressões para a alteração da política econômica por parte do ex-futuro ministro da Casa Civil, o mais provável é que ele simplesmente não tenha tido a coragem de manter o rumo.
Afinal de contas, depois de tantos anos junto à patativa, não há coluna dorsal que não aprenda as virtudes da extraordinária flexibilidade.
Fica, portanto, mais difícil crer na sinceridade de propósito de seu "ajuste fiscal de longo prazo", ainda mais porque se trata da mesma proposta fulminada pela presidente ainda em sua encarnação como ministra. Não há rumo; apenas solidão.
"Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?", palavras de Jesus antes de morrer, segundo a Bíblia
Caso o raro leitor tenha a impressão de já ter lido esta coluna, minhas sinceras desculpas. No entanto, como lamentei mais de uma vez, se os responsáveis pela política econômica insistem na repetição, o que pode fazer o analista senão seguir com a brincadeira?
Digo isso a propósito de nova decisão desastrada no campo da política econômica, expressa em mais uma mudança da meta fiscal. A original, R$ 24 bilhões, foi reduzida para cerca de R$ 3 bilhões, o que em si não chega a ser um completo desastre; o problema, na verdade, refere-se às inúmeras exceções, deduções, abatimentos, descontos, cláusulas de escape, desculpas esfarrapadas e afins, que permitem, no final das contas, que mesmo um deficit primário na casa de R$ 100 bilhões (1,6% do PIB) seja tomado como coerente com a (minúscula) meta fiscal.
A mera leitura do parágrafo acima já é suficiente para ilustrar a desmoralização do regime de política fiscal. Pelas regras, a meta fiscal para determinado ano é fixada em abril do ano anterior pela LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e guia a proposta orçamentária propriamente dita, enviada ao Congresso em agosto do mesmo ano.
Passados 11 meses, contudo, o governo de plantão pode não apenas alterar a meta determinada pela LDO mas violar as leis da matemática, em particular as que distinguem números positivos dos negativos e fingir que tudo vai bem.
Institucionalmente falando, trata-se da pá de cal sobre o regime que foi montado a partir do final do século passado, em torno do qual se articulou a visível melhora das contas públicas entre 1999 e 2008.
Tem razão meu amigo Samuel Pessôa em destacar o papel central da evolução da receita tributária no período, mas, de uma forma ou de outra, as regras vigentes não permitiram que todo crescimento da arrecadação terminasse por se tornar expansão ainda maior da despesa, o que certamente já deixou de ser o caso hoje.
Afora isso, a afirmação do ministro da Fazenda ("Eli, Eli, lamá sabachtháni?"*) acerca do "papel anticíclico" da despesa pública seria de fazer chorar qualquer economista de verdade.
Não se trata apenas de lembrar que essa mesma política, sob o comando da patativa genovesa, devidamente escudada pelo atual ministro, esteve no centro da deterioração econômica que nos trouxe à atual crise; ainda mais relevante, no presente contexto, é notar que preços de mercado já embutem um risco significativo de calote da dívida nacional, circunstância sob a qual a eficácia do gasto público para aumentar a demanda e a atividade praticamente inexiste.
Talvez nelson barbosa (pode manter as minúsculas, revisor) saiba disso, embora eu não coloque minha mão no fogo. Ainda assim, em face das pressões para a alteração da política econômica por parte do ex-futuro ministro da Casa Civil, o mais provável é que ele simplesmente não tenha tido a coragem de manter o rumo.
Afinal de contas, depois de tantos anos junto à patativa, não há coluna dorsal que não aprenda as virtudes da extraordinária flexibilidade.
Fica, portanto, mais difícil crer na sinceridade de propósito de seu "ajuste fiscal de longo prazo", ainda mais porque se trata da mesma proposta fulminada pela presidente ainda em sua encarnação como ministra. Não há rumo; apenas solidão.
"Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?", palavras de Jesus antes de morrer, segundo a Bíblia
Marginais em ação - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 30/03
Lula é o Partido dos Trabalhadores. Sem ele o PT não existe. Para os petistas, a palavra de Lula é lei, mandamento supremo que, como tal, se sobrepõe a qualquer preceito legal, inclusive os estabelecidos pela Constituição federal. Em 2012, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou por corrupção a cúpula dirigente do PT no rumoroso processo do mensalão, Lula decidiu que as sentenças foram ditadas “sem provas”, por pressão da opinião pública e da mídia. Sua palavra de ordem foi rigorosamente acatada pela manada petista, que, para compensar a “injustiça” praticada contra seus ex-dirigentes, elevou-os à categoria de “guerreiros do povo brasileiro”. A partir de então ficou estabelecido para o lulopetismo o princípio à luz do qual as leis devem ou não ser respeitadas: o interesse de Lula. A partir de então, do ponto de vista legal – e não se trata, neste caso, de nada relacionado com a Lava Jato – Luiz Inácio Lula da Silva optou claramente pela marginalidade, para a qual arrasta todo o seu séquito, inclusive a presidente da República.
Hoje, a grande questão legal em jogo é o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Vários ministros do STF já declararam que o impeachment é um instituto legal previsto pela Constituição federal. Com base nesse princípio, a própria Suprema Corte recentemente estabeleceu os procedimentos a serem observados pelo Congresso Nacional para o julgamento do impeachment da chefe do Executivo. Mas Lula, Dilma e os petistas não querem saber. Para eles, impeachment é golpe. Repetem isso incansavelmente, como um mantra. E é lamentável verificar que pessoas supostamente bem informadas, a pretexto de defender “as instituições democráticas” que Lula demoliu, não se pejam de engrossar o coro.
Em torno do interesse maior de Lula, que é sua própria sobrevivência política, e sob sua coordenação, está em curso uma ampla e agressiva campanha para combater o “golpe” e, a partir do desembarque do PMDB do governo, para tentar desmoralizar Michel Temer, sucessor natural da presidente, cujo mandato está agora por um fio. Essa campanha tem dois focos distintos. No âmbito do Congresso, destina-se a comprar, literalmente, o apoio de parlamentares em número suficiente para barrar o processo de impeachment. Trata-se de uma compra pura e simples, porque a mercadoria à venda é o cargo público a ser pago com um voto contra o impeachment.
No âmbito mais amplo da opinião pública, a estratégia cumprida por determinação de Lula envolve ações que variam das ameaças verbais a investidas no melhor estilo black bloc, como a realizada na segunda-feira na Câmara dos Deputados, e ainda a mobilização dos movimentos sociais que giram na órbita lulista para manifestações de rua, como as programadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O episódio de guerrilha urbana promovido na Câmara dos Deputados teve o patrocínio de juristas e advogados militantes ou simpatizantes do PT e destinava-se a impedir – o termo, por absurdo que pareça, é exatamente este – que o presidente e outros membros da direção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolassem o pedido de impeachment de Dilma Rousseff que foi aprovado por 26 votos contra 2 pelo Conselho Federal da entidade. Aos berros, empurrões e tapas, os quadrilheiros de Lula procuraram, em vão, impedir que o documento da OAB fosse entregue. É assim que a turma de Lula defende a democracia.
No plenário do Senado, o líder do PT, Humberto Costa, ameaçou Michel Temer de ser “o próximo a cair” depois de Dilma e garantiu: “Não haverá trégua a esse movimento golpista, nem antes, nem depois, caso ele venha, vergonhosamente, a se materializar”. Por sua vez, um dos coordenadores do MST, Alexandre Conceição, em ato pró-Dilma na Câmara repetiu a palavra de ordem ditada por Lula: “Está ocorrendo uma manobra inconstitucional, um golpe”. E acrescentou que Eduardo Cunha e Michel Temer doravante “não vão ter paz”, para concluir com uma proclamação de enorme alienação: “Para manter os ganhos sociais só há uma saída: manter Dilma na Presidência”. Alguém precisa explicar ao moço quem é que está pondo a perder os “ganhos sociais”.
Lula é o Partido dos Trabalhadores. Sem ele o PT não existe. Para os petistas, a palavra de Lula é lei, mandamento supremo que, como tal, se sobrepõe a qualquer preceito legal, inclusive os estabelecidos pela Constituição federal. Em 2012, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou por corrupção a cúpula dirigente do PT no rumoroso processo do mensalão, Lula decidiu que as sentenças foram ditadas “sem provas”, por pressão da opinião pública e da mídia. Sua palavra de ordem foi rigorosamente acatada pela manada petista, que, para compensar a “injustiça” praticada contra seus ex-dirigentes, elevou-os à categoria de “guerreiros do povo brasileiro”. A partir de então ficou estabelecido para o lulopetismo o princípio à luz do qual as leis devem ou não ser respeitadas: o interesse de Lula. A partir de então, do ponto de vista legal – e não se trata, neste caso, de nada relacionado com a Lava Jato – Luiz Inácio Lula da Silva optou claramente pela marginalidade, para a qual arrasta todo o seu séquito, inclusive a presidente da República.
Hoje, a grande questão legal em jogo é o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Vários ministros do STF já declararam que o impeachment é um instituto legal previsto pela Constituição federal. Com base nesse princípio, a própria Suprema Corte recentemente estabeleceu os procedimentos a serem observados pelo Congresso Nacional para o julgamento do impeachment da chefe do Executivo. Mas Lula, Dilma e os petistas não querem saber. Para eles, impeachment é golpe. Repetem isso incansavelmente, como um mantra. E é lamentável verificar que pessoas supostamente bem informadas, a pretexto de defender “as instituições democráticas” que Lula demoliu, não se pejam de engrossar o coro.
Em torno do interesse maior de Lula, que é sua própria sobrevivência política, e sob sua coordenação, está em curso uma ampla e agressiva campanha para combater o “golpe” e, a partir do desembarque do PMDB do governo, para tentar desmoralizar Michel Temer, sucessor natural da presidente, cujo mandato está agora por um fio. Essa campanha tem dois focos distintos. No âmbito do Congresso, destina-se a comprar, literalmente, o apoio de parlamentares em número suficiente para barrar o processo de impeachment. Trata-se de uma compra pura e simples, porque a mercadoria à venda é o cargo público a ser pago com um voto contra o impeachment.
No âmbito mais amplo da opinião pública, a estratégia cumprida por determinação de Lula envolve ações que variam das ameaças verbais a investidas no melhor estilo black bloc, como a realizada na segunda-feira na Câmara dos Deputados, e ainda a mobilização dos movimentos sociais que giram na órbita lulista para manifestações de rua, como as programadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O episódio de guerrilha urbana promovido na Câmara dos Deputados teve o patrocínio de juristas e advogados militantes ou simpatizantes do PT e destinava-se a impedir – o termo, por absurdo que pareça, é exatamente este – que o presidente e outros membros da direção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolassem o pedido de impeachment de Dilma Rousseff que foi aprovado por 26 votos contra 2 pelo Conselho Federal da entidade. Aos berros, empurrões e tapas, os quadrilheiros de Lula procuraram, em vão, impedir que o documento da OAB fosse entregue. É assim que a turma de Lula defende a democracia.
No plenário do Senado, o líder do PT, Humberto Costa, ameaçou Michel Temer de ser “o próximo a cair” depois de Dilma e garantiu: “Não haverá trégua a esse movimento golpista, nem antes, nem depois, caso ele venha, vergonhosamente, a se materializar”. Por sua vez, um dos coordenadores do MST, Alexandre Conceição, em ato pró-Dilma na Câmara repetiu a palavra de ordem ditada por Lula: “Está ocorrendo uma manobra inconstitucional, um golpe”. E acrescentou que Eduardo Cunha e Michel Temer doravante “não vão ter paz”, para concluir com uma proclamação de enorme alienação: “Para manter os ganhos sociais só há uma saída: manter Dilma na Presidência”. Alguém precisa explicar ao moço quem é que está pondo a perder os “ganhos sociais”.
Navio fantasma - CELSO MING
ESTADÃO - 30/03
Nem uma estratégia de sobrevivência a presidente Dilma parece capaz de adotar; Por ora, dedica-se a repetir a seus devotos que “não vai ter golpe”
Com o desembarque do PMDB, o governo Dilma se transforma em navio fantasma. Sem timoneiro, sem mastros, sem lanterna de popa, transforma-se em massa informe e passiva, ao sabor do vento e das ondas.
Nem uma estratégia de sobrevivência a presidente Dilma parece capaz de adotar. Por ora, dedica-se a repetir a seus devotos que “não vai ter golpe”, como se o que está por acontecer seja realmente um golpe e como se bastasse recitar esse mantra para afastar o pior.
Os ataques indiscriminados à Justiça e ao Ministério Público sugerem que a presidente Dilma tem uma concepção confusa do que seja a independência dos Três Poderes e dos valores republicanos. Começou por dizer, em junho de 2015, que não respeita delator, esquecida de que foi ela própria quem promulgou a lei da delação premiada. Continuou por afirmar que a Operação Lava Jato trabalha com alvos seletivos, sem dar-se conta de que ela esteve entre os que pretendiam que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, fosse alvo prioritário - e, portanto, também seletivo - do juiz Sérgio Moro.
Para arrancar os 172 votos de que precisa na Câmara, Dilma se dedica agora a garimpar políticos dispostos a aceitar cargos no governo em troca de apoio contra o impeachment, que recompusesse, assim, parte da base perdida com a defecção desta terça-feira, tendo em conta que nem todos os políticos do PMDB pularam fora.
Se conseguir safar-se, o que parece improvável, o que seria seu governo nos dois anos e pico que lhe sobrariam do atual mandato? Com que munição política conseguiria governar? E, mais importante, até que ponto o PT seguiria disposto a apoiar sua presidenta que refuga tão veementemente suas propostas de política econômica?
As posturas contraditórias complicam tudo. A presidente Dilma mostra-se, às vezes, interessada em negociar, mas, ao mesmo tempo, ataca quem poderia ajudá-la. E, entre os políticos, passou a ser conhecida como quem é incapaz de respeitar acordos.
As coisas ainda poderiam ser mais fáceis se a presidente Dilma admitisse seus erros, tanto na condução da política econômica quanto na condução das operações políticas. Mas ela não se mostra nunca disposta a pedir desculpas e a recomeçar em novas bases.
A hipótese de troca de governo, cada vez mais provável, não clareia o entorno. A primeira reação poderia ser de entusiasmo do mercado financeiro e dos agentes econômicos, mas há uma enorme e dolorosa conta a apresentar à população. O governo já admite que a queda do PIB deste ano será de 3,1%. É inevitável que a renda per capita caia em torno de 10% no biênio 2015 -16. O desemprego vai para mais de 10% da força de trabalho. As contas públicas estão em frangalhos, como se viu nesta terça-feira com a divulgação do relatório fiscal. A dívida bruta avança para os 80% da renda média do brasileiro. A indústria está em processo de desmanche. A Petrobrás, à beira do colapso.
As semanas seguintes à provável substituição de comando no governo, qualquer que seja ele, tenderiam a continuar fortemente conturbadas. E, além do mais, continuariam sob a influência de antigas e novas revelações da Operação Lava Jato.
CONFIRA:
Nem uma estratégia de sobrevivência a presidente Dilma parece capaz de adotar; Por ora, dedica-se a repetir a seus devotos que “não vai ter golpe”
Com o desembarque do PMDB, o governo Dilma se transforma em navio fantasma. Sem timoneiro, sem mastros, sem lanterna de popa, transforma-se em massa informe e passiva, ao sabor do vento e das ondas.
Nem uma estratégia de sobrevivência a presidente Dilma parece capaz de adotar. Por ora, dedica-se a repetir a seus devotos que “não vai ter golpe”, como se o que está por acontecer seja realmente um golpe e como se bastasse recitar esse mantra para afastar o pior.
Os ataques indiscriminados à Justiça e ao Ministério Público sugerem que a presidente Dilma tem uma concepção confusa do que seja a independência dos Três Poderes e dos valores republicanos. Começou por dizer, em junho de 2015, que não respeita delator, esquecida de que foi ela própria quem promulgou a lei da delação premiada. Continuou por afirmar que a Operação Lava Jato trabalha com alvos seletivos, sem dar-se conta de que ela esteve entre os que pretendiam que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, fosse alvo prioritário - e, portanto, também seletivo - do juiz Sérgio Moro.
Para arrancar os 172 votos de que precisa na Câmara, Dilma se dedica agora a garimpar políticos dispostos a aceitar cargos no governo em troca de apoio contra o impeachment, que recompusesse, assim, parte da base perdida com a defecção desta terça-feira, tendo em conta que nem todos os políticos do PMDB pularam fora.
Se conseguir safar-se, o que parece improvável, o que seria seu governo nos dois anos e pico que lhe sobrariam do atual mandato? Com que munição política conseguiria governar? E, mais importante, até que ponto o PT seguiria disposto a apoiar sua presidenta que refuga tão veementemente suas propostas de política econômica?
As posturas contraditórias complicam tudo. A presidente Dilma mostra-se, às vezes, interessada em negociar, mas, ao mesmo tempo, ataca quem poderia ajudá-la. E, entre os políticos, passou a ser conhecida como quem é incapaz de respeitar acordos.
As coisas ainda poderiam ser mais fáceis se a presidente Dilma admitisse seus erros, tanto na condução da política econômica quanto na condução das operações políticas. Mas ela não se mostra nunca disposta a pedir desculpas e a recomeçar em novas bases.
A hipótese de troca de governo, cada vez mais provável, não clareia o entorno. A primeira reação poderia ser de entusiasmo do mercado financeiro e dos agentes econômicos, mas há uma enorme e dolorosa conta a apresentar à população. O governo já admite que a queda do PIB deste ano será de 3,1%. É inevitável que a renda per capita caia em torno de 10% no biênio 2015 -16. O desemprego vai para mais de 10% da força de trabalho. As contas públicas estão em frangalhos, como se viu nesta terça-feira com a divulgação do relatório fiscal. A dívida bruta avança para os 80% da renda média do brasileiro. A indústria está em processo de desmanche. A Petrobrás, à beira do colapso.
As semanas seguintes à provável substituição de comando no governo, qualquer que seja ele, tenderiam a continuar fortemente conturbadas. E, além do mais, continuariam sob a influência de antigas e novas revelações da Operação Lava Jato.
CONFIRA:
Estoque de crédito
O gráfico mostra o comportamento do crédito, tanto no segmento livre como no direcionado.
Efeito recessão
O estoque de crédito prestado pelo sistema financeiro é o reflexo do que se passa na economia. Retração de 0,5% em fevereiro, em relação a janeiro; e aumento de apenas 5,3% em 12 meses. Não são só os bancos que se mantêm relativamente arredios das operações de crédito. Também empresas e pessoas físicas não se mostram dispostas a assumir mais riscos numa conjuntura de recessão e de queda do consumo.
O gráfico mostra o comportamento do crédito, tanto no segmento livre como no direcionado.
Efeito recessão
O estoque de crédito prestado pelo sistema financeiro é o reflexo do que se passa na economia. Retração de 0,5% em fevereiro, em relação a janeiro; e aumento de apenas 5,3% em 12 meses. Não são só os bancos que se mantêm relativamente arredios das operações de crédito. Também empresas e pessoas físicas não se mostram dispostas a assumir mais riscos numa conjuntura de recessão e de queda do consumo.
A farsa do ‘golpe’ construída pelo lulopetismo - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 30/03
Aceitar a tese de que seria ilegal o afastamento de Dilma, por meio da Justiça, é admitir que o Supremo participaria de uma ação de cunho político contra princípios constitucionais
Na estratégia de defesa e nas ações de agitação e propaganda de um PT e de uma presidente acuada no Planalto, a palavra “golpe” ganha grande relevância. “Golpe” é curto, fácil de pronunciar e adequado para ser gritado em manifestações — mas nada tem a ver com a crise política por que passa o país, na qual estão atolados PT e Dilma, e muito menos com o processo de impeachment da presidente em tramitação na Câmara.
O partido se encalacra a cada avanço da Lava-Jato, e ontem a presidente sofreu derrota emblemática, com a formalização pelo PMDB da saída da base do governo. Deve puxar uma fila de novas defecções, porque político, em geral, não gosta de ser sócio de derrocadas.
À medida que a campanha pelo impedimento crescia e o juiz Sérgio Moro, com a força-tarefa da Lava-Jato, se aproximava do ex-presidente Lula, a militância criou termos paradoxais, como “golpe constitucional”. Ora, se é golpe, não pode ser constitucional.
PT e aliados marcaram para amanhã, 31 de março, manifestações em defesa do governo e, por óbvio, farão referência ao golpe dado pelos militares, apoiados pelas classes médias e alta, há 52 anos.
Pura manipulação, porque o Brasil de 2016 nada tem a ver com o de 1964. A Lava-Jato, em que atuam de maneira coordenada a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal, trabalha sem atropelos constitucionais. E quando a defesa considera haver alguma ilegalidade, recorre às devidas instâncias judiciais. Se não tem conseguido muitos êxitos, é pela solidez das provas e argumentos do juiz Sérgio Moro. Equivocam-se, então, os que enxergam uma conspiração antidemocrática no combate à corrupção.
Já o processo de impeachment de Dilma, por sua vez, transita pelas instituições sem atropelos. Em 64 seria diferente. Acreditar no conto da carochinha do “golpe” é aceitar como verdadeiro o conluio do Supremo numa operação para defenestrar ilegalmente Dilma do Planalto. Só numa alucinação. Vários ministros da Corte já negaram esta ideia tresloucada: seu presidente, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Celso de Mello. Prova irrefutável da institucionalidade do impeachment é que seu rito foi estabelecido pelo próprio STF, com base naquele seguido contra Collor, em 1992.
Em 1964, houve ruptura institucional, com o atropelamento, pelos militares, das instituições. O golpe farsesco convence apenas desinformados e ingênuos, serve tão-somente aos mal-intencionados — estes, sim, golpistas — que desejam envolver numa espessa nuvem de fumaça as provas e evidências de grossa corrupção que envolve quadros petistas.
Aceite quem quiser que políticas de supostos benefícios aos pobres podem justificar a roubalheira. Não num país com instituições republicanas sólidas.
Aceitar a tese de que seria ilegal o afastamento de Dilma, por meio da Justiça, é admitir que o Supremo participaria de uma ação de cunho político contra princípios constitucionais
Na estratégia de defesa e nas ações de agitação e propaganda de um PT e de uma presidente acuada no Planalto, a palavra “golpe” ganha grande relevância. “Golpe” é curto, fácil de pronunciar e adequado para ser gritado em manifestações — mas nada tem a ver com a crise política por que passa o país, na qual estão atolados PT e Dilma, e muito menos com o processo de impeachment da presidente em tramitação na Câmara.
O partido se encalacra a cada avanço da Lava-Jato, e ontem a presidente sofreu derrota emblemática, com a formalização pelo PMDB da saída da base do governo. Deve puxar uma fila de novas defecções, porque político, em geral, não gosta de ser sócio de derrocadas.
À medida que a campanha pelo impedimento crescia e o juiz Sérgio Moro, com a força-tarefa da Lava-Jato, se aproximava do ex-presidente Lula, a militância criou termos paradoxais, como “golpe constitucional”. Ora, se é golpe, não pode ser constitucional.
PT e aliados marcaram para amanhã, 31 de março, manifestações em defesa do governo e, por óbvio, farão referência ao golpe dado pelos militares, apoiados pelas classes médias e alta, há 52 anos.
Pura manipulação, porque o Brasil de 2016 nada tem a ver com o de 1964. A Lava-Jato, em que atuam de maneira coordenada a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal, trabalha sem atropelos constitucionais. E quando a defesa considera haver alguma ilegalidade, recorre às devidas instâncias judiciais. Se não tem conseguido muitos êxitos, é pela solidez das provas e argumentos do juiz Sérgio Moro. Equivocam-se, então, os que enxergam uma conspiração antidemocrática no combate à corrupção.
Já o processo de impeachment de Dilma, por sua vez, transita pelas instituições sem atropelos. Em 64 seria diferente. Acreditar no conto da carochinha do “golpe” é aceitar como verdadeiro o conluio do Supremo numa operação para defenestrar ilegalmente Dilma do Planalto. Só numa alucinação. Vários ministros da Corte já negaram esta ideia tresloucada: seu presidente, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Celso de Mello. Prova irrefutável da institucionalidade do impeachment é que seu rito foi estabelecido pelo próprio STF, com base naquele seguido contra Collor, em 1992.
Em 1964, houve ruptura institucional, com o atropelamento, pelos militares, das instituições. O golpe farsesco convence apenas desinformados e ingênuos, serve tão-somente aos mal-intencionados — estes, sim, golpistas — que desejam envolver numa espessa nuvem de fumaça as provas e evidências de grossa corrupção que envolve quadros petistas.
Aceite quem quiser que políticas de supostos benefícios aos pobres podem justificar a roubalheira. Não num país com instituições republicanas sólidas.
Vexame - ROBERTO ABDENUR
O GLOBO - 30/03
A presidente Dilma certamente não fez uma reflexão mais detida sobre o que poderiam ser as consequências do convite ao Corpo Diplomático para o encontro com juristas
Passou algo despercebido, nos últimos dias, o sentido mais amplo de insólita iniciativa tomada pela presidente da República. Refiro-me à convocação do Corpo Diplomático em Brasília para assistir ao evento denominado “Encontro com Juristas pela Legalidade da Democracia”. Na ocasião, a presidente expôs sua visão dos presentes acontecimentos e alinhavou argumentos contra o que considera ser um “golpe” e séria “ameaça à democracia”, capaz de “deixar profundas cicatrizes na vida política brasileira”. Compareceram ao evento, ao que consta, cerca de três dezenas de embaixadores e encarregados de negócios.
Embora em outro nível hierárquico — e certamente agindo à revelia do próprio governo —, dias antes um diplomata tomara a iniciativa de enviar aos postos no exterior reiteradas instruções no sentido de que fizessem ampla divulgação, junto à sociedade civil local, de denúncias sobre a “tentativa de golpe” que supostamente estaria a ocorrer no Brasil. Esse anedótico episódio não mereceria menção se não fosse sintomático do afã do governo e seus simpatizantes em projetar para fora do país a visão conspiratória que armou em sua defesa contra o impeachment.
Ambas as iniciativas vieram evidenciar como a linha de defesa contra o impeachment adotada pela presidente e pelas forças políticas que a apoiam extrapola significativamente os limites do cabível no que diz respeito à preservação da imagem do país aos olhos da comunidade internacional, acarretando prejuízos para nossos interesses tanto em questões de política externa quanto nos campos econômico e financeiro. E isto no momento em que o processo de devastação de nossa economia ora em curso, ao impacto dos erros cometidos pelo governo, já abala fortemente a credibilidade do país.
A presidente Dilma certamente não fez uma reflexão mais detida sobre o que poderiam ser as consequências do convite ao Corpo Diplomático estrangeiro. O evento constituiu espetáculo de autoflagelação. Flagelação da imagem do país, mas também autoflagelação da própria presidente.
Não se tem notícia, na história de nossas numerosas crises políticas, de situação em que o próprio chefe de Estado e de governo tenha recorrido a semelhante iniciativa, em esforço de angariar simpatia e apoio de governos estrangeiros para sua posição política. Uma posição que, deve a presidente saber em seu íntimo, não se coaduna com a realidade dos fatos, como atestam o correto funcionamento das instituições de Estado — Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal — e enfáticas declarações de membros do STF mostrando a completa legalidade do processo de impeachment.
O gesto da presidente valeu-lhe declarações de apoio por parte de três ou quatro governos “bolivarianos”, desde logo profundamente gratos ao ex-presidente Lula por seu denodado apoio aos projetos autoritários e até ditatoriais por eles encetados.
Essas manifestações “bolivarianas” já tiveram o efeito de colocar o Brasil na vexatória posição de estar sujeito a sanções, sob a égide da cláusula democrática do Mercosul. Mesmo o novo governo argentino, que teve a lucidez de não associar- se às declarações “bolivarianas”, veio a público, pela voz de sua chanceler, para expressar preocupação com o que aqui ocorre, e dizer que não exclui a hipótese de alguma manifestação contra o alegado risco de “golpe”. Constituirá inenarrável humilhação para o Brasil eventual manifestação de nossos vizinhos que endosse, explícita ou mesmo implicitamente, os argumentos expostos pela presidente.
No que diz respeito à maioria dos outros governos, contudo, o episódio redundará em desprestígio e perda de credibilidade. Caso, com efeito, sobreviva ao processo de impeachment, a presidente Dilma, ao longo de todo o restante de seu mandato, não será levada maiormente a sério em encontros bilaterais ou em reuniões e conferências multilaterais. Mas o Brasil, de sua parte, perde desde logo por conta do impacto negativo da atitude da presidente sobre o espírito de governantes estrangeiros, empresas, bancos, investidores, agências de rating e outros atores. E, no mesmo compasso, veem-se prejudicadas a seriedade e a confiabilidade de nossa política externa.
Oxalá não passe pela cabeça do governo instruir nossas embaixadas a veicularem no exterior aquilo que foi dito no citado encontro de juristas com a presidente. O Itamaraty não pode ser rebaixado ao ponto de servir de veículo para uma iniciativa em tal sentido.
Roberto Abdenur é embaixador aposentado
A presidente Dilma certamente não fez uma reflexão mais detida sobre o que poderiam ser as consequências do convite ao Corpo Diplomático para o encontro com juristas
Passou algo despercebido, nos últimos dias, o sentido mais amplo de insólita iniciativa tomada pela presidente da República. Refiro-me à convocação do Corpo Diplomático em Brasília para assistir ao evento denominado “Encontro com Juristas pela Legalidade da Democracia”. Na ocasião, a presidente expôs sua visão dos presentes acontecimentos e alinhavou argumentos contra o que considera ser um “golpe” e séria “ameaça à democracia”, capaz de “deixar profundas cicatrizes na vida política brasileira”. Compareceram ao evento, ao que consta, cerca de três dezenas de embaixadores e encarregados de negócios.
Embora em outro nível hierárquico — e certamente agindo à revelia do próprio governo —, dias antes um diplomata tomara a iniciativa de enviar aos postos no exterior reiteradas instruções no sentido de que fizessem ampla divulgação, junto à sociedade civil local, de denúncias sobre a “tentativa de golpe” que supostamente estaria a ocorrer no Brasil. Esse anedótico episódio não mereceria menção se não fosse sintomático do afã do governo e seus simpatizantes em projetar para fora do país a visão conspiratória que armou em sua defesa contra o impeachment.
Ambas as iniciativas vieram evidenciar como a linha de defesa contra o impeachment adotada pela presidente e pelas forças políticas que a apoiam extrapola significativamente os limites do cabível no que diz respeito à preservação da imagem do país aos olhos da comunidade internacional, acarretando prejuízos para nossos interesses tanto em questões de política externa quanto nos campos econômico e financeiro. E isto no momento em que o processo de devastação de nossa economia ora em curso, ao impacto dos erros cometidos pelo governo, já abala fortemente a credibilidade do país.
A presidente Dilma certamente não fez uma reflexão mais detida sobre o que poderiam ser as consequências do convite ao Corpo Diplomático estrangeiro. O evento constituiu espetáculo de autoflagelação. Flagelação da imagem do país, mas também autoflagelação da própria presidente.
Não se tem notícia, na história de nossas numerosas crises políticas, de situação em que o próprio chefe de Estado e de governo tenha recorrido a semelhante iniciativa, em esforço de angariar simpatia e apoio de governos estrangeiros para sua posição política. Uma posição que, deve a presidente saber em seu íntimo, não se coaduna com a realidade dos fatos, como atestam o correto funcionamento das instituições de Estado — Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal — e enfáticas declarações de membros do STF mostrando a completa legalidade do processo de impeachment.
O gesto da presidente valeu-lhe declarações de apoio por parte de três ou quatro governos “bolivarianos”, desde logo profundamente gratos ao ex-presidente Lula por seu denodado apoio aos projetos autoritários e até ditatoriais por eles encetados.
Essas manifestações “bolivarianas” já tiveram o efeito de colocar o Brasil na vexatória posição de estar sujeito a sanções, sob a égide da cláusula democrática do Mercosul. Mesmo o novo governo argentino, que teve a lucidez de não associar- se às declarações “bolivarianas”, veio a público, pela voz de sua chanceler, para expressar preocupação com o que aqui ocorre, e dizer que não exclui a hipótese de alguma manifestação contra o alegado risco de “golpe”. Constituirá inenarrável humilhação para o Brasil eventual manifestação de nossos vizinhos que endosse, explícita ou mesmo implicitamente, os argumentos expostos pela presidente.
No que diz respeito à maioria dos outros governos, contudo, o episódio redundará em desprestígio e perda de credibilidade. Caso, com efeito, sobreviva ao processo de impeachment, a presidente Dilma, ao longo de todo o restante de seu mandato, não será levada maiormente a sério em encontros bilaterais ou em reuniões e conferências multilaterais. Mas o Brasil, de sua parte, perde desde logo por conta do impacto negativo da atitude da presidente sobre o espírito de governantes estrangeiros, empresas, bancos, investidores, agências de rating e outros atores. E, no mesmo compasso, veem-se prejudicadas a seriedade e a confiabilidade de nossa política externa.
Oxalá não passe pela cabeça do governo instruir nossas embaixadas a veicularem no exterior aquilo que foi dito no citado encontro de juristas com a presidente. O Itamaraty não pode ser rebaixado ao ponto de servir de veículo para uma iniciativa em tal sentido.
Roberto Abdenur é embaixador aposentado
Não vai ter golpe - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 30/03
A por enquanto incipiente manobra de aliados governistas em torno de um acordo para que a própria presidente Dilma convoque eleição presidencial antecipada a se realizar juntamente com as eleições municipais em outubro deste ano, depende de duas coisas: que o processo de impeachment que já tramita no Congresso seja sustado, e que o vice Michel Temer aceite renunciar também.
Como se vê, há na proposta um golpe embutido, da mesma qualidade que a ideia de implantar-se o parlamentarismo, ou o semiparlamentarismo, em meio ao mandato em curso. Não, não vai ter golpe. O que esses engenhosos políticos estão articulando é dar um fôlego à presidente Dilma até outubro, para que ela tente empinar seu governo para que o PT, provavelmente com Lula de candidato se ele não for condenado antes pelo juiz Moro, tenha alguma chance de reverter a situação atual.
E vai que, no meio do caminho, Lula recupera sua antiga verve e carisma, e convença a maioria dos brasileiros de que tudo o que a Operação Lava-Jato desvendou é uma grossa mentira. Nada indica que isso poderia acontecer, mas a esperança é a última que morre.
A Rede de Marina Silva, por exemplo, se sente atraída pela ideia de eleições presidenciais já, que em tese parece ser a melhor saída mesmo. Mas não há soluções legais para que isso aconteça, a não ser que se espere a decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre a campanha presidencial de 2014.
A questão do tempo decorrido pode não ser obstáculo legal, pois uma alteração no Código Eleitoral, feita em 2015, diz que a qualquer momento, menos a seis meses do fim do mandato, a substituição será por eleição direta: “Art. 224, parágrafos 3 e 4 do Código Eleitoral
§ 3º A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.
· Parágrafo 3º acrescido pelo art. 4º da Lei nº 13.165/2015.
§ 4º A eleição a que se refere o § 3º correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será:
I – indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato;
II – direta, nos demais casos.
· Parágrafo 4º e incisos I e II acrescidos pelo art. 4º da Lei nº 13.165/2015.
Embora essa alteração no Código Eleitoral possa ser contestada no Supremo, já que a Constituição determina que a eleição seja indireta a partir do terceiro ano do mandato do presidente impedido, até agora isso não foi feito. E é difícil imaginar quem será a favor de uma eleição indireta pelo Congresso. Não vale pensar em Eduardo Cunha ou Renan Calheiros e similares, pois não terão força eleitoral para fazer vingar esse golpe.
A dificuldade aí parece ser a certeza de que o país não aguenta mais muito tempo sem direção. O impeachment é a saída constitucional mais eficaz e rápida para resolver um problema institucional sério. Não há mais dúvida de que existem motivos de sobra para o impedimento da presidente, falando-se apenas de crimes de responsabilidade.
Além das pedaladas, há no pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) dois outros crimes de responsabilidade cometidos pela presidente: as tentativas de obstruir a Justiça com a nomeação de Lula para seu ministério, em vias de ser reconhecida pelo STF, e a pressão sobre um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), relatada pelo senador Delcídio do Amaral em sua delação premiada, para soltar empreiteiros presos na Operação Lava-Jato.
Mas, assim como o processo de impeachment não pode ser parado, também o do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem que continuar, com o perigo de que, com a impugnação da eleição de 2014, também Michel Temer perca seu lugar no Palácio do Planalto. Ou que a Operação Lava Jato faça uma surpresa ao PMDB.
Se assim for, teremos novas eleições presidenciais e, por caminhos tortuosos, chegaremos a uma solução bem mais palatável sem recorrermos a atalhos que parecem bons dependendo de quem os defende, mas são na verdade tentativas de burlar a Constituição.
No momento, no pós-impeachment cada vez mais provável, Michel Temer será empossado presidente da República. Sem golpes.
A por enquanto incipiente manobra de aliados governistas em torno de um acordo para que a própria presidente Dilma convoque eleição presidencial antecipada a se realizar juntamente com as eleições municipais em outubro deste ano, depende de duas coisas: que o processo de impeachment que já tramita no Congresso seja sustado, e que o vice Michel Temer aceite renunciar também.
Como se vê, há na proposta um golpe embutido, da mesma qualidade que a ideia de implantar-se o parlamentarismo, ou o semiparlamentarismo, em meio ao mandato em curso. Não, não vai ter golpe. O que esses engenhosos políticos estão articulando é dar um fôlego à presidente Dilma até outubro, para que ela tente empinar seu governo para que o PT, provavelmente com Lula de candidato se ele não for condenado antes pelo juiz Moro, tenha alguma chance de reverter a situação atual.
E vai que, no meio do caminho, Lula recupera sua antiga verve e carisma, e convença a maioria dos brasileiros de que tudo o que a Operação Lava-Jato desvendou é uma grossa mentira. Nada indica que isso poderia acontecer, mas a esperança é a última que morre.
A Rede de Marina Silva, por exemplo, se sente atraída pela ideia de eleições presidenciais já, que em tese parece ser a melhor saída mesmo. Mas não há soluções legais para que isso aconteça, a não ser que se espere a decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre a campanha presidencial de 2014.
A questão do tempo decorrido pode não ser obstáculo legal, pois uma alteração no Código Eleitoral, feita em 2015, diz que a qualquer momento, menos a seis meses do fim do mandato, a substituição será por eleição direta: “Art. 224, parágrafos 3 e 4 do Código Eleitoral
§ 3º A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.
· Parágrafo 3º acrescido pelo art. 4º da Lei nº 13.165/2015.
§ 4º A eleição a que se refere o § 3º correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será:
I – indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato;
II – direta, nos demais casos.
· Parágrafo 4º e incisos I e II acrescidos pelo art. 4º da Lei nº 13.165/2015.
Embora essa alteração no Código Eleitoral possa ser contestada no Supremo, já que a Constituição determina que a eleição seja indireta a partir do terceiro ano do mandato do presidente impedido, até agora isso não foi feito. E é difícil imaginar quem será a favor de uma eleição indireta pelo Congresso. Não vale pensar em Eduardo Cunha ou Renan Calheiros e similares, pois não terão força eleitoral para fazer vingar esse golpe.
A dificuldade aí parece ser a certeza de que o país não aguenta mais muito tempo sem direção. O impeachment é a saída constitucional mais eficaz e rápida para resolver um problema institucional sério. Não há mais dúvida de que existem motivos de sobra para o impedimento da presidente, falando-se apenas de crimes de responsabilidade.
Além das pedaladas, há no pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) dois outros crimes de responsabilidade cometidos pela presidente: as tentativas de obstruir a Justiça com a nomeação de Lula para seu ministério, em vias de ser reconhecida pelo STF, e a pressão sobre um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), relatada pelo senador Delcídio do Amaral em sua delação premiada, para soltar empreiteiros presos na Operação Lava-Jato.
Mas, assim como o processo de impeachment não pode ser parado, também o do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem que continuar, com o perigo de que, com a impugnação da eleição de 2014, também Michel Temer perca seu lugar no Palácio do Planalto. Ou que a Operação Lava Jato faça uma surpresa ao PMDB.
Se assim for, teremos novas eleições presidenciais e, por caminhos tortuosos, chegaremos a uma solução bem mais palatável sem recorrermos a atalhos que parecem bons dependendo de quem os defende, mas são na verdade tentativas de burlar a Constituição.
No momento, no pós-impeachment cada vez mais provável, Michel Temer será empossado presidente da República. Sem golpes.
Temer, Lula e o pós-Dilma - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 30/03
Com o rompimento do PMDB, o foco sai da presidente Dilma Rousseff e passa para o vice Michel Temer, já que o impeachment ganhou ímpeto e tem até um “deadline”: a chegada da tocha olímpica ao Brasil, prevista para meados de maio. A intenção é gerar um ambiente de festa, congraçamento e recomeço – com um novo governo para mostrar ao mundo.
Quanto mais Dilma representa o passado, mais Temer passa a personificar o futuro, para o bem e para o mal. Para o bem, porque o vice sonha entrar para a história como o presidente da transição que reconduziu o País aos trilhos. Para o mal, porque ele vai atrair, junto com montanhas de adesões, também os raios e trovoadas do PT.
Se o discurso do PT e do governo é de que está em curso “um golpe” contra a democracia, agora é hora de dar cara, voz, cor e partido a esse “golpe”. É por isso que o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT), acusa Temer de “chefe do golpe” e o líder no Senado, Humberto Costa (PT), ameaça: se Dilma for destituída, Temer “seguramente será o próximo a cair”.
É a estratégia do medo, enquanto o Planalto troca as negociações partidárias (no “atacado”) por cooptação deputado a deputado (no “varejo”). Ambas – o medo e o varejo – são de altíssimo risco e de resultados incertos porque, quando a onda encorpa, ninguém segura.
Com o rompimento do PMDB, o cálculo de governo e oposição é que os partidos da base aliada vão debandar. O PSB já se foi e, aliás, fez um programa de TV duríssimo contra o governo na semana passada. O PRB também já vai tarde, apesar de a Igreja Universal do Reino de Deus ter lá seus interlocutores com o Planalto. O PSD libera os correligionários para votarem como bem entenderem. O PP e o PR serão os próximos.
Dilma acha que, além de comprar um voto daqui outro dali no Congresso, é capaz de se sustentar graças aos movimentos sociais alinhados com o PT. Eles vão às ruas agora para gritar contra “o golpe” e são uma ameaça a um eventual governo Temer – como, de resto, a qualquer composição que substitua Dilma e exclua o PT. Isso, porém, depende muito menos de Dilma e do governo e muito mais de Luiz Inácio Lula da Silva.
PT, CUT, UNE, MST... não vão às ruas por Dilma, mas sim por Lula e o que ele chama de “nosso projeto”, ameaçado pela Lava Jato e pela quebradeira da Petrobrás, mas principalmente pelo desastre Dilma, que desestruturou de tal forma da economia a ponto de, como informou o Estado, fechar 4.451 indústrias de transformação num único ano, 2015, e num único Estado, São Paulo, gerando milhões de desempregados. Não foi à toa que em torno de 400 entidades publicaram um contundente anúncio nos jornais de ontem clamando pelo impeachment.
Aí chegamos a Lula e à conversa que ele teve com o vice Michel Temer em São Paulo, em pleno Domingo de Páscoa. Lula não iria a Temer mendigar uma reviravolta do PMDB ou o adiamento da reunião que selou o fim da aliança com o Planalto. Mas Lula iria ao vice, sim, fazer uma avaliação dos cenários (inclusive o de Dilma fora, Temer dentro) e discutir um pacto de convivência que, em vez de destruir a transição com Temer, possa construir uma chance para o PT em 2018. De forma mais direta: Lula e o PT sabem que Dilma está perdida e já discutem o “day after”. Partir para um guerra com Temer em que ninguém sobreviveria ou selar uma trégua para uma recomposição de forças políticas e a recuperação da economia?
Para todos os efeitos, Lula está empenhado ao máximo em salvar Dilma. Na prática, está se mexendo para nem ele nem o PT morrerem com ela. Isso passa por um acordo com Temer e pode chegar a uma ordem de comando para, no caso da posse do vice, o exército vermelho sair das ruas e ficar apenas de prontidão.
Com o rompimento do PMDB, o foco sai da presidente Dilma Rousseff e passa para o vice Michel Temer, já que o impeachment ganhou ímpeto e tem até um “deadline”: a chegada da tocha olímpica ao Brasil, prevista para meados de maio. A intenção é gerar um ambiente de festa, congraçamento e recomeço – com um novo governo para mostrar ao mundo.
Quanto mais Dilma representa o passado, mais Temer passa a personificar o futuro, para o bem e para o mal. Para o bem, porque o vice sonha entrar para a história como o presidente da transição que reconduziu o País aos trilhos. Para o mal, porque ele vai atrair, junto com montanhas de adesões, também os raios e trovoadas do PT.
Se o discurso do PT e do governo é de que está em curso “um golpe” contra a democracia, agora é hora de dar cara, voz, cor e partido a esse “golpe”. É por isso que o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT), acusa Temer de “chefe do golpe” e o líder no Senado, Humberto Costa (PT), ameaça: se Dilma for destituída, Temer “seguramente será o próximo a cair”.
É a estratégia do medo, enquanto o Planalto troca as negociações partidárias (no “atacado”) por cooptação deputado a deputado (no “varejo”). Ambas – o medo e o varejo – são de altíssimo risco e de resultados incertos porque, quando a onda encorpa, ninguém segura.
Com o rompimento do PMDB, o cálculo de governo e oposição é que os partidos da base aliada vão debandar. O PSB já se foi e, aliás, fez um programa de TV duríssimo contra o governo na semana passada. O PRB também já vai tarde, apesar de a Igreja Universal do Reino de Deus ter lá seus interlocutores com o Planalto. O PSD libera os correligionários para votarem como bem entenderem. O PP e o PR serão os próximos.
Dilma acha que, além de comprar um voto daqui outro dali no Congresso, é capaz de se sustentar graças aos movimentos sociais alinhados com o PT. Eles vão às ruas agora para gritar contra “o golpe” e são uma ameaça a um eventual governo Temer – como, de resto, a qualquer composição que substitua Dilma e exclua o PT. Isso, porém, depende muito menos de Dilma e do governo e muito mais de Luiz Inácio Lula da Silva.
PT, CUT, UNE, MST... não vão às ruas por Dilma, mas sim por Lula e o que ele chama de “nosso projeto”, ameaçado pela Lava Jato e pela quebradeira da Petrobrás, mas principalmente pelo desastre Dilma, que desestruturou de tal forma da economia a ponto de, como informou o Estado, fechar 4.451 indústrias de transformação num único ano, 2015, e num único Estado, São Paulo, gerando milhões de desempregados. Não foi à toa que em torno de 400 entidades publicaram um contundente anúncio nos jornais de ontem clamando pelo impeachment.
Aí chegamos a Lula e à conversa que ele teve com o vice Michel Temer em São Paulo, em pleno Domingo de Páscoa. Lula não iria a Temer mendigar uma reviravolta do PMDB ou o adiamento da reunião que selou o fim da aliança com o Planalto. Mas Lula iria ao vice, sim, fazer uma avaliação dos cenários (inclusive o de Dilma fora, Temer dentro) e discutir um pacto de convivência que, em vez de destruir a transição com Temer, possa construir uma chance para o PT em 2018. De forma mais direta: Lula e o PT sabem que Dilma está perdida e já discutem o “day after”. Partir para um guerra com Temer em que ninguém sobreviveria ou selar uma trégua para uma recomposição de forças políticas e a recuperação da economia?
Para todos os efeitos, Lula está empenhado ao máximo em salvar Dilma. Na prática, está se mexendo para nem ele nem o PT morrerem com ela. Isso passa por um acordo com Temer e pode chegar a uma ordem de comando para, no caso da posse do vice, o exército vermelho sair das ruas e ficar apenas de prontidão.
Caminho estreito - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 30/03
O que está acontecendo, como disse ontem neste espaço, é a dinâmica de fuga de um governo cadente. E não fogem por virtude. Eles tentam escapar da cena do crime, porque acham que assim se salvam, mas a explicação que dão só poderia ser aceita se o país tivesse um surto coletivo de perda de memória. Os peemedebistas querem convencer o país de que não estiveram onde estiveram, não foram sócios do poder, não sustentaram as mesmas medidas.
A cena de ontem lembra um outro momento da história política. Em 1984, ao fim do regime militar, e depois de servi-lo fielmente por toda a ditadura, o senador José Sarney abandonou a presidência do PDS, partido do governo, e fez uma encenação de que estava sendo perseguido pelo regime. Apesar de tudo, o final da história o favoreceu: ele foi para o PMDB e virou presidente.
Na verdade, estão todos nos pedindo que apaguemos os arquivos da memória. O governo, com a ladainha de que há um golpe em andamento e que a democracia está ameaçada por um novo ciclo autoritário, quer trazer de volta um fantasma no qual só eles acreditam ou fingem acreditar. Tentam impor um medo sem qualquer base achando que assim reavivam um trauma do Brasil.
Até fatos recentes, as pessoas públicas quer que esqueçamos. O ministro Nelson Barbosa foi ontem ao Congresso defender o déficit público como algo bom para estabilizar a economia. Ao falar dessa sua crença na capacidade milagrosa do déficit, o ministro explicou que ele é resultado de dois problemas: o aumento forte das despesas obrigatórias e a queda das receitas a partir de 2010. Ora, quem estava no governo em 2010? E quem nos anos seguintes não adotou qualquer medida para resolver o problema? Pelo contrário, o governo Dilma ampliou subsídios e isenções num período de queda da receita. E nada fez para enfrentar o aumento das despesas obrigatórias. Os dois gráficos exibidos pelo ministro mostram o desgoverno — do qual ele fez e faz parte — que nos conduziu à pior recessão da nossa história e à grave crise fiscal que o país atravessa.
O governo Dilma acabou. Nenhum governo se sustenta com índice tão alto de rejeição, depois de mergulhar o país numa crise da qual não sabe como tirar, diante de acusações de corrupção tão graves como as que estão sendo divulgadas e no meio de uma debandada da sua base parlamentar.
A contradição é que o partido que se apresenta como sucedâneo é o sócio do mesmo governo, parceiro nas mesmas transações, co-piloto das mesmas políticas. Evidentemente não é crível como opositor ao governo do qual ainda sequer se desligou.
Do ponto de vista da defesa de novos valores, ontem foi também um dia emblemático. Voluntários entregaram ao Congresso dois milhões de assinaturas em uma proposta de medidas contra a corrupção. Elas foram colhidas em todos os estados cumprindo o percentual de cada unidade da federação estabelecido pela Lei. Foi um ano de campanha em que pessoas do país inteiro se mobilizaram para convencer pessoas de que aquelas ideias poderiam ajudar o país.
A proposta das dez medidas nasceu no Ministério Público Federal de Curitiba após o estudo de casos de países que tiveram sucesso no combate à corrupção. Este não é, claro, um problema só brasileiro. Muitos países, no entanto, conseguiram subir vários degraus na escala da Transparência Internacional. Foi a partir de medidas que deram certo em vários países que se fez a proposta que chegou ontem ao Congresso como projeto de iniciativa popular.
O momento é de extrema gravidade. Não há solução boa no curto prazo, mas é em iniciativas como esta, das dez medidas, que deve repousar nossa esperança. Uma esperança cansada, admito, mas este é o sentido da mudança que devemos perseguir, por mais estreito que seja o caminho. Foi em nome destas ideias que se reuniram dois milhões de assinaturas num tempo breve.
Começar de novo - DORA KRAMER
ESTADÃO - 30/03
O PMDB ontem encerrou um capítulo da longa narrativa da crise ao confirmar a retirada de seu apoio ao governo e, com isso, aproximar o Brasil da possibilidade de ver interrompido o segundo mandato presidencial no espaço de pouco mais de 20 anos.
O epílogo dessa história, no entanto, ainda está por ser escrito. Caso venha mesmo a ocorrer o impeachment da presidente Dilma Rousseff, essa tarefa caberá ao conjunto das forças políticas – se possível com o PT incluído – em aliança com a sociedade e as demais instituições. O País não aguenta mais o atual governo, é verdade.
A hipótese do fim antes do tempo regulamentar propicia um horizonte de alívio imediato, embora não represente a solução para os males que nos assolam nem significa o fim do caminho. Ao contrário: marca a urgente necessidade de um recomeço, pois o Brasil tampouco aguenta mais conviver com a incúria, a corrupção e o cinismo na forma de fatores imprescindíveis ao exercício do poder.
A luta, portanto, continua, vai além do ciclo do PT. É muito maior que a montagem de um governo de transição “surpreendentemente bom”, conforme as palavras do senador José Serra, espectador e interlocutor privilegiado do episódio atual e daquele que resultou na queda de Fernando Collor há 24 anos. Se a provável interrupção do governo Dilma não resultar numa proposta firme e séria de recomeço, o impeachment não terá valido de coisa alguma.
Suas excelências estejam atentas: trocar seis por meia dúzia não vai angariar a simpatia do público escaldado e temente até de água fria. O governo de Itamar Franco cumpriu seu dever de transição. Serviu a uma alteração de paradigmas logo de imediato, mas não se prestou à extinção das velhas e viciadas práticas. Apesar disso, construiu algo ao resultar no Plano Real que estabilizou a economia e preparou o País para o crescimento.
Se for o caso de Dilma ser substituída, a quem vier a assumir no lugar dela – o vice ou um novo eleito – caberá dar início a um processo de demolição de uma obra podre e, ato contínuo, a reconstrução de um Brasil em alicerces fincados em valores segundo os quais incúria, corrupção, cinismo, demagogia não sejam regra e passem a ser exceção.
Disposição transitória. Os tucanos, inclusive aqueles favoráveis à participação do PSDB em eventual governo de transição presidido por Michel Temer, defendem como premissa para qualquer acordo o compromisso do vice de não se candidatar a presidente em 2018.
No ano passado, quando as conversas sobre o tema consideravam o afastamento de Dilma como hipótese ainda remota, o tucanato chegou a propor a Temer a apresentação de uma emenda ao capítulo das Disposições Transitórias da Constituição, cujo texto contemplaria essa condição.
Na época, Temer rechaçou a proposta.
Para concluir. A título de mero registro: dos ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal que já se pronunciaram em prol da legalidade do processo de impeachment, repudiando a tese do “golpe”, cinco foram indicados em governos do PT. Luis Roberto Barroso, Antônio Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto e Eros Grau.
Isso sem contar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que durante os últimos anos esteve entre a omissão e a ponderação no tocante a críticas ao governo, que não apenas respalda como acaba de apresentar novo pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
Evidência de que, no caso em tela, a espada é a lei.
O PMDB ontem encerrou um capítulo da longa narrativa da crise ao confirmar a retirada de seu apoio ao governo e, com isso, aproximar o Brasil da possibilidade de ver interrompido o segundo mandato presidencial no espaço de pouco mais de 20 anos.
O epílogo dessa história, no entanto, ainda está por ser escrito. Caso venha mesmo a ocorrer o impeachment da presidente Dilma Rousseff, essa tarefa caberá ao conjunto das forças políticas – se possível com o PT incluído – em aliança com a sociedade e as demais instituições. O País não aguenta mais o atual governo, é verdade.
A hipótese do fim antes do tempo regulamentar propicia um horizonte de alívio imediato, embora não represente a solução para os males que nos assolam nem significa o fim do caminho. Ao contrário: marca a urgente necessidade de um recomeço, pois o Brasil tampouco aguenta mais conviver com a incúria, a corrupção e o cinismo na forma de fatores imprescindíveis ao exercício do poder.
A luta, portanto, continua, vai além do ciclo do PT. É muito maior que a montagem de um governo de transição “surpreendentemente bom”, conforme as palavras do senador José Serra, espectador e interlocutor privilegiado do episódio atual e daquele que resultou na queda de Fernando Collor há 24 anos. Se a provável interrupção do governo Dilma não resultar numa proposta firme e séria de recomeço, o impeachment não terá valido de coisa alguma.
Suas excelências estejam atentas: trocar seis por meia dúzia não vai angariar a simpatia do público escaldado e temente até de água fria. O governo de Itamar Franco cumpriu seu dever de transição. Serviu a uma alteração de paradigmas logo de imediato, mas não se prestou à extinção das velhas e viciadas práticas. Apesar disso, construiu algo ao resultar no Plano Real que estabilizou a economia e preparou o País para o crescimento.
Se for o caso de Dilma ser substituída, a quem vier a assumir no lugar dela – o vice ou um novo eleito – caberá dar início a um processo de demolição de uma obra podre e, ato contínuo, a reconstrução de um Brasil em alicerces fincados em valores segundo os quais incúria, corrupção, cinismo, demagogia não sejam regra e passem a ser exceção.
Disposição transitória. Os tucanos, inclusive aqueles favoráveis à participação do PSDB em eventual governo de transição presidido por Michel Temer, defendem como premissa para qualquer acordo o compromisso do vice de não se candidatar a presidente em 2018.
No ano passado, quando as conversas sobre o tema consideravam o afastamento de Dilma como hipótese ainda remota, o tucanato chegou a propor a Temer a apresentação de uma emenda ao capítulo das Disposições Transitórias da Constituição, cujo texto contemplaria essa condição.
Na época, Temer rechaçou a proposta.
Para concluir. A título de mero registro: dos ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal que já se pronunciaram em prol da legalidade do processo de impeachment, repudiando a tese do “golpe”, cinco foram indicados em governos do PT. Luis Roberto Barroso, Antônio Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto e Eros Grau.
Isso sem contar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que durante os últimos anos esteve entre a omissão e a ponderação no tocante a críticas ao governo, que não apenas respalda como acaba de apresentar novo pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
Evidência de que, no caso em tela, a espada é a lei.
Hora de faxina - RODRIGO CRAVEIRO
CORREIO BRAZILIENSE - 30/03
Impeachment deixou de ser um processo constitucional e legítimo. Passou a ser golpe. Simpatizantes da oposição viraram coxinhas. A classe média, no alto de suas varandas gourmets, não tem direito de reclamar os seus direitos. Tornou-se uma espécie de parasita social, que conquistou benesses durante os primeiros quatro anos de gestão petista e caminha rumo à derrocada em meio à crise econômica. Ironias à parte, infantilizamos o debate político e relegamos ao segundo plano fatos incontestáveis. Nunca antes na história se roubou tanto, ao mesmo tempo em que se tenta contestar uma operação policial histórica e corajosa.
Impeachment deixou de ser um processo constitucional e legítimo. Passou a ser golpe. Simpatizantes da oposição viraram coxinhas. A classe média, no alto de suas varandas gourmets, não tem direito de reclamar os seus direitos. Tornou-se uma espécie de parasita social, que conquistou benesses durante os primeiros quatro anos de gestão petista e caminha rumo à derrocada em meio à crise econômica. Ironias à parte, infantilizamos o debate político e relegamos ao segundo plano fatos incontestáveis. Nunca antes na história se roubou tanto, ao mesmo tempo em que se tenta contestar uma operação policial histórica e corajosa.
No Brasil, investigado é empossado ministro; réu dirige a maior das casas do Legislativo; presidente alimenta o discurso do ódio, ao denunciar golpe; deputados cuja probidade inexiste seguem achincalhando a nação, enquanto juram dar sua parcela de contribuição para o povo. Até mesmo opositores que se destacavam como paladinos da moral, da ética e da honradez veem todo o seu discurso egocêntrico ruir como um castelo de cartas, citados no limbo.
Se vivemos dias difíceis, parte da culpa é nossa. Ficamos tempo demais deitados em berço esplêndido, enquanto o nosso dinheiro era surrupiado por engravatados que nos faziam acreditar agirem em nome do bem-estar social. O nosso voto reconduziu ao poder figurões de histórico e de caráter duvidosos. Fizemos senador um ex-presidente que foi forçado a abandonar o Planalto por causa de um Fiat Elba. Ficamos tempo demais calados, enquanto a Petrobras, que um dia foi motivo de orgulho nacional, era assaltada sem piedade nem vergonha na cara.
Antes que me considerem de direita, sou avesso a rótulos. Questiono o populismo em sua forma mais pueril, por comprar apoio político em troca de migalhas. Abomino a figura de líderes que se escoram num partido e veem a ideologia do mesmo como única força motriz de um país. Talvez o Brasil consiga colher ventos amenos e frescos da tempestade pela qual atravessa. É hora de uma faxina na política. É tempo de retirar o poder dos corruptos e eleger os candidatos realmente compromissados com o altruísmo e com o desenvolvimento do Estado. Chega de sermos palhaços, enquanto o circo se incendeia e desaba sobre nós.
terça-feira, março 29, 2016
O petismo verde - KIM KATAGUIRI
FOLHA DE SP - 29/03
Nos aparentemente intermináveis debates sobre impeachment, "golpe" e o futuro pós-PT, uma figura bastante relevante está sendo esquecida: Marina Silva. A ex-petista, após aparecer como preferida para as eleições presidenciais, decidiu sair da toca.
Toda a mística que cerca a possuidora de "sonhos humildes" e defensora da "nova política" faz com que tudo que saia da sua boca pareça ser uma solução mágica. Apesar de admitir a obviedade de que impeachment não é golpe, Marina se nega a apoiá-lo. Diz acreditar que a cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seja a solução de que o país precisa.
O que a ex-senadora esquece de mencionar é que o processo do TSE é muito lento. Na melhor das hipóteses, conseguirá adiantar as eleições de 2018 em 2 ou 3 meses. Marina sabe disso. E é por isso que diz o que diz.
O que ela realmente quer é aumentar seu capital político em cima do desgaste do governo - e, consequentemente, da desgraça do país - para garantir uma eleição tranquila em 2018. Muito nobre da parte daquela que "não desistiu do Brasil", não é?
A aura amazônico-messiânica de Marina Silva é tão intocável que não se suja nem mesmo com a lama da realidade. O gigantesco desastre ambiental em Mariana, que arruinou a vida de incontáveis famílias, passou absolutamente despercebido pela ambientalista. Até a Dilma, que, vale lembrar, é... a Dilma, teve a consciência de marcar presença e se solidarizar com as vítimas da tragédia.
"Ah, mas ela tem uma equipe liberal!", dizem alguns dos meus colegas. Dilma indicou e manteve Joaquim Levy como ministro até quando pôde. O que ele fez? Tudo o que o governo permitiu. Ou seja, praticamente nada. Não importa que peso o mercado financeiro dê para o nome que ocupa a Fazenda; no fim, o que realmente vale são as convicções e o projeto do presidente. É ingenuidade demais cair no mesmo golpe duas vezes.
O partido de Marina, a Rede Sustentabilidade, tem servido como uma espécie de saída honrosa para petistas e protopetistas. O deputado Alessandro Molon (RJ), por exemplo, iniciou sua carreira política no PT e lá permaneceu durante mais de uma década, tornando-se uma das mais importantes figuras do partido.
No ano passado, ao perceber o tamanho do furo no barco petista, fugiu para a proteção das asas da maga das selvas. Randolfe Rodrigues (AP), que era o único representante no Senado do PSOL, desembarcou do partideco que diz fazer "oposição à esquerda" para não admitir a simpatia pela canalhice petista e também buscou refúgio nos cipós de Marina. Alguém acredita que esses nomes mudaram de convicção tão facilmente quanto mudaram de legenda?
O fim do governo do PT não significa o fim do petismo. Lula e Dilma já estão eleitoralmente acabados. Mas o espírito de seu método de governo permanece vivo e representado por uma poderosa força política, que, assim como o PT de outrora, apresenta-se como messias da honestidade, de "origem humilde" e alternativa para os que querem "mudança".
Por isso, temos de ficar em alerta. Não importa quantas penas o adornem, quantos cipós o envolvam ou quanto urucum lambuze o seu rosto: o petismo será sempre petismo.
Nos aparentemente intermináveis debates sobre impeachment, "golpe" e o futuro pós-PT, uma figura bastante relevante está sendo esquecida: Marina Silva. A ex-petista, após aparecer como preferida para as eleições presidenciais, decidiu sair da toca.
Toda a mística que cerca a possuidora de "sonhos humildes" e defensora da "nova política" faz com que tudo que saia da sua boca pareça ser uma solução mágica. Apesar de admitir a obviedade de que impeachment não é golpe, Marina se nega a apoiá-lo. Diz acreditar que a cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seja a solução de que o país precisa.
O que a ex-senadora esquece de mencionar é que o processo do TSE é muito lento. Na melhor das hipóteses, conseguirá adiantar as eleições de 2018 em 2 ou 3 meses. Marina sabe disso. E é por isso que diz o que diz.
O que ela realmente quer é aumentar seu capital político em cima do desgaste do governo - e, consequentemente, da desgraça do país - para garantir uma eleição tranquila em 2018. Muito nobre da parte daquela que "não desistiu do Brasil", não é?
A aura amazônico-messiânica de Marina Silva é tão intocável que não se suja nem mesmo com a lama da realidade. O gigantesco desastre ambiental em Mariana, que arruinou a vida de incontáveis famílias, passou absolutamente despercebido pela ambientalista. Até a Dilma, que, vale lembrar, é... a Dilma, teve a consciência de marcar presença e se solidarizar com as vítimas da tragédia.
"Ah, mas ela tem uma equipe liberal!", dizem alguns dos meus colegas. Dilma indicou e manteve Joaquim Levy como ministro até quando pôde. O que ele fez? Tudo o que o governo permitiu. Ou seja, praticamente nada. Não importa que peso o mercado financeiro dê para o nome que ocupa a Fazenda; no fim, o que realmente vale são as convicções e o projeto do presidente. É ingenuidade demais cair no mesmo golpe duas vezes.
O partido de Marina, a Rede Sustentabilidade, tem servido como uma espécie de saída honrosa para petistas e protopetistas. O deputado Alessandro Molon (RJ), por exemplo, iniciou sua carreira política no PT e lá permaneceu durante mais de uma década, tornando-se uma das mais importantes figuras do partido.
No ano passado, ao perceber o tamanho do furo no barco petista, fugiu para a proteção das asas da maga das selvas. Randolfe Rodrigues (AP), que era o único representante no Senado do PSOL, desembarcou do partideco que diz fazer "oposição à esquerda" para não admitir a simpatia pela canalhice petista e também buscou refúgio nos cipós de Marina. Alguém acredita que esses nomes mudaram de convicção tão facilmente quanto mudaram de legenda?
O fim do governo do PT não significa o fim do petismo. Lula e Dilma já estão eleitoralmente acabados. Mas o espírito de seu método de governo permanece vivo e representado por uma poderosa força política, que, assim como o PT de outrora, apresenta-se como messias da honestidade, de "origem humilde" e alternativa para os que querem "mudança".
Por isso, temos de ficar em alerta. Não importa quantas penas o adornem, quantos cipós o envolvam ou quanto urucum lambuze o seu rosto: o petismo será sempre petismo.
Convite para uma decapitação - JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA DE SP - 29/03
História recorrente: viajo para o Brasil com o propósito simpático de conhecer leitores, assinar livros, conversar sobre as banalidades da vida.
Fatalmente, surge o momento da confissão: o leitor aproxima-se e, com voz clandestina, pede para eu escrever mais livros. Na universidade onde ele estuda, o fechamento intelectual é absoluto.
Pensadores conservadores são inexistentes. Ideologias mais liberais, ou libertárias, idem.
Fico sempre atônito com essas descrições. Serão verdadeiras? Serão exagero? Ou os alunos brasileiros que eu conheço têm o supremo azar de estudar em instituições bolcheviques que ainda vivem em 1917?
Alguns, mais temerários, perguntam-me ou escrevem-me com uma questão de vida ou morte: haverá algum lugar no planeta -ou, pelo menos, em Portugal- onde seja possível estudar história ou ciência política sem ter o cérebro sequestrado pelas vulgatas marxistas?
As minhas respostas são sempre lacônicas e pasmadas: aconselho livros, professores; e prometo continuar a publicar. Mas agora tenho um novo argumento nas mãos: os alunos brasileiros, apesar de aprisionados, ainda conservam uma réstia de sanidade -a sanidade própria de quem sabe que existe outro caminho. Na Europa, e sobretudo na Inglaterra, o manicômio é muito pior.
Que o diga Nick Cohen, em artigo para "The Spectator". Conta Cohen que, no Reino Unido, o número de universidades que ainda podem legitimamente usar esse nome -espaços de livre debate onde é possível escutar o que não gostamos e argumentar o que queremos- está em vias de extinção.
Tradicionalmente, a universidade servia para confrontar o estudante com ideias novas, por vezes desconfortáveis, mas seguramente diferentes do mundo estreito onde ele viveu a adolescência. A universidade era um espaço de adultos e para adultos.
Hoje, as universidades são "lugares de segurança" onde qualquer sombra de insulto à cartilha multiculturalista é tratada com violência e segregação.
Nick Cohen dá exemplos recentes. No King's College de Londres, uma das melhores universidades, um professor da casa tentou promover um debate sob o título: "Será que o Ocidente é responsável pelo extremismo islâmico?"
Essa pergunta, formulada nesses termos, já é uma concessão à mentalidade fanática dos fanáticos.
Mas nem assim eles acalmaram. Quando se pergunta se o Ocidente é responsável pelo extremismo islâmico, existe sempre a possibilidade insana de alguém dizer "não".
De que vale fazer um debate quando as conclusões podem ser contrárias às nossas opiniões primárias (no duplo sentido da palavra)? Precisamente: melhor não fazer debate nenhum. O risco é elevado.
Não foi caso único. Na mesma cidade, o University College tentou organizar um outro debate para discutir o papel da população curda na luta contra o Estado Islâmico. A sessão, aliás, teria como convidado um ex-aluno da universidade, Macer Gifford, que lutara com os curdos na Síria.
Logo se levantaram vozes contra. Na douta opinião dos estudantes, existem sempre dois lados em qualquer conflito. Não seria preferível escutar ambos?
Longe de mim contestar esse "pensamento". Mas será que o pessoal do Estado Islâmico, ocupado a organizar os seus massacres, teria alguém com disponibilidade para enviar à universidade?
E, em caso afirmativo, será que a morte do combatente e ex-estudante Macer Gifford em pleno debate seria um argumento válido para a discussão?
Não sabemos. Mas por pouco tempo: com o Estado Islâmico a operar na Turquia, na França, na Bélgica e a ocupar o vazio de liderança aqui perto, na Líbia, rapidamente a Europa terá mais contato com os jihadistas.
Não excluo, aliás, que alguns deles possam participar de seminários ou até dar aulas nas universidades europeias.
Nada contra: se os professores de humanidades, dominados pela sharia do multiculturalismo, não servem para grande coisa, um jihadista sempre seria útil para ensinar o fabrico de bombas ou a melhor forma de decapitar um herege ajoelhado.
Como diz o povo, conhecimento não ocupa lugar.
História recorrente: viajo para o Brasil com o propósito simpático de conhecer leitores, assinar livros, conversar sobre as banalidades da vida.
Fatalmente, surge o momento da confissão: o leitor aproxima-se e, com voz clandestina, pede para eu escrever mais livros. Na universidade onde ele estuda, o fechamento intelectual é absoluto.
Pensadores conservadores são inexistentes. Ideologias mais liberais, ou libertárias, idem.
Fico sempre atônito com essas descrições. Serão verdadeiras? Serão exagero? Ou os alunos brasileiros que eu conheço têm o supremo azar de estudar em instituições bolcheviques que ainda vivem em 1917?
Alguns, mais temerários, perguntam-me ou escrevem-me com uma questão de vida ou morte: haverá algum lugar no planeta -ou, pelo menos, em Portugal- onde seja possível estudar história ou ciência política sem ter o cérebro sequestrado pelas vulgatas marxistas?
As minhas respostas são sempre lacônicas e pasmadas: aconselho livros, professores; e prometo continuar a publicar. Mas agora tenho um novo argumento nas mãos: os alunos brasileiros, apesar de aprisionados, ainda conservam uma réstia de sanidade -a sanidade própria de quem sabe que existe outro caminho. Na Europa, e sobretudo na Inglaterra, o manicômio é muito pior.
Que o diga Nick Cohen, em artigo para "The Spectator". Conta Cohen que, no Reino Unido, o número de universidades que ainda podem legitimamente usar esse nome -espaços de livre debate onde é possível escutar o que não gostamos e argumentar o que queremos- está em vias de extinção.
Tradicionalmente, a universidade servia para confrontar o estudante com ideias novas, por vezes desconfortáveis, mas seguramente diferentes do mundo estreito onde ele viveu a adolescência. A universidade era um espaço de adultos e para adultos.
Hoje, as universidades são "lugares de segurança" onde qualquer sombra de insulto à cartilha multiculturalista é tratada com violência e segregação.
Nick Cohen dá exemplos recentes. No King's College de Londres, uma das melhores universidades, um professor da casa tentou promover um debate sob o título: "Será que o Ocidente é responsável pelo extremismo islâmico?"
Essa pergunta, formulada nesses termos, já é uma concessão à mentalidade fanática dos fanáticos.
Mas nem assim eles acalmaram. Quando se pergunta se o Ocidente é responsável pelo extremismo islâmico, existe sempre a possibilidade insana de alguém dizer "não".
De que vale fazer um debate quando as conclusões podem ser contrárias às nossas opiniões primárias (no duplo sentido da palavra)? Precisamente: melhor não fazer debate nenhum. O risco é elevado.
Não foi caso único. Na mesma cidade, o University College tentou organizar um outro debate para discutir o papel da população curda na luta contra o Estado Islâmico. A sessão, aliás, teria como convidado um ex-aluno da universidade, Macer Gifford, que lutara com os curdos na Síria.
Logo se levantaram vozes contra. Na douta opinião dos estudantes, existem sempre dois lados em qualquer conflito. Não seria preferível escutar ambos?
Longe de mim contestar esse "pensamento". Mas será que o pessoal do Estado Islâmico, ocupado a organizar os seus massacres, teria alguém com disponibilidade para enviar à universidade?
E, em caso afirmativo, será que a morte do combatente e ex-estudante Macer Gifford em pleno debate seria um argumento válido para a discussão?
Não sabemos. Mas por pouco tempo: com o Estado Islâmico a operar na Turquia, na França, na Bélgica e a ocupar o vazio de liderança aqui perto, na Líbia, rapidamente a Europa terá mais contato com os jihadistas.
Não excluo, aliás, que alguns deles possam participar de seminários ou até dar aulas nas universidades europeias.
Nada contra: se os professores de humanidades, dominados pela sharia do multiculturalismo, não servem para grande coisa, um jihadista sempre seria útil para ensinar o fabrico de bombas ou a melhor forma de decapitar um herege ajoelhado.
Como diz o povo, conhecimento não ocupa lugar.
Espírito público e coragem - EDITORIAL OESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 29/03
A se confirmar a decisão do PMDB de se afastar de um governo que dois em cada três brasileiros querem ver pelas costas, estará aberto o caminho para o impeachment constitucional de Dilma Rousseff e o fim da nefasta era petista, cujo populismo irresponsável jogou o País no impasse político, no desastre econômico, na falência moral e na frustração social. Decretado o afastamento de Dilma, os brasileiros terão um breve sentimento de alívio, mas logo perceberão que, a partir daí, estará apenas começando o enorme desafio da reconstrução nacional, necessária diante da razzia que a tigrada fez na infraestrutura do País e nos fundamentos da economia nacional. E a condição essencial para que isso ocorra é que o novo governo, apesar das concessões políticas que inevitavelmente lhe serão solicitadas, assuma imbuído de genuíno espírito público e da coragem necessários para banir o populismo e dar início à correção dos erros e equívocos do estatismo voluntarista com a execução de um programa mínimo de governo que permita, com a brevidade possível, a retomada do crescimento econômico como alavanca para o verdadeiro desenvolvimento social.
A diferença entre um populista como Lula e uma liderança movida por genuíno espírito público e democrático é que o ex-presidente, paternalisticamente, se empenha em dar ao povo o que o povo pede, enquanto o verdadeiro líder cria condições para que o povo tenha efetivamente acesso àquilo de que precisa e a que tem direito. Lula só diz ao povo o que o povo quer ouvir. O líder verdadeiramente democrático tem a coragem de não vender ilusões. Numa verdadeira democracia, aquela em que o instituto da representação popular funciona de verdade, o povo não depende da generosidade dos governantes, porque aquilo que lhe é de direito – em síntese, condições dignas de vida e igualdade de oportunidades para desenvolver suas potencialidades – é garantido pelo aparato legal e pela eficácia da gestão governamental.
Essa é a descrição da sociedade justa da qual apenas algumas nações desenvolvidas conseguem chegar perto. Mas o subdesenvolvimento cultural não é justificativa para que políticos despreparados e inescrupulosos eleitos pela falta de discernimento popular optem pelo caminho fácil do populismo. Aqui, mais do que em qualquer país do Primeiro Mundo, é necessário – além de ações emergenciais para combater a miséria – que as lideranças políticas sejam movidas por genuíno espírito público e tenham a coragem de aplicar medidas impopulares em benefício de toda a população e em especial dos que estão marginalizados da vida econômica. Esse é o grande desafio aos que terão a responsabilidade de governar o País depois que Dilma tiver ido embora.
Diante dessa perspectiva, é possível esperar dias melhores? Não será fácil, certamente, porque a estrutura política do País está podre, comprometida por um sistema partidário absurdamente atomizado criado por uma legislação pretensamente democrática que só tem servido aos interesses de caciques políticos e, para piorar, é um sistema que, se historicamente nunca foi imaculado, sob o lulopetismo se corrompeu até a raiz. Basta ver como nos últimos dias Dilma tem tentado comprar votos contra o impeachment por meio de uma açodada e indecorosa distribuição de cargos públicos. Olhando para o Congresso Nacional, os mais céticos defensores do saneamento tendem a desanimar. Mas o fato é que esse é o Parlamento de que o País dispõe, e ele foi colocado lá pelo voto dos brasileiros. É com ele, portanto, que pelo menos até 2018 o Brasil terá de se haver.
Será difícil depositar grandes esperanças no comportamento patriótico de senadores e deputados – aqueles que escaparem da Lava Jato e congêneres. Tome-se o exemplo da maior legenda oposicionista, o PSDB, cujos principais líderes, em vez de se empenharem numa proposta alternativa de governo, se digladiam numa disputa rasteira pela próxima candidatura à Presidência. Assim sendo, só resta esperar que o substituto legal de Dilma, que já se comprometeu com programas pontuais importantes, continue a inscrever com dignidade seu nome na História do Brasil, convencendo o corpo político de que o momento exige muito espírito público e coragem e trazendo para a administração pessoas notáveis que se afastaram da política partidária, mas jamais deixaram de combater o bom combate.
A se confirmar a decisão do PMDB de se afastar de um governo que dois em cada três brasileiros querem ver pelas costas, estará aberto o caminho para o impeachment constitucional de Dilma Rousseff e o fim da nefasta era petista, cujo populismo irresponsável jogou o País no impasse político, no desastre econômico, na falência moral e na frustração social. Decretado o afastamento de Dilma, os brasileiros terão um breve sentimento de alívio, mas logo perceberão que, a partir daí, estará apenas começando o enorme desafio da reconstrução nacional, necessária diante da razzia que a tigrada fez na infraestrutura do País e nos fundamentos da economia nacional. E a condição essencial para que isso ocorra é que o novo governo, apesar das concessões políticas que inevitavelmente lhe serão solicitadas, assuma imbuído de genuíno espírito público e da coragem necessários para banir o populismo e dar início à correção dos erros e equívocos do estatismo voluntarista com a execução de um programa mínimo de governo que permita, com a brevidade possível, a retomada do crescimento econômico como alavanca para o verdadeiro desenvolvimento social.
A diferença entre um populista como Lula e uma liderança movida por genuíno espírito público e democrático é que o ex-presidente, paternalisticamente, se empenha em dar ao povo o que o povo pede, enquanto o verdadeiro líder cria condições para que o povo tenha efetivamente acesso àquilo de que precisa e a que tem direito. Lula só diz ao povo o que o povo quer ouvir. O líder verdadeiramente democrático tem a coragem de não vender ilusões. Numa verdadeira democracia, aquela em que o instituto da representação popular funciona de verdade, o povo não depende da generosidade dos governantes, porque aquilo que lhe é de direito – em síntese, condições dignas de vida e igualdade de oportunidades para desenvolver suas potencialidades – é garantido pelo aparato legal e pela eficácia da gestão governamental.
Essa é a descrição da sociedade justa da qual apenas algumas nações desenvolvidas conseguem chegar perto. Mas o subdesenvolvimento cultural não é justificativa para que políticos despreparados e inescrupulosos eleitos pela falta de discernimento popular optem pelo caminho fácil do populismo. Aqui, mais do que em qualquer país do Primeiro Mundo, é necessário – além de ações emergenciais para combater a miséria – que as lideranças políticas sejam movidas por genuíno espírito público e tenham a coragem de aplicar medidas impopulares em benefício de toda a população e em especial dos que estão marginalizados da vida econômica. Esse é o grande desafio aos que terão a responsabilidade de governar o País depois que Dilma tiver ido embora.
Diante dessa perspectiva, é possível esperar dias melhores? Não será fácil, certamente, porque a estrutura política do País está podre, comprometida por um sistema partidário absurdamente atomizado criado por uma legislação pretensamente democrática que só tem servido aos interesses de caciques políticos e, para piorar, é um sistema que, se historicamente nunca foi imaculado, sob o lulopetismo se corrompeu até a raiz. Basta ver como nos últimos dias Dilma tem tentado comprar votos contra o impeachment por meio de uma açodada e indecorosa distribuição de cargos públicos. Olhando para o Congresso Nacional, os mais céticos defensores do saneamento tendem a desanimar. Mas o fato é que esse é o Parlamento de que o País dispõe, e ele foi colocado lá pelo voto dos brasileiros. É com ele, portanto, que pelo menos até 2018 o Brasil terá de se haver.
Será difícil depositar grandes esperanças no comportamento patriótico de senadores e deputados – aqueles que escaparem da Lava Jato e congêneres. Tome-se o exemplo da maior legenda oposicionista, o PSDB, cujos principais líderes, em vez de se empenharem numa proposta alternativa de governo, se digladiam numa disputa rasteira pela próxima candidatura à Presidência. Assim sendo, só resta esperar que o substituto legal de Dilma, que já se comprometeu com programas pontuais importantes, continue a inscrever com dignidade seu nome na História do Brasil, convencendo o corpo político de que o momento exige muito espírito público e coragem e trazendo para a administração pessoas notáveis que se afastaram da política partidária, mas jamais deixaram de combater o bom combate.
Cerimônia do adeus - JOSÉ CASADO
O GLOBO - 29/03
Prevê-se para hoje, em Brasília, uma cena inédita no enredo político brasileiro dos últimos 30 anos: a cerimônia do adeus do PMDB a um governo.
Se confirmada, será uma despedida na cadência do processo de impeachment de Dilma Rousseff e na perspectiva de uma dura disputa na eleição municipal de outubro.
Assentado numa singular estrutura de núcleos de poder regionais, o PMDB depende mais que outros partidos do desempenho eleitoral do conjunto de seus 3,4 mil diretórios municipais. Em 2012, por exemplo, elegeu 996 prefeitos e indicou o vice em outras 840 chapas vitoriosas. Essa azeitada máquina eleitoral permitiu-lhe emergir das urnas em 2014 com uma bancada de 142 deputados estaduais, 67 federais (13% da Câmara) e 17 senadores (24% do plenário).
Com veias abertas em dois terços das zonas eleitorais do país, e tendo optado por não ter candidato presidencial nas últimas três décadas, transformou-se no sócio desejado por todos os governantes do período pós-ditadura. Empenhou-se numa sociedade com o PT de Lula. Ampliou-a com Dilma que abraçou Michel Temer na vice-presidência, complementando com a partilha dos orçamentos de 22% dos ministérios entre diferentes grupos do partido.
A ruptura ocorre em condições agravadas por uma sequência de ofensivas desastrosas do PT, combinadas entre Dilma e Lula, para neutralizar uma parceria que sempre foi percebida como indesejável pelos efeitos no controle do caixa federal. Foi Lula quem deu essa dimensão à fatura, ainda em 2002.
Logo depois de sair das urnas com 61,5% dos votos, no início de novembro, viu seu “capitão” José Dirceu anunciar acordo com o PMDB para o ministério. Desmentiu-o em público, horas depois. Qualificou como “exageradas” as exigências dos aliados de José Sarney, Michel Temer e Renan Calheiros. Optou por 13 ministros do PT, entregou 7 ministérios a outros partidos e deixou o PMDB à margem, sem nenhum, limitando-se a acertar um rodízio no comando da Câmara e do Senado.
Refez o entendimento na crise do mensalão e selou o pacto na sucessão. Desde a campanha de 2010, porém, é evidente que Dilma e Temer convivem, se toleram e, eventualmente, compartilham tapetes e ar refrigerado. Nunca foram amigos, mas no governo se tornaram inimigos íntimos.
A cacofonia no Palácio do Planalto virou discórdia com os sistemáticos vetos da presidente às propostas emuladas pelo vice que, ao seus olhos, redundariam em benefícios pecuniários a uma fração do PMDB, na contramão dos interesses do PT.
Foi o caso das negociações palacianas a respeito da conversão dos créditos “podres” contabilizados no caixa de instituições financeiras sob intervenção do Banco Central. As narrativas derivam no seguinte: a presidente vetou um negócio com potencial de impacto bilionário para os cofres públicos, supostamente defendido pelo vice, no qual os principais beneficiários seriam os banqueiros habituais patrocinadores do deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara.
Renegado, Temer viu-se no espelho como um “vice decorativo”. A desconstrução da sociedade PMDB-PT ocorre num ambiente marcado pelos efeitos da recessão econômica e pelo abrupto aumento na rejeição a Dilma e Lula: dois em cada três eleitores classificam o governo entre “ruim”e “péssimo”, segundo Ibope e Datafolha. E 60% avisam que não votariam em Lula “de jeito nenhum” para presidente da República.
Isso tem peso específico às vésperas de uma disputa municipal que se antevê complicada. O Ibope, em outra pesquisa, revela que 40% dos eleitores, na média, consideram “ruim” ou “péssima” a administração do prefeito de sua cidade, declarando disposição para votar num candidato de oposição. E mais: a maioria (54%) sinaliza vontade de premiar com o voto candidatos sem biografia partidária. Nesse quadro, Dilma, Lula e o PT passaram a ser vistos como excesso de peso.
O desembarque do governo também atende às conveniências dos líderes desse um partido que há duas décadas não tem candidato presidencial e continua sem nome para 2018. Abraçados à oposição, eles vislumbram a chance de chegar ao centro do poder numa travessia sem o voto direto — o impeachment de Dilma levaria Temer ao Planalto. Significa mudar para continuar como está.
Se vai dar certo, não sabem, pois sua sorte, assim como a de Dilma, depende do imponderável em outra arena, a do Judiciário.
Uma sentença da Justiça Eleitoral pode redundar na cassação de Dilma e Temer, por abuso de poder econômico na eleição de 2014. Levaria a novas eleições.
Há, também, a série de inquéritos sobre corrupção na Petrobras e outras estatais. Entre 12 parlamentares do PMDB denunciados no Supremo, seis integram a direção nacional que hoje vai presidir a cerimônia do adeus ao PT de Lula e Dilma.
Além desses, estão sob investigação os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, do Senado, Renan Calheiros, e ainda o senador Edison Lobão — a quem Lula e Dilma entregaram o comando do Ministério das Minas e Energia durante sete anos.
Lobão tomou conta de um polêmico portfólio de despesas da Eletrobrás, que inclui gastos suspeitos na usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Nos próximos dias, o STF começa a retirar o manto de sigilo sobre esse caso, que ameaça tragar boa parte da cúpula do PMDB.
Prevê-se para hoje, em Brasília, uma cena inédita no enredo político brasileiro dos últimos 30 anos: a cerimônia do adeus do PMDB a um governo.
Se confirmada, será uma despedida na cadência do processo de impeachment de Dilma Rousseff e na perspectiva de uma dura disputa na eleição municipal de outubro.
Assentado numa singular estrutura de núcleos de poder regionais, o PMDB depende mais que outros partidos do desempenho eleitoral do conjunto de seus 3,4 mil diretórios municipais. Em 2012, por exemplo, elegeu 996 prefeitos e indicou o vice em outras 840 chapas vitoriosas. Essa azeitada máquina eleitoral permitiu-lhe emergir das urnas em 2014 com uma bancada de 142 deputados estaduais, 67 federais (13% da Câmara) e 17 senadores (24% do plenário).
Com veias abertas em dois terços das zonas eleitorais do país, e tendo optado por não ter candidato presidencial nas últimas três décadas, transformou-se no sócio desejado por todos os governantes do período pós-ditadura. Empenhou-se numa sociedade com o PT de Lula. Ampliou-a com Dilma que abraçou Michel Temer na vice-presidência, complementando com a partilha dos orçamentos de 22% dos ministérios entre diferentes grupos do partido.
A ruptura ocorre em condições agravadas por uma sequência de ofensivas desastrosas do PT, combinadas entre Dilma e Lula, para neutralizar uma parceria que sempre foi percebida como indesejável pelos efeitos no controle do caixa federal. Foi Lula quem deu essa dimensão à fatura, ainda em 2002.
Logo depois de sair das urnas com 61,5% dos votos, no início de novembro, viu seu “capitão” José Dirceu anunciar acordo com o PMDB para o ministério. Desmentiu-o em público, horas depois. Qualificou como “exageradas” as exigências dos aliados de José Sarney, Michel Temer e Renan Calheiros. Optou por 13 ministros do PT, entregou 7 ministérios a outros partidos e deixou o PMDB à margem, sem nenhum, limitando-se a acertar um rodízio no comando da Câmara e do Senado.
Refez o entendimento na crise do mensalão e selou o pacto na sucessão. Desde a campanha de 2010, porém, é evidente que Dilma e Temer convivem, se toleram e, eventualmente, compartilham tapetes e ar refrigerado. Nunca foram amigos, mas no governo se tornaram inimigos íntimos.
A cacofonia no Palácio do Planalto virou discórdia com os sistemáticos vetos da presidente às propostas emuladas pelo vice que, ao seus olhos, redundariam em benefícios pecuniários a uma fração do PMDB, na contramão dos interesses do PT.
Foi o caso das negociações palacianas a respeito da conversão dos créditos “podres” contabilizados no caixa de instituições financeiras sob intervenção do Banco Central. As narrativas derivam no seguinte: a presidente vetou um negócio com potencial de impacto bilionário para os cofres públicos, supostamente defendido pelo vice, no qual os principais beneficiários seriam os banqueiros habituais patrocinadores do deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara.
Renegado, Temer viu-se no espelho como um “vice decorativo”. A desconstrução da sociedade PMDB-PT ocorre num ambiente marcado pelos efeitos da recessão econômica e pelo abrupto aumento na rejeição a Dilma e Lula: dois em cada três eleitores classificam o governo entre “ruim”e “péssimo”, segundo Ibope e Datafolha. E 60% avisam que não votariam em Lula “de jeito nenhum” para presidente da República.
Isso tem peso específico às vésperas de uma disputa municipal que se antevê complicada. O Ibope, em outra pesquisa, revela que 40% dos eleitores, na média, consideram “ruim” ou “péssima” a administração do prefeito de sua cidade, declarando disposição para votar num candidato de oposição. E mais: a maioria (54%) sinaliza vontade de premiar com o voto candidatos sem biografia partidária. Nesse quadro, Dilma, Lula e o PT passaram a ser vistos como excesso de peso.
O desembarque do governo também atende às conveniências dos líderes desse um partido que há duas décadas não tem candidato presidencial e continua sem nome para 2018. Abraçados à oposição, eles vislumbram a chance de chegar ao centro do poder numa travessia sem o voto direto — o impeachment de Dilma levaria Temer ao Planalto. Significa mudar para continuar como está.
Se vai dar certo, não sabem, pois sua sorte, assim como a de Dilma, depende do imponderável em outra arena, a do Judiciário.
Uma sentença da Justiça Eleitoral pode redundar na cassação de Dilma e Temer, por abuso de poder econômico na eleição de 2014. Levaria a novas eleições.
Há, também, a série de inquéritos sobre corrupção na Petrobras e outras estatais. Entre 12 parlamentares do PMDB denunciados no Supremo, seis integram a direção nacional que hoje vai presidir a cerimônia do adeus ao PT de Lula e Dilma.
Além desses, estão sob investigação os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, do Senado, Renan Calheiros, e ainda o senador Edison Lobão — a quem Lula e Dilma entregaram o comando do Ministério das Minas e Energia durante sete anos.
Lobão tomou conta de um polêmico portfólio de despesas da Eletrobrás, que inclui gastos suspeitos na usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Nos próximos dias, o STF começa a retirar o manto de sigilo sobre esse caso, que ameaça tragar boa parte da cúpula do PMDB.
Avalanche - BERNARDO MELLO FRANCO
Folha de SP - 29/03
Uma avalanche. Esta é a imagem escolhida por um petista histórico, muito próximo ao ex-presidente Lula, para descrever o que se passa em Brasília. Ele olha para o Congresso e enxerga o desmoronamento da massa partidária que sustenta o governo Dilma Rousseff.
O maior bloco de gelo vai despencar hoje. É o PMDB do vice-presidente Michel Temer, que articulou pessoalmente o rompimento da sigla com o Planalto. O próximo a se descolar deve ser o PP, que controla a terceira maior bancada da Câmara.
A queda de um partido ajudará a impulsionar outros ladeira abaixo. Assim se formará a avalanche que, na previsão do amigo de Lula, deve soterrar Dilma e o que resta de seu governo até o fim de abril.
Quem contempla a montanha com atenção consegue reconhecer a silhueta de Temer no topo, ajudando a empurrar as pedras. Ontem ele deixou mais uma digital no deslizamento. Dos sete ministros peemedebistas, o primeiro a pedir demissão foi Henrique Eduardo Alves, justamente o mais próximo do vice.
A saída reforçará a pressão sobre os peemedebistas que ainda tentam se agarrar a seus cargos. Eles estão ouvindo o mesmo recado: quem não ajudar a derrubar a montanha será varrido junto com o entulho.
A debandada do PMDB pôs fim às últimas chances de conciliação entre a presidente e o vice. Ontem os líderes do governo na Câmara e no Senado abandonaram a diplomacia e passaram a atacá-lo diretamente.
O deputado José Guimarães acusou Temer de estar "no comando" da "operação do golpe", como ele descreve o movimento para derrubar Dilma. O senador Humberto Costa disse que um eventual governo do vice não duraria muito.
"Não pense que os que hoje saem organizados para pedir Fora Dilma vão às ruas para dizer Fica Temer", afirmou o petista, usando a tribuna para se dirigir ao peemedebista. "Seguramente, Vossa Excelência será o próximo a cair", completou.
Uma avalanche. Esta é a imagem escolhida por um petista histórico, muito próximo ao ex-presidente Lula, para descrever o que se passa em Brasília. Ele olha para o Congresso e enxerga o desmoronamento da massa partidária que sustenta o governo Dilma Rousseff.
O maior bloco de gelo vai despencar hoje. É o PMDB do vice-presidente Michel Temer, que articulou pessoalmente o rompimento da sigla com o Planalto. O próximo a se descolar deve ser o PP, que controla a terceira maior bancada da Câmara.
A queda de um partido ajudará a impulsionar outros ladeira abaixo. Assim se formará a avalanche que, na previsão do amigo de Lula, deve soterrar Dilma e o que resta de seu governo até o fim de abril.
Quem contempla a montanha com atenção consegue reconhecer a silhueta de Temer no topo, ajudando a empurrar as pedras. Ontem ele deixou mais uma digital no deslizamento. Dos sete ministros peemedebistas, o primeiro a pedir demissão foi Henrique Eduardo Alves, justamente o mais próximo do vice.
A saída reforçará a pressão sobre os peemedebistas que ainda tentam se agarrar a seus cargos. Eles estão ouvindo o mesmo recado: quem não ajudar a derrubar a montanha será varrido junto com o entulho.
A debandada do PMDB pôs fim às últimas chances de conciliação entre a presidente e o vice. Ontem os líderes do governo na Câmara e no Senado abandonaram a diplomacia e passaram a atacá-lo diretamente.
O deputado José Guimarães acusou Temer de estar "no comando" da "operação do golpe", como ele descreve o movimento para derrubar Dilma. O senador Humberto Costa disse que um eventual governo do vice não duraria muito.
"Não pense que os que hoje saem organizados para pedir Fora Dilma vão às ruas para dizer Fica Temer", afirmou o petista, usando a tribuna para se dirigir ao peemedebista. "Seguramente, Vossa Excelência será o próximo a cair", completou.
Oportunidades que as crises criam - ODEMIRO FONSECA
O GLOBO - 29/03
Tentar salvar as estatais com mais leis irá amordaçá-las mais. Os contrapesos que existem na empresa privada (de falir, entre outros) não existem na estatal
Fernando Henrique Cardoso escreveu que precisamos mudar as regras do jogo para superarmos a crise econômica e política. Concordam economistas nacionais e estrangeiros, antigos auxiliares de governos e o professor italiano Luigi Zingales, que nos visitou recentemente e que já viu esse filme na Itália.
Para o Prêmio Nobel Douglass North, as regras do jogo numa sociedade são as instituições políticas e econômicas. Precisamos mudar as nossas, mas não é fácil. Mudanças numa democracia se fazem na arena política, onde existem dois grupos de opositores. O primeiro é formado pelas nossas piores lideranças políticas, em simbiose com os que se beneficiam da vizinhança com o Estado. Esse filme está passando agora no Brasil e é de terror. O segundo grupo é formado pelas nossas melhores lideranças políticas, que acreditam sinceramente em ações que destroem as regras que Douglass North identifica como essenciais à prosperidade. Esse filme passou no governo FHC.
O Estado regulador, braço perigoso do Executivo, cresceu com FHC. Regulamentação aumenta os custos transacionais, torna os mercados mais imperfeitos e atrai mais intervenção, o que gera menos competição, eficiência e progresso. Houve captura de reguladores, cresceu o capitalismo de compadres e a carga fiscal.
Mas foi sobre o Estado empresário que FHC perdeu a maior oportunidade. Enquanto o Estado empresário desaparecia na Austrália, Nova Zelândia, em países do ex-império soviético, na Europa e Ásia, no Brasil pouco aconteceu. Faltou convicção, confessa hoje FHC, que era contra a desestatização. A Alemanha colocou as estatais sob uma holding, anunciou no “The Economist” e vendeu todas em dois anos. Nós ficamos brincando de comissão.
Tentar salvar as estatais com mais leis irá amordaçá-las mais. Os contrapesos que existem na empresa privada (de falir, entre outros) não existem na empresa estatal. Os defensores das estatais oferecem sempre a mesma gororoba: entreguismo de riqueza nacional; relevantes serviços públicos; função social. Como se irrelevantes fossem as empresas privadas e sua função, mineral. Nunca falam sobre atender ao consumidor, dar lucro. E a ideia de isolar estatais da política é risível.
Zingales alerta que Justiça e polícia não são suficientes para enfrentarmos corrupção no atacado. E nos recomenda que a corrupção nos costumes também precisa ser enfrentada. Outra vez, só lei não adianta. Roberto DaMatta ensina que é nossa a “ideologia do legalismo mágico (a lei resolve o costume)”. E existe simbiose parasita entre excesso de leis e regulamentos e a corrupção no varejo.
A boa notícia é que a desestatização elimina na raiz a corrupção no atacado e no varejo. Exemplo é a corrupção nos Detrans, imbricada com maus costumes no tráfego. Mas existe alinhamento de interesses entre proprietários de veículos, revendedoras, seguradoras. Em tecnologia digital, nosso atraso é brutal. Impostos e multas podem ser recolhidos por entes privados, como na Califórnia. Divergências podem ser resolvidas por juízo arbitral. Assim como a Petrobras, Detrans estatais não precisam existir.
FHC afirma que crises criam oportunidades. Ele poderia, então, guiar uma frente política para aproveitar a atual oportunidade. O Brasil está apenas bêbado. Os investidores nacionais e estrangeiros gostam do Brasil e estão à espera. Críveis reformas do Estado empresário, do Estado regulador e uma reforma fiscal coerente farão o Brasil desabrochar.
Odemiro Fonseca é empresário
Tentar salvar as estatais com mais leis irá amordaçá-las mais. Os contrapesos que existem na empresa privada (de falir, entre outros) não existem na estatal
Fernando Henrique Cardoso escreveu que precisamos mudar as regras do jogo para superarmos a crise econômica e política. Concordam economistas nacionais e estrangeiros, antigos auxiliares de governos e o professor italiano Luigi Zingales, que nos visitou recentemente e que já viu esse filme na Itália.
Para o Prêmio Nobel Douglass North, as regras do jogo numa sociedade são as instituições políticas e econômicas. Precisamos mudar as nossas, mas não é fácil. Mudanças numa democracia se fazem na arena política, onde existem dois grupos de opositores. O primeiro é formado pelas nossas piores lideranças políticas, em simbiose com os que se beneficiam da vizinhança com o Estado. Esse filme está passando agora no Brasil e é de terror. O segundo grupo é formado pelas nossas melhores lideranças políticas, que acreditam sinceramente em ações que destroem as regras que Douglass North identifica como essenciais à prosperidade. Esse filme passou no governo FHC.
O Estado regulador, braço perigoso do Executivo, cresceu com FHC. Regulamentação aumenta os custos transacionais, torna os mercados mais imperfeitos e atrai mais intervenção, o que gera menos competição, eficiência e progresso. Houve captura de reguladores, cresceu o capitalismo de compadres e a carga fiscal.
Mas foi sobre o Estado empresário que FHC perdeu a maior oportunidade. Enquanto o Estado empresário desaparecia na Austrália, Nova Zelândia, em países do ex-império soviético, na Europa e Ásia, no Brasil pouco aconteceu. Faltou convicção, confessa hoje FHC, que era contra a desestatização. A Alemanha colocou as estatais sob uma holding, anunciou no “The Economist” e vendeu todas em dois anos. Nós ficamos brincando de comissão.
Tentar salvar as estatais com mais leis irá amordaçá-las mais. Os contrapesos que existem na empresa privada (de falir, entre outros) não existem na empresa estatal. Os defensores das estatais oferecem sempre a mesma gororoba: entreguismo de riqueza nacional; relevantes serviços públicos; função social. Como se irrelevantes fossem as empresas privadas e sua função, mineral. Nunca falam sobre atender ao consumidor, dar lucro. E a ideia de isolar estatais da política é risível.
Zingales alerta que Justiça e polícia não são suficientes para enfrentarmos corrupção no atacado. E nos recomenda que a corrupção nos costumes também precisa ser enfrentada. Outra vez, só lei não adianta. Roberto DaMatta ensina que é nossa a “ideologia do legalismo mágico (a lei resolve o costume)”. E existe simbiose parasita entre excesso de leis e regulamentos e a corrupção no varejo.
A boa notícia é que a desestatização elimina na raiz a corrupção no atacado e no varejo. Exemplo é a corrupção nos Detrans, imbricada com maus costumes no tráfego. Mas existe alinhamento de interesses entre proprietários de veículos, revendedoras, seguradoras. Em tecnologia digital, nosso atraso é brutal. Impostos e multas podem ser recolhidos por entes privados, como na Califórnia. Divergências podem ser resolvidas por juízo arbitral. Assim como a Petrobras, Detrans estatais não precisam existir.
FHC afirma que crises criam oportunidades. Ele poderia, então, guiar uma frente política para aproveitar a atual oportunidade. O Brasil está apenas bêbado. Os investidores nacionais e estrangeiros gostam do Brasil e estão à espera. Críveis reformas do Estado empresário, do Estado regulador e uma reforma fiscal coerente farão o Brasil desabrochar.
Odemiro Fonseca é empresário
Ciclo de fuga - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 29/03
Há um momento no presidencialismo de coalizão, de acordo com o conceito desenvolvido pela ciência política para explicar o sistema brasileiro, em que os políticos da base fogem do poder central. Este é o momento que estamos vivendo. O PMDB decide hoje se fica ou não na coalizão, ontem entregou um ministério, e outros grupos já estão se afastando da Presidência.
Isso ocorre quando a estrela maior perde força e surgem novos polos de atração. A impopularidade é o horror do político porque é contagiosa e pode acabar com suas chances de ter mandato. Em pleno ano eleitoral, a forte rejeição ao PT e à presidente Dilma estão alimentando o chamado ciclo centrífugo. Reverter uma dinâmica como essa é muito difícil.
A reação do governo de ir para "o varejo total, balcão de feira", como informou o GLOBO, adianta pouco num contexto como este e no estágio avançado em que está esse processo. O poder atrai, a perda do poder afugenta. Na hora da fuga, adianta pouco distribuir nacos da administração, em cenas de fisiologismo explícito, se o poder é visto como poente.
No final do governo Sarney, com o país em hiperinflação após o fracasso do Plano Verão, o terceiro daquela administração, o pais viu um processo de abandono total da Presidência. Na fragmentada eleição de 1989, nenhum candidato defendia o governo ou se dizia governista, nem mesmo o deputado Ulysses Guimarães.
Durante o julgamento de Collor, o centrão, que o havia sustentado, se desfez, e a Presidência não atraia mais nem aliados da primeira hora como Renan Calheiros. A vantagem foi que o então vice- presidente Itamar Franco havia brigado com Collor antes da posse e se mantido totalmente distante do governo. Itamar parecia ser um vice à deriva durante o período em que a presidência de Collor atraía apoios, o ciclo centrípeto. No ciclo de fuga, ele virou alternativa.
Há duas diferenças na crise atual. O PRN não era um partido, mas um arranjo oportunista de ocasião, e o PT é um partido. Itamar não participava dos atos de governo nem estava envolvido na mesma investigação, e Michel Temer tem sido atingido por suspeitas na Lava- Jato. Nada se repete da mesma forma, mas a dinâmica que leva o governo a temer a debandada é a mesma de outros momentos na história. O poder se alimenta da perspectiva de poder, por isso uma Presidência enfraquecida e que seja vista como sem futuro perderá apoios rapidamente. Por isso também faz sentido os movimentos da presidente Dilma de negar a renúncia para manter seu núcleo na sua órbita. A mesma lógica levou o ex- presidente Lula a se colocar como candidato porque assim ele cria para si mesmo uma perspectiva futura de poder e tenta conter o abandono atual.
No ciclo centrífugo vão se tornando cotidianos pequenos e grandes sinais de desprestígio, da recusa de cargos ao não comparecimento a reuniões. O político começa a evitar ser visto como condômino do poder porque isso afeta suas possibilidades de sobrevivência.
Boas notícias econômicas podem reverter o processo em seu estágio inicial. O segundo mandato do governo FHC começou com crise cambial e valorização do dólar. A mudança foi vista como quebra de promessa de manutenção do Plano Real que Fernando Henrique havia feito na campanha. A popularidade despencou, o PT lançou o "Fora FHC". Em 1999, no entanto, a inflação foi controlada, os piores temores, afastados, e a economia não teve a recessão que se temia. O PIB cresceu forte no ano 2000, e o governo se reorganizou.
Agora, não há possibilidade de boas notícias econômicas. Há um processo de desinflação que reduz a taxa em 12 meses, mas à custa da recessão e com índice ainda alto. O ajuste externo produz números bons, mas isso não é perceptível pelas pessoas. A recessão é profunda. Na economia não há boias de salvação. Na política, pode ser tarde demais para deter o ciclo de fuga.
Há um momento no presidencialismo de coalizão, de acordo com o conceito desenvolvido pela ciência política para explicar o sistema brasileiro, em que os políticos da base fogem do poder central. Este é o momento que estamos vivendo. O PMDB decide hoje se fica ou não na coalizão, ontem entregou um ministério, e outros grupos já estão se afastando da Presidência.
Isso ocorre quando a estrela maior perde força e surgem novos polos de atração. A impopularidade é o horror do político porque é contagiosa e pode acabar com suas chances de ter mandato. Em pleno ano eleitoral, a forte rejeição ao PT e à presidente Dilma estão alimentando o chamado ciclo centrífugo. Reverter uma dinâmica como essa é muito difícil.
A reação do governo de ir para "o varejo total, balcão de feira", como informou o GLOBO, adianta pouco num contexto como este e no estágio avançado em que está esse processo. O poder atrai, a perda do poder afugenta. Na hora da fuga, adianta pouco distribuir nacos da administração, em cenas de fisiologismo explícito, se o poder é visto como poente.
No final do governo Sarney, com o país em hiperinflação após o fracasso do Plano Verão, o terceiro daquela administração, o pais viu um processo de abandono total da Presidência. Na fragmentada eleição de 1989, nenhum candidato defendia o governo ou se dizia governista, nem mesmo o deputado Ulysses Guimarães.
Durante o julgamento de Collor, o centrão, que o havia sustentado, se desfez, e a Presidência não atraia mais nem aliados da primeira hora como Renan Calheiros. A vantagem foi que o então vice- presidente Itamar Franco havia brigado com Collor antes da posse e se mantido totalmente distante do governo. Itamar parecia ser um vice à deriva durante o período em que a presidência de Collor atraía apoios, o ciclo centrípeto. No ciclo de fuga, ele virou alternativa.
Há duas diferenças na crise atual. O PRN não era um partido, mas um arranjo oportunista de ocasião, e o PT é um partido. Itamar não participava dos atos de governo nem estava envolvido na mesma investigação, e Michel Temer tem sido atingido por suspeitas na Lava- Jato. Nada se repete da mesma forma, mas a dinâmica que leva o governo a temer a debandada é a mesma de outros momentos na história. O poder se alimenta da perspectiva de poder, por isso uma Presidência enfraquecida e que seja vista como sem futuro perderá apoios rapidamente. Por isso também faz sentido os movimentos da presidente Dilma de negar a renúncia para manter seu núcleo na sua órbita. A mesma lógica levou o ex- presidente Lula a se colocar como candidato porque assim ele cria para si mesmo uma perspectiva futura de poder e tenta conter o abandono atual.
No ciclo centrífugo vão se tornando cotidianos pequenos e grandes sinais de desprestígio, da recusa de cargos ao não comparecimento a reuniões. O político começa a evitar ser visto como condômino do poder porque isso afeta suas possibilidades de sobrevivência.
Boas notícias econômicas podem reverter o processo em seu estágio inicial. O segundo mandato do governo FHC começou com crise cambial e valorização do dólar. A mudança foi vista como quebra de promessa de manutenção do Plano Real que Fernando Henrique havia feito na campanha. A popularidade despencou, o PT lançou o "Fora FHC". Em 1999, no entanto, a inflação foi controlada, os piores temores, afastados, e a economia não teve a recessão que se temia. O PIB cresceu forte no ano 2000, e o governo se reorganizou.
Agora, não há possibilidade de boas notícias econômicas. Há um processo de desinflação que reduz a taxa em 12 meses, mas à custa da recessão e com índice ainda alto. O ajuste externo produz números bons, mas isso não é perceptível pelas pessoas. A recessão é profunda. Na economia não há boias de salvação. Na política, pode ser tarde demais para deter o ciclo de fuga.