quarta-feira, dezembro 16, 2015

Melhor prender a respiração - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO - 16/12

Há um filtro na PGR, de critério obscuro e subjetivo
O país amanhece esta quarta-feira à espera de uma definição do seu destino por um instrumento da disfunção: o Supremo Tribunal Federal, numa mistura de atribuições, usurpou a do Parlamento e decidiu produzir, em uma semana, uma legislação geral sobre o impeachment, a pretexto de atualizar e readaptar o seu rito. O STF, hoje, é um partido, dividido como todos, tendo sua maior parte integrada por governistas do atual grupo que domina o poder Executivo.

Muitos já se acostumaram com sua forma de atuar, bem como com as estranhas campanhas feitas por alguns de seus membros para serem nomeados, com a contratação de assessoria e aparato eleitoral para propagar seu nome e isenção, mesmo que o engajamento político anterior tenha sido absolutamente partidário.

Assim, não há surpresa no modelo e na decisão que vier a ser tomada hoje, inclusive a possibilidade da não intervenção no Congresso, realmente é possível. Há quem diga, até, que o ministro Edson Fachin entregou ontem a norma que elaborou sobre o rito do impeachment aos colegas, contando com a possibilidade de vazamento para o STF ter uma medida das reações. Parece um pouco demais, mas nada, na política, hoje, é demais.

A estranheza bateu com a disposição do ministro que suspendeu as decisões da Câmara de fazer uma norma em apenas uma semana para arbitrar questões de vida ou morte entre os poderes da República. Ingrediente que veio contaminar um cenário já radicalmente poluído em todos os seus ângulos, a começar da Presidência da República.

Suspeitas de que, por ter sido presidente do Conselho Diretor da Petrobras e candidata em uma campanha financiada em parte com dinheiro de propina das empreiteiras, cujo tesoureiro, já citado nas denúncias, é seu ministro da Comunicação e porta-voz, podem não deixar a presidente Dilma Rousseff passar incólume pela devastação. No momento, com toda a carga negativa da mega operação de combate à corrupção trazendo nuvens a seu governo, onde abriga quatro ministros (Comunicação, Educação, Ciência e Tecnologia e Turismo) citados nas delações dos pagadores de campanha eleitoral, a presidente está no foco de um processo de impeachment por outro crime, o de responsabilidade, por atos de incompetência e ilegalidade na administração pública.

O ex-presidente Lula já estava no redemoinho, e enroscou-se mais, vendo o cerco das investigações chegar à sua casa, ao seu Instituto e ao centro de suas relações pessoais, onde estão seus amigos diletos. Aos poucos, vai deixando de socorrer a presidente que escolheu para sucedê-lo e a quem pretendia suceder daqui a três anos.

Os dois partidos de sustentação do governo federal nos últimos 13 anos, o PT e o PMDB, estão comprometidos estruturalmente. Alguns dos partidos aliados também entraram nas investigações e estão incluídos nas denúncias feitas por aqueles mesmos que pagam propina. O PT vem caindo na malha desde o mensalão, membros da cúpula partidária continuaram a tombar na nova operação, e o PMDB foi colhido, como partido, em todas as suas facções, durante o ataque de ontem, denominado de forma insultante "Catilinárias", em que a polícia federal, ou o ministério público, ou ambos, resolveram tomar partido e chamar a todos de golpistas.

Os presidentes da Câmara e do Senado, o primeiro já denunciado e o segundo escapando mas com seus apadrinhados no foco da investigação, estão sem condições de exercer o seu papel institucional.

A esse estado geral de desídia soma-se um governo paralisado. Os ministros alvo da busca e apreensão de ontem estiveram até agora sentados na mesa oval da Presidência, em reunião de apoio a Dilma, como estarão amanhã, se não forem demitidos (os do PT citados não saíram) nas próximas reuniões ministeriais.

Há líder do governo e dos partidos denunciados presos, governadores aliados, defensores ferrenhos do status quo, também citados com todo o seu grupo no canal de propinas da Petrobras.

Quem vive do governo federal, como governadores e prefeitos de capitais, além de movimentos organizados, são instados a pagar a conta e assumir a defesa do indefensável. Os ministros do Planejamento e da Fazenda se bombardeiam, e o da Fazenda, fiador da recuperação econômica de um país levado ao abismo pela incompetência, ameaça sair a cada semana, porque não tem apoio, mas não sai. Deve saber da piada que corre mundo, de que plastificou sua carta de demissão, mas não é com ele.

Uma definição do ex-deputado petista e sociólogo Paulo Delgado retrata bem o que se descortina no Planalto: "O zêlo da Dilma para preservar o mandato é maior do que para exercê-lo".

Um governo que só se movimentou nos últimos dois meses para se manter no cargo, em campanha pelo Brasil para entregar benefícios, e ainda assim teve queda de popularidade em pesquisa divulgada ontem. Se a presidente tivesse feito ao longo do ano a metade da mobilização que fez agora, seus súditos teriam a impressão de que governou.

E ainda se exige do Congresso que esqueça os maus tratos, concentre-se e vote as medidas de interesse do Executivo. Pedir isso ao Judiciário amigo ainda dá para entender, mas ao Congresso? O poder que mais trabalhou em 2015?

É impossível aos juristas de qualquer tendência prever o que poderá sair hoje do STF. Os partidos já descobriram a manha e vão modificando sucessivamente as ações até que caiam no sorteio com um relator amigável, que vai alimentar-lhe os sonhos. Do STF nomeado pelo PT esperam misericórdia.

Existe alguém em condições de governar os brasileiros? E quem comandará o processo de expiação dos pecados? Ah!! Há um filtro gigantesco na Procuradoria Geral da República, até agora não explicado, ainda cheio de critérios obscuros e distantes do eixo, à mercê da subjetividade.

Quem se habilita?

Os limites da lei - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 16/12


“Até onde vocês vão?”, perguntou um deputado a um Procurador da Operação Lava-Jato, quase como o admoestando. O Procurador respondeu na bucha: “Vamos até onde vocês foram”.
Os fatos de ontem, e de dias anteriores, estão mostrando que não há limites, a não ser os da lei, para a ação do Ministério Público e a Polícia Federal. Foi o ministro Teori Zavascki, o relator no Supremo do caso, quem autorizou as buscas e apreensões na casa de deputados, senadores, ministros, e outros menos votados, mas o ministro deixou de fora o presidente do Senado, Renan Calheiros, não se sabe exatamente por que.
Mesmo assim, pessoas ligadíssimas a Calheiros, como o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, também foram alvo das ações da Polícia Federal ontem. A reação geral foi dizer que a ação nas casas e no escritório de Eduardo Cunha já não teria efeito, pois ele tivera tempo de esconder o que porventura denunciasse suas atividades ilícitas.
Mas, além do exemplo do empresário Marcelo Odebrecht, que, preso depois de quase um ano de Operação Lava-Jato ainda tinha anotações em notebooks e celulares, O Globo revela que os policiais encontraram na casa de Cunha um taxi de propriedade de ltair Alves Pinto, apontado pelo delator Fernando Baiano como intermediário da propina destinada ao deputado no esquema de corrupção envolvendo a Petrobras. Cunha diz que usa o taxi para “serviços gerais”, dando ares de verdade à deleção de Baiano.
Dessa vez a operação policial pegou especialmente o PMDB, sem distinção de alas: ministros do PMDB governista, Eduardo Cunha, o inimigo preferido, e apaniguados do presidente do Senado, que estava do lado de Dilma, mas pode mudar de idéia a qualquer momento se sentir cheiro de queimado.
A abrangência das ações reflete o ambiente político difícil que se vive em Brasília, a sensação de que todo mundo pode ser o alvo da vez, todos estão envolvidos em algum tipo de corrupção.
Especificamente nesse caso, os danos são generalizados. Se a presidente Dilma pode ter ficado satisfeita com a ação contra Eduardo Cunha – e ele está convencido de que por trás da decisão está a mão do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que esteve em missão secreta em Curitiba semana passada-, seus ministros, da parte do PMDB que ainda está com o governo, foram atingidos. Dessa vez não há o que grupos políticos possam comemorar.
O presidente da Câmara, que sofreria mais tarde uma derrota no Conselho de Ética por placar apertado, deve estar buscando maneira de retaliar o governo, mas está cada vez mais isolado, não tem muito mais por onde agir. Tem agora que tentar escapar de um destino que parece marcado.
Cunha deve estar rezando ara que o recesso chegue, mas deve lembrar-se de que a Operação Lava-Jato não tem recesso. Vivemos no país uma situação paradoxal. Enquanto algumas das instituições da República funcionam muito bem, dando garantia à democracia, como a Polícia Federal, o Ministério Público, os tribunais superiores, cada vez mais juízes de primeira instância à exemplo de Sérgio Moro, a imprensa livre, outras funcionam muito mal, como o Congresso e o Executivo, envolvidos em ações de corrupção que parecem não ter fim.
O Congresso hoje não tem nenhum respeito da sociedade, e cada vez que uma ação como essa acontece, mais o descrédito na política se acentua.
Piada
O que era dito como piada acabou acontecendo na realidade, como farsa, é verdade, mas com ares de seriedade. O senador Fernando Collor de Mello subiu ao púlpito do Senado para falar sobre “a possibilidade de um direito readquirido”. Isso mesmo.
Perguntou, sem nenhum sinal de deboche, o ex-presidente impichado: se o Supremo Tribunal Federal na reunião de hoje resolver mexer no rito do processo de impeachment, “não seria o caso de se rever aquela decisão de 1992 e reconhecer, pelos novos fatos, pelas novas interpretações e pelo novo rito processual, um vício de origem naquele processo de 1992?”.
Era só o que faltava.

Economia de outro impeachment - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 16/12

Caso Dilma Rousseff seja deposta, seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, estará fora do governo, claro. Caso Dilma Rousseff permaneça, Levy estará dentro do nada.

O ministro estreou no cargo com um plano ambicioso de "reformas". Foi lascado mês a mês, até restar agora o toco no qual discute décimos de um superavit primário em que ninguém acredita, de uma política econômica que não existe, política na qual jamais acreditou essa presidente.

Levy terá existência decorativa a não ser que uma sobrevivente Dilma Rousseff na prática renuncie em seu nome, lhe dê "carta branca" e, de quebra, quase tão inviável, sobrevenha um acordo político a fim de dar sustentação ao governo dessa presidente na prática exilada.

A composição dessas duas probabilidades mínimas resulta em nanoprobabilidades: não vai acontecer. Caso permaneça no cargo, Levy terá sorte se puder tocar uma política econômica "feijão com arroz", muito insuficiente, dado o tamanho do nosso desastre osso duro de roer, que pede muita carne e tutano.

O diagnóstico, de resto, vale também para um governo que venha a suceder o de Dilma Rousseff, em caso de deposição.

Lembre-se de Itamar Franco. Assumiu sob um pacto precário, que não passava do começo da dispersão do desfile que depôs Fernando Collor. Entre sua posse provisória em outubro de 1992 e maio de 1993, Itamar teve três ministros da Fazenda. Cada um durou dois meses e meio.

Todos assumiram com diagnósticos corretos e razoáveis do que fazer da economia ("ajuste fiscal", bidu, "reformas", juros altos, abertura etc.). Além de rolos circunstanciais ou anedóticos, foram triturados e caíram porque não tinham crédito, representatividade ou projeto de longo prazo crível e politicamente articulado. A economia reencaminhava-se para a hiperinflação. O país debatia, bidu, a revisão da Constituição de 1988, marcada para 1993. Dizia-se então, mais ou menos como agora, que o governo do Brasil era economicamente inviável com a "Constituição Cidadã".

Em medida importante, Itamar renunciou ao governo da economia quando deu carta branca a Fernando Henrique Cardoso, que nomeou ministro da Fazenda em maio de 1993, uma espécie de rendição incondicional, dada a ruína crescente.

FHC não foi apenas capaz de rapidamente arranjar apoios, da elite mundial aos poderes brasileiros. Arrumou uma equipe de economistas respeitáveis, em parte mais sabida porque curtida nos fracassos dos planos anti-inflacionários dos anos 1980. Mais importante, FHC articulou, como diz hoje, um novo "bloco de poder", do que fala com conhecimento prático de causa. Encarnava a reforma da ordem econômica da Constituição de 1988 e parecia um candidato confiável e capaz de derrotar Lula da Silva, então o terror de muitas elites.

O "Plano FHC", como um dia se apelidou o Real, era muito mais que um plano de combate à inflação. Em 1998, FHC diria o seguinte, com a modéstia e ironia habituais, mas certeiro: "Quem acredita em economista? Eu sou sociólogo, por isso que o plano deu certo".

Note-se, ao pé da página: a queda de Levy pode dar em coisa ainda pior, mas sua permanência nas atuais condições tende a fazer menos e menos diferença.

O Porco e o Cordeiro - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Folha de SP - 16/12

Estava o Cordeiro a tocar o Ministério da Fazenda quando apareceu o Porco, de horrendo aspecto, e perguntou: "Que desaforo é esse de reduzir meu PIB?".

Ao que o Cordeiro respondeu: "Mas, seu Porco, como é que eu poderia ter reduzido o seu PIB se só cheguei aqui no começo do ano e a economia vem em recessão desde o meio do ano passado?".

"Ah", disse o Porco, "mas você cortou o gasto público, o que fez o PIB cair ainda mais."

"Olha", retrucou o Cordeiro, "desde que estou aqui o consumo do governo aumentou. Só um pouquinho, sabe, mas foi o único componente da demanda doméstica que subiu em 2015."

"Esse negócio de argumentar com números não me convence", voltou o Porco, "porque, em primeiro lugar, só interessa aos esbirros do conservadorismo, na cúspide de uma sociedade submissa ao rentismo, prisioneira da defesa da riqueza estéril, e, em segundo lugar, porque eu não conheço as quatro operações e não entendo o que você está falando. Fora isso, o investimento também está desabando, e o multiplicador keynesiano diz que isso vai fazer a renda cair ainda mais."

"É verdade", confirmou o Cordeiro, "mas o investimento despenca desde o segundo trimestre de 2013, ao menos, quando ainda o que valia era a tal Nova Matriz Macroeconômica, que, segundo eu soube, veio da cabeça de Porcos que nem o senhor."

"Aliás", continuou, "pelo que me disseram, os Porcos sumiram quando ficou claro que o investimento seguia em queda e que a recessão viria para valer. Só ficou por aqui um jumentinho italiano, otimista 'pra' burro (sem trocadilho, sabe?), que me passou as chaves da casa."

"Não quero saber!", vociferou o Porco. "Quando o jumentinho te deu as chaves, a inflação era menor que 6,5%, mas agora já varou os 10%."

"Também verdade", admitiu o Cordeiro. "Acontece que, ao chegar aqui, encontrei uma porcaria (sem querer ofender, sabe?): tinha um monte de preço congelado, saindo caro para o Tesouro, mais caro ainda para a Petrobras. Só me restou ajustar tudo de uma tacada."

"Aliás, foi difícil achar um Porco que assumisse a responsabilidade pelo congelamento dos preços. Até o final do ano passado vários deles estavam ainda comemorando que a inflação não tinha estourado o teto da meta, e havia até uma Leitoa afirmando que era tudo 'terrorismo econômico'."

"Mas vocês clamam pelo aumento do desemprego!", grunhiu o Porco, "a Pnad diz que já alcançou 9%. Sua culpa, Cordeiro!"

"Aí, seu Porco", respondeu o Cordeiro, "é que lhe faz falta saber ler os números. A Pnad diz que o desemprego também vem crescendo desde o meio do ano passado, e o Caged revela que a perda de empregos formais também ocorre desde aquela época."

"Você, Cordeiro, quer pôr a culpa num governo popular, cujo único erro foi ter adotado o programa adversário, que jogou o país na depressão", guinchou o Porco, já fora de si com a atitude do Cordeiro.

"Olha, seu Porco, seus colegas de vara deixaram as coisas aqui em pandarecos. Dívida crescendo, inflação em alta (mesmo com preços congelados), desemprego idem, economia em recessão, um buraco sem precedentes nas nossas contas externas. Tanto estrago que nem Dona Anta aguentou vocês e teve de chamar um Cordeiro para arrumar a bagunça."

E, já que Porco não come Cordeiro, deu-lhe as costas e o deixou chafurdando na lama.