O GLOBO - 10/12
Não há saída sem uma nova onda de reformas estruturais, como aquelas que foram feitas nos governos FH e no Lula 1
A relação é direta: toda vez que aumenta a chance de Dilma ser afastada do poder, sobem as ações das empresas brasileiras, aqui e em Nova York. Disparam especialmente as ações da Petrobras. São apostas, claro, mas há uma lógica nisso. Entende-se que, primeiro, o governo Dilma não tem mais jeito, mesmo que sobreviva ao impeachment. E, segundo, acredita-se que o provável sucessor em caso de afastamento, Michel Temer com uma outra reunião de partidos, embora com o PMDB de sempre, não tem como ser pior. Não que vá resolver os dilemas econômicos estruturais, mas seria pelo menos um governo neutro — do tipo que não atrapalha mais. Levaria o barco até 2018. E aí, das eleições presidenciais desse ano, quem sabe saia uma maioria política em torno das reformas que recoloquem o Brasil na trilha do crescimento.
Esta é uma visão realista. Há uma mais otimista: um eventual governo Temer, se montado com nomes de respeito nacional e com uma equipe econômica forte, pode ter um ganho de confiança e assim encaminhar algumas reformas.
Mais esperança do que experiência?
Pode ser, mas quem imaginava que o Plano Real poderia nascer no governo Itamar?
De todo modo, não se trata apenas de trocar o governo ou de tirar o PT, embora isso seja peça essencial no processo. Vamos falar francamente: Lula e Dilma conduziram o país para uma crise sem precedentes. Dois anos de recessão profunda, desemprego em alta com inflação acima de 10% ao ano, juros na lua, estatais aparelhadas e destruídas (conseguiram quebrar os Correios e a Petrobras!), sem contar a corrupção. É preciso reconhecer: um desastre inigualável no mundo.
Ainda assim, o buraco é maior.
A sociedade brasileira sofre com uma perversa combinação de crises, na fase mais aguda de duas doenças crônicas. Na economia, a questão central pode ser assim resumida: o gasto público cresce mais que o Produto Interno Bruto (PIB). Na política, o presidencialismo de coalizão impede a formação de uma maioria sólida para aplicar uma reforma do Estado.
No imediato, é preciso lidar com os déficits primários que o governo Dilma cavou meticulosamente, completando um trabalho iniciado no período Lula. Desastres assim não se fazem da noite para o dia.
No segundo mandato, Dilma tentou cobrir o buraco com um nadinha de corte de gasto e um tantão de impostos e dívida. Mesmo que consiga pagar as contas do dia, estará aprofundando o problema estrutural: o setor público não cabe no PIB. Gasta demais, toma impostos demais, deve em excesso e atrapalha as pessoas e empresas que querem ganhar dinheiro honestamente.
Não há saída sem uma nova onda de reformas estruturais, como aquelas que foram feitas nos governos FH e no Lula 1. Mas, de novo, não há consenso ou maioria política para fazê-las.
O exemplo perfeito é a Previdência do INSS, o maior buraco das contas públicas. Gasto e déficit explodiram neste ano e vão piorar no ano que vem por causa da recessão. Com desemprego e a forte redução das vagas com carteira assinada, caiu a arrecadação do INSS, enquanto a despesa sobe inexoravelmente, por causas estruturais: pensões e aposentadorias precoces e generosas, decisões políticas, mais o envelhecimento da população.
Há anos se discute a reforma da Previdência. Todas as alternativas estão na mesa, estudadas e aprofundadas. Todo mundo sabe que o Brasil é o único país importante que não tem idade mínima para aposentadoria. Diversos quebra-galhos têm sido implantados, como o fator previdenciário ou a fórmula 85/90, tudo para driblar o ponto essencial: as pessoas terão que trabalhar mais, contribuir mais e se aposentar mais tarde, com pensões menores.
Percebam o impasse político: o ministro Joaquim Levy disse que a presidente Dilma, para se defender do impeachment, deveria lançar uma agenda positiva de reformas, a começar pela idade mínima de aposentadoria e pela mudança das regras de exploração do pré-sal, reduzindo a participação da Petrobras.
Impossível. Com isso, a presidente perderia a única base com que ainda conta, centrais sindicais e movimentos sociais.
Aliás, este ponto mostra também a dificuldade de um governo pós-PT que tente as reformas. Vai enfrentar tremenda oposição comandada por Lula.
Quer dizer que o Brasil está perdido, condenado a uma economia medíocre por muitos anos?
Esta é uma possibilidade concreta, ainda mais quando se considerada a cultura brasileira de buscar tudo no Estado e achar que o dinheiro público é infinito.
As pessoas, como as sociedades, mudam por virtude ou necessidade. No nosso caso, parece que será pela via mais difícil e demorada. Parece que tem de piorar muito para que se perceba a necessidade de reformas estruturais.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
quinta-feira, dezembro 10, 2015
As cartas não estão na mesa - ROGÉRIO GENTILE
FOLHA DE SP - 10/12
SÃO PAULO - Ao comentar a reação positiva do mercado financeiro ao prosseguimento do pedido de impeachment na Câmara, Joaquim Levy declarou que isso se deveu não a uma torcida pelo afastamento de Dilma, mas à perspectiva do término do período de incertezas, do fim do "vai não vai" que seria "responsável pela contração da economia".
De fato, há no mercado certa expectativa de que o pedido de impeachment seja votado rapidamente a fim de que o país possa, com Dilma ou sem Dilma, olhar para a frente e fazer os ajustes necessários.
Tal avaliação, no entanto, parece mais calcada na torcida por dias melhores do que na nebulosa realidade na qual o Brasil está inserido.
Votar o pedido de impeachment correndo em janeiro, durante a chamada convocação extraordinária, como quer o governo e muita gente defende, pode, na verdade, criar outro problema, talvez ainda maior.
Isso porque a votação do impeachment não encerra, é claro, as investigações da Lava Jato. A força-tarefa estima que apenas 30% do caso já tenha sido revelado. Além disso, o Ministério Público teve acesso a somente 10% das informações das 300 contas mapeadas na Suíça, suspeitas de terem sido usadas no esquema.
Há também pelo menos duas delações em curso (Nestor Cerveró e Otávio Marques de Azevedo, da Andrade Gutierrez), potencialmente explosivas e que pairam como fantasmas, assombrando tanto o partido do governo como o que pretende substituí-lo no poder.
Delcídio do Amaral, ex-líder do governo Dilma e personagem influente na Petrobras, há tempos também estuda contar o que sabe.
Como ficarão as coisas se, por exemplo, como se espera, os delatores fizerem revelações sobre gastos nas campanhas eleitorais de 2010 e 2014? A decisão sobre o pedido de impeachment pode ficar velha já na manhã seguinte.
A tal luz no fim do túnel ainda é bem fraquinha.
SÃO PAULO - Ao comentar a reação positiva do mercado financeiro ao prosseguimento do pedido de impeachment na Câmara, Joaquim Levy declarou que isso se deveu não a uma torcida pelo afastamento de Dilma, mas à perspectiva do término do período de incertezas, do fim do "vai não vai" que seria "responsável pela contração da economia".
De fato, há no mercado certa expectativa de que o pedido de impeachment seja votado rapidamente a fim de que o país possa, com Dilma ou sem Dilma, olhar para a frente e fazer os ajustes necessários.
Tal avaliação, no entanto, parece mais calcada na torcida por dias melhores do que na nebulosa realidade na qual o Brasil está inserido.
Votar o pedido de impeachment correndo em janeiro, durante a chamada convocação extraordinária, como quer o governo e muita gente defende, pode, na verdade, criar outro problema, talvez ainda maior.
Isso porque a votação do impeachment não encerra, é claro, as investigações da Lava Jato. A força-tarefa estima que apenas 30% do caso já tenha sido revelado. Além disso, o Ministério Público teve acesso a somente 10% das informações das 300 contas mapeadas na Suíça, suspeitas de terem sido usadas no esquema.
Há também pelo menos duas delações em curso (Nestor Cerveró e Otávio Marques de Azevedo, da Andrade Gutierrez), potencialmente explosivas e que pairam como fantasmas, assombrando tanto o partido do governo como o que pretende substituí-lo no poder.
Delcídio do Amaral, ex-líder do governo Dilma e personagem influente na Petrobras, há tempos também estuda contar o que sabe.
Como ficarão as coisas se, por exemplo, como se espera, os delatores fizerem revelações sobre gastos nas campanhas eleitorais de 2010 e 2014? A decisão sobre o pedido de impeachment pode ficar velha já na manhã seguinte.
A tal luz no fim do túnel ainda é bem fraquinha.
O governo acabou, viva quem? - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 10/12
O governo Dilma Rousseff acabou nesta semana.
Dilma foi eleita em uma coligação formal com o PMDB, tanto que o vice-presidente (Michel Temer) é do PMDB, aliás presidente do partido. Temer rompeu com Dilma, em uma carta mesquinha, embora ele negue que se trate de rompimento.
Fatos posteriores, no entanto, evidenciam a separação: primeiro, os votos que peemedebistas deram para a chapa oposicionista na comissão que vai decidir se dá ou não andamento ao processo de impeachment.
Vamos combinar que a mais elementar lógica manda dizer que quem votou na lista da oposição quer defenestrar Dilma. Quem votou na outra chapa é contra o impeachment.
Como se sabe, o resultado foi 272 votos na oposição (pelo impeachment, por tabela) e apenas 199 na chapa governista.
É aí que se dá a morte política do governo: perdeu claramente a maioria na Câmara dos Deputados, maioria que sempre foi escorregadia, mas, agora, escorregou de vez.
Mas a morte política do governo não veio acompanhada de sua morte jurídica: a oposição precisa de 342 votos na Câmara para aprovar o impeachment. Como teve, na votação para a comissão, apenas 272, tem-se que lhe faltam 70 deputados para poder afastar Dilma.
Resultado do imbróglio: nem o governo tem maioria para poder tocar a vida, nem a oposição tem a maioria qualificada para poder decapitar o governo que perdeu a maioria.
Bem que o "Financial Times", tempos atrás, avisou que o Brasil parecia um filme de horror. O diabo é que será, salvo surpresas, uma película de longuíssima duração. Três anos exatos de agonia para reconstituir um governo que funcione.
Claro que sempre pode acontecer de a oposição capturar os 70 votos que à primeira vista lhe faltam para afastar Dilma.
Se a lama que escorre abundantemente da Lava Jato chegar ao Palácio do Planalto; se as ruas se encherem de gritos de "fora, Dilma"; se a delação premiada de Delcídio do Amaral trouxer revelações que comprometam a presidente, ela pode perder o emprego.
Se, no entanto, nada disso acontecer, a alternativa é Dilma recompor algum governo para substituir o que morreu com o afastamento do PMDB.
Como? Não faço a mais remota ideia nem creio que haja alguém no Brasil que tenha uma resposta.
Recompor a aliança com o PMDB? Michel Temer, o presidente do partido, deixou claro que quer o lugar de Dilma e, portanto, não pode ser condescendente com ela.
Tanto é assim que forçou a saída do líder peemedebista na Câmara, Leonardo Picciani, por ser considerado "dilmista".
Foi o terceiro sinal, depois da carta e depois dos votos na comissão do impeachment, de que a aliança se rompeu.
A única maneira de eventualmente recompô-la é formar um governo que seja peemedebista de corpo e alma, o que significaria alijar o PT de postos-chave.
O PT não iria para o impeachment, mas tenderia a negar maioria à presidente.
Se todo esse formidável "quilombo", como dizem os argentinos, já seria assustador em céu de brigadeiro, é puro terror em meio a uma baita crise.
O governo Dilma Rousseff acabou nesta semana.
Dilma foi eleita em uma coligação formal com o PMDB, tanto que o vice-presidente (Michel Temer) é do PMDB, aliás presidente do partido. Temer rompeu com Dilma, em uma carta mesquinha, embora ele negue que se trate de rompimento.
Fatos posteriores, no entanto, evidenciam a separação: primeiro, os votos que peemedebistas deram para a chapa oposicionista na comissão que vai decidir se dá ou não andamento ao processo de impeachment.
Vamos combinar que a mais elementar lógica manda dizer que quem votou na lista da oposição quer defenestrar Dilma. Quem votou na outra chapa é contra o impeachment.
Como se sabe, o resultado foi 272 votos na oposição (pelo impeachment, por tabela) e apenas 199 na chapa governista.
É aí que se dá a morte política do governo: perdeu claramente a maioria na Câmara dos Deputados, maioria que sempre foi escorregadia, mas, agora, escorregou de vez.
Mas a morte política do governo não veio acompanhada de sua morte jurídica: a oposição precisa de 342 votos na Câmara para aprovar o impeachment. Como teve, na votação para a comissão, apenas 272, tem-se que lhe faltam 70 deputados para poder afastar Dilma.
Resultado do imbróglio: nem o governo tem maioria para poder tocar a vida, nem a oposição tem a maioria qualificada para poder decapitar o governo que perdeu a maioria.
Bem que o "Financial Times", tempos atrás, avisou que o Brasil parecia um filme de horror. O diabo é que será, salvo surpresas, uma película de longuíssima duração. Três anos exatos de agonia para reconstituir um governo que funcione.
Claro que sempre pode acontecer de a oposição capturar os 70 votos que à primeira vista lhe faltam para afastar Dilma.
Se a lama que escorre abundantemente da Lava Jato chegar ao Palácio do Planalto; se as ruas se encherem de gritos de "fora, Dilma"; se a delação premiada de Delcídio do Amaral trouxer revelações que comprometam a presidente, ela pode perder o emprego.
Se, no entanto, nada disso acontecer, a alternativa é Dilma recompor algum governo para substituir o que morreu com o afastamento do PMDB.
Como? Não faço a mais remota ideia nem creio que haja alguém no Brasil que tenha uma resposta.
Recompor a aliança com o PMDB? Michel Temer, o presidente do partido, deixou claro que quer o lugar de Dilma e, portanto, não pode ser condescendente com ela.
Tanto é assim que forçou a saída do líder peemedebista na Câmara, Leonardo Picciani, por ser considerado "dilmista".
Foi o terceiro sinal, depois da carta e depois dos votos na comissão do impeachment, de que a aliança se rompeu.
A única maneira de eventualmente recompô-la é formar um governo que seja peemedebista de corpo e alma, o que significaria alijar o PT de postos-chave.
O PT não iria para o impeachment, mas tenderia a negar maioria à presidente.
Se todo esse formidável "quilombo", como dizem os argentinos, já seria assustador em céu de brigadeiro, é puro terror em meio a uma baita crise.
Calamidade pública - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 10/12
Os governantes e os políticos estão mobilizados por questões sérias, mas passageiras, enquanto o que é permanente e mais grave está deixado de lado. O país vive uma emergência na saúde que deixará sequelas. O clima entre Dilma e Michel Temer, as brigas no plenário, o impeachment, a recessão, tudo passará, mas não os efeitos da microcefalia nas suas vítimas.
O Brasil vive um momento trágico em que há conflitos e confusões em várias áreas, mas existe um problema que é o mais grave de todos. Brasileiros recém-nascidos, e ainda por nascer, estão sendo ameaçados e atingidos numa proporção alarmante. O número de vítimas cresceu quase cinco vezes em um mês, o problema está saltando de forma assustadora na nossa frente, e o país se deixa tomar pela confusão política e pela infelicidade econômica. Tudo isso pode ser resolvido nos próximos meses e anos. Uma criança que nasce com microcefalia tem seu destino alterado, e sua vida, talvez, encurtada.
Há esforços do setor público, das secretarias estaduais, de funcionários dedicados, de médicos, mas é pouco. Tem que ser um mutirão nacional, tem que ser decretado estado de emergência na saúde pública. Há fatos estarrecedores, como faltar larvicida para o Nordeste. Como o país pode tolerar uma falha assim numa hora dessas?
O Brasil vive vários dilemas. O mandato da presidente vai ser encurtado ou não? Ela incorreu em crime de responsabilidade? O que fazer para que a recessão não se transforme numa depressão? A inflação chegou ao temido dois dígitos. Tudo isso merece atenção. Mas há um problema dilacerante: o nascimento de crianças com má formação do cérebro pela picada de um mosquito. A nossa guerra total deve ser ao mosquito que transmite três doenças que matam e que, agora se sabe, uma delas ataca o cérebro do bebê no útero de sua mãe.
Não nos faltam aflições neste ano difícil. A morte de jovens pela violência, a crise na educação, o desemprego crescendo, um rio em coma pelo crime cometido por mineradoras. Tantos problemas que falta espaço na agenda. Mas, de alguma forma, temos que aumentar os esforços na luta contra a microcefalia, na qual devem ser superadas as fraturas políticas, por mais profundas que sejam, porque o que for perdido hoje não será remediado amanhã.
Essas crianças e suas famílias carregarão, solitárias, o peso da nossa incompetência como país por anos a fio. Quando todos pararmos de falar do assunto, as famílias permanecerão sofrendo. Estamos tirando chance do futuro ao deixar, por desleixo, que um mosquito, que prolifera na falta de saneamento, atinja e fira irreversivelmente nossos bebês.
O ano de 2015 será lembrado com tristeza e seu fim será um alívio. Erros cometidos pelo governo em anos anteriores cobraram pesadamente a conta. O país mergulhou numa recessão, e a feia palavra “depressão” já está nos cenários. A inflação chegou à casa dos dois dígitos. A indústria despencou e só em São Paulo acumula mais de 10% de encolhimento. O desemprego tem subido mesmo nos meses em que sazonalmente ele dá uma trégua. Não são boas as perspectivas para 2016 na economia. Os economistas já preveem uma nova recessão forte e será a primeira vez desde 1930 que o país terá duas quedas seguidas. A inflação permanecerá acima do teto da meta. Resultado da barbeiragem do governo e dos erros na condução da política econômica.
A política está tão conflagrada que houve um momento na terça-feira que parecia um caso de loucura coletiva. Todos contra todos, os deputados batendo cabeça, e os governistas quebrando cabines de votação dentro do plenário. Os governistas falam em golpe, os oposicionistas falam em crime. O governo tem apenas um fiapo de apoio na opinião pública. O Planalto continua errando. O PMDB trocou um mau líder por outro igualmente ruim.
Tudo isso é grave, mas podemos resolver. Precisaremos de tempo, recorreremos às instituições democráticas, apostaremos na resiliência da economia. Há algo, contudo, que não poderemos salvar por mais que o tempo passe: as vítimas da microcefalia. A hora de agir é agora.
Os governantes e os políticos estão mobilizados por questões sérias, mas passageiras, enquanto o que é permanente e mais grave está deixado de lado. O país vive uma emergência na saúde que deixará sequelas. O clima entre Dilma e Michel Temer, as brigas no plenário, o impeachment, a recessão, tudo passará, mas não os efeitos da microcefalia nas suas vítimas.
O Brasil vive um momento trágico em que há conflitos e confusões em várias áreas, mas existe um problema que é o mais grave de todos. Brasileiros recém-nascidos, e ainda por nascer, estão sendo ameaçados e atingidos numa proporção alarmante. O número de vítimas cresceu quase cinco vezes em um mês, o problema está saltando de forma assustadora na nossa frente, e o país se deixa tomar pela confusão política e pela infelicidade econômica. Tudo isso pode ser resolvido nos próximos meses e anos. Uma criança que nasce com microcefalia tem seu destino alterado, e sua vida, talvez, encurtada.
Há esforços do setor público, das secretarias estaduais, de funcionários dedicados, de médicos, mas é pouco. Tem que ser um mutirão nacional, tem que ser decretado estado de emergência na saúde pública. Há fatos estarrecedores, como faltar larvicida para o Nordeste. Como o país pode tolerar uma falha assim numa hora dessas?
O Brasil vive vários dilemas. O mandato da presidente vai ser encurtado ou não? Ela incorreu em crime de responsabilidade? O que fazer para que a recessão não se transforme numa depressão? A inflação chegou ao temido dois dígitos. Tudo isso merece atenção. Mas há um problema dilacerante: o nascimento de crianças com má formação do cérebro pela picada de um mosquito. A nossa guerra total deve ser ao mosquito que transmite três doenças que matam e que, agora se sabe, uma delas ataca o cérebro do bebê no útero de sua mãe.
Não nos faltam aflições neste ano difícil. A morte de jovens pela violência, a crise na educação, o desemprego crescendo, um rio em coma pelo crime cometido por mineradoras. Tantos problemas que falta espaço na agenda. Mas, de alguma forma, temos que aumentar os esforços na luta contra a microcefalia, na qual devem ser superadas as fraturas políticas, por mais profundas que sejam, porque o que for perdido hoje não será remediado amanhã.
Essas crianças e suas famílias carregarão, solitárias, o peso da nossa incompetência como país por anos a fio. Quando todos pararmos de falar do assunto, as famílias permanecerão sofrendo. Estamos tirando chance do futuro ao deixar, por desleixo, que um mosquito, que prolifera na falta de saneamento, atinja e fira irreversivelmente nossos bebês.
O ano de 2015 será lembrado com tristeza e seu fim será um alívio. Erros cometidos pelo governo em anos anteriores cobraram pesadamente a conta. O país mergulhou numa recessão, e a feia palavra “depressão” já está nos cenários. A inflação chegou à casa dos dois dígitos. A indústria despencou e só em São Paulo acumula mais de 10% de encolhimento. O desemprego tem subido mesmo nos meses em que sazonalmente ele dá uma trégua. Não são boas as perspectivas para 2016 na economia. Os economistas já preveem uma nova recessão forte e será a primeira vez desde 1930 que o país terá duas quedas seguidas. A inflação permanecerá acima do teto da meta. Resultado da barbeiragem do governo e dos erros na condução da política econômica.
A política está tão conflagrada que houve um momento na terça-feira que parecia um caso de loucura coletiva. Todos contra todos, os deputados batendo cabeça, e os governistas quebrando cabines de votação dentro do plenário. Os governistas falam em golpe, os oposicionistas falam em crime. O governo tem apenas um fiapo de apoio na opinião pública. O Planalto continua errando. O PMDB trocou um mau líder por outro igualmente ruim.
Tudo isso é grave, mas podemos resolver. Precisaremos de tempo, recorreremos às instituições democráticas, apostaremos na resiliência da economia. Há algo, contudo, que não poderemos salvar por mais que o tempo passe: as vítimas da microcefalia. A hora de agir é agora.
A grande obra de Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADÃO - 10/12
Depois de garantir o pior desempenho da economia desde 1990, quando o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 4,35%, a presidente Dilma Rousseff adiciona mais uma grande marca a seu currículo, produzindo a maior inflação em 12 anos. Em novembro de 2002, a taxa acumulada em 12 meses chegou a 11,02%, como consequência de uma campanha eleitoral conturbada, muita especulação, fuga de capitais e enorme pressão sobre o câmbio. No mês seguinte, a alta de preços arrefeceu e o número final foi de 9,30%. Apesar de tudo, naquele ano a produção cresceu 2,66%. O contraste em relação ao ritmo da atividade é inegável. Quando sair o balanço econômico de 2015, ninguém se surpreenderá se o PIB tiver diminuído 3,50% ou até mais. O desastre geral já aconteceu. Nos 12 meses terminados em novembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) aumentou 10,48%, e o resultado final do ano, tudo indica, permanecerá em dois dígitos. Basta uma taxa de 0,40% em dezembro para se alcançar 10% em 2015.
A devastação econômica produzida em cinco anos de mandato da presidente Dilma Rousseff é dificilmente comparável a qualquer outro desastre vivido na história da República. Um dos feitos mais notáveis de sua administração – talvez a síntese de tudo – foi a combinação de baixo crescimento, perda de potencial produtivo e inflação sempre muito acima dos padrões internacionais, tanto dos países desenvolvidos quanto dos emergentes e em desenvolvimento. A catástrofe de 2015, com desdobramentos sinistros ainda por uns dois anos, é uma espécie de grande final de uma sinfonia macabra, marcada, no entanto, por momentos cômicos e até grotescos.
O desastre foi construído como uma obra de arte sinistra. O desprezo ao controle da inflação ficou evidente em 2011, quando o Banco Central (BC), sintonizado com a orientação do Palácio do Planalto, começou a reduzir os juros e iniciou uma política frouxa mantida até abril de 2013. A reversão só ocorreu quando os preços disparavam de modo assustador e a desmoralização da autoridade monetária já era quase irreversível. O pessoal do BC mudou de rumo e tentou reconstruir sua credibilidade, mas sem jamais tentar, de fato, alcançar a meta de 4,5%. Além disso, o crédito ainda cresceu rapidamente por alguns anos, facilitando a política de estímulo ao consumo sacramentada no Palácio do Planalto.
Na Presidência, como no Ministério da Fazenda, as únicas mudanças foram para pior. As manobras para esconder as pressões de alta de preços foram intensificadas. O controle de preços dos combustíveis foi mantido e a isso se acrescentou a contenção política das tarifas de eletricidade, quando a presidente resolveu antecipar a renegociação das concessões do setor elétrico. Houve perdas para geradoras e distribuidoras e o Tesouro assumiu enormes encargos para socorrê-las.
Mas foi inevitável, enfim, a liberação gradual das tarifas, com efeitos desastrosos para os consumidores. Nos 12 meses até novembro, os preços da energia elétrica subiram 51,27%, enquanto os da gasolina aumentaram 19,33%.
Seria tolice, no entanto, procurar entre os componentes do IPCA os vilões da inflação – alimentos, câmbio, combustíveis, eletricidade, etc. O vilão é o governo, tanto pelos erros no controle da inflação (mais dos índices do que propriamente da inflação) quanto pelos equívocos e desmandos na política fiscal e na estratégia de crescimento. Um dos efeitos foi o descompasso inflacionário entre consumo e oferta.
A gastança, a distribuição irresponsável de incentivos e a farta transferência de recursos para bancos federais desorganizaram as contas, endividaram o Tesouro, alimentaram a inflação e forçaram a manutenção de juros muito altos. Dirigentes do BC chamaram a atenção, muitas vezes, para a dificuldade de conter a inflação sem uma política fiscal mais séria. Não se pode, enfim, negar certa harmonia: política fiscal irresponsável (tema do debate sobre impeachment), inflação e recessão equilibram-se muito bem no mesmo quadro.
Depois de garantir o pior desempenho da economia desde 1990, quando o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 4,35%, a presidente Dilma Rousseff adiciona mais uma grande marca a seu currículo, produzindo a maior inflação em 12 anos. Em novembro de 2002, a taxa acumulada em 12 meses chegou a 11,02%, como consequência de uma campanha eleitoral conturbada, muita especulação, fuga de capitais e enorme pressão sobre o câmbio. No mês seguinte, a alta de preços arrefeceu e o número final foi de 9,30%. Apesar de tudo, naquele ano a produção cresceu 2,66%. O contraste em relação ao ritmo da atividade é inegável. Quando sair o balanço econômico de 2015, ninguém se surpreenderá se o PIB tiver diminuído 3,50% ou até mais. O desastre geral já aconteceu. Nos 12 meses terminados em novembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) aumentou 10,48%, e o resultado final do ano, tudo indica, permanecerá em dois dígitos. Basta uma taxa de 0,40% em dezembro para se alcançar 10% em 2015.
A devastação econômica produzida em cinco anos de mandato da presidente Dilma Rousseff é dificilmente comparável a qualquer outro desastre vivido na história da República. Um dos feitos mais notáveis de sua administração – talvez a síntese de tudo – foi a combinação de baixo crescimento, perda de potencial produtivo e inflação sempre muito acima dos padrões internacionais, tanto dos países desenvolvidos quanto dos emergentes e em desenvolvimento. A catástrofe de 2015, com desdobramentos sinistros ainda por uns dois anos, é uma espécie de grande final de uma sinfonia macabra, marcada, no entanto, por momentos cômicos e até grotescos.
O desastre foi construído como uma obra de arte sinistra. O desprezo ao controle da inflação ficou evidente em 2011, quando o Banco Central (BC), sintonizado com a orientação do Palácio do Planalto, começou a reduzir os juros e iniciou uma política frouxa mantida até abril de 2013. A reversão só ocorreu quando os preços disparavam de modo assustador e a desmoralização da autoridade monetária já era quase irreversível. O pessoal do BC mudou de rumo e tentou reconstruir sua credibilidade, mas sem jamais tentar, de fato, alcançar a meta de 4,5%. Além disso, o crédito ainda cresceu rapidamente por alguns anos, facilitando a política de estímulo ao consumo sacramentada no Palácio do Planalto.
Na Presidência, como no Ministério da Fazenda, as únicas mudanças foram para pior. As manobras para esconder as pressões de alta de preços foram intensificadas. O controle de preços dos combustíveis foi mantido e a isso se acrescentou a contenção política das tarifas de eletricidade, quando a presidente resolveu antecipar a renegociação das concessões do setor elétrico. Houve perdas para geradoras e distribuidoras e o Tesouro assumiu enormes encargos para socorrê-las.
Mas foi inevitável, enfim, a liberação gradual das tarifas, com efeitos desastrosos para os consumidores. Nos 12 meses até novembro, os preços da energia elétrica subiram 51,27%, enquanto os da gasolina aumentaram 19,33%.
Seria tolice, no entanto, procurar entre os componentes do IPCA os vilões da inflação – alimentos, câmbio, combustíveis, eletricidade, etc. O vilão é o governo, tanto pelos erros no controle da inflação (mais dos índices do que propriamente da inflação) quanto pelos equívocos e desmandos na política fiscal e na estratégia de crescimento. Um dos efeitos foi o descompasso inflacionário entre consumo e oferta.
A gastança, a distribuição irresponsável de incentivos e a farta transferência de recursos para bancos federais desorganizaram as contas, endividaram o Tesouro, alimentaram a inflação e forçaram a manutenção de juros muito altos. Dirigentes do BC chamaram a atenção, muitas vezes, para a dificuldade de conter a inflação sem uma política fiscal mais séria. Não se pode, enfim, negar certa harmonia: política fiscal irresponsável (tema do debate sobre impeachment), inflação e recessão equilibram-se muito bem no mesmo quadro.
A escolha do FHC de Temer - RAUL VELLOSO
O Estado de S. Paulo - 10/12
A economia brasileira vive um dos mais difíceis momentos dos últimos tempos. Poucos analistas duvidam de que a recessão atual será profunda e das mais longas. O desemprego e as perdas salariais já se alastram no País e não há, ainda, uma saída clara à vista.
Cresce a percepção de que o problema fiscal está no coração da crise atual. Por isso, o ajuste das contas públicas precisaria ser forte, rápido e vir acompanhado de reformas que, mesmo com demora, trouxessem resultados duradouros e capazes de ajustar o tamanho da inserção do Estado às possibilidades da economia.
Enquanto isso, o atual governo, após o experimento Levy claudicar, nem consegue aprovar, no devido tempo, a emenda de renovação da Desvinculação de Receitas da União (DRU). A DRU é um mecanismo crucial de flexibilização do orçamento público, que resultou de uma sugestão minha e deveria, inclusive, ser estendida a Estados e municípios.
Para engrossar o caldo surge agora, pelas mãos do polêmico presidente da Câmara, a perspectiva concreta de impeachment, trazendo volatilidade ainda maior na economia, mas abrindo uma nova perspectiva de encaminhamento de soluções. Daí as comparações do momento atual com a transição Collor-Itamar Franco/FHC.
É complicado comparar com o passado, mas em pelo menos um aspecto é importante fazer esse tipo de cotejamento. A grande lição da transição Collor/Itamar-FHC foi mostrar que, em momentos muito difíceis e de ônus elevado para a população, mesmo em regimes rígidos como o nosso, no final as sociedades terminam pressionando as lideranças políticas por um novo projeto de poder que tenha a solução da crise econômica como carro-chefe. Isso ocorrerá de uma maneira ou de outra e no seu devido tempo. O problema lá atrás era aplicar um golpe fulminante na hiperinflação. Hoje, com a hiperinflação apenas ameaçando voltar, cabe retomar a confiança dos investidores tanto nas aplicações em títulos públicos quanto no lado real da economia.
No passado, Itamar nomeou três ministros da Fazenda que, sem condições para enfrentar a difícil tarefa, duraram pouco. Já sob o quarto titular da pasta, FHC, a saída vitoriosa foi a formulação do Plano Real, amparado na emenda constitucional de criação do Fundo Social de Emergência, que, na sua conformação atual (DRU), precisa ser prorrogado por nova emenda, mas o governo atual não consegue fazer isso acontecer. Esse mecanismo de flexibilização do orçamento público resultou de sugestão que dei à época, como observador, ao então ministro, com vistas a estabelecer uma base fiscal mais sólida em suporte a mais uma tentativa de desindexação brusca da economia. Político hábil e muito preparado, FHC foi, assim, a sorte grande de Itamar. Como poucos, foi capaz de reunir equipes e colaboradores a distância para liderar a salvação do País. Em que pesem naturais percalços, o rápido sucesso do Plano Real garantiu a aprovação de mudanças estruturais importantes e dois mandatos seguidos a uma candidatura presidencial de difícil viabilização em épocas de paz. Esse foi o novo (e bem-sucedido) projeto de poder abraçado à época pelos principais partidos políticos, exceto, naturalmente, o PT e outros de oposição.
Desta vez, menos mal que não tenhamos a velha hiperinflação de volta. Mas isso significa dizer que o antigo problema fiscal terá de ser escancarado e enfrentado para valer. Não estará mais escondido por trás da inflação e, assim, a cirurgia explícita não mais poderá ser evitada, doa a quem doer. É difícil de imaginar como o atual governo, após tantos erros, seria capaz de liderar esse processo.
Na outra hipótese cogitada, Temer terá de buscar no Congresso um(a) ministro(a) da Fazenda que desempenhe o mesmo papel de FHC com Itamar. Além de experiente em cargos públicos relevantes, deve conhecer a questão fiscal profundamente, ter alta respeitabilidade e, finalmente, ser visto pela população como alguém capaz de desempenhar a difícil tarefa aqui sugerida. Por analogia, se acertar, poderá se tornar o novo líder político da Nação.
* Raul Velloso é consultor econômico
A economia brasileira vive um dos mais difíceis momentos dos últimos tempos. Poucos analistas duvidam de que a recessão atual será profunda e das mais longas. O desemprego e as perdas salariais já se alastram no País e não há, ainda, uma saída clara à vista.
Cresce a percepção de que o problema fiscal está no coração da crise atual. Por isso, o ajuste das contas públicas precisaria ser forte, rápido e vir acompanhado de reformas que, mesmo com demora, trouxessem resultados duradouros e capazes de ajustar o tamanho da inserção do Estado às possibilidades da economia.
Enquanto isso, o atual governo, após o experimento Levy claudicar, nem consegue aprovar, no devido tempo, a emenda de renovação da Desvinculação de Receitas da União (DRU). A DRU é um mecanismo crucial de flexibilização do orçamento público, que resultou de uma sugestão minha e deveria, inclusive, ser estendida a Estados e municípios.
Para engrossar o caldo surge agora, pelas mãos do polêmico presidente da Câmara, a perspectiva concreta de impeachment, trazendo volatilidade ainda maior na economia, mas abrindo uma nova perspectiva de encaminhamento de soluções. Daí as comparações do momento atual com a transição Collor-Itamar Franco/FHC.
É complicado comparar com o passado, mas em pelo menos um aspecto é importante fazer esse tipo de cotejamento. A grande lição da transição Collor/Itamar-FHC foi mostrar que, em momentos muito difíceis e de ônus elevado para a população, mesmo em regimes rígidos como o nosso, no final as sociedades terminam pressionando as lideranças políticas por um novo projeto de poder que tenha a solução da crise econômica como carro-chefe. Isso ocorrerá de uma maneira ou de outra e no seu devido tempo. O problema lá atrás era aplicar um golpe fulminante na hiperinflação. Hoje, com a hiperinflação apenas ameaçando voltar, cabe retomar a confiança dos investidores tanto nas aplicações em títulos públicos quanto no lado real da economia.
No passado, Itamar nomeou três ministros da Fazenda que, sem condições para enfrentar a difícil tarefa, duraram pouco. Já sob o quarto titular da pasta, FHC, a saída vitoriosa foi a formulação do Plano Real, amparado na emenda constitucional de criação do Fundo Social de Emergência, que, na sua conformação atual (DRU), precisa ser prorrogado por nova emenda, mas o governo atual não consegue fazer isso acontecer. Esse mecanismo de flexibilização do orçamento público resultou de sugestão que dei à época, como observador, ao então ministro, com vistas a estabelecer uma base fiscal mais sólida em suporte a mais uma tentativa de desindexação brusca da economia. Político hábil e muito preparado, FHC foi, assim, a sorte grande de Itamar. Como poucos, foi capaz de reunir equipes e colaboradores a distância para liderar a salvação do País. Em que pesem naturais percalços, o rápido sucesso do Plano Real garantiu a aprovação de mudanças estruturais importantes e dois mandatos seguidos a uma candidatura presidencial de difícil viabilização em épocas de paz. Esse foi o novo (e bem-sucedido) projeto de poder abraçado à época pelos principais partidos políticos, exceto, naturalmente, o PT e outros de oposição.
Desta vez, menos mal que não tenhamos a velha hiperinflação de volta. Mas isso significa dizer que o antigo problema fiscal terá de ser escancarado e enfrentado para valer. Não estará mais escondido por trás da inflação e, assim, a cirurgia explícita não mais poderá ser evitada, doa a quem doer. É difícil de imaginar como o atual governo, após tantos erros, seria capaz de liderar esse processo.
Na outra hipótese cogitada, Temer terá de buscar no Congresso um(a) ministro(a) da Fazenda que desempenhe o mesmo papel de FHC com Itamar. Além de experiente em cargos públicos relevantes, deve conhecer a questão fiscal profundamente, ter alta respeitabilidade e, finalmente, ser visto pela população como alguém capaz de desempenhar a difícil tarefa aqui sugerida. Por analogia, se acertar, poderá se tornar o novo líder político da Nação.
* Raul Velloso é consultor econômico
Uma catástrofe anunciada - JOSÉ MÁRCIO CAMARGO
O Estado de S. Paulo - 10/12
Pela primeira vez desde que existem dados confiáveis, a taxa de desemprego nas seis maiores regiões metropolitanas do Brasil (Pesquisa Mensal de Emprego) aumentou no mês de outubro, em relação a setembro do mesmo ano; os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, que cobre todo o território nacional, mostraram aceleração na taxa de desemprego no terceiro trimestre, atingindo 8,9% da força de trabalho; e foram destruídos 170 mil empregos formais no mês de outubro, totalizando quase 1,5 milhão de empregos destruídos em 12 meses. Estes dados são uma amostra da profundidade da contração do mercado de trabalho brasileiro em 2015.
E essa contração está se aprofundando. Em janeiro de 2015, a taxa de desemprego registrou aumento de 0,5 ponto de porcentagem em relação a janeiro de 2014. Essa diferença aumentou sistematicamente ao longo do ano, até atingir 3,2 pontos de porcentagem em outubro de 2015, se comparado a outubro de 2014.
A destruição de empregos formais está aumentando. As médias móveis trimestrais do número de empregos destruídos mostram um comportamento bem mais negativo do que a média dos últimos 12 meses, o que significa que, nos últimos trimestres, estão sendo destruídos mais empregos que nos trimestres anteriores. A relação entre salário de admissão e salário de demissão - um bom antecedente para a taxa de desemprego - está em trajetória de queda.
No primeiro trimestre do ano a taxa de desemprego é sempre maior do que no último trimestre do ano anterior. Mas a reintrodução de impostos sobre a folha de salários, que haviam sido retirados com a desoneração da folha, vai amplificar o efeito sazonal sobre o desemprego e a informalidade em 2016. Ou seja, 2016 será certamente pior do que 2015. Uma taxa de desemprego de dois dígitos não é uma possibilidade, mas uma certeza.
Inflação. Apesar do aumento do desemprego, a taxa de inflação continua a acelerar e caminha para os dois dígitos. E não é uma inflação qualquer. É o resultado da liberação dos preços administrados (combustíveis, energia elétrica, etc.), que foram artificialmente mantidos sob controle nos últimos anos; do descontrole da política fiscal, que fez com que a relação dívida/PIB entrasse em trajetória explosiva, com aumento de 8 pontos de porcentagem ao ano; e de uma política monetária leniente, que permitiu que a inflação de serviços permanecesse em níveis próximos a 9,0% ao ano durante vários anos.
E o processo está apenas começando. O aprofundamento da crise política com a abertura do processo de impeachment; as disputas internas na equipe econômica; a introdução do regime de partilha na exploração do pré-sal e de modicidade tarifária nas concessões de infraestrutura, que levaram ao aumento da corrupção e à queda do investimento privado; a incapacidade do Poder Executivo de propor e aprovar no Congresso Nacional a redução de gastos obrigatórios, inflados nos últimos anos; a quase ausência de gastos voluntários para serem cortados; e a recusa da sociedade de aceitar aumentos da carga tributária geram um impasse que vai manter a política fiscal fora de controle, com déficits primários em 2014, 2015 e em 2016.
O resultado será novo rebaixamento da classificação de risco do País, aumento do prêmio de risco, desvalorização cambial e pressão sobre a taxa de inflação, o que forçará o Banco Central a aumentar as taxas de juros, gerando mais recessão e desemprego. A opção é deixar que a aceleração inflacionária resolva o impasse entre governo e sociedade.
Enfim, trata-se de uma catástrofe social e econômica que vai persistir pelo menos até 2017, no cenário otimista de o governo conseguir retomar o controle do processo político. Uma catástrofe anunciada, construída cuidadosamente por erros de política econômica. Qualquer economista minimamente bem formado seria capaz de prever que estes erros nos levariam ao desastre: recessão, inflação, desemprego, queda dos salários reais, mais desigualdade e pobreza. Em suma, serão 30 anos de retrocesso em 12 anos de governo!
* José Márcio Camargo é professor titular do Departamento de Economia da PUC/Rio e economista da Opus Gestão de Recursos
Pela primeira vez desde que existem dados confiáveis, a taxa de desemprego nas seis maiores regiões metropolitanas do Brasil (Pesquisa Mensal de Emprego) aumentou no mês de outubro, em relação a setembro do mesmo ano; os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, que cobre todo o território nacional, mostraram aceleração na taxa de desemprego no terceiro trimestre, atingindo 8,9% da força de trabalho; e foram destruídos 170 mil empregos formais no mês de outubro, totalizando quase 1,5 milhão de empregos destruídos em 12 meses. Estes dados são uma amostra da profundidade da contração do mercado de trabalho brasileiro em 2015.
E essa contração está se aprofundando. Em janeiro de 2015, a taxa de desemprego registrou aumento de 0,5 ponto de porcentagem em relação a janeiro de 2014. Essa diferença aumentou sistematicamente ao longo do ano, até atingir 3,2 pontos de porcentagem em outubro de 2015, se comparado a outubro de 2014.
A destruição de empregos formais está aumentando. As médias móveis trimestrais do número de empregos destruídos mostram um comportamento bem mais negativo do que a média dos últimos 12 meses, o que significa que, nos últimos trimestres, estão sendo destruídos mais empregos que nos trimestres anteriores. A relação entre salário de admissão e salário de demissão - um bom antecedente para a taxa de desemprego - está em trajetória de queda.
No primeiro trimestre do ano a taxa de desemprego é sempre maior do que no último trimestre do ano anterior. Mas a reintrodução de impostos sobre a folha de salários, que haviam sido retirados com a desoneração da folha, vai amplificar o efeito sazonal sobre o desemprego e a informalidade em 2016. Ou seja, 2016 será certamente pior do que 2015. Uma taxa de desemprego de dois dígitos não é uma possibilidade, mas uma certeza.
Inflação. Apesar do aumento do desemprego, a taxa de inflação continua a acelerar e caminha para os dois dígitos. E não é uma inflação qualquer. É o resultado da liberação dos preços administrados (combustíveis, energia elétrica, etc.), que foram artificialmente mantidos sob controle nos últimos anos; do descontrole da política fiscal, que fez com que a relação dívida/PIB entrasse em trajetória explosiva, com aumento de 8 pontos de porcentagem ao ano; e de uma política monetária leniente, que permitiu que a inflação de serviços permanecesse em níveis próximos a 9,0% ao ano durante vários anos.
E o processo está apenas começando. O aprofundamento da crise política com a abertura do processo de impeachment; as disputas internas na equipe econômica; a introdução do regime de partilha na exploração do pré-sal e de modicidade tarifária nas concessões de infraestrutura, que levaram ao aumento da corrupção e à queda do investimento privado; a incapacidade do Poder Executivo de propor e aprovar no Congresso Nacional a redução de gastos obrigatórios, inflados nos últimos anos; a quase ausência de gastos voluntários para serem cortados; e a recusa da sociedade de aceitar aumentos da carga tributária geram um impasse que vai manter a política fiscal fora de controle, com déficits primários em 2014, 2015 e em 2016.
O resultado será novo rebaixamento da classificação de risco do País, aumento do prêmio de risco, desvalorização cambial e pressão sobre a taxa de inflação, o que forçará o Banco Central a aumentar as taxas de juros, gerando mais recessão e desemprego. A opção é deixar que a aceleração inflacionária resolva o impasse entre governo e sociedade.
Enfim, trata-se de uma catástrofe social e econômica que vai persistir pelo menos até 2017, no cenário otimista de o governo conseguir retomar o controle do processo político. Uma catástrofe anunciada, construída cuidadosamente por erros de política econômica. Qualquer economista minimamente bem formado seria capaz de prever que estes erros nos levariam ao desastre: recessão, inflação, desemprego, queda dos salários reais, mais desigualdade e pobreza. Em suma, serão 30 anos de retrocesso em 12 anos de governo!
* José Márcio Camargo é professor titular do Departamento de Economia da PUC/Rio e economista da Opus Gestão de Recursos
Judicialização extrema - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 10/12
A judicialização do processo político está tão exacerbada que os partidos estão recorrendo ao Supremo Tribunal Federal até mesmo para conseguir vagas na Comissão do impeachment. A ministra Carmem Lucia já havia negado um pedido do deputado federal José Maria Macedo do PSL, para garantir vaga para seu partido na comissão, e ontem o ministro Marco Aurélio recebeu outro desses, agora do Partido da Mulher Brasileira.
Também a disputa pelo comando do Conselho de Ética, que julga o presidente da Câmara Eduardo Cunha por quebra do decoro, está sendo judicializada. O presidente da Câmara entrou no Supremo com uma petição se defendendo do que classifica de tentativas antidemocráticas de tirá-lo do cargo.
Agora ele não se sente perseguido apenas pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, que já foi procurado por diversos deputados pedindo sua ação para impedir que Cunha continue a se utilizar do cargo para intervir nas decisões do Conselho de Ética.
Ontem, o próprio presidente do Conselho, deputado José Carlos Araujo, que vem sendo feito de bobo pelas manobras que os aliados de Cunha promovem para retardar o exame do caso, decidiu aprovar um projeto afastando cautelarmente o presidente da Câmara, enquanto o processo sobre sua cassação tramitar na Casa.
Depois de ter sido ludibriado mais uma vez com a decisão do vice-presidente da Mesa de acatar o pedido de impugnação do relator do Conselho de Ética, seu presidente já nomeou o substituto, e tenta se livrar das ações protelatórias de Cunha e seu grupo.
Esse comportamento vergonhoso do presidente da Câmara está levando ao ridículo a própria Câmara, que não consegue ter um mínimo de respeitabilidade com a negligência da Comissão de Ética, que já adiou cinco vezes o julgamento da admissibilidade do processo contra Cunha.
Sua permanência à frente da Câmara também prejudica o processo de impeachment da presidente Dilma, e mais uma vez a judicialização de uma questão política que tem a ver apenas com a Câmara e com o Senado está tumultuando o andamento do processo. O ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fachin, que suspendeu todos os atos relativos ao impeachment enquanto plenário do STF não decidir questões levantadas pelo PC do B, anunciou que está escrevendo um novo Código do Impeachment, o que é completamente inusitado.
Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, “não podemos criar rito, por que nossa atuação não é normativa. O único ramo da Justiça que tem poder normativo é a Justiça do Trabalho. Nós no Suprem atuamos de forma limitada e temporariamente”.
O rito é o que está na lei, afirma o ministro do Supremo, referindo-se à lei do impeachment em cujo rito baseou-se o processo que retirou o ex-presidente Collor do Poder, em 1992, e agora está sendo usado pela Câmara. Se já existe uma lei em vigor, por que criar outra?.
A disposição revelada pelo ministro Fachin, que vai além das questões levantadas pelo partido governista que impetrou a ação no Supremo, está preocupando até mesmo alguns de seus colegas. Fachin, no entanto, sinaliza que todos os atos até agora aprovados pela Câmara, até mesmo a formação da Comissão pelo voto secreto, estão mantidos.
O que está em discussão é se a escolha dos membros da Comissão deveria ter sido feita pelo voto secreto, e há juízes que não vêem nessa questão um problema constitucional, mas sim uma escolha interna corporis que não pode ser resolvida por outro Poder.
Alguns juristas, no entanto, como o ex-presidente do STF Ayres Britto, consideram que o tema é tão delicado e importante para a democracia que não pode ser tratado como uma questão interna do Congresso. Para que não haja nenhuma dúvida com relação ao cumprimento das regras constitucionais, Ayres Britto defende que a escolha da Comissão seja feita por voto aberto, até mesmo para evitar que as decisões sejam atribuídas a manobras do presidente da Câmara.
De qualquer maneira, não parece ser tarefa do Supremo Tribunal Federal definir as regras que a Câmara deve seguir nesse processo, que é definido por uma legislação que está em vigor desde 1950.
A judicialização do processo político está tão exacerbada que os partidos estão recorrendo ao Supremo Tribunal Federal até mesmo para conseguir vagas na Comissão do impeachment. A ministra Carmem Lucia já havia negado um pedido do deputado federal José Maria Macedo do PSL, para garantir vaga para seu partido na comissão, e ontem o ministro Marco Aurélio recebeu outro desses, agora do Partido da Mulher Brasileira.
Também a disputa pelo comando do Conselho de Ética, que julga o presidente da Câmara Eduardo Cunha por quebra do decoro, está sendo judicializada. O presidente da Câmara entrou no Supremo com uma petição se defendendo do que classifica de tentativas antidemocráticas de tirá-lo do cargo.
Agora ele não se sente perseguido apenas pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, que já foi procurado por diversos deputados pedindo sua ação para impedir que Cunha continue a se utilizar do cargo para intervir nas decisões do Conselho de Ética.
Ontem, o próprio presidente do Conselho, deputado José Carlos Araujo, que vem sendo feito de bobo pelas manobras que os aliados de Cunha promovem para retardar o exame do caso, decidiu aprovar um projeto afastando cautelarmente o presidente da Câmara, enquanto o processo sobre sua cassação tramitar na Casa.
Depois de ter sido ludibriado mais uma vez com a decisão do vice-presidente da Mesa de acatar o pedido de impugnação do relator do Conselho de Ética, seu presidente já nomeou o substituto, e tenta se livrar das ações protelatórias de Cunha e seu grupo.
Esse comportamento vergonhoso do presidente da Câmara está levando ao ridículo a própria Câmara, que não consegue ter um mínimo de respeitabilidade com a negligência da Comissão de Ética, que já adiou cinco vezes o julgamento da admissibilidade do processo contra Cunha.
Sua permanência à frente da Câmara também prejudica o processo de impeachment da presidente Dilma, e mais uma vez a judicialização de uma questão política que tem a ver apenas com a Câmara e com o Senado está tumultuando o andamento do processo. O ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fachin, que suspendeu todos os atos relativos ao impeachment enquanto plenário do STF não decidir questões levantadas pelo PC do B, anunciou que está escrevendo um novo Código do Impeachment, o que é completamente inusitado.
Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, “não podemos criar rito, por que nossa atuação não é normativa. O único ramo da Justiça que tem poder normativo é a Justiça do Trabalho. Nós no Suprem atuamos de forma limitada e temporariamente”.
O rito é o que está na lei, afirma o ministro do Supremo, referindo-se à lei do impeachment em cujo rito baseou-se o processo que retirou o ex-presidente Collor do Poder, em 1992, e agora está sendo usado pela Câmara. Se já existe uma lei em vigor, por que criar outra?.
A disposição revelada pelo ministro Fachin, que vai além das questões levantadas pelo partido governista que impetrou a ação no Supremo, está preocupando até mesmo alguns de seus colegas. Fachin, no entanto, sinaliza que todos os atos até agora aprovados pela Câmara, até mesmo a formação da Comissão pelo voto secreto, estão mantidos.
O que está em discussão é se a escolha dos membros da Comissão deveria ter sido feita pelo voto secreto, e há juízes que não vêem nessa questão um problema constitucional, mas sim uma escolha interna corporis que não pode ser resolvida por outro Poder.
Alguns juristas, no entanto, como o ex-presidente do STF Ayres Britto, consideram que o tema é tão delicado e importante para a democracia que não pode ser tratado como uma questão interna do Congresso. Para que não haja nenhuma dúvida com relação ao cumprimento das regras constitucionais, Ayres Britto defende que a escolha da Comissão seja feita por voto aberto, até mesmo para evitar que as decisões sejam atribuídas a manobras do presidente da Câmara.
De qualquer maneira, não parece ser tarefa do Supremo Tribunal Federal definir as regras que a Câmara deve seguir nesse processo, que é definido por uma legislação que está em vigor desde 1950.
Uma escolha e duas tragédias - JOSÉ SERRA
ESTADÃO - 10/12
“Há duas tragédias na vida. A primeira é não obter o que seu coração mais deseja. A segunda é obter”
G. Bernard Shaw
Não há como deixar de abordar os dois temas que desassossegam a opinião pública: a crise econômica e o impeachment. A atual crise econômica é a pior que já tivemos no Brasil contemporâneo. A previsão de queda do PIB acumulado em 2015-16 é de pelo menos 6,5%; no período serão destruídos cerca de 3 milhões de empregos com carteira assinada. A contração dos investimentos no triênio 2014-16, prevê-se, será de 30%! A queda da produção industrial, de cerca de 18%. Some-se ainda nessa equação uma inflação superior a 10% ao ano.
Entre parênteses, a participação da indústria no PIB voltou ao nível de meados dos anos 1940. A marcha de desindustrialização segue em frente, promovida pelos governos petistas. Não me parece injusto repetir o que já disse no Senado: o PT é a vanguarda do atraso.
Em relação às finanças públicas, a situação é desesperadora: em 2015 o déficit nominal saltou para 10,5% do PIB, vindo de 6,2% em 2014. Em dinheiro: de R$ 344 bilhões para R$ 630 bilhões! A despesa com juros aumentou R$ 200 bilhões.
A responsabilidade original por esse desastre cabe ao ex-presidente Lula, que em seu segundo mandato jogou fora os frutos da bonança externa. Entre 2002 e 2008 o País ganhou U$ 100 bilhões por conta da melhora de preços do nosso comércio exterior, mas isso literalmente foi torrado em bens de consumo importados, turismo externo e expansão alucinada dos gastos correntes do governo.
Foi Lula, nesse período, que consagrou a filosofia macunaímica que plasma a alma petista: “Investimento? Produtividade? Ai, que preguiça!”. A economia seria como uma clara de ovo, que basta chacoalhar para crescer. “Emagreça comendo, exercite-se deitado, aprenda inglês dormindo.” Resultado: no final do segundo governo Lula o Brasil tinha uma taxa de câmbio supervalorizada, a maior carga tributária entre os emergentes, déficit em conta corrente em rápida ascensão e era um dos cinco países entre os emergentes que menos investiam em infraestrutura (em proporção do PIB).
Sob a Presidência de Dilma, a farra foi perdendo fôlego: fim da bonança externa, piora da situação fiscal e incapacidade do petismo – e do governo, em particular – de lidar com a economia em declínio. Um erro antológico foi a desoneração previdenciária das folhas de salário, empinando o déficit fiscal sem aumentar os investimentos desses setores. Sua inépcia e sua má ideologia tornaram inviável o aumento da presença do setor privado nos investimentos de infraestrutura. Mais ainda, o governo capitaneou os investimentos megalomaníacos e mal feitos da Petrobrás e promoveu contenção eleitoreira dos preços administrados de energia elétrica e combustíveis, criando desequilíbrios que depois da eleição de 2014 levariam ao estouro da inflação e à contração da economia/emprego.
Dilma começou seu segundo mandato sem aquele mínimo crédito de confiança necessário a um novo governo num contexto de crise. Tudo só piorou ao longo do ano: produção, emprego, contas fiscais e sustentação no Congresso – esta altamente correlacionada com a perda de popularidade da presidente.
Outro fator negativo foi a deterioração das políticas sociais, com destaque para o atendimento à saúde, hoje a segunda maior aflição das pessoas, depois da corrupção. O setor já vinha sofrendo danos na era petista: má gestão, falta de prioridades, surtos de corrupção. O desabamento da arrecadação da União, assim como dos Estados e municípios, que têm participação dominante no SUS, representou um golpe fatal para o setor ao longo de 2015.
Na economia, a contrapartida da rejeição popular foram as expectativas pessimistas dos agentes econômicos, que se retroalimentam numa espiral negativa. De um lado, não se investe por causa dessas expectativas. Do outro, a contração dos investimentos e do gasto privado piora a situação econômica. Hoje ninguém acredita que Dilma tenha ou venha a ter capacidade para enfrentar a crise.
O quadro econômico, social e político é o pano de fundo do juízo político que a Câmara fará ao admitir ou não as acusações de crime de responsabilidade contra a presidente, bem como do julgamento do Senado, caso a Câmara admita as acusações. Ou seja, a matéria irá além da simples qualificação jurídica. Diz respeito, também, a uma crise política de sérios contornos.
O Congresso deve trabalhar para que o processo do impeachment ande sem delongas, de maneira séria, e seja concluído o quanto antes.
O lulopetismo já naufragou. Estamos na transição para outro ciclo político e vivemos, por isso, o pior dos mundos: o velho se foi e o novo ainda não surgiu. Uma fase especialmente mórbida da História brasileira.
Se o impeachment ocorrer, o day after está esboçado: assume o vice-presidente Michel Temer, que se empenhará em formar um governo de união nacional para restabelecer a estabilidade política e enfrentar a crise.
Se não houver o impeachment, realiza-se o que o coração da presidente Dilma mais deseja: sua continuidade no cargo, mesmo que seja por um número pequeno de votos. O mínimo é de 171 deputados, mas digamos que obtenha 200...
O governo Dilma permanecerá sem crédito de confiança e sem sustentação política, sem levar em conta sua carência crônica de aptidão administrativa e sua alienação sobre o que deve ser feito. O day after será a reiteração enjoativa do pesadelo que experimentamos em vigília.
A tragédia 1, que terá sido evitada para Dilma, dará lugar à tragédia 2: o prolongamento do retrocesso mórbido e desestabilizador, com Dilma no centro de tudo.
É hora de a presidente encarar as duas tragédias que a espreitam: salvar-se, mantendo o País acorrentado na desesperança; ou deixar o mandato, criando a possibilidade de que o Brasil, com alguma sorte e juízo de suas lideranças, consiga retomar os caminhos do desenvolvimento.
G. Bernard Shaw
Não há como deixar de abordar os dois temas que desassossegam a opinião pública: a crise econômica e o impeachment. A atual crise econômica é a pior que já tivemos no Brasil contemporâneo. A previsão de queda do PIB acumulado em 2015-16 é de pelo menos 6,5%; no período serão destruídos cerca de 3 milhões de empregos com carteira assinada. A contração dos investimentos no triênio 2014-16, prevê-se, será de 30%! A queda da produção industrial, de cerca de 18%. Some-se ainda nessa equação uma inflação superior a 10% ao ano.
Entre parênteses, a participação da indústria no PIB voltou ao nível de meados dos anos 1940. A marcha de desindustrialização segue em frente, promovida pelos governos petistas. Não me parece injusto repetir o que já disse no Senado: o PT é a vanguarda do atraso.
Em relação às finanças públicas, a situação é desesperadora: em 2015 o déficit nominal saltou para 10,5% do PIB, vindo de 6,2% em 2014. Em dinheiro: de R$ 344 bilhões para R$ 630 bilhões! A despesa com juros aumentou R$ 200 bilhões.
A responsabilidade original por esse desastre cabe ao ex-presidente Lula, que em seu segundo mandato jogou fora os frutos da bonança externa. Entre 2002 e 2008 o País ganhou U$ 100 bilhões por conta da melhora de preços do nosso comércio exterior, mas isso literalmente foi torrado em bens de consumo importados, turismo externo e expansão alucinada dos gastos correntes do governo.
Foi Lula, nesse período, que consagrou a filosofia macunaímica que plasma a alma petista: “Investimento? Produtividade? Ai, que preguiça!”. A economia seria como uma clara de ovo, que basta chacoalhar para crescer. “Emagreça comendo, exercite-se deitado, aprenda inglês dormindo.” Resultado: no final do segundo governo Lula o Brasil tinha uma taxa de câmbio supervalorizada, a maior carga tributária entre os emergentes, déficit em conta corrente em rápida ascensão e era um dos cinco países entre os emergentes que menos investiam em infraestrutura (em proporção do PIB).
Sob a Presidência de Dilma, a farra foi perdendo fôlego: fim da bonança externa, piora da situação fiscal e incapacidade do petismo – e do governo, em particular – de lidar com a economia em declínio. Um erro antológico foi a desoneração previdenciária das folhas de salário, empinando o déficit fiscal sem aumentar os investimentos desses setores. Sua inépcia e sua má ideologia tornaram inviável o aumento da presença do setor privado nos investimentos de infraestrutura. Mais ainda, o governo capitaneou os investimentos megalomaníacos e mal feitos da Petrobrás e promoveu contenção eleitoreira dos preços administrados de energia elétrica e combustíveis, criando desequilíbrios que depois da eleição de 2014 levariam ao estouro da inflação e à contração da economia/emprego.
Dilma começou seu segundo mandato sem aquele mínimo crédito de confiança necessário a um novo governo num contexto de crise. Tudo só piorou ao longo do ano: produção, emprego, contas fiscais e sustentação no Congresso – esta altamente correlacionada com a perda de popularidade da presidente.
Outro fator negativo foi a deterioração das políticas sociais, com destaque para o atendimento à saúde, hoje a segunda maior aflição das pessoas, depois da corrupção. O setor já vinha sofrendo danos na era petista: má gestão, falta de prioridades, surtos de corrupção. O desabamento da arrecadação da União, assim como dos Estados e municípios, que têm participação dominante no SUS, representou um golpe fatal para o setor ao longo de 2015.
Na economia, a contrapartida da rejeição popular foram as expectativas pessimistas dos agentes econômicos, que se retroalimentam numa espiral negativa. De um lado, não se investe por causa dessas expectativas. Do outro, a contração dos investimentos e do gasto privado piora a situação econômica. Hoje ninguém acredita que Dilma tenha ou venha a ter capacidade para enfrentar a crise.
O quadro econômico, social e político é o pano de fundo do juízo político que a Câmara fará ao admitir ou não as acusações de crime de responsabilidade contra a presidente, bem como do julgamento do Senado, caso a Câmara admita as acusações. Ou seja, a matéria irá além da simples qualificação jurídica. Diz respeito, também, a uma crise política de sérios contornos.
O Congresso deve trabalhar para que o processo do impeachment ande sem delongas, de maneira séria, e seja concluído o quanto antes.
O lulopetismo já naufragou. Estamos na transição para outro ciclo político e vivemos, por isso, o pior dos mundos: o velho se foi e o novo ainda não surgiu. Uma fase especialmente mórbida da História brasileira.
Se o impeachment ocorrer, o day after está esboçado: assume o vice-presidente Michel Temer, que se empenhará em formar um governo de união nacional para restabelecer a estabilidade política e enfrentar a crise.
Se não houver o impeachment, realiza-se o que o coração da presidente Dilma mais deseja: sua continuidade no cargo, mesmo que seja por um número pequeno de votos. O mínimo é de 171 deputados, mas digamos que obtenha 200...
O governo Dilma permanecerá sem crédito de confiança e sem sustentação política, sem levar em conta sua carência crônica de aptidão administrativa e sua alienação sobre o que deve ser feito. O day after será a reiteração enjoativa do pesadelo que experimentamos em vigília.
A tragédia 1, que terá sido evitada para Dilma, dará lugar à tragédia 2: o prolongamento do retrocesso mórbido e desestabilizador, com Dilma no centro de tudo.
É hora de a presidente encarar as duas tragédias que a espreitam: salvar-se, mantendo o País acorrentado na desesperança; ou deixar o mandato, criando a possibilidade de que o Brasil, com alguma sorte e juízo de suas lideranças, consiga retomar os caminhos do desenvolvimento.