segunda-feira, dezembro 07, 2015

O ano de 2016 já nasce sob o signo da incerteza - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

VALOR ECONÔMICO - 07/12
A Câmara dos Deputados deverá instalar nesta semana a Comissão Especial destinada a analisar o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, apresentado pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. A instalação parece inevitável, pois os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) dão sinais de que não vão interromper o processo, podendo se manifestar apenas em questões de procedimento. Assim, serão "juízes do jogo".

Este processo torna ainda mais imprevisível o cenário político do país, pois certamente vai inflamar a sociedade brasileira, despertando manifestações populares contrárias e favoráveis ao longo das próximas semanas. Enfrentamentos e choques mais sérios não podem ser descartados. O calor dessa disputa dificultará a obtenção de um consenso mínimo que permita encaminhar, pelo menos no curto prazo, as soluções para os graves problemas que o Brasil enfrenta atualmente. Há também o risco, que precisa ser considerado, de que o processo de impeachment termine aprofundando a divisão da sociedade brasileira.

O trágico da situação é que ela reforça o desânimo que, infelizmente, parece ter tomado conta do empresariado brasileiro. Os dados divulgados recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a atividade econômica está em forte retração. A crise atinge todos os setores. A renda das famílias está em queda, os investimentos estão despencando e o desemprego entrou em uma espiral altista.

Os dados dão razão ao ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, quando disse à colunista Claudia Safatle, deste jornal, que "a economia está um bagaço". O próprio ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em teleconferência com investidores na semana passada, admitiu que 2016 não será fácil. Ele alertou que provavelmente serão identificados problemas no mercado de trabalho. As previsões do mercado são de que o desemprego atingirá de 10% a 12% da força de trabalho.

O principal desafio que está colocado ao governo é procurar interromper esse ciclo recessivo, evitando que ele se prolongue por mais tempo. Há previsões de analistas do mercado de que ele poderá durar mais dois anos, com o crescimento sendo retomado apenas em 2018. Para que o governo tenha êxito nessa empreitada, não há alternativa: é preciso obter um ajuste nas contas da União que garanta a sustentabilidade da dívida pública.

O problema é que não há, até agora, sinal de que o governo conseguirá aprovar no Congresso algo que possa ser considerado um ajuste factível. Assim, o que o ministro da Fazenda mais temia parece que irá se concretizar. Em recente entrevista ao Valor, Levy alertou para o fato de que o Brasil não pode ingressar em 2016 sem uma estratégia fiscal clara e definida. Se isso acontecer, o ministro acha que não será possível evitar a continuidade da recessão econômica no próximo ano. A aprovação de um Orçamento com superávit primário de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) é peça central dessa estratégia.

Na semana passada, a Comissão Mista de Orçamento do Congresso aprovou o parecer preliminar do relator da proposta orçamentária, deputado Ricardo Barros. No parecer, Barros indicou que ainda faltam R$ 10,4 bilhões para que a meta fiscal de 2016 seja alcançada. O "buraco" apareceu mesmo com o relator colocando nas contas uma previsão de R$ 10,15 bilhões com a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Há, é bom lembrar, pequenas vitórias do governo. A principal delas é a inclusão da CPMF entre as receitas do próximo ano pela Comissão Mista de Orçamento. Mas isso não garante a aprovação da proposta de emenda constitucional que recria este tributo. Ela sequer foi analisada pela Câmara dos Deputados e é muito provável que a proposta não avance até o fim deste ano, em virtude do clima político que resultou do acolhimento do pedido de abertura do processo de impeachment.

O pedido que deve ser feito às lideranças partidárias é para que conduzam a análise do pedido de afastamento da presidente da República sem prejudicar a aprovação das medidas que garantam o equilíbrio das contas públicas. Este comportamento será uma demonstração de compromisso com o futuro do país.

Podridão e esperança - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O ESTADÃO - 07/12

A política brasileira está podre. Ela é movida a dinheiro e poder. “Dinheiro compra poder, e poder é uma ferramenta poderosa para se obter dinheiro. É disso que se trata as eleições: o poder arrecada o dinheiro que vai alçar os candidatos ao poder. Saiba que você não faz diferença alguma quando aperta o botão verde da urna eletrônica para apoiar aquele candidato oposicionista que, quem sabe, possa virar o jogo. No Brasil, não importa o Estado, a única coisa que vira o jogo é uma avalanche de dinheiro. O jogo é comprado, vence quem paga mais”. Assustador o dignóstico que o juiz Márlon Reis faz da política brasileira. Conhecido por ter sido um dos mais vibrantes articuladores da coleta de assinaturas para o projeto popular que resultou na Lei da Ficha Limpa, foi o primeiro magistrado a impor aos candidatos a prefeito e a verador revelar os nomes dos financiadores de suas campanhas antes da data da eleição. Seu livro Nobre deputado: Relato chocante (e Verdadeiro) de Como Nasce, Cresce e se Perpetua um Corrupto na Política Brasileira, editora LeYa, 2014, merece uma reflexão.

A radiografia do juiz, infelizmente, vai sendo poderosamente confirmada pelas revelações feitas pela Operação Lava Jato. Em resumo, amigo leitor, durante os governos petistas, ancorados num ambicioso projeto de perpetuação no poder, os contratos da maior empresa brasileira com grandes empreiteiras eram usados como fonte de propina para partidos e políticos. Dá para entender as razões da vergonhosa crise da Petrobrás -pilhagem, saque, banditismo, estratégia hegemômica-, que atinge em cheio os governos de Dilma Rousseff e Lula.

O escândalo da Petrobrás, pequena amostragem do que ainda pode aparecer, é a ponta do iceberg de algo mais profundo: o sistema eleitoral brasileiro está bichado e só será reformado se a sociedade pressionar para valer. Hoje, teoricamente, as eleições são livres, embora o resultado seja bastante previsível. Não se elegem os melhores, mas os que têm mais dinheiro para financiar campanhas sofisticadas e milionárias. Empresas investem nos candidatos sem qualquer idealismo. É negócio. Espera-se retorno do investimento. A máquina de fazer dinheiro para perpetuar o poder tem engrenagens bem conhecidas no mundo político: emendas parlamentares, convênios fajutos e licitações com cartas marcadas.

Recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reduzindo a indecorosa promiscuidade entre empresas e candidatos foi um passo importante. Mas a criatividade da bandidagem não tem limites. Impõe-se permanente vigilância das instituições.

O Brasil depende - e muito - da qualidade da sua imprensa e da coerência ética de todos nós. Podemos virar o jogo. Acreditemos no Brasil e na democracia.

Destruição do cenário - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 07/12

RIO DE JANEIRO - Na semana passada, em visita ao Jardim Botânico, um turista com dificuldade de locomoção aceitou uma cadeira de rodas que um funcionário lhe ofereceu para que ele melhor percorresse aquela maravilha. Gostou tanto que, na saída, "esqueceu-se" de devolver a cadeira e saiu com ela alegremente pela rua. Ao ser apanhado lá na frente, alegou que ia usá-la para visitar outros pontos turísticos do Rio —talvez o pico das Agulhas Negras ou o Dedo de Deus.

Em São Paulo, quase ao mesmo tempo, um homem vestido de Papai Noel contratou um helicóptero no Campo de Marte para levá-lo ao sítio Recanto dos Covardes, em Mairinque, a 70 km da capital. Lá, com a ajuda de um cúmplice, rendeu, amarrou e amordaçou o piloto, abandonou-o e zarpou com a aeronave para rumo até agora incerto. Para trás ficaram a barba e os óculos de Papai Noel. Sequestraram o helicóptero para transportar drogas.

Pesquisa recente feita por um instituto revelou que, para 34% da população, a corrupção é o principal problema do país. É a primeira vez que esse câncer atinge tal visibilidade nacional. A sensação é a de que não há um setor que não esteja envolvido em desvios, propinas, falcatruas e todo tipo de irregularidades —das estatais ao futebol, das empreiteiras à saúde, do governo aos seus amigos. E agora surgem esse Papai Noel e o ladrão de cadeira de rodas.

Mas há razões para otimismo. A primeira é a consciência que se espraia sobre a existência da corrupção. A segunda é que o abscesso está mais perto de estourar —podendo espirrar até sobre quem se acha magnificamente a salvo.

Nos antigos filmes seriados da Republic nos anos 40, como "A Adaga de Salomão" ou "Os Tambores de Fu Manchu", a graça estava em que, a cada briga, o cenário era destruído. Resta ver se o Brasil aguenta ser esse cenário.

A 'virtude' da covardia - LUIZ FELIPE PONDÉ

Folha de SP - 07/12
Você se considera alguém de coragem? Claro que sim! Quem, nesse mundo de Deus, ou sem Deus, teria coragem de dizer "Não sou corajoso, sou um covarde, graças a Deus"? Ironia?

Somos uns mentirosos. A covardia, e não a coragem, é a marca de nossa humanidade. Sim, eu sei. Os bonitinhos de plantão nesta segunda-feira, 7 de dezembro, dirão que deliro e que eles são a fina flor da coragem no mundo. Mentem. No escuro, lambem botas por aí. Mentem porque a mentira faz bem à saúde social. Logo, socialmente falando, faltar com a mentira é uma forma de patologia.

Sou um apaixonado pelo evolucionismo. Antes de tudo, por ser uma espécie de ópera humana: o darwinismo descreve a história do homem como um drama em que o pó toma consciência de si mesmo. Nós somos o pó clamando no deserto. Sou um darwinista por razões estéticas, antes de tudo.

É comum se falar da virtude da coragem como sendo algo "selecionado" pela evolução das espécies, mas cada vez mais tenho dúvidas quanto a isso. Pelo contrário, acho que a covardia é que foi selecionada como comportamento. Veja que machos e fêmeas alfa são raros. A maioria esmagadora prefere servir –seja lá a quem for– e, assim, garantir a janta todo dia. Pudera: quem aguenta sofrer?

E aqui, me parece, jaz a razão da covardia ser a maior de todas as "virtudes" morais na história da seleção da espécie humana: o sofrimento é insuportável, logo, o utilitarismo e sua máxima "o homem foge da dor e busca o bem-estar" é uma das provas cabais desta minha tese de segunda-feira, dia 7 de dezembro (está chegando o Natal...). O utilitarismo é a escola ética que prova que o homem é um covarde por excelência. Graças à covardia, sobrevivemos.

Mais do que isso. Gostamos de ver os corajosos sangrarem porque assim nos sentimos bem com nossa "escolha" pela covardia. Parênteses: na realidade, não acho que seja escolha, assim como não acho que exista escolha em nada de intrínseco na vida. Não se escolhe sexualidade, caráter, dons artísticos. O leitor atento sabe há muito tempo que, na verdade, sou um romântico exilado no mundo da eficácia burguesa. A gente se vira como pode.

O filme "A Salvação" (2014) do dinamarquês Kristian Levring (um dos caras que assinou o documento Dogma 95), com Mads Mikkelsen e Eva Green, é uma obra-prima de western. Quem gosta do gênero western sabe que se trata, quando o filme é bom, sempre de um "tratado moral". A vastidão do oeste americano no cinema é a transposição para a geografia do vazio moral humano.

O filme mostra a violência que criou a riqueza do oeste americano. Da violência "moderna" das empresas que descobriram o petróleo aos índios cortando língua de mulheres pelo gosto de fazê-lo. Sim, sim, eu sei que os bonitinhos, que acham que um mundo governado por índios seria o paraíso na Terra, ficarão ofendidinhos comigo, mas pouco me importa o que eles pensam. Os ofendidinhos são uma praga a devastar o mundo do pensamento público neste início do século 21.

A violência na pequena cidade em que se passa o filme também assola o ministro religioso, o banqueiro, o xerife, e a mais simpática e indefesa das imigrantes hispânicas. Ou melhor: é a covardia que assola a pequena cidade. Se o filme ficasse apenas na violência, seria mais comum. O filme mostra como a covardia se revela no seu modo adaptado e miserável de sobreviver.

Num dado momento do filme (não vou dar spoiler), o xerife, um tal de Mallick, diz para o Jon (Mikkelsen): "Agora só restaram boas almas aqui". Na verdade, bons cidadãos covardes. Mas quem é esse xerife? É o mesmo que negocia "a paz" com o malvado da história (Mr. Delarue), dando pessoas para ele matar, "para ganhar mais algum tempo de paz" para os bons cidadãos. E quem enfrentar o malvado estará sozinho na empreitada. Os "bons cidadãos" não estão nem aí para os corajosos.

Pergunto eu, para animar sua segunda-feira: caso você vivesse num regime totalitário, tipo nazismo ou socialismo, e seu filho pudesse arrumar um bom emprego às custas de apoiar o regime, o que você "escolheria"?

Quanto tempo mais suportaremos? - ANTENOR BARROS LEAL

O GLOBO - 07/12

Não podemos continuar dirigidos por quem se esconda do povo, por quem não pode andar livremente, por quem não pode falar à nação, com medo das reações populares

“Não é proibido iludir o povo. É apenas cruel”. Roberto Campos

Até quando? Esta é a pergunta mais repetida hoje nas bocas assustadas do povo brasileiro.

Até quando vamos ver as greves se repetirem irresponsavelmente, principalmente na área educacional, deixando milhares de estudantes sem aulas e sem futuro?

Até quando vamos ver lamentáveis manchetes citando políticos e seus asseclas metidos até o rabo no emaranhado do dinheiro público?

Até quando temos que ouvir detalhes escabrosos de operações financeiras realizadas sob o beneplácito dos funcionários de “paraempresas” estatais, sem qualquer preocupação com seus acionistas, seus verdadeiros patrões ou o futuro das mesmas?

Até quando vamos ter que engolir mentiras ditas apenas para ganhar uma eleição, jogando o país na mais grave crise de sua história?

Até quando vamos ter que conviver com entidades empresariais e de trabalhadores presididas por aproveitadores, prontos a servir a qualquer governo, desde que o “deles” seja mantido?

Até quando nosso futuro estará em mãos de pessoas que perderam nossa confiança e que não nos oferecem qualquer tipo de esperança?

Até quando a inflação, destruidora do equilíbrio da sociedade, vai corroer os ganhos, principalmente dos mais pobres, obtidos com imensos esforços no passado recente, para termos uma moeda, noção de preços, salários justos e capacidade de planejar?

Até quando as punições aos criminosos se traduzirão apenas pelo vigor das manchetes e esquecidas pela ferocidade do tempo?

Até quando o país suportará o desprestígio internacional de ser alinhado entre os piores em tudo?

Até quando o cidadão comum terá que permanecer em casa, amedrontado com a violência sem fim, tendo medo de não ter futuro?

Até quando o Brasil continuará a ser ameaçado pelas instituições de rating pelo seu descaso absoluto com as contas públicas, com o desrespeito aos bons costumes e práticas econômicas?

Até quando os nossos jovens continuarão a pensar em deixar o seu torrão para se aventurar em outras terras?

Até quando nos envergonharemos de ser brasileiros com letras minúsculas, quando temos tudo para tornar este país digno, muito digno, de seus filhos?

É preciso parar com tudo isto que está por aí infelicitando a vida das pessoas. É preciso que o Brasil volte a trabalhar com afinco. É preciso que o governos — todos eles — parem de gastar sem respeitar os limites razoáveis da economia. Não se edifica uma nação sobre o terreno lodoso da irresponsabilidade.

O Brasil necessita, com urgência patriótica, de alguém que dê esperança. Quem já esta no poder, que a obtenha de imediato, como condição de permanência, e mostre caminho seguro. E transmita confiança. E que tenha compromisso com a verdade. E que seja ouvido com respeito, sem que as panelas sirvam apenas de ecos de agudos lamentos. Não podemos continuar dirigidos por quem se esconda do povo, por quem não pode andar livremente, por quem não pode falar à nação, amedrontado com as reações populares.

A alternativa para uma rápida solução, tipo busca de “salvador da pátria”, será um fim trágico para um país tão grandioso e um povo de coração e mente bondosos. Será o desfecho imaginado pelos canalhas, festejado pelos incompetentes e desonestos e lamentado pelos de boa índole.

Se as eleições não foram transparentes, se a mentira destronou a verdade, se os enganadores marqueteiros “ganharam”, devemos dar ao povo o direito de escolha, de determinar quem deve governar, para garantir um porvir decente para todos. No parlamentarismo, um voto de desconfiança muda o governo. No presidencialismo, as tentativas de tentar evitar mudanças radicais são enfrentadas com mais verbas, trocas de favores, nomeações de qualquer apadrinhado. E o país que pague.

Que exemplo estamos dando à nossa juventude? Basta de diagnósticos. Ou rapidamente voltamos ao trabalho ou estamos, mais uma vez, destinados à mediocridade.

Antenor Barros Leal é empresário e foi presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro

Escorpiões na garrafa - PAULO DELGADO

O GLOBO - 07/12

O Senhor, vendo Dilma, Cunha e Lula considerarem irrelevantes os falsos milagres e só se preocuparem um com o outro, lavou as mãos

Ele insiste que as vacas estão produzindo bezerros. Acha uma provocação a riqueza civilizada dos grandes frigoríficos ser associada ao ambiente grosseiro da política. Fica chocado de não poder decifrar a fábula dessa ficção em que o poder das trevas distribui o mel junto com a chave do cárcere onde recolhe as abelhas.

— Mas ninguém será acusado do pecado imperdoável que é levar pobreza à família — disse o delegado.

— É inútil governar um país onde o poderoso se vangloria de usufruir da extravagância do governante — disse ele, fazendo boa cara à má fortuna.

Eu já tenho o amigo. Me falta o delito adequado a ele, dissimulava a culpa com humor negro, seguro que o mal se faz mais rápido do que o bem. A libido recalcada pela devassidão da política sem futuro se libera pelo horror ao compromisso. Eles choram para esconder desejos; riem quando dão de cara com a realidade. O labirinto da paixão faz mais sucesso que a linha reta da reflexão. São escorpiões na garrafa, obcecados em ferir a verdade. Emocionalmente desequipados para a crítica, possuem critério próprio de vergonha.

A saciedade e a abundância imerecida extenuam mais do que a miséria. Época do temperamento ardoroso, usado como desculpa para atribuir à política a responsabilidade de precisar agir contra a consciência. Como o líder se põe em alta conta quando vence, vai em frente até ficar só e em má companhia. Nação de desconfiança e imediatismo, tudo neste período é a impressão individual de um dia.

Mestre da afobação comodista só entende a lealdade como uma fila de agachados. Surpreso pelo amigo não morrer do veneno que engoliu, quando caiu, chutou sua cabeça. E pulou carniça mais uma vez...

Diante disso, não conte comigo para perder meu gado. Tudo que eu fiz me foi pedido. Inseminação artificial sempre fez minha fortuna. Sozinho, o touro não garante escala. Quem você acha que é o touro? Mas a tradição que ouvi de vocês é encorajar o oprimido a se erguer contra o opressor, discordar dele, dar, pelo confronto, o empurrãozinho que o põe para frente. O criador de bois, encurralado, e na companhia de outras histórias pouco inspiradoras — como o amigo banqueiro que pasteuriza nos Alpes o suco dos laranjais regionais — emocionado, implorou:

— Se Deus estiver de acordo com isso, que minhas vacas morram.

Imediatamente, foram lançados milagres em direção ao campo, bezerros nasceram empacotados, dinheiro sujo de óleo e minério lambuzou a terra.

O Senhor, vendo Dilma, Cunha e Lula considerarem irrelevantes os falsos milagres e só se preocuparem um com o outro, lavou as mãos. Parecem servos atrevidos dispostos a mandar no Meu juízo! Achou estranho navio construído com cimento, ter mais carro do que rua, dinheiro voador, falar uma coisa e fazer outra, cavar tão fundo o mar. Deu de ombros e deixou escapar:

— Engraçado, o mais importante não pede desculpa e ainda por cima se acha melhor do que Eu.

Certo que, no Brasil, o fim dos prodígios ainda não é o fim, o próprio Deus largou para lá.

Paulo Delgado é sociólogo

Terceira via - PAULO GUEDES

O GLOBO - 07/12

Encurralada entre a ‘collorização’ e a ‘sarneyzação’, resta à presidente atravessar ‘uma ponte para o futuro’ com a bandeira da reforma política

O míssil do impeachment foi finalmente disparado por um presidente da Câmara de Deputados que está também ameaçado de perder seu mandato. Apesar da deflagração do processo, os mais experientes oposicionistas sabem que um impeachment agora transformaria o PT em oposição antes de seu dilaceramento nas urnas. Preferem por isso retardar suas etapas, deixando encorpar ainda mais a indignação popular com a corrupção e o aprofundamento da recessão. Apostam no enfraquecimento político dos governistas em meio ao mar de lama das investigações, que podem atingir também a cúpula dos situacionistas. Mas o que vai mesmo incendiar a opinião pública é o emergente desemprego em massa. A tentativa de impedimento da presidente por irresponsabilidade fiscal ou desgoverno ético configura o cenário de “collorização” do segundo mandato de Dilma.

Um cenário alternativo, cada vez menos provável, seria a “sarneyzação” do mandato, por meio do fisiologismo do Legislativo e da cumplicidade do Judiciário, essência da velha política. As promessas de cargos e verbas para cooptação do baixo clero do PMDB e o fatiamento das investigações do “Petrolão” tiveram fôlego curto. Funcionam cada vez menos as práticas fisiológicas do Legislativo e as manobras de abafamento das investigações e de influência sobre o julgamento no Judiciário, sugestões das velhas raposas peemedebistas a Lula que teriam sido repassadas a Dilma. Um senador foi fulminado em pleno mandato quando gravado em ação e, à medida que as investigações atinjam finalmente os parlamentares, essas práticas anacrônicas e desmoralizantes terão custos proibitivos, como indica o abandono imediato desse senador por seu próprio partido. A “sarneyzação” do segundo mandato de Dilma seria uma aposta temerária no fisiologismo dos parlamentares e na cumplicidade do Judiciário.

A presidente segue encurralada entre dois cenários desfavoráveis, sendo crescente a probabilidade de seu impedimento e decrescente a de uma acomodação às degeneradas práticas da velha ordem. Resta-lhe uma terceira opção para reescrever favoravelmente sua biografia: encaminhar ao Congresso um programa emergencial de controle de gastos públicos para seus próximos três anos de governo e uma convocação para uma imediata reforma política.