domingo, dezembro 06, 2015

A depressão brasileira - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 06/12

Recentemente, meu amigo Marcos Lisboa passou a se referir à crise atual como depressão brasileira. Depressão significa recessão profunda e prolongada. Diferencia-se das crises cíclicas que acometem as economias de mercado. Nesses ciclos, a economia oscila, para melhor e para pior, em torno de uma tendência de crescimento de longo prazo relativamente fixa.

A depressão altera a tendência. Significa queda de produto e, em seguida, queda permanente da tendência de crescimento de longo prazo.

Nosso cenário indica que devemos recuar 3,7% em 2015, 3% em 2016 e provavelmente o crescimento será positivo em 1% em 2017. O recuo do produto per capita de 8,6% no quadriênio 2014-2017 será o segundo pior desde 1904, somente superado pelo quadriênio 1981-1984, quando o recuo foi de 9,6%.

Normalmente as grandes depressões das economias de mercado ocorrem quando há forte redução da demanda agregada. A economia por longos anos vivencia juros muito baixos, deflação, desemprego e queda de produto. Essa é a situação da economia norte-americana de 2008 até agora e também nos anos 1930.

No caso brasileiro, tanto no início dos anos 1980 quanto agora, nossa depressão foi fruto de queda permanente da produtividade, que causou perda permanente de produto. Trata-se de fenômeno de oferta, e não de demanda. Hoje, diferentemente dos anos 1980, não temos crise de dívida externa. Nossos problemas são somente internos.

Ao longo de muitos anos, nossa economia se preparou para ser civilizada. Isto é, a economia de uma sociedade que consegue gerir de forma não inflacionária seu conflito distributivo. Negociações no Congresso decidem as receitas e as despesas de forma a não pressionar a inflação.

Boa parte da perda de produto pela qual estamos passando resulta de estarmos retornando para situação de inflação permanente. Estamos voltando a um passado que vivenciamos entre 1950 e 1998, quando a inflação fechava as contas de nossa irresponsabilidade fiscal. A dor que sentimos deriva menos de para onde caminhamos -sabemos sobreviver na bagunça- e mais de onde estamos vindo.

A expansão da última década foi beneficiada pela alta dos preços das commodities e de ganhos de produtividade no agronegócio e no setor de serviços, principalmente serviços financeiros. Em razão da estabilização da economia e de inúmeras reformas microeconômicas -crédito em consignação, nova Lei de Falências, instituto da alienação fiduciária para o crédito imobiliário e de automóveis, diversos instrumentos de crédito com execução extrajudicial, entre outros- que melhoraram muito o funcionamento dessa importante infraestrutura das economias de mercado, o crescimento acelerou.

A volta da inflação e a incapacidade da política em construir um consenso que encaminhe os desequilíbrios fiscais estruturais e, portanto, estabilize a trajetória da dívida pública sinalizam que teremos mais inflação nos próximos anos. Perderemos os ganhos de produto que tivemos com o melhor funcionamento do mercado de crédito.

Em algum momento, mesmo que não resolvamos os problemas fiscais, e quando tivermos destruído os ganhos de eficiência que advieram de nosso sonho de uma noite de verão, a depressão terminará. Quando o pesadelo acabar, acordaremos para a mediocridade permanente, a menos que a política consiga nos surpreender.

A coisa está preta - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 06/12

Se a situação do petismo já estava ruim, nestas últimas semanas piorou, e muito. Para isso contribuíram, sem dúvida alguma, novas prisões –culminando com a do líder do governo no Senado, sua aprovação pelos senadores e a reação da direção nacional do PT em face dela.

A prisão de Delcídio do Amaral, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, causou espanto não apenas pelo inesperado da decisão como pelos elementos de prova que a determinaram: as gravações em que ele revela planos de subornar Nestor Cerveró para que não o denuncie em sua delação premiada. Em função disso, com a colaboração do banqueiro André Esteves, oferece-lhe uma mesada de R$ 50 mil e mais R$ 4 milhões, além de meios para deixar clandestinamente o país. Tudo isso foi gravado pelo filho de Cerveró e entregue à Polícia Federal.

Conforme a Constituição, teria o Senado autoridade para revogar aquela decisão do STF. Não obstante, em vez de revogá-la, aprovou-a por 59 votos contra 13. Todos esses fatos –que incluíram as prisões de André Esteves, do advogado de Nestor Cerveró e do chefe de gabinete de Delcídio– ocuparam em tempo integral o noticiário dos jornais e da televisão, sem falar nas redes sociais, que exigiam a punição dos acusados.

A sessão do Senado em que se deliberou a decisão do Supremo foi transmitida pela televisão. O ambiente ali era constrangedor. Senadores que usaram da palavra na ocasião, embora apoiando a decisão do STF, diziam-se constrangidos em ter de aceitar a condenação de um colega, tanto mais que consideravam Delcídio um homem cordial e amigo. Mas os fatos tornavam indiscutível a culpa do senador Delcídio do Amaral na tentativa de impedir a apuração da verdade pela Operação Lava Jato.

Diante disso, qual foi a atitude da Presidência da República, uma vez que o personagem principal deste novo escândalo era seu líder no Senado? Silêncio absoluto, como se nada tivesse a explicar ao país. No entanto, o senador Delcídio era homem de confiança da presidente Dilma e o principal articulador dos interesses do governo no Senado Federal. Enquanto o país se espantava diante do escândalo, o Planalto se fingiu de morto.

Mas aquele silêncio pegava mal, tornava-se intolerável. Foi aí que a direção do PT, em nota assinada por seu presidente, Rui Falcão, sentiu-se forçada a tomar posição diante do escândalo. E o que diz a nota? Embora se trate de um importante membro do partido pela posição mesma que ocupa no Senado, a direção do PT afirmou, na referida nota, que, como Delcídio não estava sendo punido em função de "sua atividade partidária", não merecia a solidariedade do partido.

Tal afirmação provocou reações indignadas ao ser lida na sessão do Senado que discutia a prisão de Delcídio. Com razão, observou-se na imprensa que, quando da prisão de José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e João Vaccari Neto, o PT prestou-lhes irredutível solidariedade, apesar das falcatruas de que eram acusados e que resultaram em condenações e prisões. Deve-se, então, concluir que, quando usaram o dinheiro público para comprar deputados ou para encher os cofres do partido, desempenhavam legítima "atividade partidária".

Na verdade, o problema é que os petistas –de Dilma a Lula, da direção do PT a seus representantes– já não sabem o que dizer em face de tantos escândalos e do desastre a que conduziram o país. Rui Falcão, em sua nota lamentável, disse o que Lula e Dilma gostariam de dizer: Quem mesmo? Delcídio? Nunca ouvi falar!

O certo é que, a esta altura, o lulo-petismo já não suporta assumir a culpa de mais um de seus membros comprometido com a corrupção. Por isso negou-se a defender Delcídio, como se se tratasse de alguém sem qualquer importância em seu esquema de poder. Sucede que ele, como líder do governo, desempenhava papel decisivo para viabilizar, no Congresso, as propostas do Planalto. Essa é a razão por que, sem ele, criou-se uma situação crítica, que ameaçava levar ao colapso importantes setores da administração federal. Já imaginou se ele decide ir à forra e adere à delação premiada? O PT que se cuide.


Crimes do capital - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 06/12

A Odebrecht está com o presidente na cadeia, a Andrade Gutierrez, também, e a Camargo Corrêa. A Galvão Engenharia e a Mendes Júnior têm dirigentes condenados. O BTG viu seu presidente ir para a prisão. A Vale precisa explicar o crime ambiental cometido por uma de suas controladas. A Petrobras tem ex-diretores presos e é o centro de um escândalo político. O capitalismo brasileiro virou caso de polícia?

Não o capital em si, mas muitos dos atos dos dirigentes das empresas são sim, como se vê, um caso de polícia. O pecado original é a relação promíscua com o governo, velho defeito do Brasil, exacerbado ao limite na era petista. Diretrizes de política econômica, o inchaço do Estado, a política industrial seletiva ampliaram o mundo das sombras entre o público e o privado no Brasil.

Essas empresas, e outras que estão às voltas com a Justiça, costumavam encabeçar rankings de maiores, mais lucrativas, e de melhor desempenho do Brasil. Todas elas erraram ao não praticar aquilo que diziam em seus prospectos de propaganda, manuais de conduta, sites oficiais, comunicados aos clientes, fornecedores e investidores. Todas diziam ter boa governança, regras de “compliance”. Todas alegam ser sustentáveis, e a maioria afirmou ter aderido a regras internacionais contra a corrupção e de proteção ao meio ambiente. Empreendedores apontados como casos de sucesso, exemplo para os jovens, hoje dormem em celas.

Há tantas empresas com dirigentes investigados, indiciados ou condenados, e são tantos os crimes dos quais as empresas são acusadas, que isso deixou de ser um problema isolado. O que o mundo corporativo deve refletir no Brasil é o que criou a situação. O primeiro suspeito é o velho patrimonialismo, mas não explica o surto recente de negócios escusos entre empresas e o governo. O aumento foi motivado pela sensação de que não haveria punição para os integrantes da elite econômica e do poder político que, juntos, conseguiriam torcer o sistema a seu favor.

O caso do senador Delcídio e do banqueiro André Esteves, se ficar comprovado tudo o que se ouviu no diálogo gravado pelo ator Bernardo Cerveró, é um flagrante do capitalismo de compadrio, ou de laços, como diz o professor Sérgio Lazzarini. Lá estão os elos entre os poderes, e os favores trocados entre quem tem influência política e quem tem poder econômico. Essa rede de relacionamentos que negocia proteção e defesa de interesses corrói a democracia e vicia a economia.

Evidentemente não surgiu agora, mas é inegável que houve um aumento forte nesse tipo de relação entre o público e o privado. O que impressiona é a data da conversa do senador Delcídio. Foi no começo de novembro, com um ano e oito meses da Operação Lava-Jato. O líder do governo ainda se sentia intocável e falava abertamente sobre como dar fuga a um condenado pela Justiça.

Em sua defesa, André Esteves nega que tenha se comprometido com aquilo sobre o qual o senador Delcídio Amaral falava na conversa, mas admitiu que teve cinco encontros no ano com o senador. Nada há de suspeito em um banqueiro e um líder político se encontrarem, mas, a menos que sejam amigos, a frequência é exagerada. Esteves tinha um banco em expansão para cuidar, que acabara de comprar uma instituição na Suíça, e negociava um banco na Itália. Isso sem falar nas inúmeras áreas de interesse do BTG Pactual. Por que mesmo, os empresários brasileiros vão tanto a Brasília? A maioria vai com expectativa de alguma medida do governo que o favoreça.

O caso da Vale faz parte de uma outra frente de erros das empresas brasileiras. A de achar que palavras como “sustentabilidade” são apenas para decorar os sites e prospectos de propaganda. A Samarco é controlada e atua na mesma área central de atividade da Vale. O descuido da mineradora mineira com os rejeitos da sua produção provocou o maior desastre ambiental do Brasil na mineração. E isso será um enorme passivo para as controladoras. Se levassem a sério a proteção ao meio ambiente, o Rio Doce não estaria em coma.

O professor americano Michael Porter ensina que o medo do fracasso move mais as companhias do que a esperança do sucesso. Que as punições e passivos ensinem às empresas brasileiras o que elas devem evitar.

Motivo, motivação e caráter - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 06/12


Depois de denegar 27 pedidos de impeachment, por razões técnicas, segundo os pareceres da Consultoria Jurídica da Câmara dos Deputados, o seu presidente deferiu o pedido de impedimento da presidente formulado pelos partidos políticos de oposição (PSDB, DEM e PTS). Os motivos dos impedimentos são oito decretos secretos, sem numeração, autorizando despesas extraordinárias, sem a imprescindível autorização do Congresso Nacional e despesas da União pagas pelos bancos oficiais até hoje não ressarcidos (crime continuado). Ditos atos estão tipificados nas leis orçamentárias e de responsabilidade fiscal como crimes de responsabilidade na execução do orçamento pelo Executivo, indo além do que lhe foi autorizado pelo Congresso. Os decretos sorrateiros trazem a assinatura da presidente.

É da competência exclusiva do presidente da Câmara, ouvidos os pareceristas da Casa e constitucionalistas consultados, deferir ou indeferir os pedidos de impeachment, vedado o engavetamento. Quem denegou 27 pedidos bem pode deferir um, especialmente se acompanhado por parecer de jurisconsultos, como Miguel Reale Júnior e Hélio Bicudo, aliás cofundador do PT. O presidente da Câmara dos Deputados, portanto, apenas exerceu constitucionalmente dever indeclinável, sob pena de prevaricação. Cabe agora à comissão especial, formada por deputados de todos os partidos, examinar a matéria e decidir sobre sua procedência.

O PT, seus porta-vozes e a presidente, em seu breve discurso de resposta, cometeram atos eticamente deploráveis: confundiram os motivos e a motivação do presidente da Câmara e mentiram, ao chamar de golpe o impeachment, que tem natureza de instituto jurídico previsto na Constituição. Se não tivermos cérebros de galinha, será fácil concluir que, para haver impeachment, o paciente, necessariamente, deve ter sido eleito legitimamente, além de estar no exercício do cargo.

O motivo do presidente da Câmara para iniciar o processo de impeachment provocado pelos partidos de oposição são exclusivamente os crimes orçamentários. Em verdade, já deveria tê-lo feito faz tempo. A motivação, porém, foi espúria. Atrasou o pedido o quanto pôde em prejuízo da nação para se livrar da cassação de seu mandato na Comissão de Ética, onde os deputados do PT vinham lhe dando sustentação, diretamente monitorados pelo Planalto. A nota da direção do PT é que tornou o caldo.

O Brasil todo sabe que Dilma e Cunha barganhavam os processos de perda dos respectivos mandatos. Mas sem se ruborizar - como aliás fez nas recentes eleições -, a presidente, mais uma vez, mentiu em seu discurso para 202 milhões de brasileiros. Disse, sem a menor cerimônia, que não tinha barganhado. Eis aí a farsa, a mentira, o engodo, o despudor, a hipocrisia. O confronto seria entre ela e Cunha, quando é entre ela e a nação. Alegou moral ilibada (veremos em breve se é) como contradita ao seu impedimento. Mas quem a tachou de corrupta e inepta para fundamentar o pedido? Defendeu-se a ré de alegações inexistentes para ocultar os crimes de responsabilidade já aludidos. Ao pousar de boa mocinha quis, como sempre fez, comover as pessoas de boa-fé, os incautos.

Segundo os jornalistas que cobrem o Congresso Nacional, minutos antes de Cunha acatar o pedido, deputados petistas imploravam para que não o fizesse. Não será fácil alcançar o que o povo brasileiro quer: o impedimento da presidente. Muito dinheiro será trazido para o interior do Congresso Nacional em busca de votos contrários, na linha das condutas habituais e pouco republicanas do PT.

Duas observações finais: em primeiro lugar, ninguém aguenta a presidente, salvo a sua guarda pretoriana e os beneficiários dos programas sociais, mas nem todos. O povo desempregado ou mesmo empregado; a classe média torturada; os eleitores que nela votaram e foram traídos; os empresários descrentes; os economistas alarmados com os 3 anos pela frente; os investidores sem confiança; os partidos inseguros de sua coalização não a querem mais na Presidência da nação. Assim, mantidas as instituições, o impeachment é a solução quase ideal.

O quase corre por conta do vice ser do PMDB. Eu pessoalmente o acho preparado para governar o país. Afinal, presidiu o Congresso, é professor de direito e está há 8 anos na Vice-Presidência. Em segundo lugar, este ano temos depressão econômica que pode chegar a 4% do PIB. Em 2016, espera-se outra pancada, se Dilma continuar a nos governar, de 3% do PIB. O anúncio do impeachment fez a bolsa subir, o dólar cair e títulos brasileiros subirem no exterior. A economia, o emprego e a renda são mais importantes que o mandato de uma presidente. Mas o impeachment não sairá se o povo não for para as ruas. Importa, acima de tudo, reconquistar a confiança de todos no crescimento do país e na recuperação da moralidade. Mas importante, por igual, é o povo ocupar as praças e as ruas para salvar o Brasil.

Uma luta política - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 06/12

O debate sobre o impeachment da presidente Dilma está pleno de imprecisões históricas e argumentos políticos que só podem ser aceitos pelos ingênuos ou os de má-fé. Dizer que se trata de um golpe perpetrado pelo PSDB, que não se conforma com a derrota nas urnas em 2014, é aceitável na luta política, mas é inacreditável que alguém de boa-fé acredite nisso. Basta ver que Lula e o PT pediram o impeachment de todos, rigorosamente todos, os presidentes desde a redemocratização, que também haviam derrotado o candidato petista nas urnas.

Lideraram a campanha para destituir Collor, e em seguida pediram o impeachment de Itamar Franco - através do deputado Jacques Wagner -, e de Fernando Henrique Cardoso. Outra falácia é dizer que o país será visto como uma republiqueta ao levar adiante mais um processo de impeachment apenas 23 anos depois do de Collor.

Pois nos Estados Unidos, reconhecidamente o parâmetro democrático ocidental, Richard Nixon teve que renunciar em 1974 para não ser impichado, e 24 anos depois, em 1998, o presidente Bill Clinton sofreu um pedido de impeachment devido ao escândalo com a estagiária Monica Lewinski.

Clinton foi absolvido pelo Senado em 12 de fevereiro de 1999, depois de condenado pela Câmara. Anteriormente, 131 antes, também o presidente Andrew Johnson sofrera um processo de impeachment, tendo sido absolvido pelo Senado por um voto.

Com relação à decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, claramente um ato de vingança política depois de o PT anunciar que votaria contra ele no Conselho de Ética, não é preciso ser um antiético convicto para entender que a motivação de Cunha não tem nada a ver com os argumentos jurídicos em que se basearam Hélio Bicudo, Miguel Reali Junior e Janaina Paschoal, grandes juristas, para o pedido de impeachment.

As motivações que levam às delações premiadas nada têm a ver com os fatos que narram. Precisam apenas serem verdadeiras. Ainda tendo como base o caso Watergate nos Estados Unidos, o principal informante da dupla de repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein ficou durante muito tempo no anonimato, conhecido pela alcunha de Garganta Profunda. Quando, em 2005, revelou-se que ele era William Mark Felt, na época da denúncia vice-presidente do FBI.

Pode-se imaginar que ele era um patriota, que resolveu ajudar os repórteres por conhecer por dentro os segredos da administração Nixon, e não concordar com os métodos utilizados que incluíam invasão de casas e escritórios dos Democratas e grampeamento de conversas telefônicas e também no próprio Oval Office da Casa Branca.

Mas há quem diga que Mark Felt foi mesmo movido pelo instinto de vingança política, pois almejava assumir o posto de presidente do FBI em substituição a Edgard Hoover, que morreu em 1972, e seu braço direito, Clyde Tolson, se aposentou. Nixon o preteriu, e Mark Felt viu no jovem repórter Bob Woodward, que conhecera quando este servira à Marinha, a chance de se vingar.

No artigo que escreveram sobre Mark Felt, depois que ele revelou ser o Garganta Profunda, os repórteres do Washington Post afirmaram que a ação do grupo do presidente Richard Nixon “foi um ataque insolente e ousado ao cerne da democracia americana: a Constituição, nosso sistema de eleições livres, o Estado de direito”.

No final do artigo, sustentam que Watergate “foi apenas um vislumbre de algo muito pior. (...) Nixon havia transformado sua Casa Branca em uma empresa criminosa. (...) Seu ódio havia provocado sua queda”.

Alguma coisa familiar? Os crimes que estão sendo denunciados pela Operação Lava-Jato, e os bastidores do governo que diversas delações premiadas revelam, mostram que também o Palácio do Planalto na era lulista foi transformado em uma "organização criminosa", como definido pela Polícia Federal desde o mensalão.

Consta que a presidente Dilma, em privado, desabafa dizendo "Eu não sou ladra". Em 1974 Richard Nixon renunciou e, em discurso em cadeia nacional de rádio e televisão, admitiu que pode ter feito alguma coisa errada, mas sempre pensando no bem do país. E desabafou: “I am not a crook” (Não sou um canalha).

A rua e o mandato de Dilma – ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 06/12

Numa conta de hoje, é provável a doutora Dilma tenha os 171 votos de deputados necessários para bloquear sua deposição. Com gente na rua pedindo que ela vá embora, a conta será outra. O sonho de Eduardo Cunha é que milhões de pessoas ocupem as avenidas e se esqueçam dele. Essa hipótese é improvável. Se é para sair de casa, tirar Dilma pode ser pouco. Deveriam ir embora ela, ele e uma lista interminável de maganos arrolados na Lava Jato. Tirá-la para colocar Michel Temer no lugar pode ser um imperativo constitucional, mas está longe de ser uma vontade popular.

A doutora fez uma campanha mentirosa, seu primeiro ano de governo mostrou-se ruinoso e ela se comporta como os dirigentes da crise geriátrica do regime soviético. Sua neutralidade antipática à Lava Jato ("não respeito delator") mostra que não entendeu o país que governa. A economia brasileira travou e vai piorar.

Ao contrário do que sucedeu com Fernando Collor em 1992, Dilma tem gente disposta a ir para a rua em sua defesa. Essa diferença pode levar uma questão constitucional para choques de rua. Má ideia.

Como na peça de Oduvaldo Viana Filho, o brasileiro está numa situação em que "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come". Em março de 1985, o país ficou numa posição semelhante. Foi dormir esperando a posse de Tancredo Neves e acordou com José Sarney na Presidência. Seu governo, marcado pela sombra da ilegitimidade, foi politicamente tolerante e economicamente ruinoso.

Naqueles dias surgiu uma ideia excêntrica: a convocação imediata pelo Congresso de eleições diretas para a Presidência. Deu em nada e foi considerada golpista. Passaram-se 30 anos e, pelo retrovisor, pode ser reavaliada como peça arqueológica.

Talvez seja o caso de se pensar numa nova excentricidade: Dilma e Temer saem da frente e, de acordo com a Constituição, realizam-se novas eleições no ano que vem. Se eles quiserem, podem se candidatar.


MÁ NOTÍCIA

Saiu das cadeias de Curitiba a seguinte informação:

Dois presos da Lava Jato estavam na carceragem da Polícia Federal e foram transferidos para o presídio estadual. Numa noite, vários presos entraram na cela onde eles estavam, urinaram, defecaram e foram-se embora.

Dias depois os prisioneiros ofereceram-se para colaborar com a Justiça.

MICROMEGALOMANIA

Os sete sócios de André Esteves que assumiram o controle do banco BTG Pactual agruparam-se com o nome de Top Seven.

Podiam usar a língua portuguesa, mas já que preferiram o inglês, resta saber em relação a que eles se consideram tops.

O MUNDO DOS JUÍZES

A Justiça decidiu que os planos de saúde precisam pagar aos médicos que fazem partos naturais o triplo do que pagam por cesarianas.

Essa decisão é saudável sob qualquer ângulo que se olhe a questão. Contudo, resta um problema: não compete ao Poder Judiciário fixar o valor das remunerações de profissionais que contratam voluntariamente seus serviços com empresas privadas.

RETRATO DO GOVERNO

O Trem-Bala, delírio da doutora que poderia ficar pronto para a Copa de 2014 ou, a mais tardar, para a Olimpíada de 2016. Felizmente, até as empreiteiras fugiram da maluquice. Apesar disso, o governo criou uma estatal para gerenciar a grande obra.

Não se fala mais em Trem-Bala, mas a estatal, chamada de Empresa de Planejamento e Logística, mudou de propósito e está aí, firme e forte. Funciona em dois andares de um edifício em Brasília e acaba de trocar sua diretoria.

Fazer trem é coisa difícil. Para criar uma estatal, bastam caneta e tinta. Fechá-la, impossível.


BARGANHA

Um pedaço da oposição negociou um mimo com Eduardo Cunha. Acendendo o pavio do processo de impedimento da doutora, ganharia da Comissão de Ética da Câmara uma simples repreensão.

Esse tipo de maledicência só poderá ser conferida quando os votos forem conhecidos.

PRAGAS DO EGITO

As pragas do Egito foram dez. Cinco já chegaram ou estão a caminho do Brasil.

1) Inflação de dois dígitos.

2) Desemprego de dois dígitos.

3) Recessão econômica.

4) O mar de lama da Samarco

5) O virus zika

TRISTE BODOQUENA

Um conhecedor dos poderes nacionais e das terras de Mato Grosso do Sul informa:

A fazenda Bodoquena é uma cápsula da história do Brasil nos últimos 70 anos. Em 1956, o banqueiro Walther Moreira Salles e os irmãos David e Nelson Rockefeller compraram seus 150 mil hectares. Anos depois, venderam-na e ela passou por quatro grupos. Seus novos donos sonharam em transformá-la num oceano de cana-de-açúcar. O projeto do álcool fracassou, e uma parte das terras foi comprada pelo pecuarista José Carlos Bumlai, que, em 2012, vendeu-a ao banqueiro André Esteves.

Estudando-se a Bodoquena de Moreira Salles e dos Rockefeller até se chegar à de Bumlai e André Esteves, entende-se o Brasil.

13 DE DEZEMBRO

Os defensores do impedimento de Dilma Rousseff não são supersticiosos.

Marcaram as próximas manifestações para o dia 13 de dezembro. Nele, poderão comemorar o 47º aniversário da edição do Ato Institucional nº 5, que escancarou a ditadura, suspendeu o habeas corpus e fechou as ruas pelos anos seguintes.


A VALE OFENDEU OS DONOS DE BOTEQUIM

A Vale do Rio Doce precisa reunir sua diretoria para decidir como lidará com o desastre de Mariana sem arruinar sua marca. O rompimento da barragem da Samarco matou pelo menos 11 pessoas, provocou o maior desastre ambiental da história do país, devastou uma área de milhares de quilômetros quadrados e abalou a vida no vale que dá nome à empresa.

A Vale é grande acionista da Samarco, mas não parece ser responsável direta pela leviandade da empresa. Apesar disso, falando a jornalistas em Nova York, o doutor Clovis Torres, diretor jurídico da Vale, disse o seguinte:

"A Samarco não é um botequim. Não é uma empresinha qualquer".

Não há notícia de botequim que tenha produzido tamanho estrago. Ademais, o presidente da Samarco, doutor Ricardo Vescovi, acabara de entrar pela porta dos fundos do fórum de Mariana para prestar depoimento ao Ministério Público. Na saída, disse platitudes. Enquanto isso, sua empresa era acusada de irresponsabilidade pela presidente da República durante um discurso em Paris.

Entrar pela porta dos fundos e evitar a imprensa não é coisa de botequineiro. É conduta de quem acha que é o tal. Se a Samarco fosse um botequim, seu dono talvez se comportasse melhor.

A Vale pode passar os próximos 200 anos querendo se livrar do problema criado em Mariana. Com argumentos de mestre-escola, ela mostra que reluta em se tornar parte da solução.

O doutor Clovis precisa conversar com Murilo Ferreira, o presidente da Vale. Ele disse que fará da recuperação da bacia do rio Doce uma "missão da vida". Bola dentro. Ou faz isso ou se torna presidente da Companhia do Falecido Vale do Rio Doce.

Já foi longe demais - PERCIVAL PUGGINA

ZERO HORA - 06/12

Uma das fotos estampadas em ZH na última quinta-feira mostrava numeroso grupo de parlamentares da base do governo irradiando indizível felicidade. Melhoraram os números da economia? O PIB cresceu? O desemprego diminuiu? Nada disso. Festejava-se a elevação do déficit fiscal para R$ 120 bilhões. Sirvam-se os drinques! O barco afunda, mas o poder é uma festa. Afinal, ele é tudo que importa. Minutos depois, a notícia da abertura do processo de impeachment caía como uma pedra no enorme aparelho digestivo do governo. Não havia sal de fruta suficiente para tamanho mal-estar.

A mentira é o primeiro degrau da corrupção. O sofisma é o segundo. Ambos corrompem a verdade e o resto vem com o tempo e com as ocasiões. Diferentemente do que o governo passou a dizer, a relação de Cunha com o impeachment é funcional e a divergência entre ele e o governo é coisa de família, desentendimento na firma. Não há princípios, nem valores, nem qualquer verdade em jogo. Seus negócios foram descobertos pela mesma Lava-Jato que o PT dizia ser golpista.

Cunha é muito menos dono do impeachment do que eu. Jamais disse palavra a favor. Contra minha vontade (e de dezenas de milhões de brasileiros), sentou-se ele, por meses, sobre trinta e tantos requerimentos. Ou não? Também nisto obsequiou ao PT tanto quanto serviu-lhe, durante anos, na base do governo. Sua prolongada indecisão arrefeceu as mobilizações de rua. Bem como o governo queria. É totalmente fraudulenta, portanto, a tentativa de colocá-lo no papel de dono do impeachment, como se fosse coisa dele e de gente como ele.

Insustentável, também, o xingatório que qualifica como coxinhas, lacerdistas, golpistas e gente da pior espécie os que querem ver o governo pelas costas. Se assim fosse, a Constituição seria "golpista", pois prescreve esse tipo de processo. E mais, Dilma Rousseff, com menos de 10% de apoio um ano após fazer 52% dos votos válidos, teria sido eleita por "gente da pior espécie". Nem o xingamento fica em pé.

O governo já foi longe demais, em tudo. Levou a inépcia aos requintes. Forneceu provas abundantes de que o STF errou ao desconhecer, na ação penal do mensalão, o crime de formação de quadrilha. À vista de seu governo, a gestão do companheiro Collor foi exemplo de austeridade. E de nada vale a presidente dizer que não roubou e não escondeu dinheiro no Exterior porque não é disso que a acusam. Seus crimes foram de responsabilidade fiscal. Ponto e basta. Voltemos às ruas, nós, os donos do impeachment!