quarta-feira, outubro 21, 2015

Falta explicar - CELSO MING

O ESTADO DE S. PAULO - 21/10

Se não consegue emplacar suas metas, o Banco Central poderia ao menos dar coerência a suas explicações.

Ninguém espera que a reunião do Comitê de Política Econômica (Co-pom) desta quarta-feira altere os juros básicos (Selic) que estão estacionados a 14,25% ao ano, um dos mais altos do mundo, numa situação em que os principais bancos centrais do mundo trabalham com juros próximos de zero por cento.

Mas o mercado interno monitorado pelo Banco Central enfrenta um punhado de distorções que envolvem diretamente a política monetária (política de juros).

A mais importante é a inflação que caminha quase inexoravelmente em direção aos dois dígitos, sem que a megadose dos juros básicos consiga baixá-la.

Há dez meses, o compromisso firme do Banco Central é chegar ao final de dezembro de 2016 com a inflação em 12 meses no centro da meta (4,5%). Mas ninguém mais acredita nisso. O Boletim FociiSy onde o Banco Central registra as projeções de cerca de 100 instituições do mercado, mostrou nessa segunda-feira que a média das projeções aponta para uma inflação, ao final de 2016, de 6,12%, número algo abaixo dos 6,16% apontados pelas top five, as cinco instituições que se notabilizam pelo acerto nas projeções levantadas nessa pesquisa. Este não é desvio irrelevante. Mostra que o Banco Central não vem conseguindo gerenciar as expectativas, um dos objetivos mais importantes no sistema de metas de inflação.

Sobre essa discrepância, o Banco Central tem três caminhos a seguir: ou assumir que não conseguirá entregar a inflação na meta, como garantiu até agora e, nesse caso, terá de rever seus prazos; ou acenar para novo reforço de dose dos juros, para que o cumprimento da meta se torne outra vez possível; ou, então, demonstrar com argumentos sólidos que as projeções do mercado estão erradas e as dele, corretas.

A segunda discrepância é o impacto da desordem orçamentária sobre a inflação. Por meses a fio, o Banco Central tem repetido que a política fiscal caminha inexoravelmente para ser neutra, "no horizonte relevante", em relação à inflação, ou seja, falta pouco para que a relação entre receitas e despesas do setor público se equilibre a ponto de não produzir inflação.

Essa postura irrealista vem tirando credibilidade do Banco Central. O principal fator de inflação é o desequilíbrio das contas públicas: as excessivas despesas do governo criam renda, renda cria demanda e, pelo efeito oferta-pro-cura, demanda aquecida cria inflação.

Alguns economistas de peso têm advertido que o momento é de dominância fiscal, situação em que a política monetária perde capacidade de combater a inflação. Não é o que pensa o Banco Central, na medida em que continua acenando para o cumprimento da meta de inflação ao final de 2015.

Por isso, falta também apontar qual é o equívoco desses analistas que vêm apontando esse desvio e o que o Banco Central pode fazer para que o risco de que sobrevenha a dominância fiscal seja revertido.



CONFIRA

Nem desconfiava

A ex-presidente da Petrobrás Graça Foster declarou ontem ao juiz federal Sérgio Moro, que conduz as ações da Operação Lava Jato, que não desconfiava da conduta dos então diretores da Petrobrás, Paulo Roberto Costa (Distribuição), Renato Duque (Serviços) e Jorge Zelada (Internacional).

E, no entanto, enquanto era presidente da empresa, Graça avisou mais de uma vez que desmandos como os que aconteceram nas refinarias Abreu e Uma e Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) não poderiam se repetir. Ou seja, ela tinha noção de que havia coisa errada pelo menos nesses investimentos.

Sem condutor

Na edição dessa terça-feira, o "Financial Times" publicou matéria em que dá conta de que a mineradora anglo-australiana Rio Tinto passou a usar caminhões com pilotagem automática em duas de suas minas de minério de ferro, no Oeste da Austrália. É experiência pioneira no gênero, que deverá servir de guia para outros investimentos até mesmo fora do setor de mineração.


O real fraco e as exportações - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 21/10

Em meio à tragédia vivida pela economia brasileira neste momento, alguns analistas conseguem enxergar pelo menos um aspecto positivo: o início de uma possível recuperação da competitividade industrial, proporcionada pela forte desvalorização do real. A melhora significativa do saldo da balança comercial seria um indicador dessa nova realidade. O realinhamento dos preços relativos estaria se materializando.

Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda na gestão Palocci e especialista em comércio exterior, José Tavares de Araújo Jr. discorda da relação direta que se faz entre desvalorização cambial e aumento de competitividade na indústria. Ele lembra que, entre 2010 e 2014, a taxa de câmbio efetiva real, que leva em conta o peso relativo de cada parceiro comercial do país e a respectiva taxa de câmbio, sofreu desvalorização de 100%. Apesar disso, o impacto sobre as exportações, no período, foi "virtualmente nulo".

De fato, números oficiais mostram que, entre 2010 e 2014, o que se viu foi o recuo das exportações brasileiras de produtos manufaturados e semimanufaturados.

"Não é possível identificar, nos últimos 25 anos, qualquer influência da taxa de câmbio no comportamento das exportações industriais. Entre 1992 e 1998, a moeda doméstica estava apreciada e as exportações cresciam num ritmo apenas modesto. Entre 1999 e 2002, não obstante os dois picos de desvalorização, o desempenho exportador foi similar ao do período anterior", sustenta Tavares Jr., hoje um dos diretores do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), um "think tank" com sede no Rio de Janeiro.

Por outro lado, durante o boom de commodities provocado pelo forte crescimento da China, a apreciação do real frente a outras moedas coincidiu com o auge das exportações de manufaturas. Entre 2003 e 2008, elas saltaram de US$ 33 bilhões para US$ 93 bilhões.

"Na literatura sobre os padrões de comércio gerados pela revolução nas tecnologias da informação, são abundantes os argumentos que demonstram a irrelevância da taxa de câmbio para explicar o desempenho industrial das economias contemporâneas. As variáveis que importa examinar dizem respeito a economias de escala, capacidade inovadora das firmas domésticas, barreiras à entrada nos distintos mercados, custos de transação, à natureza dos incentivos concedidos pelo governo e ao perfil das instituições nacionais", argumenta o ex-secretário.

Tavares Jr. se alinha aos economistas - eles não são muitos no país - que não veem como um problema em si o fato de um país em desenvolvimento, como o Brasil, ter moeda forte. Ele lembra que a China, desde a entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, adotou como prioridade a transformação do yuan (ou renminbi) em moeda conversível (ou moeda de reserva). Esse processo teria se iniciado, na prática, em 1996, quando o governo chinês aderiu às normas do artigo VIII dos estatutos do Fundo Monetário Internacional, e será concluído quando o yuan passar a integrar os Direitos Especiais de Saque (DES), a moeda escritural do Fundo.

"Na prática, a moeda chinesa já é conversível, como atesta sua crescente participação nas transações mundiais", diz Tavares Jr. A política do governo chinês, em última instância, está provocando a apreciação do yuan. De acordo com o Bank of International Settlements (BIS), a taxa de câmbio efetiva real da moeda chinesa teve valorização de 43% entre 2005 e 2013.

"Recentemente, perguntei a um economista chinês se ele não estaria preocupado com a provável continuidade dessa tendência nos próximos anos e obtive a seguinte resposta: ´Não. Este fenômeno inaugurou uma fase promissora. Renminbi significa moeda do povo e, para justificar esse nome, precisa ser forte porque, assim, beneficiará o país de várias formas, ao elevar os salários reais e o poder de compra da população, ao mesmo tempo em que barateia as importações e facilita a internacionalização das firmas chinesas. Além disso, a apreciação cambial obriga o governo a reestruturar aquelas indústrias que não conseguem enfrentar a concorrência das importações´", relata o diretor do Cindes, que é doutor em economia pela Universidade de Londres.

Mencionando o último Trade Policy Review (TPR) da OMC sobre a China, Tavares Jr. informa que as autoridades chinesas têm adotado medidas para lidar com os efeitos da apreciação cambial, que, na avaliação do ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, é "o custo da decisão do governo de Pequim de tornar o país um gigante geopolítico". Há dois anos, o governo fixou metas de reestruturação para nove indústrias atingidas pela acelerada apreciação do yuan. "Em todos os ramos, o objetivo comum é alcançar configurações setoriais equivalentes aos padrões mundiais de excelência tecnológica", atesta Tavares Jr..

O diretor do Cindes diz que, no Brasil, prevalece a ideia, contrária à predominante na China, de que a apreciação cambial que vigorou aqui na última década passada apenas promoveu desindustrialização e que, agora, o país está se livrando desse problema. "As cotações do real desde 2012, as mais baixas nos últimos 25 anos, são comemoradas não só porque protegem a indústria doméstica, mas também por seus efeitos sociais ´perversos´. Há poucos dias, ouvi o seguinte comentário num evento social: ´Viajar ficou mais caro, mas, em compensação, não iremos mais esbarrar em brasileiro pobre no exterior´", diz Tavares Jr.

Especialistas ensinam que câmbio, assim como taxa de juros, é um preço. Reflete fatores que compõem os fundamentos de uma economia. Mendonça de Barros acredita que os fatores que apreciaram o real na gestão Lula e nos anos iniciais do primeiro mandato da presidente Dilma - o boom de commodities e o forte aumento dos termos de troca (relação entre preços de exportações e importações) - não vão se repetir. Ademais, diz ele, a deliberada política de tornar o yuan uma moeda de reserva já está provocando a perda de competitividade da indústria chinesa, favorecendo a indústria de países emergentes como o Brasil. Na verdade, a desvalorização do real já teria sido consequência da mudança da política cambial da China, que antes mantinha o yuan artificialmente desvalorizado para estimular as exportações.


Entre dois males - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 21/10

O Copom está reunido diante de um cenário em que a inflação permanece perto de 10%, e as projeções para o ano que vem estão sendo revistas para cima O remédio contra a inflação seria elevar os juros, mas isso aprofundaria a recessão e o desequilíbrio fiscal. Por isso o Banco Central nada fará. A grande dúvida é se o BC vai adiar a promessa de chegar ao centro da meta. lira para o final de 2016, deve ficar para 2017.

A expectativa é que a taxa de juros ficará onde está, em 14,25%. Ontem, a Fundação Getúlio Vargas divulgou a segunda prévia do IGP-M de outubro, e foi de 1,86%, levando a inflação em 12 meses a 10,06%. Hoje será divulgado o IPCA-15. O Itaú está prevendo 0,68%, o que levaria a inflação em 12 meses para 9,79%. Não há dúvida que a taxa está em torno do temido número 10%.

O BC age olhando para frente, mas neste ponto também há problemas. A previsão de inflação do ano que vem está menor do que a deste ano, mas os departamentos econômicos dos bancos e as consultorias têm semanalmente aumentado a projeção porque há várias pressões novas sobre o índice. Um deles é o dólar, e por isso o IGP-M subiu tanto: os índices da FGV são mais sensíveis ao câmbio por terem os preços por atacado em sua composição.

A energia não repetirá em 2016 o tarifaço de 2015, porém há várias pressões remanescentes da crise detonada pela intervenção do governo Dilma no setor. As geradoras estatais de energia são as que mais reclamam e pedem correção. Todo imposto é inflacionário, mas a Cide, que o Congresso pensa em aumentar, tem efeito instantâneo nos índices de preços. Tudo isso manterá a inflação pressionada no ano que vem.

O país está em uma recessão forte e por isso o Banco Central não pode elevar mais as juros. Está sem instrumentos de política monetária para lutar contra a alta dos preços. Além disso, o aumento dos juros agravaria ainda mais o buraco nas contas públicas. Novos problemas surgem diariamente na área fiscal. A última é a de pagamentos das pedaladas, que abrirá mais ainda o rombo nas contas públicas. Têm que ser pagas, mas a piora nos indicadores fiscais aumenta o dilema do Banco Central. Ele não pode usar as armas que tem contra a inflação.

O economista José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV, chama atenção para o aumento das expectativas de inflação por parte dos consumidores. Em suas sondagens, o Ibre pergunta aos entrevistados o que eles acham que vai acontecer com os preços. O sentimento captado pela pesquisa é que haverá alta de 10% nos próximos 12 meses, indicando que o pessimismo em relação à inflação é maior na população em geral do que entre os economistas de mercado.

- A expectativa por parte dos consumidores carrega bastante o sentimento do momento, que é de uma inflação em torno de 10%. Ele projeta para o futuro o que acontece agora. Ao mesmo tempo, tem o efeito negativo da alta do dólar - explicou José Julio Senna.

O economista, que já foi diretor do Banco Central, acredita que o combate à inflação está cada vez mais dependente da política fiscal. A elevação dos juros, neste momento, vai agravar o rombo das contas públicas e elevar a percepção de risco sobre o país. Com esse efeito, o dólar subiria e pressionaria a inflação. Esse é o cenário que os economistas chamam de "dominância fiscal" que tem sido cada vez mais discutido. Ou seja, elevar juros, ao invés de ajudar no combate à inflação, pode fazer o efeito inverso ao desejado.

Para não correr riscos de piorar o que já está ruim, o BC ficará no mesmo lugar, apenas alterando o ano em que a instituição promete chegar ao centro da meta. Desde o início do governo Dilma essa data tem sido prorrogada sucessivamente. Será uma nova prorrogação. 


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O ministro Nelson Barbosa pede para corrigir a informação publicada ontem de que no fim de semana ele foi ao PT e se encontrou com Rui Falcão. Informa, através da assessoria, que no sábado foi à Fundação Getúlio Vargas e que no domingo trabalhou no Ministério do Planejamento. Já na segunda-feira, o ministro foi ao Instituto Lula, onde estava Rui Falcão.

A miséria sem fim do Brasil - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 21/10

O que mais faltava para tornar mais repugnante a miséria moral, política e econômica do Brasil? Sugerir que se mate de desespero ou fome mesmo 16 milhões das pessoas mais desamparadas desta terra.

Essa é a proposta nada modesta do deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), relator do Orçamento do governo federal para 2016. Em suma, o responsável por dar nova redação e refazer as contas do Orçamento proposto pelo Executivo.

Barros propôs cortar o equivalente a 35% das despesas de 2016 com o Bolsa Família. Neste outubro, o programa vai pagar benefícios a 13,97 milhões de famílias, cerca de 47,3 milhões de pessoas, 53% delas crianças e adolescentes. Cortando "pela média" a cabeça dos miseráveis, corte linear, dá mais de 16 milhões de famílias.

O leitor, que é perspicaz, pode perceber que o cálculo dessa loucura toda é uma pilhéria. Barros se diz preocupado com o equilíbrio das contas públicas e, portanto, "não vai agir com emoção".

Em entrevistas, o deputado argumenta, por assim dizer, que segue o padrão de cortes em outros programas sociais do governo, como os de subsídios à educação. Quem está dentro, fica, não haverá benefícios novos para mais ninguém.

Nem isso faz sentido. A cada mês, saem do Bolsa Família de 100 mil a 150 mil famílias, pois deixam de estar enquadradas nos critérios de participação. Na média do ano, seria cerca de 1,5 milhão de famílias, segundo Helmut Schwarzer, secretário de Renda e Cidadania do Ministério de Desenvolvimento Social, que cuida do Bolsa Família.

Outras tantas acabam entrando ou até voltando para o programa. De qualquer modo, caso o Bolsa Família fechasse as portas para os novos miseráveis ou de novo caídos, a economia seria de uns R$ 3 bilhões, não de R$ 10 bilhões.

O valor médio do benefício neste outubro foi de R$ 163,57. Mais ou menos R$ 5,50 por dia. Pelo tamanho médio das famílias beneficiadas, dá R$ 1,62 por dia, por cabeça. Uns quarenta centavos de dólar.

Qual o tamanho da desgraça caso a proposta modesta do deputado Barros fosse adiante? Schwarzer, para começar, diz que não acredita que tal coisa seja aprovada. Na hipótese de demência terminal, seria preciso saber quais os critérios da degola (o secretário, gentil, não usa essas palavras).

O Bolsa Família é regulado por uma lei de 2004, emendada até 2013. Lá estão estipulados os critérios de concessão de benefício (rendimento per capita, número de crianças, condições etc). Dados os critérios da lei, o número de famílias beneficiadas flutua entre 13,7 milhões e 14 milhões. Com base nisso, foi estipulado o Orçamento do ano que vem, de R$ 28,8 bilhões.

De acordo com as contas deste ano, dá menos de 0,5% do PIB. Ou 2,65% da despesa total do governo federal deste ano (excluídos os gastos com juros). O programa é reconhecido, aqui e por especialistas de fora, por ser preciso (chega aos de fato muito pobres) e eficiente (gasta pouco com despesas administrativas e de pessoal, 5%, um terço da média de bons programas desse tipo).

O governo do Brasil parou, a política partidária é uma mixórdia mefítica, Eduardo Cunha preside a Câmara. Bestificados, agora alguém tem a coragem de sugerir limpeza social final de miseráveis.


Comum e incomum - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 21/10

Alain de Botton aterrissa nas livrarias com mais uma obra dedicada à filosofia do cotidiano, desta vez abordando um tema que interessa aos jornalistas em particular e a todos em geral. Notícias – Manual do Usuário nos estimula a pensar mais profundamente sobre nossa relação com a imprensa.

Precisamos saber de tudo o que está sendo noticiado? Esse “tudo” é suficiente ou é excessivo? Qual o critério para decidir que um fato merece ser noticiado e outro não?

Há um jargão clássico do jornalismo que diz que notícia não é quando um cachorro morde um homem, e sim quando um homem morde um cachorro. O incomum pauta os veículos de comunicação. Porém, comum e incomum têm se confundido. Assassinatos, estupros, desastres: não estaria na hora de essas desgraças recorrentes dividirem a atenção com as banalidades que ficam de fora das manchetes?

Por vezes, Alain de Botton soa idealista e até um pouco ingênuo, mas é um homem que traz questionamentos relevantes. Diz ele que o noticiário não transcreve a realidade, ele molda a realidade conforme as histórias que publica. Para cada pedófilo, há milhares de pessoas que respeitam as crianças. Para cada agressor de mulheres, há milhares de homens que não reagem com violência. Sem dúvida que é importante revelar os podres da sociedade, mas não se deve esquecer que as notícias que chegam sobre a nação não são a nação, e sim uma parte dela. Imprensa responsável é aquela que também abre espaço para notícias que possibilitem a criação de uma imagem de comunidade que nos pareça boa e sadia, a fim de fazer com que tenhamos vontade de contribuir para que ela se desenvolva.

A questão dos refugiados é um bom exemplo: todos se sensibilizam com sua situação, mas por quantos minutos? Três, quatro? Enquanto durar a matéria na tevê?

Não sabemos como é a vida corriqueira de quem vive em países com uma cultura tão diversa. O que comem no café da manhã, como namoram, o que fazem no fim de semana, como criam os filhos, que músicas escutam. Não há o olhar microscópico sobre seu universo, são apenas estranhos com o qual não nos identificamos, e essa falta de empatia mantém seu drama longe das nossas preocupações imediatas.

Amanhã, haverá novas más notícias nos jornais.

Elas fazem parte do cotidiano, mas não contam a história toda. Por isso, para rebater o desânimo e contrabalançar, não custa dar uma espiada em alguns sites com conteúdo integralmente positivo que andam pipocando por aí. E nunca deixar de assistir a documentários, ler livros, ver filmes, aprofundar-se. Quanto mais abrangente nossa visão das coisas, menos desumano nos parecerá este mundo.


A vaca, o vampiro e o Pinóquio - GAUDÊNCIO TORQUATO

FOLHA DE SP - 21/10

No momento em que o Brasil se debruça sobre as crises que o afligem, valendo-se da análise de circunstâncias que ameaçam a governabilidade, três entes resumem o repertório de conceitos, mazelas e problemas que devastam as esferas da gestão, da política e da economia.

São eles: a vaca, o vampiro e o Pinóquio. A vaca é a grande mãe, a deusa que, para o homem primitivo, se repartia nos rios, nas árvores, nos fenômenos naturais. Entre nós ela assume também a posição de entidade que encobre, abriga, defende e acalenta. É fácil deduzir que a vaca é o próprio Estado, que acaba oferecendo o bico para milhares de brasileiros sugarem suas tetas.

O Estado brasileiro jamais deixou de ser considerado por parcela significativa da elite política uma "cosa nostra", núcleo da grande família, dos donos do poder, que cultivam o filhotismo, o nepotismo e o familismo, transformando a função pública em patrimônio pessoal.

O país ainda não entrou no século 21 em matéria de gestão do Estado, cujos pilares repousam em critérios de mérito, racionalidade, controles, transparência, qualidade de serviços e descentralização. São quase 12 milhões de servidores públicos nas três instâncias federativas, ou seja, 1 em cada 10 brasileiros em idade de trabalhar, número que poderia não impressionar se o contingente fosse qualificado, não escudado no patronato político.

A mamãezada, que, segundo o dicionário Houaiss, é o "descaso ou conivência dos responsáveis que dão cobertura a subordinados, em caso de imoralidade no serviço público", constitui a base da muralha que esconde desvios e atos ilícitos.

Eliminar essa chupeta com os instrumentos da modernização do Estado, implicando nova metodologia para composição dos quadros públicos, é a primeira providência que se espera. Não adianta fusão ou enxugamento de estruturas sem que esse gesto leve a um profundo corte nos 12% do PIB consumidos na administração pública.

O segundo ente a ser eliminado é o vampiro. É sabido que vampiro só aparece na calada da noite. O país, de Norte a Sul, é uma gigantesca festa de vampiros. São encontros na surdina para conluios, emboscadas, negociatas e tramoias. É assim que o sangue da ação é sugado.

A receita para eliminar a vampiragem é única: raio de Sol. Maços de alho e crucifixos não são suficientes para afugentar vampiros. Com luz na cara, eles correm para suas tumbas e caixões. Em suma, escancarar as administrações.

Por último, resta cortar o enorme nariz de Pinóquio, o boneco que domina os palcos da política. Pinóquio é a encarnação do Estado-espetáculo. Essa concepção deriva do conceito de política como teatro.

Remonta aos tempos antigos, mas ganhou força a partir dos meados do século passado, com as campanhas políticas norte-americanas. Napoleão calculava o efeito de suas palavras e gestos. Hitler recebia aulas de declamação. Na história mais recente, Kennedy, exuberante, derrotou um cansado e gripado Nixon na campanha de 60.

No Brasil, a oratória ensinada pelo marketing é um exercício de prestidigitação. O importante é a versão, não a verdade. A palavra é usada para encobrir o pensamento, driblar a intenção. A verdade pouco aparece em locuções encadeadas com sujeito, verbo e complemento.

O reino do Pinóquio ocupa a vastidão do território. Arabescos, cosméticas exageradas, jargões, discursos retumbantes e mentiras repetidas -esse é dicionário usado por Pinóquio. O serrote para cortar o nariz de Pinóquio é a consciência. Um valor em crescimento no país.


A falsidade como meio de vida - JOSÉ NÊUMANNE

O ESTADÃO - 21/10

Em 2009, já escolhida pelo então chefe, Luiz Inácio Lula da Silva, para lhe suceder na Presidência da República, Dilma Rousseff teve registrada no currículo oficial, divulgado no site da Casa Civil, que chefiava, sua condição de mestre (master of science) e doutora (Ph.D.) em Ciências Econômicas pela Universidade de Campinas (Unicamp). Pilhada em flagrante delito pela revista Piauí, ela reconheceu que não era nada disso. E mandou corrigir seu Curriculum Lattes (padrão nacional no registro do percurso acadêmico de estudantes e pesquisadores, adotado pela maioria das instituições de fomento, universidades e institutos de pesquisa do País), que informava ter ela cursado Ciências Sociais.

Falsificar Curriculum Lattes equivale, na Academia, a usar um falso diploma de médico. Cobrada, Dilma justificou-se: “Aquela ficha do Lattes era de 2000. Eu era secretária de Minas, Energia e Telecomunicações no Rio Grande do Sul. Eu não tinha mais nenhuma vida acadêmica. Eu era doutoranda porque eu não tinha sido jubilada, era doutoranda. Ao que parece eu fui jubilada em 2004, mas não fui comunicada”.

Do episódio se conclui que, pelo menos desde então, Dilma tem mantido hábitos que se mostraram recorrentes nas duas eleições presidenciais que disputou (em 2010 e 2014) e nos mandatos que nelas obteve. Um deles é conjugar verbos repetitivamente na primeira pessoa do singular. Outro, recusar-se a assumir a responsabilidade pelos próprios erros. Para ela, a culpa era do Lattes, não dela. Já no dilmês tatibitate, ao qual o País se acostumaria nestes tempos, ela se eximiu da falsificação do documento. Quem falsificou seu currículo? Ela mesma nunca se interessou em saber e denunciar. Nem explicou como pagou créditos de doutorado sem ter apresentado dissertação de mestrado, como é praxe. Esta, contudo, é uma mentira desprezível se comparada com outro acréscimo que fez a sua biografia: o da condição de heroína da democracia, falsificando o conceito básico que definiria o objetivo de sua luta.

Ela combateu, sim, a ditadura, ao se engajar num grupo armado de extrema esquerda de inspiração marxista-leninista, o VAR-Palmares. Sua atuação está confirmada em autos de processos na Justiça Militar, em que foi acusada de subversão e prática de atentados terroristas. E foi narrada em detalhes por Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, que a delatou em depoimento mantido no arquivo digital de O Globo (oglobo.globo.com/politica/confira-integra-do-depoimento-de-beto-dado-em-1971-2789754). Dilma mente porque, como atestam ex-guerrilheiros mais honestos, eles não lutavam por uma democracia burguesa, mas, sim, pela “ditadura do proletariado” de Marx, Lenin, Stalin, Pol Pot, Mao e dos Castros.

Na campanha pela reeleição, que ela empreendeu em 2014, Dilma parecia padecer de uma compulsão doentia à mentira. No palanque, ela prometeu o Paraíso de Milton e já nos primeiros dias do segundo governo, este ano, começou a entregar a prestações o Inferno de Dante. No debate na Globo com Aécio Neves, do PSDB, que derrotaria nas urnas, ela sugeriu à cearense Elizabeth Maria, de 55 anos, que disse estar desempregada, apesar de seu diploma (não falsificado) de economista, que procurasse o Pronatec. Em 2015, esse carro-chefe da propaganda engendrada pelo bruxo marqueteiro João Santana, o Patinhas, terá 1 milhão de vagas, um terço das do ano passado. E, em sua Pátria Enganadora (que “Educadora”?), foram cortados R$ 2,9 bilhões das escolas públicas.

Este é apenas um dos exemplos da terrível crise econômica, política e moral, com riscos de virar institucional, causada pela desastrada gestão das contas públicas em seu primeiro mandato, em especial no último ano, o da eleição, Em 2014 viu-se forçada a violar a Lei da Responsabilidade Fiscal, cobrindo rombos nos bancos públicos para pagar programas sociais, como seria reconhecido até por seu padimLula.

Tudo isso põe no chinelo os lucros do falsário Clifford Irving, causador de imensos prejuízos no mercado das artes plásticas e que terminou virando protagonista de Orson Welles no filme Verdades e Mentiras. Não dá para comparar milhares de dólares perdidos na compra de obras de arte falsas com a perda de emprego por mais de 1 milhão de brasileiros em 12 meses nem a empresários fechando suas empresas.

Os dois só se comparam porque neles falsificar é meio de vida – jeito de obter um emprego e se manter nele. Na Suécia, onde começou a semana, Dilma fez seu habitual sermão da permanência doa a quem doer (e como dói!). Questionada se havia risco de os contratos que assinou serem anulados por um sucessor que capitalize a crise criada por seu desgoverno, afirmou: “O Brasil está em busca de estabilidade política e não acreditamos que haja qualquer processo de ruptura institucional”. A imprecisão semântica serve à falsificação da realidade – não como método, mas como ofício. Se se busca estabilidade, estabilidade não há. Não é necessária ruptura institucional para ela cair.

E ontem ela atingiu o auge do desprezo à inteligência alheia ao repetir a madrasta da Branca de Neve em frente ao espelho, num delírio de falsidade e má-fé: “O meu governo não está envolvido em nenhum escândalo de corrupção”.

Os jardineiros de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, pintavam de vermelho rosas brancas que plantaram, em vez de vermelhas, que a Rainha de Copas os mandara plantar. Quem apoia a alucinação obsessiva de nossa Rainha de Copas falsária 150 anos após a publicação da obra – “depô-la é golpe” – não tem memória. Pois ignora que o que ela tenta é alterar a cor da História: o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois da ditadura, Fernando Collor, hoje investigado por corrupção, foi deposto por impeachment e substituído pelo vice, Itamar Franco, por quem ninguém dava nada, mas que nos libertou da servidão da inflação. O resto é a falsidade de ofício dela.

Blindando o futuro e reparando o passado 2 - ADRIANO PIRES

O ESTADO DE S. PAULO - 21/10

A indústria de petróleo e gás tem histórico de volatilidade de preços, é capital intensiva e seus investimentos têm longa maturação. Isso exige grande disciplina de capital, gestão de custos e constante avaliação de portfólio de ativos. A manutenção de baixo nível de endividamento confere robustez para enfrentar cenários de baixos preços de petróleo.

A Petrobrás aumentou substancialmente seus investimentos a partir de 2005, quando alcançaram o valor anual de US$ 10,6 bilhões. O investimento médio anual entre 2007 e 2014 foi de US$ 43,2 bilhões, tendo atingido seu ápice em 2010: US$ 85,9 bilhões. Em 5/10/2015, a Petrobrás anunciou redução de seus investimentos referentes a 2015 e 2016 para US§ 25 bilhões e US$ 19 bilhões, respectivamente.

A meta de produção de petróleo em 2020, no Plano de Negócios 2011-2015, era de 4,9 milhões de barris/dia (mmb/d); no Plano de Negócios 2012-2016, foi reduzida para 4,2 mmb/d; e, no plano de 2015-2019, foi reduzida para 2,8 mmb/d. Certamente, o nível atual de preços de petróleo no mercado internacional impacta investimentos, mas não a ponto de causar essa expressiva redução.

Os custos de produção e prestação de serviços (CPV) estão intimamente relacionados à qualidade dos investimentos realizados, ao índice de custos da indústria de petróleo e à taxa de câmbio, e não serão objeto deste artigo, que trata das despesas operacionais que são em grande parte gerenciáveis.

Ao olharmos as despesas operacionais, é importante ressaltar que muitas não podem ser analisadas sob a ótica de porcentual que representam em relação ao faturamento da empresa, pois não têm relação com preços da indústria. A simples volatilidade de preços levaria a diferentes conclusões.

As despesas de vendas/gerais/administrativos da Petrobrás em 2014 foram de R$ 27,2 bilhões (e R$ 7,0 bilhões se referem somente à área Corporativa). Seria razoável supor que haveria ganho de escala com o crescimento da empresa nesse tipo de custo, mas isso não aconteceu. Pelo contrário. No período 2005 a 2014, o custo de vendas/gerais/administrativos cresceu, em média, 10,7% ao ano, bem acima da inflação no período. A possível razão, além da falta de disciplina na gestão de custos, foi o montante gasto com propaganda institucional. Defendo a transparência do gasto de propaganda da empresa, pois isso funcionaria como forte blindagem empresarial. Estes gastos devem ser compatíveis com pares da indústria.

No período de 2005 a 2013, o número de funcionários do Sistema Petrobrás aumentou em 32.207 funcionários, o que representou crescimento de 59,7% sobre a base de 2005. Além do imenso desafio de treinamento e gerenciamento, a empresa ampliou de forma expressiva sua infraestrutura corporativa. Além das despesas da área Corporativa, chama a atenção o investimento em ativo imobilizado dessa área: este aumentou de RS 1 bilhão, em 2005, para RS 74 bilhões, em 2014. Com o mercado de capitais brasileiro desenvolvido e a forte marca Petrobrás, certamente a empresa poderia ter feito melhor alocação de capital.

Em dezembro de 2013, as áreas Corporativa, Estratégica e Financeira tinham 4.995,1.960 e 1.892 funcionários, respectivamente. Ciente de que sua estrutura organizacional estava superdimensionada, a Petrobrás lançou em 2014 um Plano de Incentivo ao Desligamento Voluntário (PIDV), que teve adesão de 8.298 funcionários e gerou provisionamento de RS 24 bilhões.

Outro item de custo que merece atenção é Relações Institucionais e Culturais, que recebeu RS 13,5 bilhões de 2005 a 2014. Não questiono a pertinência de gasto em propaganda e relações institucionais e apoios culturais. Questiono a razoabilidade dos valores desembolsados e sua motivação: visaram exclusivamente aos interesses da empresa e de seus acionistas ou serviram como propaganda de governo?

O fato de a Petrobrás ser sociedade de economia mista não permite o seu uso por seu controlador para objetivos de governos. O Artigo 116 da Lei das S A é bem claro.


Um enredo para o Brasil? - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 21/10

Na semana passada, falei da possibilidade de ler o Brasil. Pertencer é ser: é uma leitura da “terra” onde nascemos por obra do acaso. Toda autorreflexão coletiva tem seu enredo, seus fracassos, sua cosmologia e muitos investimentos.

Qual seria o enredo do Brasil?

Se a resposta é a de que nada presta mesmo com a “esquerda” no poder, então há algo de podre no reino do pré-sal. Falta boa-fé e honestidade.

Quantas éticas inscrevemos nas leis que governam o nosso país? Um Estado nacional que, conforme disse um esquecido brasilianista, virtualmente experimentou todos os regimes políticos conhecidos?

Fomos abandonados por quase 100 anos e, em seguida, marcados por um sistema ultracentralizado. Em 1808, passamos a ser o centro do reino lusitano. Um rei aliado a contragosto às forças da reação europeia fugiu do seu reino e transformou uma periferia feita de índios e papagaios numa corte com mais papagaios do que índios. A eles se juntaram os mais ou menos 15 mil aristocratas e criados. A cidade marginal passou a ser o centro do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.

Tais passagens não se fazem impunemente.

O rei dos contos de Trancoso vira gente. O reino, carnavalizado, é num evento único da história das colonizações. O Rio comanda uma Lisboa ressentida e as figuras sagradas pela aristocrática foram humanizadas.

Foi de dentro desse passado que o Brasil libertou gradualmente os seus escravos, fez a sua República e iniciou o seu enredo de país moderno e igualitário. Mas como realizar tal passagem num sistema tocado a escravidão e baronatos que se transformaram em senadores, juízes, governadores e presidentes sem um povo livre capaz de elegê-los? Viramos República no papel, mas continuamos sendo o país do carnaval e das restrições hierárquicas do “Você sabe com quem está falando?” e de um clientelismo cósmico.

Como realizar a igualdade se existem categorias sociais que só podem ser julgadas por seus pares? Se os crimes prescrevem e, pelos menos, os financeiros compensam? Como adotar uma ética de igualdade num país onde os administradores públicos estão literalmente isentos de julgamento de modo que o mentir se tornou parte do ofício de governar?

Escrevemos um sistema político igualitário sem uma ética de igualdade. Como disse um pouco lido Gilberto Freyre, em Ordem e Progresso: “O que se fez com a Marinha desde os primeiros dias da civilização da República de 89 foi o que se fez com o Exército, com o Rio de Janeiro, com os portos, com as indústrias: cuidou-se da modernização das coisas e das técnicas sem se cuidar ao mesmo tempo da adaptação dos homens ou das pessoas a novas situações criadas pela ampliação ou pela modernização tecnológica da vida brasileira”.

Ou seja, mudamos iludidos pela dimensão político-institucional, mas pouco mudamos os costumes e os ritos pessoais das velhas reciprocidades. Não conseguimos passar para a sociedade a ética republicana que revolucionava tudo, menos os revolucionários que continuaram a conceber a dimensão política como um campo separado da sociedade supondo que os costumes iriam se transformar por decreto.

Daí as regalias extraordinárias com as quais traduzimos no nosso republicanismo os poderes que o dinamizam. Entrar no poder no Brasil é se garantir de ser servido pela sociedade. Mais: é estar protegido por uma rede legal que até hoje esquece os crimes, centrando-se muito mais no processo legal. A legislação é mais usada como um complicado código do que como aberto guia de comportamento.

A crise revela um enredo reprimido. Como conjugar éticas do privilégio de certos papéis e poderes (o Judiciário é o melhor exemplo), mas que atuam num campo onde predomina a tal “ética capitalista”? Esse conflito, hoje ampliado por uma tecnologia de transparência globalizada, traz à tona as contradições, mas impede a sua resolução porque o sistema legal é um emaranhado construído para manter os privilégios de quem está no poder.

Aliás, a igualdade republicana acabou por dar mais força aos elos pessoais simbolizada no inextinguível “Você sabe com quem está falando?”. Em vez de domesticar o lado privilegiado do sistema, nós o atrelamos aos recursos coletivos que são sistematicamente roubados pelos governantes em nome do povo e com legitimidade moderna da ideologia e do rito eleitoral.

Penso que o nosso enredo passa por esse sistema movido por múltiplas éticas, mas que é sempre pensado em termos puramente político, ideológico e partidário.

Não por acaso que, nas ruas, exigem-se confiabilidade, empoderamento dos marginalizados, competência administrativa e de muita honestidade.

Enfim, tudo indica que chegou a hora de virar de fato uma democracia igualitária, ou de deformar-se como uma enorme República onde o Estado engana ideologicamente a sociedade, roubando-lhe o autorrespeito e a dignidade.


O pato é nosso - RODRIGO CRAVEIRO

CORREIO BRAZILIENSE - 21/10

Equilibrar as finanças. Foi a justificativa da presidente Dilma Rousseff ao sair em defesa da famigerada e polêmica CPMF. Como se não bastasse a inflação a corroer o bolso do cidadão e a minar o poder de consumo - verve da ideologia petista -, o povo é quem vai pagar o pato. Caberá a nós tirar dinheiro da própria conta para reparar a duvidosa gestão orçamentária de um governo que luta para levantar e equilibrar sua popularidade. Caberá a nós inverter o conceito de democracia e determinar que é o povo quem faz para o governo, não o contrário.

O brasileiro precisará consertar as ações perdulárias de um sistema político carcomido pela corrupção e pela ampla chance de impunidade. Os assalariados, homens e mulheres que se reinventam para sobreviver, vão precisar cooperar para salvar as contas do país. Sem saber o que comerão amanhã e nutrindo a certeza de que jamais terão R$ 20 milhões em contas na Suíça nem carros de luxo não declarados à Receita. Também jamais deixarão valores humanos, como a dignidade e a honestidade, escaparem ralo abaixo pelos esgotos da sandice humana em troca de punhados de dinheiro público.

É chegada a hora de o Brasil cobrar a moralização da política. Chega de jogatinas escusas para reduzir a pena ou salvar a pele de gestores e de engravatados que parecem desconhecer o conceito de Welfare State, o Estado de bem-estar social. Pensam muito mais na manutenção do poder enquanto status e via de enriquecimento ilícito do que no interesse do cidadão. Entopem-se das benesses e confortos do próprio sistema e se esquecem de que, para além de seu mundinho refrigerado e cheio de verbas, existe gente desesperada, sem teto e sem pão.

Chega de um Congresso que premia com salários astronômicos a inépcia de seus representantes. Chega de artimanhas em benefício de empreiteiras e de proselitismo político. O cidadão brasileiro merece e precisa exigir o mínimo de respeito de políticos que se julgam acima de Deus na Terra. Afinal, foram colocados no posto pelo próprio eleitor e a ele devem prestar contas. As ruas, mas também as urnas, são os principais ambientes para protestos calcados no bom senso e no máximo exercício da cidadania. Estamos cansados de pagar o pato em um Brasil que se acha gigante, mas que se apequena ante uma saída moral para o próprio futuro.


Um tiro na Lava Jato - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 21/10

Numa entrevista ao repórter André Guilherme Vieira, o juiz João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Federal de São Paulo disse o seguinte: "Que diferença tem a tortura de alguém que ia para o pau de arara para fazer confissões e a tortura de alguém que é preso e só é solto com tornozeleira depois que aceita a delação premiada?".

Como magistrado, ele sabe que há uma primeira diferença: a tortura é ilegal e a colaboração com a Justiça é um mecanismo previsto em lei.

Felizmente o doutor também não sabe o que é um pau de arara. Quando a tortura faz parte do processo de investigação, uma sessão de suplícios não é tudo. O preso volta para a cela sabendo que, a qualquer momento, poderá ser pendurado de novo no pau de arara. Essa é outra diferença, tenebrosa.

Em 2009 a empreiteira Camargo Corrêa foi apanhada pela Operação Castelo de Areia. Era acusada de aspergir propinas em troca de contratos. Deu em nada. Na Lava Jato, o presidente da Camargo foi preso e, diante das provas que havia contra ele, fez um acordo com o Ministério Público. Não chegou a essa decisão pelo constrangimento da prisão preventiva. Ele e todos os outros colaboraram para reduzir as penas a que eventualmente seriam condenados. Tanto é assim que mais de uma dezena de colaboradores fizeram acordos sem que fossem decretadas suas prisões preventivas. Todos trocaram o risco de uma condenação a uma longa permanência em regime fechado pela admissão de culpas e pela revelação de esquemas criminosos. Para um réu do andar de cima, é melhor ficar de tornozeleira na sua casa de Angra dos Reis do que temer o cotidiano de uma penitenciária.

Entre o fiasco judicial da Castelo de Areia e a Lava Jato ocorreu uma novidade: o julgamento dos réus do mensalão. Nele, Kátia Rabelo, ex-presidente do banco BMG, foi condenada a 16 anos de prisão e José Dirceu, o ex-chefe da Casa Civil, foi para a penitenciária. O "efeito Papuda" mostrou que as portas dos cárceres estavam abertas para o andar de cima e abriu o caminho para as confissões da Lava Jato.

Graças a essa operação, a Camargo Corrêa fechou um acordo de leniência com o Ministério Público e poderá se transformar numa empreiteira de obras públicas que não suja sua marca. Coisa jamais vista desde 1549, quando Tomé de Souza desembarcou no Brasil trazendo mestres de obras para fundar uma cidade na Baía de Todos os Santos.

Com quatro séculos de experiência, os interesses e costumes abalados pela Lava Jato defendem seus interesses. Depois de oito meses de inútil teatralidade, a CPI da Petrobras terminou seus trabalhos. Entre as sugestões que colheu, está a de impedir a colaboração de pessoas presas. Resta saber se esse critério valeria para as confissões da turma do andar de baixo. A CPI teve como relator o deputado Luiz Sérgio (PT-RJ).

O juiz Gonçalves tem na sua vara a ação penal que trata lavagem de dinheiro por empresas de equipamentos ferroviários daquilo que se denominou Caso Alstom. Nele investigam-se, há sete anos, contratos assinados durante governos tucanos. Mudou de cara quando a empresa alemã Siemens passou a colaborar com o Ministério Público de seu país. Durante a campanha eleitoral do ano passado, a doutora Dilma referiu-se a esse escândalo: "Todos soltos".

Desrespeito ao Supremo - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 21/10

O governo de Dilma Rousseff, seguindo o padrão instituído pelo PT, entrou de vez no terreno da leviandade ao qualificar como “política” qualquer eventual decisão judicial que acolha as acusações contra a presidente e que podem lhe custar o mandato.

Como o Planalto tem “convicção de que não há base jurídica” para o impeachment, conforme disse o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, deduz-se que, se o entendimento dos tribunais for diferente, estará configurado o vício do processo. “A Constituição federal é clara quando diz que nenhuma lesão ao direito ficará afastada do Poder Judiciário. E tenho certeza de que o Supremo Tribunal Federal (STF) não agirá politicamente”, declarou Cardozo.
O governo planeja empreender uma guerra judicial, em todas as instâncias, para impedir que prosperem ações em favor do afastamento de Dilma. Conta, evidentemente, com a boa vontade do presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, que já informou a líderes governistas que pretende dar livre curso a qualquer petição que questione o “açodamento” de processos contra Dilma, conforme informou o Estado.

Ao mesmo tempo, o Planalto trata de desqualificar as tentativas de responsabilizar Dilma pelas chamadas “pedaladas fiscais”, isto é, as manobras contábeis para fechar as contas do governo à custa de bancos públicos. Argumenta que outros governos fizeram isso no passado e não foram punidos. Além disso, questiona a própria ideia de “pedalada” como crime de responsabilidade, ao sugerir que essa manobra não só é legal, como serviu para garantir o pagamento de benefícios sociais.

Defender-se com os mecanismos que a lei faculta é um direito inquestionável do governo, cabendo àqueles que acusam Dilma fundamentar corretamente suas ações para obter sucesso nos tribunais. Mas a presidente e seus auxiliares estão extrapolando seu direito à ampla defesa. Eles decidiram qualificar como “golpe” a mera possibilidade de sofrer qualquer revés judicial, o que configura inaceitável pressão de um Poder sobre outro.

Esse tem sido o comportamento do PT e de seus militantes desde o julgamento do mensalão. São inesquecíveis as palavras de ordem dos petistas em defesa dos companheiros flagrados com a mão na cumbuca e devidamente condenados: esses delinquentes - “membros da quadrilha, reunidos em verdadeira empresa criminosa”, como salientou o ministro Celso de Mello em seu voto no STF - deveriam ser considerados, na verdade, “guerreiros do povo brasileiro”. Em 2010, quando ainda era presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva disse que, quando deixasse o poder, desmontaria o que chamou de “farsa do mensalão”, modo nada sutil de pressionar o STF e colocar em dúvida a lisura e a independência dos ministros que ali trabalhavam.

Esse padrão petista voltou agora com toda a força. O julgamento das contas do governo pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sofreu todo tipo de constrangimento por parte do Planalto. Às vésperas da sessão do TCU que acabou por rejeitar as contas, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, chegou a dizer que o ministro relator do processo, Augusto Nardes, atuava como um “agente político”.

Assim, quando se trata de crimes que envolvem petistas, o governo - que se arvora pioneiro no combate aos malfeitos no País - tudo faz para criar embaraços para aqueles que se dedicam a investigar e julgar esses casos. Tal comportamento revela o traço autoritário que marca o PT desde que chegou ao poder - e que transforma qualquer forma de oposição e de condenação judicial em “golpismo”.

Ora, a tentação golpista se revela mesmo é quando se insinua, como ocorreu no mensalão, que o STF pode agir como um “tribunal de exceção”, exarando sentenças tão somente para “criminalizar o PT”. Ou então quando não se respeita a Suprema Corte do País, sugerindo que ela pode vir a tomar uma decisão “política”, como afirmou, com estudada singeleza, o ministro da Justiça.

O Brasil e a freada chinesa - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO -21/10

O governo brasileiro tem motivos especiais para se preocupar com o menor crescimento chinês. Há preocupações em todo o mundo, porque a China, segunda maior potência econômica, gigantesca na exportação e na importação, tem sido uma das locomotivas da economia global. Mas o interesse brasileiro em relação ao ritmo da expansão chinesa é muito particular. Mesmo com redução do valor importado, o mercado chinês ainda é a principal fonte da receita comercial do Brasil: US$ 28,90 bilhões entre janeiro e setembro deste ano, 20% dos US$ 144,49 bilhões faturados com as vendas ao exterior no período. A excessiva dependência desse mercado, a natureza do comércio bilateral e a escassa participação brasileira em acordos internacionais são tópicos importantes dessa história.

O valor das vendas à China, de janeiro a setembro, foi 16,1% menor que o de um ano antes. As exportações brasileiras para todo o mundo têm ido mal, há mais de um ano, e nesses nove meses ficaram 16,3% abaixo do valor de igual período de 2014.

As duas variações, -16,1% e -16,3%, são muito parecidas. Por que dar importância especial à redução do valor vendido ao mercado chinês? Um pouco mais de atenção à composição dos números tornará mais claro o problema.

Neste ano, até setembro, as exportações de produtos básicos ficaram em US$ 67,54 bilhões, 21,9% abaixo do valor de um ano antes. No caso dos industrializados a redução foi muito menor, de 10%. A variação foi assim distribuída: queda de 7,9% no faturamento obtido com semimanufaturados e de 10,7% na receita contabilizada com manufaturados.

O Brasil vende à China principalmente produtos básicos. A receita proporcionada pela exportação de matérias-primas, nesses nove meses, correspondeu a 82,8% do valor vendido ao mercado chinês. Os básicos destinados ao mercado chinês equivaleram a 16,56% do total das exportações brasileiras. É uma enorme dependência de um único mercado e, mais que isso, de exportações de matérias-primas a um país. No mesmo período, a receita conseguida com as vendas a países compradores de maiores volumes de produtos industrializados caiu bem menos - com exceção dos embarques destinados a mercados da Europa, ainda com baixo ritmo de expansão.

Até setembro, o País enviou aos Estados Unidos produtos no valor de US$ 18,32 bilhões, com redução de 8,7% em relação ao faturamento de um ano antes. Mais de metade do faturamento - US$ 10,36 bilhões, ou 56,87% - veio dos manufaturados. Os semimanufaturados renderam US$ 3,26 bilhões, ou 17,88% do total. A receita das exportações industriais correspondeu, portanto, a 74,75%, três quartos, praticamente, do total conseguido com as vendas ao mercado americano.

Os produtores de bens industriais são normalmente menos afetados pela desaceleração mundial - hoje, especialmente da China - do que os exportadores de primários. Isso ocorre apesar do baixo poder de competição da maior parte da indústria, menor que o da agropecuária. Os preços dos primários são em geral mais prejudicados quando pioram as condições internacionais.

Não há nada errado em exportar produtos primários, especialmente quando o país é competitivo nessa classe de produtos, como o Brasil. Mas o País poderia exportar um volume bem maior de bens industrializados e, além disso, ser muito menos dependente do mercado chinês. Mas para isso seria preciso mudar a política econômica e a diplomacia comercial. Seria preciso criar melhores condições de competitividade e cuidar do acesso a mais mercados. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro, disse estar correndo atrás do tempo perdido nessa política e buscando novos acordos comerciais. A troca de ofertas entre Mercosul e União Europeia deve ocorrer até o fim de novembro, segundo ele. Mas isso dependerá, seria bom acrescentar, da disposição do governo argentino, um dos entraves principais à maior inserção do bloco no mercado global.


Déficit da Previdência torna reforma urgente - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

VALOR ECONÔMICO - 21/10

O torvelinho político em que o país mergulhou nos últimos meses prejudicou discussões extremamente importantes. Uma delas é o futuro da Previdência Social. A Medida Provisória 676 com as novas regras para a Previdência é apenas uma colcha de retalhos para regular um tema tão relevante e com números grandiosos. As despesas da Previdência já representam quase 12% do Produto Interno Bruto (PIB) e não param de crescer. Cerca de 40% dos benefícios do INSS são corrigidos pelo salário mínimo, que vai subir em linha com a inflação elevada deste ano, ampliando as despesas obrigatórias.

No ano passado o déficit da previdência rural foi de R$ 82 bilhões, consumiu o superávit de R$ 25,5 bilhões da previdência urbana e produziu resultado negativo de R$ 56,7 bilhões do INSS. A previdência dos servidores federais, com apenas 1,9 milhão de beneficiários, menos de 10% dos pouco mais de 27 milhões de benefícios distribuídos pelo INSS, teve déficit ainda maior, de R$ 63,4 bilhões; e a dos funcionários de governos estaduais, de R$ 50,9 bilhões. Neste ano, o déficit do INSS deve ficar entre R$ 82 bilhões a R$ 88 bilhões e pode superar os R$ 100 bilhões em 2016.

A MP 676 apenas empurrou com a barriga esse desafio crescente e já nasceu com o prazo de validade vencido, segundo críticos. Sua raiz está em uma emenda feita de última hora na MP 664, que criou a fórmula 85/95 para o cálculo da aposentadoria como alternativa ao fator previdenciário, lançado em 2000. Pela fórmula 85/95, as mulheres podem pedir aposentadoria integral assim que a soma da idade e do tempo de contribuição atingir 85; e os homens, 95 - desde que o tempo de contribuição seja de 30 anos e 35 anos, respectivamente.

A presidente vetou essa emenda e remodelou a proposta na MP 676, mantendo a fórmula 85/95 como alternativa ao fator previdenciário, mas introduzindo a correção futura dessa tabela, que aumentará gradualmente até atingir 90/100 a partir de 2022. Segundo o governo, sem uma progressão para os anos futuros, a regra 85/90 poderia provocar um rombo de centenas de bilhões de reais na Previdência em 2030, por ignorar o processo de envelhecimento acelerado da população e o aumento crescente da expectativa de vida.

Há quem diga que mesmo a fórmula 90/100 será insuficiente para evitar a debacle da Previdência diante da transformação demográfica pela qual passa o país. O percentual da população acima de 65 anos vai dobrar nos próximos 20 anos para 14%. Para enfrentar essa mudança, a saída seria mesmo fixar uma idade mínima de aposentadoria, como faz a maioria dos países.

Essa não é a única questão. A MP 676, que seguiu para apreciação da Presidência da República após ser aprovada pelo plenário do Senado na primeira semana de outubro nos mesmos termos da proposta votada pela Câmara dos Deputados no fim de setembro, inclui alguns pontos que contrariam posições do governo. Um deles é a autorização da desaposentação, que permite o recálculo da aposentadoria para quem continuar a trabalhar e a pagar o INSS depois de se aposentar, desde que tenha feito pelo menos 60 contribuições. Caso entre em vigor, causará bilhões de reais em novas despesas ao INSS. O tema também está em discussão no Supremo Tribunal Federal desde 2003, com um recurso com votação empatada e pendente de decisão.

Os problemas não param por aí. A MP contém medida que regulamenta o recebimento do seguro - desemprego pelo trabalhador rural e do seguro - defeso pelos familiares que apoiam o pescador artesanal, dois pontos que estão entre os que devem passar por revisão. Questiona-se o fato de o trabalhador rural se aposentar com menos idade do que o urbano. Além disso, há suspeitas de que os números dos elegíveis aos dois benefícios e ao auxílio-doença estejam inchados por fraudes. O próprio ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já observou que a população rural corresponde a 9% da PEA do Brasil, mas as aposentadorias rurais representam mais de um terço dos benefícios. O número de benefícios do seguro defeso supera o de pescadores registrados no país.

Não são, portanto, apenas a queda da arrecadação e as dificuldades de se aprovar a criação da CPMF que complicam a administração da Previdência Social. O sistema está inviável e mais se assemelha a uma bomba de efeito retardado, pronta para explodir, se não passar por uma reforma geral dentro de pouco tempo.

Os novos espertalhões - TOSTÃO

O TEMPO - 21/10

As mudanças de estilo em equipes acostumadas a jogar, por um longo tempo, de outra maneira, ocorrem mais pelas características dos novos jogadores do que pelo desejo dos treinadores.

Por causa da saída de Xavi e das chegadas de Rakitic, Suárez e, principalmente, Neymar, o Barcelona, com muita velocidade nos contra-ataques, é uma equipe diferente da que foi na época de Guardiola, com mais posse de bola e troca curta de passes.

Por não ter Xavi nem Iniesta, por possuir alguns jogadores altos e velozes, como Müller e Lewandowski, e por ter pontas rápidos e dribladores, como Robben, Ribéry e Douglas Costa, o Bayern é também diferente do Barcelona dirigido por Guardiola. O time alemão une os dois estilos: a marcação por pressão e troca curta de passes e as bolas longas, aéreas e mais velocidade.

A seleção brasileira privilegia os rápidos contra-ataques e os lances individuais porque possui jogadores com essas características, e não por que Dunga quer. Isso não impede que ele associe ao atual estilo o jogo mais compacto, com mais posse de bola e mais troca de passes, o que não tem feito.

O Corinthians, melhor em tudo no Brasileiro, privilegia o jogo coletivo, mais o passe que o drible. Os dois são importantes. O passe é essencial, e o drible é o complemento. Não se deve inverter a ordem. Jádson, Elias e Renato Augusto não são volantes nem meias. São meio-campistas. Atuam de uma intermediária à outra. Quando o time perde a bola, marca com cinco (Ralf mais uma linha de quatro a sua frente). Quando recupera a bola, os quatro avançam em bloco e se juntam a Vágner Love. Assim jogam as grandes equipes, como fez a Alemanha na Copa.

O Cruzeiro, com Mano Menezes, tem jogado de uma forma parecida. Defende e avança com quatro ou cinco no meio. Em pouco tempo, o Cruzeiro, coletivamente, é outro time. Mas, se quiser, no próximo ano, disputar o título do Brasileirão, com Mano Menezes, Tite ou Guardiola, terá de contratar uns dois ou três bons reforços. Os técnicos são importantes, devem ser valorizados, mas não supervalorizados na vitória ou na derrota.

Mano Menezes, no Grêmio e na seleção brasileira, e Tite, campeão do mundo pelo Corinthians (mais vitorioso que Mano Menezes), começaram a mudar a maneira ultrapassada usada pelos times brasileiros, durante um longo tempo. Suas equipes passaram a atuar de uma maneira mais compacta, com mais troca de passes, com duplas pelos lados, formadas pelos laterais e pelos meias, com jogadores capazes de marcar e atacar e, quando perdiam a bola, defendiam com duas linhas de quatro. Hoje, os outros técnicos tentam fazer o mesmo.

O futebol brasileiro precisa evoluir e diminuir a promiscuidade e as espertezas presentes em todos os setores e em todos os níveis, dentro e fora de campo. Durante muito tempo, proliferaram os jogadores simuladores, que denegriram a imagem de nosso futebol, em todo o mundo. Agora, começam a surgir os novos espertalhões, os especialistas em jogar a bola no braço dos adversários, com a colaboração das absurdas marcações de pênaltis pelos árbitros.

Dupla

Arrascaeta e Willian podem formar uma boa dupla, podem se completar. O jogador uruguaio é mais habilidoso, enquanto Willian é mais técnico. A habilidade é a intimidade com a bola, a capacidade de não perdê-la diante da marcação exercia pelo adversário. A técnica é a execução dos fundamentos da posição. Willian é preciso nas finalizações. Contra o Fluminense, Arrascaeta jogou muito mal. Mesmo assim, acho que Mano deveria insistir com ele, por ter chance de crescer e por falta de uma melhor opção.

O campeonato está praticamente decidido. Levir Culpi deveria ser duro nas críticas a Carlos, pela expulsão. O jogo já estava 1 a 0 para o Sport, mas, se continuasse 11 contra 11, o Atlético teria chance de ganhar a partida. Times que estão perdendo e ficam com um jogador a menos correm grandes riscos de serem goleados.


Principal ocupação do governo, hoje, é evitar o impeachment - MURILLO DE ARAGÃO

O TEMPO - 21/10

Para certos conselheiros da presidente, a temperatura do impeachment baixou significativamente com a decisão do STF de rejeitar o rito proposto por Eduardo Cunha para o processo. Teria sido uma vitória para Dilma Rousseff. Não entendo assim.

O governo teria amplas condições de derrotar a admissibilidade do pedido no plenário da Câmara. O motivo é simples: o impeachment ainda não estaria no ponto de ser deflagrado. Por isso, uma ação decisiva poderia paralisar a questão na saída.

Seria necessária a participação da maioria dos deputados, ou seja, 257 presentes, e que essa maioria votasse contra o início do processo de impeachment. Custa-se a crer que o governo não possa mobilizar a maioria simples a seu favor.

Derrotando a tentativa no nascedouro, o governo encerraria – ainda que por algum tempo – o debate da questão e se dedicaria ao ajuste fiscal. Para tal, bastaria estimular negativa do pedido quando o presidente da Câmara tivesse de apreciá-lo.

Na busca pela anulação do rito pela via judiciária, a presidente abriu mão de uma instância que lhe poderia ser favorável. O pior é que, ao esticar o tema para o STF, pôs lenha na fogueira na já difícil relação entre Judiciário e Congresso.

Cunha, acertadamente, considera-se vencedor. Ganhou poderes inquestionáveis para tocar a decisão e, assim, barganhar com governo e oposição uma retirada antes da eventual cassação de seu mandato pelo plenário da Câmara.

Mesmo com o esfriamento da questão, as possibilidades de abertura do processo continuam em 50%. Principalmente pelo apego do Planalto ao tema. Como disse um ministro, hoje, a principal ocupação do governo é contar os votos que tem para impedir o impeachment. Em vez de governar e criar fatos novos, a recorrência em tratar do tema termina mantendo-o na pauta.

Para complicar a situação, três fatos novos são importantes: a pedido do TSE, a Polícia Federal começou a investigar a eventual contaminação da campanha de Dilma pelas estripulias do petrolão.
Os outros dois são: o prosseguimento das investigações da Lava Jato, com novas revelações que expõem lideranças governistas, e a suspeita de que as pedaladas de 2014 continuam ocorrendo neste ano.

As novas revelações no âmbito da Lava Jato envolvem nomes da esfera governista e aumentam o risco de o escândalo contaminar ainda mais aliados do governo. Já a suspeita de que as pedaladas continuam ocorrendo também pode reforçar a eventual rejeição das contas do governo em 2014 pelo Congresso Nacional.

Desgastado pela escalada das denúncias contra ele, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, poderia encontrar motivação para autorizar a tramitação do processo. O pedido que será protocolado amanhã pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Junior ofereceria tal oportunidade.

Para a oposição, a aparente derrota dá tempo para ampliar a base de sustentação ao plano de tirar Dilma. Isso ocorreria a partir das próprias incongruências e fragilidades do governo e do evidente agravamento da situação econômica e social.

É preciso levar em conta que o processo de impeachment não é um movimento trivial, e sim uma operação política complexa e demorada. Também é importante reconhecer que não se encontram em Dilma Rousseff as mesmas fragilidades que Fernando Collor possuía quando do seu impedimento.

As ações do governo não se revestem da competência necessária para lidar com a situação, o que nos leva a crer que tudo pode acontecer. Inclusive, nada.

NAS ENTRELINHAS - POR LUIZ CARLOS AZEDO

CORREIO BRAZILIENSE - 21/10

Mas parece que a alma do executivo finalmente entrou na cela. É dramático o pedido de habeas corpus apresentado pela defesa de Marcelo Odebrecht

Caiu a ficha

Um dos executivos presos na Operação Lava-Jato costuma dizer aos colegas que a ficha demora a cair quando se entra em cana: "A gente só aceita a dura realidade quando a alma entra na cela". Ele faz parte de uma elite de diretores de empreiteiras que não aceitou fazer delação premiada, porque teve garantia de seus acionistas majoritários de que teria bons advogados, a família protegida e a participação garantida no que restar do patrimônio das empresas.

Esse também é o pacto feito pelo empresário Marcelo Odebrecht e os executivos de sua empresa que continuam presos. Segundo o Ministério Público Federal, Rogério Araújo, era representante da Odebrecht nos contatos com a Petrobras e o responsável direto pelo pagamento das propinas; e Márcio Faria da Silva, no cartel das empreiteiras e envolvido diretamente na negociação e pagamento das propinas.

Mas parece que a alma do executivo finalmente entrou na cela. É dramático o pedido de habeas corpus apresentado ontem pela sua defesa: "O requerente pede socorro! A higidez do sistema pede socorro! O Estado Democrático de Direito pede socorro! Os direitos humanos pedem socorro! E do Supremo Tribunal Federal espera-se a concessão de habeas corpus de ofício, no ponto, para cassar-se o terceiro teratológico decreto de prisão preventiva".

Marcelo Bahia Odebrecht e seus executivos tiveram na segunda-feira um novo e terceiro decreto de prisão preventiva, expedido na última segunda pelo juiz Sérgio Moro, que conduz os processos do caso na primeira instância da Justiça Federal. Por considerar risco à ordem pública e à aplicação da lei penal, também foi decretada nova prisão preventiva contra Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras.

Na avaliação da defesa, "houve extrema violência e com completa falta de isenção ao impor nova prisão preventiva ao requerente" pelos mesmos fatos do primeiro decreto de prisão. O quadro é verdadeiramente grave e assustador. "A prosperar medidas dessa natureza no contexto da denominada Operação Lava Jato ter-se-á permitido a instauração entre nós de um verdadeiro sistema de supressão episódica de direitos e garantias constitucionais."

O Ministério Público acusa o grupo de pagar propina de R$ 137 milhões, entre 2006 e 2014, em contratos de terraplenagem em diversas obras da Petrobras. Em nota, a Odebrecht disse que "chama atenção" o fato de a nova denúncia ter sido aceita pela Justiça "horas após o Supremo Tribunal Federal conceder habeas corpus a um dos ex-executivos da empresa - e sem que tenham sido apresentados fatos novos em relação à denúncia anterior."

Batalha jurídica A nova prisão preventiva veio num momento em que os meios jurídicos apostavam em mais uma invertida do ministro Teori Zavascki do Supremo Tribunal Federal (STF) no juiz federal Sérgio Moro, depois do fatiamento da Operação Lava-Jato, que tirou da jurisdição de Curitiba as investigações não diretamente relacionadas aos contratos da Petrobras, como o caso da Eletronuclear.

A expectativa foi criada pelo habeas corpus concedido por Teori ao ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar, na sexta-feira passada, sob o fundamento de que, assim como outros executivos de empreiteiras que saíram da cadeia, a prisão preventiva pode ser substituída por medidas cautelares, como o comparecimento mensal em juízo, vedação de manter contato com outros investigados e proibição de deixar o país. Alexandrino também precisou entregar o passaporte em até 48 horas.

Em razão dessa decisão, Moro tomou a iniciativa de revogar a prisão preventiva de César Rocha, outro executivo ligado à Odebrecht, que estaria envolvido diretamente na forma de repasse dos valores utilizados para pagamento das propinas, segundo a denúncia contra ele. No despacho, Moro diz que a decisão é uma extensão do benefício concedido a Alexandrino na liminar de Teori.

O pedido de habeas corpus de Marcelo Odebrecht tem o mesmo fundamento do impetrado por Alexandrino, assim como os anteriormente também apresentados por Rogério Araújo e Márcio Faria. Para os advogados dos réus, a revogação da prisão preventiva de Marcelo e dos dois executivos pelo STF será uma mudança de rota na Operação Lava-Jato.

A possibilidade desses réus de responderem ao processo em liberdade, mesmo com as medidas cautelares, poria fim à proliferação de "delações premiadas" entre os réus considerados "homens-bomba", como o ex-diretor da Petrobras Renato Duque e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Seria também uma espécie de alto lá na atuação do juiz Sérgio Moro, que é acusado de parcialidade pelos advogados dos réus, embora a maioria dos recursos impetrados contra suas decisões, até agora, tenham sido rejeitados em segunda e terceira instâncias.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

LULA QUER ‘SUPER-MINISTRO’ COM DILMA DE ‘RAINHA’
O ex-presidente Lula ainda pressiona a presidente Dilma a substituir Joaquim Levy por Henrique Meirelles, no Ministério da Fazenda. Na semana passada, em Brasília, ele tentou atrair o interesse de Meirelles com uma nova proposta: fundir a Fazenda e o Planejamento. Diante de testemunhas, Lula prometeu: “Você será super-ministro e Dilma, uma rainha da Inglaterra”. Meirelles ironizou: “Ela já sabe disso?” Sabia.

MEIRELLES NÃO QUER
Meirelles foi categórico na recusa: “De jeito nenhum. Em pouco tempo ela vai começar me criticar pelos jornais e não vou aceitar calado”.

DILMA NÃO QUER
Foi essa investida de Lula que fez Levy indignado, redigir e entregar sexta-feira (16) a Dilma o seu pedido de demissão. Ela não aceitou.

NÃO SE BICAM
Dilma sente aversão até física por Meirelles, com quem se estranhou durante o governo Lula, quando ele presidia Banco Central.

É SÓ POSE
Recusando-se a nomear Meirelles e tornando Levy sua opção pessoal, Dilma mantém certa “independência” de Lula. Mas é só pose.

NA TERRA DE RENAN CALHEIROS, 85% REJEITAM DILMA
Levantamento realizado no estado de Alagoas, terra natal do principal aliado de Dilma no Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB), mostra que 84,9% desaprovam o governo Dilma e apenas 12,9% aprovam a gestão da petista. No cenário pré-eleitoral, Aécio (PSDB) lidera as intenções de votos com 33,3%, seguido pelo ex-presidente Lula (PT), 25,8%, e a ex-ministra Marina Silva (Rede), com 17,2%.

IMPEACHMENT, SIM
Em relação ao impeachment, 65,5% dos entrevistados dizem concordar com a destituição de Dilma do cargo de presidente; 24% são contrários.

SEGUNDO TURNO
Em um possível 2º turno contra Lula, Aécio venceria o candidato petista 50,7% a 31,2%. Contra Marina, Aécio venceria 48,6% a 32,5%.

DADOS DA PESQUISA
A pesquisa foi realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas, e entrevistou 1.252 eleitores em 32 municípios alagoanos, entre 15 e 19 de outubro.

CANDIDATOS MENORES
Pré-candidatos à Presidência em 2018 como o noveau-pedetista Ciro Gomes, o deputado Jair Bolsonaro (PTB), o vice-presidente Michel Temer (PMDB) e o senador Ronaldo Caiado (DEM) somam 8,5% das intenções de voto em Alagoas, segundo o Instituto Paraná Pesquisas.

CONTA OUTRA, MADAME
Nem os atenciosos finlandeses acreditaram quando Dilma repetiu em Helsinque a lorota de que seu governo não está sob suspeita na Lava Jato, que investiga o assalto à Petrobras iniciado no governo Lula.

ACORDO PRÓ-IMPEACHMENT
Eduardo Cunha costura acordo com a oposição para tocar o impeachment de Dilma. A aliados, ele contou que não quer negócio com governo. “Na primeira chance, o governo irá me rifar”, diz.

EM BUSCA DE VOTOS
A oposição vem adiando a entrega de novo pedido, porque busca os 342 votos necessários ao impeachment. Por enquanto, os partidos que defendem a destituição da presidente contabilizam 290.

É A CRISE
O senador Valdir Raupp (PMDB-RO) afirma que o adiamento da conferência nacional do PMDB não está relacionado à crise com o governo. Nem a mãe dele acreditaria nisso.

RISO SOLTO
O ministro Ricardo Berzoini (Governo) precisou puxar a orelha de Hugo Leal (PROS-RJ) e Fernando Monteiro (PP-PE), que, em reunião de líderes aliados, divertiam-se com vídeos no Whatsapp.

ÁGUA NA CARA
O deputado Laerte Bessa (PR-DF) perdeu a paciência, em audiência pública na Câmara. Ele jogou um copo com água em ativista contrário ao Movimento Brasil Livre, pró-impeachment, que o provocava.

GOVERNO MALUCO
O deputado Danilo Forte (PSB-CE) define o governo como louco: “O Nordeste padece de seca sem precedente, mas o governo corta recursos para transposição do rio São Francisco e compra caças”.

PERGUNTA NO TRIBUNAL
Dilma afirmou que “não houve corrupção” no seu governo para dizer que Ministério Público, Polícia Federal e Justiça estão mentindo ou para dizer que toda roubalheira ocorreu nos governos Lula?