O GLOBO - 09.10
Só mesmo um petista histórico como o professor Dalmo Dallari, que já pagou muitos micos jurídicos em defesa do partido, pode dizer que o julgamento das contas de Dilma no TCU foi político e não jurídico, quando todo mundo viu que foi técnico: as provas apresentadas, julgadas e aprovadas por unanimidade, são contábeis, são graves violações da Lei de Responsabilidade Fiscal, que justificam a rejeição das contas.
Mas o professor Dallari assegura que "Dilma não levou qualquer vantagem pessoal com as contas do governo" Ela só fez essas trapalhadas e desatinos fiscais para enganar o eleitorado com um país enganoso e falsamente próspero, gastou muito mais do que podia sem autorização do Congresso em um ano eleitoral, e até durante a campanha, mas a candidata Dilma não teve qualquer vantagem... rsrs.
Talvez, para ele, vantagem pessoal seja "meteu algum no bolso" como os guerreiros da causa que roubaram para o partido e para eles mesmos. Mas disso ninguém a acusa. Ela só é responsável por enganar a população, desrespeitar a LRF, encobrir ilegalidades e esconder malfeitos contábeis em benefício de sua reeleição e em prejuízo de seus concorrentes.
O professor aloprado afirma que "a presidente não pode ser responsabilizada por atos estranhos ao exercício do mandato" Mas se executar o Orçamento não é responsabilidade da presidente, de quem seria?
Para ele, "as pedaladas são atos formais de administração da equipe econômica sem interferência da presidente" como se Dilma não fosse a mãe da "nova matriz econômica", se Arno Augustin, Guido Mantega e Nelson Barbosa não fossem fiéis executores de suas ordens. Ao contrário de Lula, Dilma é metida a economista, sempre teve absoluto controle da área, e por isso estamos como estamos.
Tantas falcatruas provadas, comprovadas e aprovadas não podem ser rejeitadas pelo Congresso tecnicamente, só politicamente, no pior sentido, ou ter a sua votação protelada por Renan como mais uma arma de chantagem contra Dilma Trapalhona.
Mas Dilma viu luz no fim do túnel: é o farol do trem-bala do impeachment vindo em sua direção a 400 quilômetros por hora.
sexta-feira, outubro 09, 2015
Novo calendário da crise - VINICIUS TORRES FREIRE
Folha de SP - 09/10
Alguém ainda lembra de que projetos do pacotinho fiscal do governo, como o que ressuscita a CPMF, têm de tramitar no Congresso? "Parece que ainda não se tornou prioridade aqui na Casa", diz e ri, em seguida, um senador do PMDB.
Como todo mundo está mais do que enfastiado de saber, o pacotinho fiscal lançado no mês passado pretende levantar dinheiros que em tese evitariam um buraco maior nas contas do governo em 2016. No momento, as previsões melhores são de tricampeonato de deficit primário (2014-15-16), despesas maiores que receitas mesmo desconsiderados os gastos com juros.
A calmaria relativa e provisória importada da finança mundial e a possibilidade de o destino de Dilma Rousseff ser decidido em 2016 atenuam a crise no curtíssimo prazo. Não é para desprezar o alívio, pois a alta contínua de dólar e juros, no ritmo do paniquito de julho-setembro, em breve quebraria as pernas de muita empresa, entre outros problemas. Não é para relaxar, também. A desorientação na finança mundial é grande, a biruta gira rápido, a ventania pode recomeçar ainda na virada de outubro para novembro.
Enquanto isso, no Brasil a crise horrenda continua borbulhando logo abaixo da superfície. A receita de impostos continua caindo, parte relevante das receitas extraordinárias não vai entrar no caixa neste ano, o deficit de 2016 está quase contratado e não há plano algum de médio prazo (dois, três anos) que possa atenuar e abreviar a recessão. O pacotinho fiscal é apenas um remendo capaz de evitar o início de novo ciclo de degradação aguda, como os de finais de julho e de agosto.
A ordem das tramitações de projetos, de votos de vetos e de ataques a Dilma Rousseff pode alterar vários produtos do Congresso. Em uma hipótese remota, mas não impossível, Dilma Rousseff não sobe ao cadafalso do impeachment até fevereiro, pelo menos, o Congresso desativa as bombas fiscais e não joga definitivamente no lixo o pacote de aumento de impostos e corte de gastos.
O antigo cronograma do impeachment parece meio embananado: tentativas de admissão do processo lá pelo final do mês, grande risco de desembarque do PMDB em meados de novembro. Mas a oposição ainda pretende detonar o início do processo de derrubada da presidente em outubro, com nova onda de manifestações de rua.
Ainda assim, ao que parece, o roteiro de final de ano Congresso está sendo reescrito.
A reforma ministerial deu chabu na primeira semana de vigência, mas o governo reabriu ontem seus programas de aquisição de apoios parlamentares, "Meu Carguinho, Minha Vida" e o "Emendas sem Fronteiras", com o que pretende conquistar a simpatia, quase amor, do baixo clero fora do PMDB. Eduardo Cunha, presidente da Câmara, tem uma estaca no peito, mas sobrevive, por enquanto, acuado e irado.
"Tudo tem seu tempo, não diz a Bíblia?", diz o senador do PMDB. Primeiro, vão ser aprovados os vetos de Dilma Rousseff aos aumentos demenciais de gastos votados pelo Congresso, "com um susto ou outro" para a presidente, "na semana que vem, no mais tardar no dia 20".
Depois, "a gente tem de ver esse negócio do [Eduardo] Cunha de botar impeachment para votar na semana que vem, se ele ainda vai ter voz. Aí é mais enrolado".
Alguém ainda lembra de que projetos do pacotinho fiscal do governo, como o que ressuscita a CPMF, têm de tramitar no Congresso? "Parece que ainda não se tornou prioridade aqui na Casa", diz e ri, em seguida, um senador do PMDB.
Como todo mundo está mais do que enfastiado de saber, o pacotinho fiscal lançado no mês passado pretende levantar dinheiros que em tese evitariam um buraco maior nas contas do governo em 2016. No momento, as previsões melhores são de tricampeonato de deficit primário (2014-15-16), despesas maiores que receitas mesmo desconsiderados os gastos com juros.
A calmaria relativa e provisória importada da finança mundial e a possibilidade de o destino de Dilma Rousseff ser decidido em 2016 atenuam a crise no curtíssimo prazo. Não é para desprezar o alívio, pois a alta contínua de dólar e juros, no ritmo do paniquito de julho-setembro, em breve quebraria as pernas de muita empresa, entre outros problemas. Não é para relaxar, também. A desorientação na finança mundial é grande, a biruta gira rápido, a ventania pode recomeçar ainda na virada de outubro para novembro.
Enquanto isso, no Brasil a crise horrenda continua borbulhando logo abaixo da superfície. A receita de impostos continua caindo, parte relevante das receitas extraordinárias não vai entrar no caixa neste ano, o deficit de 2016 está quase contratado e não há plano algum de médio prazo (dois, três anos) que possa atenuar e abreviar a recessão. O pacotinho fiscal é apenas um remendo capaz de evitar o início de novo ciclo de degradação aguda, como os de finais de julho e de agosto.
A ordem das tramitações de projetos, de votos de vetos e de ataques a Dilma Rousseff pode alterar vários produtos do Congresso. Em uma hipótese remota, mas não impossível, Dilma Rousseff não sobe ao cadafalso do impeachment até fevereiro, pelo menos, o Congresso desativa as bombas fiscais e não joga definitivamente no lixo o pacote de aumento de impostos e corte de gastos.
O antigo cronograma do impeachment parece meio embananado: tentativas de admissão do processo lá pelo final do mês, grande risco de desembarque do PMDB em meados de novembro. Mas a oposição ainda pretende detonar o início do processo de derrubada da presidente em outubro, com nova onda de manifestações de rua.
Ainda assim, ao que parece, o roteiro de final de ano Congresso está sendo reescrito.
A reforma ministerial deu chabu na primeira semana de vigência, mas o governo reabriu ontem seus programas de aquisição de apoios parlamentares, "Meu Carguinho, Minha Vida" e o "Emendas sem Fronteiras", com o que pretende conquistar a simpatia, quase amor, do baixo clero fora do PMDB. Eduardo Cunha, presidente da Câmara, tem uma estaca no peito, mas sobrevive, por enquanto, acuado e irado.
"Tudo tem seu tempo, não diz a Bíblia?", diz o senador do PMDB. Primeiro, vão ser aprovados os vetos de Dilma Rousseff aos aumentos demenciais de gastos votados pelo Congresso, "com um susto ou outro" para a presidente, "na semana que vem, no mais tardar no dia 20".
Depois, "a gente tem de ver esse negócio do [Eduardo] Cunha de botar impeachment para votar na semana que vem, se ele ainda vai ter voz. Aí é mais enrolado".
Em meio a crises, governo falha mais do que poderia - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO
VALOR ECONÔMICO - 09/10
Para quem corre o risco real de se envolver em uma batalha cruel de um processo de impeachment, a presidente Dilma Rousseff e seus auxiliares diretos têm cometido erros sucessivos, que podem tornar mais próximo o fim que suas ações procuram evitar. O espaço político no qual se move o governo se reduziu e a soma de maus passos e desorientação pode conduzir em breve à paralisia, em um momento em que romper o imobilismo é essencial para se consertar a economia. Nenhum dos flancos vulneráveis do governo, expostos nos processos no Tribunal Superior Eleitoral e no Tribunal de Contas da União, conduz diretamente à retirada de Dilma da Presidência. Tudo indica, pelo menos até agora, que uma tentativa de impedimento terá de passar por incerta, longa e ruidosa disputa judicial.
É para sair dessa rota de perigo que o governo tem agido, colecionando insucessos. É cedo para se aferir se os últimos passos dados, com a reforma ministerial e a entrada em cena do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como orientador político e ator direto, podem estancar a fraqueza política e começar a reverter o jogo a favor do governo. Os primeiros sinais não foram promissores.
As incongruências do núcleo palaciano tornam indiscerníveis os objetivos a serem alcançados. É conhecido que a presidente Dilma não tem traquejo político e é centralizadora. A bagunça política começou nos primeiros dias do segundo mandato, quando a cúpula palaciana tentou, ao mesmo tempo, afastar a corrente majoritária de Lula do governo e reduzir a dependência do PMDB de Michel Temer, ao estimular a criação de novos partidos pela prestidigitação de Gilberto Kassab. Dessas temeridades nasceu a rivalidade de Eduardo Cunha, cujo caminho para a presidência da Câmara o Planalto tentou barrar com uma candidatura petista, derrotada fragorosamente.
Com o comando da Câmara e do Senado na mão de inimigos, ambos do PMDB, e uma base rebelada, o Planalto terceirizou então a coordenação política para Michel Temer, sem deixar de contradizê-lo nos bastidores e retirar força de suas negociações com os partidos e o Congresso. Com um PMDB dividido, em que uma ala abertamente conspira para derrubar Dilma, e diante de um inimigo forte como Cunha no comando da Câmara, seria conveniente dar mais tempo e espaço a Temer.
Contrariado, Temer devolveu a coordenação política ao governo, isto é, para ninguém. A tentativa sem convicção de uma costura política no atacado, com Temer e lideranças partidárias, deu lugar à abertura da caixa de Pandora, com uma reforma ministerial obtida a partir de um mergulho no varejo do Congresso, aventura para a qual o governo não estava de forma alguma equipado. Lula entrou em campo na montagem de outro ministério medíocre, cuja missão é entregar votos no Congresso.
Essa arriscada manobra leva algum tempo para produzir resultados, mas seus pontos fracos são visíveis desde o início. Ao ter o poder de indicar ministros, o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, viu o chão fugir-lhe aos pés, com as manobras de seu padrinho, Eduardo Cunha, e a retirada de apoio de siglas minúsculas preteridas na obtenção de um naco ministerial. O conjunto ministerial não tem, para dizer o mínimo, o perfil de austeridade que o momento requer.
Acreditando, contra toda a evidência, que tudo quanto toca se materializa em seguida, a cúpula do Planalto quis logo testar a revivida base governista com um objetivo secundário: a votação dos vetos presidenciais. Os vetos podem dormir em paz por anos a fio nos escaninhos do Congresso, na companhia de dezenas de outros que lá estão. Com o bazar ministerial fechado, porém, os parlamentares foram convocados duas vezes para a votação e não houve quorum. O Planalto agora pensa em mais negociações de cargos com os descontentes, desta vez com vagas no segundo escalão.
O vale-tudo do governo tem o objetivo de mantê-lo vivo e conquistar maioria no Congresso para consertar a economia. O apoio ao ajuste do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, deveria ser inequívoco para que a fase dura da recessão se abrevie e a recuperação ocorra logo. Sem que a questão com os aliados esteja mesmo resolvida, há sinais de que Levy voltou a ser um alvo. Faltava unidade na base, ainda falta unidade e convicção de propósitos no governo. Sem isso, a economia seguirá em estado lamentável e os acertos políticos serão, fatalmente instáveis.
Para quem corre o risco real de se envolver em uma batalha cruel de um processo de impeachment, a presidente Dilma Rousseff e seus auxiliares diretos têm cometido erros sucessivos, que podem tornar mais próximo o fim que suas ações procuram evitar. O espaço político no qual se move o governo se reduziu e a soma de maus passos e desorientação pode conduzir em breve à paralisia, em um momento em que romper o imobilismo é essencial para se consertar a economia. Nenhum dos flancos vulneráveis do governo, expostos nos processos no Tribunal Superior Eleitoral e no Tribunal de Contas da União, conduz diretamente à retirada de Dilma da Presidência. Tudo indica, pelo menos até agora, que uma tentativa de impedimento terá de passar por incerta, longa e ruidosa disputa judicial.
É para sair dessa rota de perigo que o governo tem agido, colecionando insucessos. É cedo para se aferir se os últimos passos dados, com a reforma ministerial e a entrada em cena do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como orientador político e ator direto, podem estancar a fraqueza política e começar a reverter o jogo a favor do governo. Os primeiros sinais não foram promissores.
As incongruências do núcleo palaciano tornam indiscerníveis os objetivos a serem alcançados. É conhecido que a presidente Dilma não tem traquejo político e é centralizadora. A bagunça política começou nos primeiros dias do segundo mandato, quando a cúpula palaciana tentou, ao mesmo tempo, afastar a corrente majoritária de Lula do governo e reduzir a dependência do PMDB de Michel Temer, ao estimular a criação de novos partidos pela prestidigitação de Gilberto Kassab. Dessas temeridades nasceu a rivalidade de Eduardo Cunha, cujo caminho para a presidência da Câmara o Planalto tentou barrar com uma candidatura petista, derrotada fragorosamente.
Com o comando da Câmara e do Senado na mão de inimigos, ambos do PMDB, e uma base rebelada, o Planalto terceirizou então a coordenação política para Michel Temer, sem deixar de contradizê-lo nos bastidores e retirar força de suas negociações com os partidos e o Congresso. Com um PMDB dividido, em que uma ala abertamente conspira para derrubar Dilma, e diante de um inimigo forte como Cunha no comando da Câmara, seria conveniente dar mais tempo e espaço a Temer.
Contrariado, Temer devolveu a coordenação política ao governo, isto é, para ninguém. A tentativa sem convicção de uma costura política no atacado, com Temer e lideranças partidárias, deu lugar à abertura da caixa de Pandora, com uma reforma ministerial obtida a partir de um mergulho no varejo do Congresso, aventura para a qual o governo não estava de forma alguma equipado. Lula entrou em campo na montagem de outro ministério medíocre, cuja missão é entregar votos no Congresso.
Essa arriscada manobra leva algum tempo para produzir resultados, mas seus pontos fracos são visíveis desde o início. Ao ter o poder de indicar ministros, o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, viu o chão fugir-lhe aos pés, com as manobras de seu padrinho, Eduardo Cunha, e a retirada de apoio de siglas minúsculas preteridas na obtenção de um naco ministerial. O conjunto ministerial não tem, para dizer o mínimo, o perfil de austeridade que o momento requer.
Acreditando, contra toda a evidência, que tudo quanto toca se materializa em seguida, a cúpula do Planalto quis logo testar a revivida base governista com um objetivo secundário: a votação dos vetos presidenciais. Os vetos podem dormir em paz por anos a fio nos escaninhos do Congresso, na companhia de dezenas de outros que lá estão. Com o bazar ministerial fechado, porém, os parlamentares foram convocados duas vezes para a votação e não houve quorum. O Planalto agora pensa em mais negociações de cargos com os descontentes, desta vez com vagas no segundo escalão.
O vale-tudo do governo tem o objetivo de mantê-lo vivo e conquistar maioria no Congresso para consertar a economia. O apoio ao ajuste do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, deveria ser inequívoco para que a fase dura da recessão se abrevie e a recuperação ocorra logo. Sem que a questão com os aliados esteja mesmo resolvida, há sinais de que Levy voltou a ser um alvo. Faltava unidade na base, ainda falta unidade e convicção de propósitos no governo. Sem isso, a economia seguirá em estado lamentável e os acertos políticos serão, fatalmente instáveis.
Erro deliberado - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 09/10
O procurador de contas Júlio Marcelo de Oliveira disse que as pedaladas foram apenas uma parte de "um conjunto harmônico de maquiagens". Outras irregularidades detectadas pelo TCU nas contas da presidente Dilma de 2014 ajudaram a executar a intenção de ampliar despesas em ano eleitoral. Na opinião dele, o tempo dado ao governo ajudou a consolidar a convicção do TCU.
- Quanto mais debate houve, mais clara ficou a gravidade das falhas cometidas pelo governo. A verdade ficou mais nítida e cristalina para todos os ministros - disse Oliveira.
Um dos argumentos muito usados é o de que outros governos fizeram a mesma coisa. Essa é a convicção do professor de direito constitucional da PUC Manoel Messias Peixinho, que eu entrevistei ontem no programa da Globonews, junto com o procurador.
O professor disse que a decisão é histórica e será um sinal importante para todos os governos, mas que a prática condenada pelo TCU teria sido usada antes: - Em governos anteriores ao governo Dilma houve a prática. Não com essa gravidade, mas houve. O fato de ter havido pedaladas antes não justifica o que aconteceu em 2014, porque o governo havia sido advertido.
O procurador discorda que isso foi prática recorrente anteriormente: - O que foi classificado como "pedaladas" começou a acontecer somente no segundo semestre de 2013. O que houve antes foram pequenos saldos negativos dentro dos contratos com os bancos.
O gráfico exibido pelo relator do processo, Augusto Nardes, deixa isso claro. Ele mostra o saldo do governo na conta da Caixa desde 2004. Nos anos anteriores, o saldo fica negativo por pequenos períodos. Em 2013, aumenta o negativo, e em 2014 abre- se um rombo de R$ 6 bi. O saldo negativo, que deveria ser eventual, passou a ser recorrente. E o saldo positivo, que deveria ser recorrente, passou a ser pontual.
Segundo o procurador, o governo começou o ano "fraudando" o decreto de contingenciamento quando ignorou informações do Ministério do Trabalho de que havia queda de receita e aumento de despesas no seguro- desemprego. Ele teria que contingenciar, o que o obrigaria a cortar em outro programa, como o Fies, Ciência sem Fronteira, Pronatec. Não fez esse corte e aumentou alguns desses gastos. Para isso é que foi feita a pedalada: - A pedalada é a parte financeira do plano. Como não tem o dinheiro, o governo usa os bancos para se financiar. Depois, edita decreto para ampliar as despesas sem passar pelo Congresso, usurpando uma das funções do legislativo. Por fim, o Banco Central não registra esses passivos na dívida líquida do setor público.
A conta do seguro- desemprego chegou a ficar com saldo negativo durante sete meses. O governo deveria ter bloqueado R$ 14 bi para fazer frente a esse gasto. Deixando negativa a conta, pôde aumentar outros programas, em ano eleitoral, e depois não os sustentou.
- Percebe- se nitidamente a intenção de turbinar despesas em ano eleitoral. A dotação para o Fies em 2013 foi de R$ 5 bilhões. Em 2014, pulou para R$ 12 bi. Como se tira R$ 7 bi se não for com um estratagema como esse? Em 2015 o Fies caiu para menos da metade. Quantos estudantes começaram a estudar e não conseguiram renovar? É cruel acenar com financiamento estudantil e no ano seguinte retirar - disse Oliveira.
Manoel Messias Peixinho lembrou que toda a evolução futura da recomendação do TCU dependerá do Congresso, mas que uma das consequências jurídicas é proibir a presidente de se candidatar a cargo eletivo.
O procurador de contas Júlio Marcelo de Oliveira disse que as pedaladas foram apenas uma parte de "um conjunto harmônico de maquiagens". Outras irregularidades detectadas pelo TCU nas contas da presidente Dilma de 2014 ajudaram a executar a intenção de ampliar despesas em ano eleitoral. Na opinião dele, o tempo dado ao governo ajudou a consolidar a convicção do TCU.
- Quanto mais debate houve, mais clara ficou a gravidade das falhas cometidas pelo governo. A verdade ficou mais nítida e cristalina para todos os ministros - disse Oliveira.
Um dos argumentos muito usados é o de que outros governos fizeram a mesma coisa. Essa é a convicção do professor de direito constitucional da PUC Manoel Messias Peixinho, que eu entrevistei ontem no programa da Globonews, junto com o procurador.
O professor disse que a decisão é histórica e será um sinal importante para todos os governos, mas que a prática condenada pelo TCU teria sido usada antes: - Em governos anteriores ao governo Dilma houve a prática. Não com essa gravidade, mas houve. O fato de ter havido pedaladas antes não justifica o que aconteceu em 2014, porque o governo havia sido advertido.
O procurador discorda que isso foi prática recorrente anteriormente: - O que foi classificado como "pedaladas" começou a acontecer somente no segundo semestre de 2013. O que houve antes foram pequenos saldos negativos dentro dos contratos com os bancos.
O gráfico exibido pelo relator do processo, Augusto Nardes, deixa isso claro. Ele mostra o saldo do governo na conta da Caixa desde 2004. Nos anos anteriores, o saldo fica negativo por pequenos períodos. Em 2013, aumenta o negativo, e em 2014 abre- se um rombo de R$ 6 bi. O saldo negativo, que deveria ser eventual, passou a ser recorrente. E o saldo positivo, que deveria ser recorrente, passou a ser pontual.
Segundo o procurador, o governo começou o ano "fraudando" o decreto de contingenciamento quando ignorou informações do Ministério do Trabalho de que havia queda de receita e aumento de despesas no seguro- desemprego. Ele teria que contingenciar, o que o obrigaria a cortar em outro programa, como o Fies, Ciência sem Fronteira, Pronatec. Não fez esse corte e aumentou alguns desses gastos. Para isso é que foi feita a pedalada: - A pedalada é a parte financeira do plano. Como não tem o dinheiro, o governo usa os bancos para se financiar. Depois, edita decreto para ampliar as despesas sem passar pelo Congresso, usurpando uma das funções do legislativo. Por fim, o Banco Central não registra esses passivos na dívida líquida do setor público.
A conta do seguro- desemprego chegou a ficar com saldo negativo durante sete meses. O governo deveria ter bloqueado R$ 14 bi para fazer frente a esse gasto. Deixando negativa a conta, pôde aumentar outros programas, em ano eleitoral, e depois não os sustentou.
- Percebe- se nitidamente a intenção de turbinar despesas em ano eleitoral. A dotação para o Fies em 2013 foi de R$ 5 bilhões. Em 2014, pulou para R$ 12 bi. Como se tira R$ 7 bi se não for com um estratagema como esse? Em 2015 o Fies caiu para menos da metade. Quantos estudantes começaram a estudar e não conseguiram renovar? É cruel acenar com financiamento estudantil e no ano seguinte retirar - disse Oliveira.
Manoel Messias Peixinho lembrou que toda a evolução futura da recomendação do TCU dependerá do Congresso, mas que uma das consequências jurídicas é proibir a presidente de se candidatar a cargo eletivo.
De quem é a culpa pela crise? - MARCIO GARCIA
VALOR ECONÔMICO - 09/10
Em relatório do FMI o Brasil é o que tem o pior desempenho. Num mundo que freia, o Brasil dá marcha-a-ré
Ainda que o descalabro econômico atual seja generalizado, o indicador mais doloroso é o desemprego, que já cresceu muito (veja o gráfico) e, infelizmente, deve se elevar ainda mais. Como pôde a economia piorar tanto em tão pouco tempo?
O governo alega que foi a crise mundial que, de forma inesperada, causou a piora da nossa economia em 2015. Mas isso é uma falácia. Embora quase todos os países estejam crescendo menos do que no passado e do que se previa, o desempenho do PIB brasileiro é muito pior do que os demais. De todos os países que o FMI destaca em sua tabela principal sobre as perspectivas da economia mundial (World Economic Outlook, outubro de 2015, Tabela 1.1), o Brasil é o que tem o pior desempenho, só secundado pela Rússia, muito dependente de exportações de petróleo, cujo preço despencou, e que vem sendo afetada pelas sanções econômicas impostas em decorrência de sua interferência na Ucrânia. Num mundo que freia, o Brasil dá marcha-a-ré.
A principal razão do desempenho excepcionalmente ruim da economia brasileira está nas políticas econômicas praticadas pelos governos do PT desde a saída do ministro Antônio Palocci, em 2006. Como se sabe, o PT sempre comungou de uma cartilha econômica heterodoxa.
Quis a Providência que os economistas de grei heterodoxa não comandassem a equipe econômica que iniciou o primeiro governo do PT, em 2003. Provavelmente, o aprendizado de Lula com o Plano Real foi fundamental para que tivesse deixado os economistas do PT de fora do centro de sua primeira equipe econômica. Afinal, em 1994, quando Lula tentava sua segunda eleição presidencial, ele já havia botado à prova a competência de tais economistas.
Lula era franco favorito quando o Plano Real estava sendo lançado, em 1994. E os economistas do PT recomendaram que Lula se opusesse ao novo plano de estabilização, que, segundo eles, fracassaria como os anteriores. Como se sabe, o sucesso do Plano Real deu a Fernando Henrique Cardoso não só uma, mas duas vitórias, em 1994 e 1998, ambas em primeiro turno. Algo que Lula nunca conseguiu. Com tal demonstração de clarividência econômica pelos economistas do PT, nada mais natural que Lula tivesse recorrido ao dr. Palocci, arquiteto da "Carta ao Povo Brasileiro", para ministro da Fazenda.
Infelizmente, a Providência nos abandonou, ou quis que trilhássemos nossos próprios caminhos. Em 2006, Palocci foi substituído por Mantega, um genuíno representante do pensamento heterodoxo do PT. Pior ainda, após a crise de 2008, quando países avançados começaram a experimentar a adoção de políticas que eram nossas velhas conhecidas, Mantega e sua equipe receberam a "licença para matar" dos filmes de James Bond.
Nascia então a malfadada NME: Nova Matriz Econômica. Basicamente, tratava-se de um conjunto de políticas de estímulo à demanda agregada via gastos públicos, reajuste de salário mínimo, expansão de crédito subsidiado e baixa de juros, acoplada com intervenções microeconômicas ad hoc. Apesar de toda a bonança proporcionada pelo boom dos preços das commodities, ainda foi necessário quebrar regras básicas das finanças públicas, com as "pedaladas fiscais". Nesse meio insalubre, vicejaram os vermes da corrupção.
Com o fracasso inconteste da NME, há hoje distintas reações dos economistas por elas responsáveis. Alguns, mais espertos, tentam recauchutar seus currículos, negando a paternidade da NME e tentando agora professar princípios de retidão fiscal e monetária, a favor dos quais nada fizeram quando no governo. Outros, xiitas da causa heterodoxa, tentam culpar a curta e atribulada tentativa de ajuste fiscal que ora vivemos pela recessão iniciada em meados de 2014 e agravada em 2015. Parecem não estar convencidos do óbvio e querem dobrar a aposta na terapêutica que já quase matou o doente.
É fundamental que seja atribuída a devida culpa a quem de direito, para que nem eles, nem sobretudo suas ideias canhestras sobre economia voltem a comandar a política econômica brasileira. Como dizia Bertrand Russel, há tantos erros novos a serem cometidos que não há por que repetir os antigos, sobretudo erros crassos tão penosos.
Márcio G. P. Garcia, Ph.D. por Stanford, é professor do departamento de economia da PUC-Rio.
Ainda que o descalabro econômico atual seja generalizado, o indicador mais doloroso é o desemprego, que já cresceu muito (veja o gráfico) e, infelizmente, deve se elevar ainda mais. Como pôde a economia piorar tanto em tão pouco tempo?
O governo alega que foi a crise mundial que, de forma inesperada, causou a piora da nossa economia em 2015. Mas isso é uma falácia. Embora quase todos os países estejam crescendo menos do que no passado e do que se previa, o desempenho do PIB brasileiro é muito pior do que os demais. De todos os países que o FMI destaca em sua tabela principal sobre as perspectivas da economia mundial (World Economic Outlook, outubro de 2015, Tabela 1.1), o Brasil é o que tem o pior desempenho, só secundado pela Rússia, muito dependente de exportações de petróleo, cujo preço despencou, e que vem sendo afetada pelas sanções econômicas impostas em decorrência de sua interferência na Ucrânia. Num mundo que freia, o Brasil dá marcha-a-ré.
A principal razão do desempenho excepcionalmente ruim da economia brasileira está nas políticas econômicas praticadas pelos governos do PT desde a saída do ministro Antônio Palocci, em 2006. Como se sabe, o PT sempre comungou de uma cartilha econômica heterodoxa.
Quis a Providência que os economistas de grei heterodoxa não comandassem a equipe econômica que iniciou o primeiro governo do PT, em 2003. Provavelmente, o aprendizado de Lula com o Plano Real foi fundamental para que tivesse deixado os economistas do PT de fora do centro de sua primeira equipe econômica. Afinal, em 1994, quando Lula tentava sua segunda eleição presidencial, ele já havia botado à prova a competência de tais economistas.
Lula era franco favorito quando o Plano Real estava sendo lançado, em 1994. E os economistas do PT recomendaram que Lula se opusesse ao novo plano de estabilização, que, segundo eles, fracassaria como os anteriores. Como se sabe, o sucesso do Plano Real deu a Fernando Henrique Cardoso não só uma, mas duas vitórias, em 1994 e 1998, ambas em primeiro turno. Algo que Lula nunca conseguiu. Com tal demonstração de clarividência econômica pelos economistas do PT, nada mais natural que Lula tivesse recorrido ao dr. Palocci, arquiteto da "Carta ao Povo Brasileiro", para ministro da Fazenda.
Infelizmente, a Providência nos abandonou, ou quis que trilhássemos nossos próprios caminhos. Em 2006, Palocci foi substituído por Mantega, um genuíno representante do pensamento heterodoxo do PT. Pior ainda, após a crise de 2008, quando países avançados começaram a experimentar a adoção de políticas que eram nossas velhas conhecidas, Mantega e sua equipe receberam a "licença para matar" dos filmes de James Bond.
Nascia então a malfadada NME: Nova Matriz Econômica. Basicamente, tratava-se de um conjunto de políticas de estímulo à demanda agregada via gastos públicos, reajuste de salário mínimo, expansão de crédito subsidiado e baixa de juros, acoplada com intervenções microeconômicas ad hoc. Apesar de toda a bonança proporcionada pelo boom dos preços das commodities, ainda foi necessário quebrar regras básicas das finanças públicas, com as "pedaladas fiscais". Nesse meio insalubre, vicejaram os vermes da corrupção.
Com o fracasso inconteste da NME, há hoje distintas reações dos economistas por elas responsáveis. Alguns, mais espertos, tentam recauchutar seus currículos, negando a paternidade da NME e tentando agora professar princípios de retidão fiscal e monetária, a favor dos quais nada fizeram quando no governo. Outros, xiitas da causa heterodoxa, tentam culpar a curta e atribulada tentativa de ajuste fiscal que ora vivemos pela recessão iniciada em meados de 2014 e agravada em 2015. Parecem não estar convencidos do óbvio e querem dobrar a aposta na terapêutica que já quase matou o doente.
É fundamental que seja atribuída a devida culpa a quem de direito, para que nem eles, nem sobretudo suas ideias canhestras sobre economia voltem a comandar a política econômica brasileira. Como dizia Bertrand Russel, há tantos erros novos a serem cometidos que não há por que repetir os antigos, sobretudo erros crassos tão penosos.
Márcio G. P. Garcia, Ph.D. por Stanford, é professor do departamento de economia da PUC-Rio.
A mala não fecha - PAULO SILVA PINTO
CORREIO BRAZILIENSE - 09/10
Todo mundo já se viu naquela situação de juntar coisas demais para a viagem e enfrentar dificuldade para fechar a mala. A gente aperta, faz força, acha que conseguiu, e então o zíper se rompe. É assim que o país está com os gastos públicos. A carga tributária equivale a 35% de tudo o que se produz aqui. E nem assim dá conta de cobrir as despesas do governo. O orçamento, provavelmente, vai fechar de novo no vermelho neste ano.
O que muitos se perguntam é para onde vai tanto dinheiro, já que os serviços públicos são insatisfatórios e exigem que muitos recorram à saúde e à educação pagas. Só que a gente não leva na mala só o que é nosso. A bagagem é da família toda.Tem um monte de tranqueiras, incluindo aquele jogo de panelas usadas que a tia pediu para levar. Nem experimente jogar fora sem antes convencê-la da falta de serventia.
Abrir mão do convívio com a família é sempre uma alternativa. Sair do país para não mais voltar, porém, está longe de ser uma operação trivial. Temos aqui um conjunto de direitos e oportunidades que já nos parece natural. Nem todos estão disponíveis, ao menos de modo imediato, para quem migra ao primeiro mundo. A solução óbvia de eliminar itens da bagagem - e das despesas públicas - passa por decisão coletiva. Há coisas que você nem sabia que tinham dono, mas é só ameaçar jogar fora que ele aparece.
A melhor alternativa pode ser substituir alguns itens por outros mais eficientes. O velho sobretudo de lã pode dar lugar a um casaco leve, que proporciona conforto térmico maior ocupando um terço do espaço. Na analogia em questão, isso equivale ao ganho de produtividade do setor público. Todo mundo concorda, a princípio, menos o dono do sobretudo. Fazer mais por menos é discussão que passa por muitos pontos, incluindo força de trabalho equivalente à do setor privado, em custos e resultados.
Para muita gente, o item mais inútil das despesas públicas, e que deveria ser cortado de imediato, é a taxa de juros, a maior do mundo. Abrir mão da política monetária, porém, é como dispensar a mala e tentar viajar com todos os itens na mão. Melhor trabalhar duro e comprar uma bagagem de boa qualidade.
Todo mundo já se viu naquela situação de juntar coisas demais para a viagem e enfrentar dificuldade para fechar a mala. A gente aperta, faz força, acha que conseguiu, e então o zíper se rompe. É assim que o país está com os gastos públicos. A carga tributária equivale a 35% de tudo o que se produz aqui. E nem assim dá conta de cobrir as despesas do governo. O orçamento, provavelmente, vai fechar de novo no vermelho neste ano.
O que muitos se perguntam é para onde vai tanto dinheiro, já que os serviços públicos são insatisfatórios e exigem que muitos recorram à saúde e à educação pagas. Só que a gente não leva na mala só o que é nosso. A bagagem é da família toda.Tem um monte de tranqueiras, incluindo aquele jogo de panelas usadas que a tia pediu para levar. Nem experimente jogar fora sem antes convencê-la da falta de serventia.
Abrir mão do convívio com a família é sempre uma alternativa. Sair do país para não mais voltar, porém, está longe de ser uma operação trivial. Temos aqui um conjunto de direitos e oportunidades que já nos parece natural. Nem todos estão disponíveis, ao menos de modo imediato, para quem migra ao primeiro mundo. A solução óbvia de eliminar itens da bagagem - e das despesas públicas - passa por decisão coletiva. Há coisas que você nem sabia que tinham dono, mas é só ameaçar jogar fora que ele aparece.
A melhor alternativa pode ser substituir alguns itens por outros mais eficientes. O velho sobretudo de lã pode dar lugar a um casaco leve, que proporciona conforto térmico maior ocupando um terço do espaço. Na analogia em questão, isso equivale ao ganho de produtividade do setor público. Todo mundo concorda, a princípio, menos o dono do sobretudo. Fazer mais por menos é discussão que passa por muitos pontos, incluindo força de trabalho equivalente à do setor privado, em custos e resultados.
Para muita gente, o item mais inútil das despesas públicas, e que deveria ser cortado de imediato, é a taxa de juros, a maior do mundo. Abrir mão da política monetária, porém, é como dispensar a mala e tentar viajar com todos os itens na mão. Melhor trabalhar duro e comprar uma bagagem de boa qualidade.
Decisão do TCU é pedagógica - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 09/10
Tornou-se lugar-comum dizer que o Brasil não precisa de leis. Precisa apenas cumprir as existentes. Aqui, porém, nem sempre vale o que está escrito. Há sempre um jeito de dar um jeito. Manobras adaptam as normas segundo os caprichos do inquilino que ocupa o poder. Daí a ironia de que este é o único país onde há leis que não pegam.
O jogo do faz de conta conjuga o verbo flexibilizar com naturalidade. As fronteiras entre o permitido e o proibido se atenuam e, não raro, desaparecem. Essa talvez seja a explicação para a reação do governo quando teve certeza de que o Tribunal de Contas da União (TCU) faria o que manda a Constituição - analisar a correta aplicação dos recursos públicos.
Por unanimidade, o TCU recomendou a rejeição das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff. Com fundamentos técnicos, o parecer apontou 12 irregularidades. Entre elas, as pedaladas fiscais. O governo ignorou a Lei de Responsabilidade Fiscal, o mais importante instrumento de moralização da administração pública.
O relatório - fruto do esforço de 14 servidores que compõem o qualificado quadro de especialistas concursados do órgão auxiliar do Poder Legislativo - apontou, entre outros, omissão de dívidas, atraso nos repasses a bancos públicos, pagamentos sem previsão orçamentária, lançamento irregular de despesas. O montante dos truques chegou a R$ 106 bilhões.
Cabe agora ao Congresso acatar ou não a recomendação da corte. Se a acolher, poderá tornar a presidente inelegível e talvez abrir caminho para processo de impeachment. Mas, independentemente do destino que o espera, o parecer tem importância que ultrapassa o curto prazo e a Praça dos Três Poderes. Ele desempenhará papel pedagógico cuja lição repercutirá em estados e municípios.
Governadores e prefeitos, tentados a pedalar, pensarão mais de uma vez antes de apostar na impunidade. A Lei de Responsabilidade Fiscal não aceita o verbo flexibilizar. Os entes federados precisam se curvar aos mandamentos de artigos e parágrafos. Como frisou o ministro Weder de Oliveira, impõe-se vigilância permanente.
No caso, recomenda-se a inversão da ordem dos termos que figuram no mandamento bíblico. Em vez de orai e vigiai, melhor praticar o vigiai e orai. Considerada a gravidade do pecado, a oração é insuficiente para afastar o risco do inferno. A histórica decisão do TCU serve de alerta.
Tornou-se lugar-comum dizer que o Brasil não precisa de leis. Precisa apenas cumprir as existentes. Aqui, porém, nem sempre vale o que está escrito. Há sempre um jeito de dar um jeito. Manobras adaptam as normas segundo os caprichos do inquilino que ocupa o poder. Daí a ironia de que este é o único país onde há leis que não pegam.
O jogo do faz de conta conjuga o verbo flexibilizar com naturalidade. As fronteiras entre o permitido e o proibido se atenuam e, não raro, desaparecem. Essa talvez seja a explicação para a reação do governo quando teve certeza de que o Tribunal de Contas da União (TCU) faria o que manda a Constituição - analisar a correta aplicação dos recursos públicos.
Por unanimidade, o TCU recomendou a rejeição das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff. Com fundamentos técnicos, o parecer apontou 12 irregularidades. Entre elas, as pedaladas fiscais. O governo ignorou a Lei de Responsabilidade Fiscal, o mais importante instrumento de moralização da administração pública.
O relatório - fruto do esforço de 14 servidores que compõem o qualificado quadro de especialistas concursados do órgão auxiliar do Poder Legislativo - apontou, entre outros, omissão de dívidas, atraso nos repasses a bancos públicos, pagamentos sem previsão orçamentária, lançamento irregular de despesas. O montante dos truques chegou a R$ 106 bilhões.
Cabe agora ao Congresso acatar ou não a recomendação da corte. Se a acolher, poderá tornar a presidente inelegível e talvez abrir caminho para processo de impeachment. Mas, independentemente do destino que o espera, o parecer tem importância que ultrapassa o curto prazo e a Praça dos Três Poderes. Ele desempenhará papel pedagógico cuja lição repercutirá em estados e municípios.
Governadores e prefeitos, tentados a pedalar, pensarão mais de uma vez antes de apostar na impunidade. A Lei de Responsabilidade Fiscal não aceita o verbo flexibilizar. Os entes federados precisam se curvar aos mandamentos de artigos e parágrafos. Como frisou o ministro Weder de Oliveira, impõe-se vigilância permanente.
No caso, recomenda-se a inversão da ordem dos termos que figuram no mandamento bíblico. Em vez de orai e vigiai, melhor praticar o vigiai e orai. Considerada a gravidade do pecado, a oração é insuficiente para afastar o risco do inferno. A histórica decisão do TCU serve de alerta.
O general da presidente - MARIA CRISTINA FERNANDES
VALOR ECONÔMICO - 09/10
"Se você não tem razão, Sílvio Costa é a solução." O deputado federal Esperidião Amin (PP-SC) tinha acabado de chegar ao restaurante no 10º andar do anexo 4 da Câmara dos Deputados quando avistou a mesa em que estava seu colega Sílvio Costa, deputado pelo PSC de Pernambuco e um dos vice-líderes do governo na Casa.
Ex-governador, ex-senador e ex-presidente nacional do seu partido, o deputado catarinense, reconhecido pela careca reluzente, é um dos melhores frasistas da Câmara. Discorda de quase tudo o que sai dos escaninhos do Palácio do Planalto, mas diz que Costa acabará por transformar Dilma em mártir e seus opositores, em vilões. "É o melhor general de brigada que ela podia ter aqui."
O deputado pernambucano já subiu à tribuna para dizer que o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), "ditador metido a pastor", envergonha a Casa e o senador Aécio Neves é um "arengueiro de Ipanema". Em seus discursos, opositores de todos os naipes viram irresponsáveis, hipócritas, demagogos e mentirosos. Defende mais o governo e o PT do que quaisquer de seus deputados. Pelo conjunto da obra, recebeu o título de chefe da tropa de choque do governo.
Na véspera, sentado à primeira mesa a ser ocupada no Lake´s, restaurante do circuito parlamentar, ainda vazio naquela noite de segunda-feira, se disse incomodado pela fama: "Preferia que as pessoas me conhecessem pelo conteúdo".
Filho de um cortador de cana e de uma dona de casa, nascido em 1956 em Rio Formoso, na zona da mata sul de Pernambuco, Sílvio Serafim Costa tornou-se o mais aguerrido defensor dos governos petistas sem nunca ter militado em partido de esquerda.
Na largada, aceita a sugestão do sommelier, TintoNegro, de Mendonza, safra 2012 - "gosto de vinho, mas não sou enólogo" - e principia uma saga que remete ao repertório lulista. Da sina ("sou um filho das dores sociais") ao aperto fiscal: "As contas do governo são como as de padaria, tem que ter receita pra cobrir a despesa".
Mal começa a falar do pai, se emociona. Do canavial da usina Cucaú, da família do atual ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro, a quem o deputado se ligaria décadas depois, Severino Serafim Costa saiu para montar uma venda. Terminou a vida com uma banca de abacaxi na feira de Santo Amaro, centro do Recife, com a qual custeava os estudos dos seis filhos.
Depois de passar três anos interno numa escola agrícola federal, no agreste do Estado, o mais velho deles entrou no curso de Agronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Três meses depois, virou monitor de química e, no ano seguinte, professor do União, o cursinho mais famoso da cidade. Logo começaria a montar turmas avulsas para suas aulas de química. Largaria o curso de agronomia para ganhar dinheiro nas máquinas de preparação para vestibular. "Era um professor que andava de Del Rey", lembra-se, ao mencionar o carro mais luxuoso da Ford no início da década de 1980.
Já havia se passado uma hora e o jantar se resumia a um carpaccio de salmão de que não se servira. "Não estou com pressa. Não sei vocês, mas eu estou adorando."
No Brasil, todos os partidos são iguais, defendem mais educação, mais saúde, mais emprego. Precisei ser pragmático e fui para o PSC
Em 1986, dez anos depois de começar a dar aula em cursinho, montaria o próprio colégio. Hoje são cinco, com unidades no Recife e no interior. Administrados pelo economista Carlos, o segundo dos seus quatro filhos, os colégios foram sua primeira base eleitoral.
Até 1988, sua única experiência política havia sido em greves de professores. Mas naquele ano, Roberto Magalhães, então no PFL, tinha deixado o governo de Pernambuco e mandou o filho, aluno de Costa, sondá-lo sobre o interesse pela Câmara dos Vereadores. Teve ali sua primeira e única derrota eleitoral.
Na eleição seguinte, voltaria à carga, já em outro partido. Do início de sua carreira política até hoje, Sílvio Costa exerceu sete mandatos (três de vereador, dois de deputado estadual e três de federal) e foi filiado a sete legendas: PTB, PSDB, PSL, PSD, PMN, PTB e PSC. "Minha vida partidária é uma salada igual à de Ciro Gomes."
Com o introito "detesto paladinos da moralidade", que permeia todo o jantar, explica a última das mudanças - para o "partido do Sílvio Costa" - como decorrência de sua proximidade de Armando Monteiro, que foi candidato ao governo de Pernambuco, em 2014: "Eduardo [Campos] tinha montado uma coligação de 22 partidos para Paulo Câmara. Armando só tinha o partido dele [PTB] e o PT. E a gente precisava de tempo de televisão. No Brasil, todos os partidos são iguais, defendem mais educação, mais saúde, mais emprego. Precisei ser pragmático e fui para o PSC".
Sua prestação de contas ao TSE traz despesas de R$ 1,7 milhão, a sexta maior numa bancada de 24 deputados. O maior lote de doações, via repasse do diretório partidário, presidido por Costa, veio do Bradesco (R$ 305 mil).
O garçom traz os cardápios, mas o deputado devolve o dele sem olhar: "Me traz aquele frango". O prato, que não está no cardápio, é um frango na brasa com sal grosso, farofa de ovos e arroz com alho, cebola e azeitona.
Diz que aprendeu a cozinhar com Cinthia, a ex-aluna com quem se casou há 36 anos: "Todo prato regional eu sei fazer, até porque os temperos são basicamente os mesmos. Agora, tem um problema, eu gosto de cominho. Você não deve gostar. Não é chique. Esse povo rico tem horror a cominho. Sei fazer galinha à cabidela, que vocês chamam de galinha ao molho pardo, bife à caçarola, que vocês chamam bife de panela, e rabada".
A conversa envereda pela política pernambucana. Ele se levanta pela segunda vez no jantar para fumar, e, na volta, retoma exatamente de onde parou, a recomposição com antigos desafetos. "Fui muito duro com Jarbas, pode procurar na internet ´Sílvio Costa bate em Jarbas´. Hoje me arrependo."
Em 2009, o ex-governador, ex-senador e hoje deputado federal pelo PMDB chamou o Bolsa Família de maior programa oficial de compra de votos do mundo. A brandir papelada que dizia ser a comprovação do discurso, Sílvio Costa acusou o então senador de, na entressafra de seus mandatos políticos, ter se aposentado de cargo público apenas um ano depois de nomeado. "Quero saber qual é a moral, qual é a ética, que um parasita do poder, um homem que vive há 40 anos do dinheiro público, tem para criticar o Bolsa Família", disse Costa da tribuna da Câmara.
De Miguel Arraes, diz reconhecer a "contribuição para a democracia", mas discorda do modelo de um Estado "que pode tudo". Sobre o neto dele, morto no ano passado como candidato a presidente da República, prefere silenciar: "Ele não está aqui para se defender".
O pivô de seu rompimento com o então governador Eduardo Campos foi Sílvio Costa Filho, ex-secretário de Turismo do Estado e hoje deputado estadual de modos contidos, que em nada lembra os arroubos do pai. Seu afastamento, depois de denúncia de shows fantasmas, azedou de vez a relação com o grupo político hoje no poder, numa rota que tende a se aprofundar com as pretensões majoritárias de Costa (Senado) e do filho (prefeitura).
Sílvio Costa agradece a oportunidade de "esclarecer para o Brasil" a gestão do filho, que já foi avalizada pelo Tribunal de Contas, mas ainda peleja no ministério público: "A secretaria era repassadora de verbas das emendas dos deputados para as prefeituras. O Ministério do Turismo falhou na fiscalização. Queriam que meu filho demitisse o presidente da Empetur [autarquia subordinada à secretaria], um homem digno, e ele se recusou".
Tenho uma concepção de Estado, mas sei que faço política de uma forma inusitada. Paciência. Não se muda mais ninguém aos 58 anos
Sílvio Costa passa para o outro lado da vidraça sem alterar o tom de voz. Livrou-se de dois processos no Supremo. Um, por difamação, que havia sido movido pelo deputado Raul Jungmann (PPS-PE), e outro, trabalhista, por falta de provas. "Você acha que, com esse meu estilo, se eu tivesse rabo de palha já não tinham tocado fogo há muito tempo?"
O ex-senador Pedro Taques (PSDB-MT), hoje governador do seu Estado, foi instado a acender o fósforo quando Sílvio Costa o enfrentou, em 2012, durante sessão da CPI do Cachoeira que ouviu o senador cassado Demóstenes Torres. Mais agressiva verve da oposição, o ex-senador do DEM acabaria sendo desmascarado como operador do empresário Carlinhos Cachoeira, mas optou por ficar calado na CPI, irritando Costa. Taques saiu em defesa do silêncio de Torres e foi atacado por Sílvio Costa: "Você quer proteger um homem que trabalhou contra o país, seu m..."
O deputado, que depois se desculparia com Taques, manteria a indignação diante dos paladinos da ética, mas passaria a ser mais vigilante com o calão. Em julho, dois dias depois de o PSDB fazer convenção inflamada pelo impeachment, Costa subiu à tribuna.
Foi do "assalto das elites" ao envolvimento de ministros do TCU na Lava-Jato. "O plenário fez silêncio. As verdades sobre a oposição de direita na Câmara vieram da pessoa mais inusitada e improvável, um deputado do PSC", escreveu o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), ao colocar o discurso em rede social com 1.113.799 compartilhamentos.
"Depois desse discurso, Lula me comparou àquele deputado que enfrentava Carlos Lacerda", lembra Sílvio Costa, numa referência a Danton Coelho, parlamentar do PTB gaúcho e líder da tropa de choque contra a UDN.
Hoje compartilha com a banda reeditada da UDN a admiração pelo juiz Sérgio Moro. "É um homem destemido. Está fazendo tudo certo. Quero que tudo quanto é bandido da Lava-Jato vá preso." Mas não arreda o pé de uma revisão da Lei da Ficha Limpa que condicione a perda de mandato ao julgamento em segunda instância - "Já se cassou mais prefeito na democracia que na ditadura". A proposta colide com as propostas de Moro para vedar as brechas de apelação do Judiciário.
Sílvio Costa alega sobrepeso, declina da sobremesa, mas insiste que repórter e fotógrafo provem da sua preferida, sorvete de coco com calda de goiabada. Pede um café antes de sair para fumar o terceiro cigarro da noite.
Vê a hora do jantar acabar sem expor seu conteúdo. Engata um discurso sobre o inchaço da máquina pública e vê lições numa Grécia "falida pelo corporativismo".
Diz que ninguém quer discutir reforma da Previdência porque não dá voto, mas, como ele não é homem de fugir à luta, foi relator do Funpresp. A iniciativa permitiu que o limite da Previdência do setor público se aproximasse daquele do setor privado e a remuneração extra ficasse condicionada à contribuição com o fundo.
Integrante do Conselho de Relações Superiores do Trabalho da Fiesp, orgulha-se de sua atuação no tema. "É só ir até a Comissão do Trabalho e perguntar o que o deputado Sílvio Costa faz por lá."
Admirador do economista José Pastore, fala com entusiasmo da "autonomia da vontade", conceito de fazer corar a sigla de duas letras que governou o país num passado recente: "Um cara te chama para trabalhar e te oferece R$ 10 mil, com direito a FGTS, férias e tudo. Só que você vai custar R$ 20 mil para a empresa. Aí o cara te propõe um negócio. Te paga R$ 12 mil para você abrir mão dos penduricalhos. Você tá respeitando a autonomia do cara. No Japão e nos países de Primeiro Mundo é assim, aqui não".
No dia seguinte, seria abordado a cada 5 metros dos corredores da Câmara por sindicalistas que tentavam derrubar os vetos da presidente ao reajuste doJudiciário. Amansa fora da tribuna. "Rapaz, vamos parar com isso." Aborda os parlamentares que encontra para perguntar quantos votos suas bancadas vão dar à derrubada dos vetos. Sai do elevador e comenta sobre um colega que havia acabado de encontrar: "Para você ver a qualidade do parlamento, o cara que nunca leu um livro hoje lidera uma bancada".
Diz que tem à cabeceira "As Veias Abertas da América Latina": "O cara [Eduardo Galeano] morreu e eu fiquei com vontade de comparar o romantismo daquela época com o de hoje. O Estado de lá com o de cá".
Põe Luiz Inácio Lula da Silva, Juscelino Kubitschek, Margaret Thatcher e Nelson Mandela no panteão de seus ídolos da política. Valeu-se do líder sul-africano num dos discursos de mais sucesso nas galerias, quando falou contra a redução da maioridade penal: "Ninguém nasce odiando, as pessoas aprendem a odiar. E, se aprendem a odiar, podem aprender a amar se tiverem educação. Vocês da bancada da inclusão carcerária estão surfando na onda da opinião pública, que já condenou Jesus Cristo, apoiou Hitler e a ditadura militar".
Sílvio Costa sobe à tribuna de mãos abanando: "Tem duas coisas na vida que você já começa perdendo. A primeira é ligação a cobrar e a outra coisa é discurso lido. Se for muito ruim, alguém vai dizer ´esse cara é tão incompetente que nem discurso lido ele sabe fazer´. Se for muito bom, vão dizer ´não foi ele quem fez´".
O deputado já está na segunda mesa com o Valor, o bufê de almoço do anexo 4. Serve-se de duas postas de salmão que ficam intocadas no prato. "Tá muito ruim isso aqui." Levanta-se, faz novo prato com linguiças e olha para a ficha que recebe diariamente de sua assessoria com a agenda. A de 29 de setembro traz o aniversariante do dia: Eduardo Cunha: "Ichi, vou ter que cumprimentar".
Coleciona discursos contra o presidente da Câmara, que costuma continuar a despachar enquanto o colega fala. "Não me interessa se vossa excelência vai prestar atenção ou não porque eu estou me lixando para vossa excelência", disse, em agosto, puxando as calças para cima, num discurso sobre o julgamento das contas do governo no TCU. "Vossa excelência vai se dar mal com este seu jeito petulante, arrogante e burro."
Naquele dia, aniversário do presidente da Câmara parecia ter enternecido Sílvio Costa: "Reconheço que ele é um sujeito preparado e inteligente, mas lhe falta sabedoria". À saída do restaurante, o deputado Fernando Jordão (PMDB-RJ), da tropa de choque do presidente da Câmara, lhe grita: "Sílvio Costa, Eduardo Cunha te ama". O deputado responde de bate pronto: "A recíproca é verdadeira".
Ao longo dos 12 anos desde que o PT assumiu o poder, acostumou-se com as provocações. No fim de agosto, o blogueiro recifense Henrique Barbosa escreveu que Sílvio Costa fora vaiado em seu prédio por moradores que hostilizaram sua defesa do governo e se recusaram a dividir o elevador com o vizinho parlamentar. Costa nega a história e conta sua versão.
Na eleição presidencial do ano passado, um médico de seu prédio, no bairro do Espinheiro, teria dito aos zeladores que, se Dilma fosse reeleita, queria que um tarado estuprasse as filhas de todos os petistas. "Um dia, depois do segundo turno, vinha descendo, quando o elevador parou no andar desse vizinho e ele se recusou a entrar. Desci e pedi que o porteiro bloqueasse o portão. Fiquei esperando. Quando ele desceu, fui lá. ´O que o senhor tem contra mim? É porque eu defendo o governo do PT? Eu tenho uma filha, o senhor quer repetir o que o senhor disse aqui outro dia?´"
Descrito na Câmara como o tipo que dá boi e boiada para entrar numa briga e nela permanecer, Sílvio Costa prefere se definir como alguém que perde amigos para não desperdiçar piada.
Um dia, a deputada Erica Kokay (PT-DF) pediu sua ajuda para emplacar um projeto na Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo pastor da Assembleia de Deus Marco Feliciano (SP), deputado do seu partido. A militância LGBT da deputada atraíra a simpatia de Sílvio Costa, que tem uma irmã no movimento.
Ao pedir a palavra, o deputado foi contestado por não ser integrante daquela comissão. Depois de acalorada discussão sobre seu direito de falar com um Feliciano que se mantinha apaziguador, Costa bateu à mesa: "Senhor presidente, o problema dessa comissão é que tem um grupo de pastor de um lado e um grupo de gay do outro. E tem gente aqui acumulando".
A cena está gravada no vídeo da sessão do dia 10 de abril de 2013, disponível no site da Câmara, e vai virar história no livro que o deputado prepara, "Causos da Política". Tem 83 histórias compiladas, algumas delas já contadas à presidente da República. Quer misturar suas ideias para o Brasil com o anedotário da Câmara. "Tenho uma concepção de Estado, mas sei que faço política de uma forma inusitada. Paciência. Não se muda mais ninguém aos 58 anos. O homem é seu estilo."
"Se você não tem razão, Sílvio Costa é a solução." O deputado federal Esperidião Amin (PP-SC) tinha acabado de chegar ao restaurante no 10º andar do anexo 4 da Câmara dos Deputados quando avistou a mesa em que estava seu colega Sílvio Costa, deputado pelo PSC de Pernambuco e um dos vice-líderes do governo na Casa.
Ex-governador, ex-senador e ex-presidente nacional do seu partido, o deputado catarinense, reconhecido pela careca reluzente, é um dos melhores frasistas da Câmara. Discorda de quase tudo o que sai dos escaninhos do Palácio do Planalto, mas diz que Costa acabará por transformar Dilma em mártir e seus opositores, em vilões. "É o melhor general de brigada que ela podia ter aqui."
O deputado pernambucano já subiu à tribuna para dizer que o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), "ditador metido a pastor", envergonha a Casa e o senador Aécio Neves é um "arengueiro de Ipanema". Em seus discursos, opositores de todos os naipes viram irresponsáveis, hipócritas, demagogos e mentirosos. Defende mais o governo e o PT do que quaisquer de seus deputados. Pelo conjunto da obra, recebeu o título de chefe da tropa de choque do governo.
Na véspera, sentado à primeira mesa a ser ocupada no Lake´s, restaurante do circuito parlamentar, ainda vazio naquela noite de segunda-feira, se disse incomodado pela fama: "Preferia que as pessoas me conhecessem pelo conteúdo".
Filho de um cortador de cana e de uma dona de casa, nascido em 1956 em Rio Formoso, na zona da mata sul de Pernambuco, Sílvio Serafim Costa tornou-se o mais aguerrido defensor dos governos petistas sem nunca ter militado em partido de esquerda.
Na largada, aceita a sugestão do sommelier, TintoNegro, de Mendonza, safra 2012 - "gosto de vinho, mas não sou enólogo" - e principia uma saga que remete ao repertório lulista. Da sina ("sou um filho das dores sociais") ao aperto fiscal: "As contas do governo são como as de padaria, tem que ter receita pra cobrir a despesa".
Mal começa a falar do pai, se emociona. Do canavial da usina Cucaú, da família do atual ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro, a quem o deputado se ligaria décadas depois, Severino Serafim Costa saiu para montar uma venda. Terminou a vida com uma banca de abacaxi na feira de Santo Amaro, centro do Recife, com a qual custeava os estudos dos seis filhos.
Depois de passar três anos interno numa escola agrícola federal, no agreste do Estado, o mais velho deles entrou no curso de Agronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Três meses depois, virou monitor de química e, no ano seguinte, professor do União, o cursinho mais famoso da cidade. Logo começaria a montar turmas avulsas para suas aulas de química. Largaria o curso de agronomia para ganhar dinheiro nas máquinas de preparação para vestibular. "Era um professor que andava de Del Rey", lembra-se, ao mencionar o carro mais luxuoso da Ford no início da década de 1980.
Já havia se passado uma hora e o jantar se resumia a um carpaccio de salmão de que não se servira. "Não estou com pressa. Não sei vocês, mas eu estou adorando."
No Brasil, todos os partidos são iguais, defendem mais educação, mais saúde, mais emprego. Precisei ser pragmático e fui para o PSC
Em 1986, dez anos depois de começar a dar aula em cursinho, montaria o próprio colégio. Hoje são cinco, com unidades no Recife e no interior. Administrados pelo economista Carlos, o segundo dos seus quatro filhos, os colégios foram sua primeira base eleitoral.
Até 1988, sua única experiência política havia sido em greves de professores. Mas naquele ano, Roberto Magalhães, então no PFL, tinha deixado o governo de Pernambuco e mandou o filho, aluno de Costa, sondá-lo sobre o interesse pela Câmara dos Vereadores. Teve ali sua primeira e única derrota eleitoral.
Na eleição seguinte, voltaria à carga, já em outro partido. Do início de sua carreira política até hoje, Sílvio Costa exerceu sete mandatos (três de vereador, dois de deputado estadual e três de federal) e foi filiado a sete legendas: PTB, PSDB, PSL, PSD, PMN, PTB e PSC. "Minha vida partidária é uma salada igual à de Ciro Gomes."
Com o introito "detesto paladinos da moralidade", que permeia todo o jantar, explica a última das mudanças - para o "partido do Sílvio Costa" - como decorrência de sua proximidade de Armando Monteiro, que foi candidato ao governo de Pernambuco, em 2014: "Eduardo [Campos] tinha montado uma coligação de 22 partidos para Paulo Câmara. Armando só tinha o partido dele [PTB] e o PT. E a gente precisava de tempo de televisão. No Brasil, todos os partidos são iguais, defendem mais educação, mais saúde, mais emprego. Precisei ser pragmático e fui para o PSC".
Sua prestação de contas ao TSE traz despesas de R$ 1,7 milhão, a sexta maior numa bancada de 24 deputados. O maior lote de doações, via repasse do diretório partidário, presidido por Costa, veio do Bradesco (R$ 305 mil).
O garçom traz os cardápios, mas o deputado devolve o dele sem olhar: "Me traz aquele frango". O prato, que não está no cardápio, é um frango na brasa com sal grosso, farofa de ovos e arroz com alho, cebola e azeitona.
Diz que aprendeu a cozinhar com Cinthia, a ex-aluna com quem se casou há 36 anos: "Todo prato regional eu sei fazer, até porque os temperos são basicamente os mesmos. Agora, tem um problema, eu gosto de cominho. Você não deve gostar. Não é chique. Esse povo rico tem horror a cominho. Sei fazer galinha à cabidela, que vocês chamam de galinha ao molho pardo, bife à caçarola, que vocês chamam bife de panela, e rabada".
A conversa envereda pela política pernambucana. Ele se levanta pela segunda vez no jantar para fumar, e, na volta, retoma exatamente de onde parou, a recomposição com antigos desafetos. "Fui muito duro com Jarbas, pode procurar na internet ´Sílvio Costa bate em Jarbas´. Hoje me arrependo."
Em 2009, o ex-governador, ex-senador e hoje deputado federal pelo PMDB chamou o Bolsa Família de maior programa oficial de compra de votos do mundo. A brandir papelada que dizia ser a comprovação do discurso, Sílvio Costa acusou o então senador de, na entressafra de seus mandatos políticos, ter se aposentado de cargo público apenas um ano depois de nomeado. "Quero saber qual é a moral, qual é a ética, que um parasita do poder, um homem que vive há 40 anos do dinheiro público, tem para criticar o Bolsa Família", disse Costa da tribuna da Câmara.
De Miguel Arraes, diz reconhecer a "contribuição para a democracia", mas discorda do modelo de um Estado "que pode tudo". Sobre o neto dele, morto no ano passado como candidato a presidente da República, prefere silenciar: "Ele não está aqui para se defender".
O pivô de seu rompimento com o então governador Eduardo Campos foi Sílvio Costa Filho, ex-secretário de Turismo do Estado e hoje deputado estadual de modos contidos, que em nada lembra os arroubos do pai. Seu afastamento, depois de denúncia de shows fantasmas, azedou de vez a relação com o grupo político hoje no poder, numa rota que tende a se aprofundar com as pretensões majoritárias de Costa (Senado) e do filho (prefeitura).
Sílvio Costa agradece a oportunidade de "esclarecer para o Brasil" a gestão do filho, que já foi avalizada pelo Tribunal de Contas, mas ainda peleja no ministério público: "A secretaria era repassadora de verbas das emendas dos deputados para as prefeituras. O Ministério do Turismo falhou na fiscalização. Queriam que meu filho demitisse o presidente da Empetur [autarquia subordinada à secretaria], um homem digno, e ele se recusou".
Tenho uma concepção de Estado, mas sei que faço política de uma forma inusitada. Paciência. Não se muda mais ninguém aos 58 anos
Sílvio Costa passa para o outro lado da vidraça sem alterar o tom de voz. Livrou-se de dois processos no Supremo. Um, por difamação, que havia sido movido pelo deputado Raul Jungmann (PPS-PE), e outro, trabalhista, por falta de provas. "Você acha que, com esse meu estilo, se eu tivesse rabo de palha já não tinham tocado fogo há muito tempo?"
O ex-senador Pedro Taques (PSDB-MT), hoje governador do seu Estado, foi instado a acender o fósforo quando Sílvio Costa o enfrentou, em 2012, durante sessão da CPI do Cachoeira que ouviu o senador cassado Demóstenes Torres. Mais agressiva verve da oposição, o ex-senador do DEM acabaria sendo desmascarado como operador do empresário Carlinhos Cachoeira, mas optou por ficar calado na CPI, irritando Costa. Taques saiu em defesa do silêncio de Torres e foi atacado por Sílvio Costa: "Você quer proteger um homem que trabalhou contra o país, seu m..."
O deputado, que depois se desculparia com Taques, manteria a indignação diante dos paladinos da ética, mas passaria a ser mais vigilante com o calão. Em julho, dois dias depois de o PSDB fazer convenção inflamada pelo impeachment, Costa subiu à tribuna.
Foi do "assalto das elites" ao envolvimento de ministros do TCU na Lava-Jato. "O plenário fez silêncio. As verdades sobre a oposição de direita na Câmara vieram da pessoa mais inusitada e improvável, um deputado do PSC", escreveu o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), ao colocar o discurso em rede social com 1.113.799 compartilhamentos.
"Depois desse discurso, Lula me comparou àquele deputado que enfrentava Carlos Lacerda", lembra Sílvio Costa, numa referência a Danton Coelho, parlamentar do PTB gaúcho e líder da tropa de choque contra a UDN.
Hoje compartilha com a banda reeditada da UDN a admiração pelo juiz Sérgio Moro. "É um homem destemido. Está fazendo tudo certo. Quero que tudo quanto é bandido da Lava-Jato vá preso." Mas não arreda o pé de uma revisão da Lei da Ficha Limpa que condicione a perda de mandato ao julgamento em segunda instância - "Já se cassou mais prefeito na democracia que na ditadura". A proposta colide com as propostas de Moro para vedar as brechas de apelação do Judiciário.
Sílvio Costa alega sobrepeso, declina da sobremesa, mas insiste que repórter e fotógrafo provem da sua preferida, sorvete de coco com calda de goiabada. Pede um café antes de sair para fumar o terceiro cigarro da noite.
Vê a hora do jantar acabar sem expor seu conteúdo. Engata um discurso sobre o inchaço da máquina pública e vê lições numa Grécia "falida pelo corporativismo".
Diz que ninguém quer discutir reforma da Previdência porque não dá voto, mas, como ele não é homem de fugir à luta, foi relator do Funpresp. A iniciativa permitiu que o limite da Previdência do setor público se aproximasse daquele do setor privado e a remuneração extra ficasse condicionada à contribuição com o fundo.
Integrante do Conselho de Relações Superiores do Trabalho da Fiesp, orgulha-se de sua atuação no tema. "É só ir até a Comissão do Trabalho e perguntar o que o deputado Sílvio Costa faz por lá."
Admirador do economista José Pastore, fala com entusiasmo da "autonomia da vontade", conceito de fazer corar a sigla de duas letras que governou o país num passado recente: "Um cara te chama para trabalhar e te oferece R$ 10 mil, com direito a FGTS, férias e tudo. Só que você vai custar R$ 20 mil para a empresa. Aí o cara te propõe um negócio. Te paga R$ 12 mil para você abrir mão dos penduricalhos. Você tá respeitando a autonomia do cara. No Japão e nos países de Primeiro Mundo é assim, aqui não".
No dia seguinte, seria abordado a cada 5 metros dos corredores da Câmara por sindicalistas que tentavam derrubar os vetos da presidente ao reajuste doJudiciário. Amansa fora da tribuna. "Rapaz, vamos parar com isso." Aborda os parlamentares que encontra para perguntar quantos votos suas bancadas vão dar à derrubada dos vetos. Sai do elevador e comenta sobre um colega que havia acabado de encontrar: "Para você ver a qualidade do parlamento, o cara que nunca leu um livro hoje lidera uma bancada".
Diz que tem à cabeceira "As Veias Abertas da América Latina": "O cara [Eduardo Galeano] morreu e eu fiquei com vontade de comparar o romantismo daquela época com o de hoje. O Estado de lá com o de cá".
Põe Luiz Inácio Lula da Silva, Juscelino Kubitschek, Margaret Thatcher e Nelson Mandela no panteão de seus ídolos da política. Valeu-se do líder sul-africano num dos discursos de mais sucesso nas galerias, quando falou contra a redução da maioridade penal: "Ninguém nasce odiando, as pessoas aprendem a odiar. E, se aprendem a odiar, podem aprender a amar se tiverem educação. Vocês da bancada da inclusão carcerária estão surfando na onda da opinião pública, que já condenou Jesus Cristo, apoiou Hitler e a ditadura militar".
Sílvio Costa sobe à tribuna de mãos abanando: "Tem duas coisas na vida que você já começa perdendo. A primeira é ligação a cobrar e a outra coisa é discurso lido. Se for muito ruim, alguém vai dizer ´esse cara é tão incompetente que nem discurso lido ele sabe fazer´. Se for muito bom, vão dizer ´não foi ele quem fez´".
O deputado já está na segunda mesa com o Valor, o bufê de almoço do anexo 4. Serve-se de duas postas de salmão que ficam intocadas no prato. "Tá muito ruim isso aqui." Levanta-se, faz novo prato com linguiças e olha para a ficha que recebe diariamente de sua assessoria com a agenda. A de 29 de setembro traz o aniversariante do dia: Eduardo Cunha: "Ichi, vou ter que cumprimentar".
Coleciona discursos contra o presidente da Câmara, que costuma continuar a despachar enquanto o colega fala. "Não me interessa se vossa excelência vai prestar atenção ou não porque eu estou me lixando para vossa excelência", disse, em agosto, puxando as calças para cima, num discurso sobre o julgamento das contas do governo no TCU. "Vossa excelência vai se dar mal com este seu jeito petulante, arrogante e burro."
Naquele dia, aniversário do presidente da Câmara parecia ter enternecido Sílvio Costa: "Reconheço que ele é um sujeito preparado e inteligente, mas lhe falta sabedoria". À saída do restaurante, o deputado Fernando Jordão (PMDB-RJ), da tropa de choque do presidente da Câmara, lhe grita: "Sílvio Costa, Eduardo Cunha te ama". O deputado responde de bate pronto: "A recíproca é verdadeira".
Ao longo dos 12 anos desde que o PT assumiu o poder, acostumou-se com as provocações. No fim de agosto, o blogueiro recifense Henrique Barbosa escreveu que Sílvio Costa fora vaiado em seu prédio por moradores que hostilizaram sua defesa do governo e se recusaram a dividir o elevador com o vizinho parlamentar. Costa nega a história e conta sua versão.
Na eleição presidencial do ano passado, um médico de seu prédio, no bairro do Espinheiro, teria dito aos zeladores que, se Dilma fosse reeleita, queria que um tarado estuprasse as filhas de todos os petistas. "Um dia, depois do segundo turno, vinha descendo, quando o elevador parou no andar desse vizinho e ele se recusou a entrar. Desci e pedi que o porteiro bloqueasse o portão. Fiquei esperando. Quando ele desceu, fui lá. ´O que o senhor tem contra mim? É porque eu defendo o governo do PT? Eu tenho uma filha, o senhor quer repetir o que o senhor disse aqui outro dia?´"
Descrito na Câmara como o tipo que dá boi e boiada para entrar numa briga e nela permanecer, Sílvio Costa prefere se definir como alguém que perde amigos para não desperdiçar piada.
Um dia, a deputada Erica Kokay (PT-DF) pediu sua ajuda para emplacar um projeto na Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo pastor da Assembleia de Deus Marco Feliciano (SP), deputado do seu partido. A militância LGBT da deputada atraíra a simpatia de Sílvio Costa, que tem uma irmã no movimento.
Ao pedir a palavra, o deputado foi contestado por não ser integrante daquela comissão. Depois de acalorada discussão sobre seu direito de falar com um Feliciano que se mantinha apaziguador, Costa bateu à mesa: "Senhor presidente, o problema dessa comissão é que tem um grupo de pastor de um lado e um grupo de gay do outro. E tem gente aqui acumulando".
A cena está gravada no vídeo da sessão do dia 10 de abril de 2013, disponível no site da Câmara, e vai virar história no livro que o deputado prepara, "Causos da Política". Tem 83 histórias compiladas, algumas delas já contadas à presidente da República. Quer misturar suas ideias para o Brasil com o anedotário da Câmara. "Tenho uma concepção de Estado, mas sei que faço política de uma forma inusitada. Paciência. Não se muda mais ninguém aos 58 anos. O homem é seu estilo."
As fontes da ira - FERNANDO GABEIRA
O ESTADÃO - 09/10
Por toda parte, queixas e lamúrias: arrasaram o Brasil, estamos quebrados, tudo fechando, alugando. É uma fase pela qual temos de passar. Quanta energia, troca de insultos, amizades desfeitas. Às vezes penso que a melhor forma de abordar o novo momento é apenas deixar que os fatos se imponham.
Muitas vezes afirmei que o dinheiro roubado da Petrobrás foi para os cofres do PT e usado na campanha de Dilma Rousseff. Caríssima campanha, R$ 50 mil por mês só para o blogueiro torná-la um pouco engraçada.
O primeiro fato importante foi a delação premiada do empresário Ricardo Pessoa. Ele afirmou que deu quase R$ 10 milhões à campanha para não perder seus negócios na Petrobrás. Logo depois surgiram suas anotações, estabelecendo um vínculo entre o dinheiro que destinou ao PT e os pagamentos que recebia da Petrobrás. Verdade que a empresa estava nomeada apenas como PB. Claro que ainda podem dizer que esse PB quer dizer Paraíba, ou pequena burguesia. É um jogo cansativo.
Nem é tão necessário que a investigação defina novos vínculos entre o escândalo, o PT e a campanha de Dilma. Basta assumir as consequências do que já se descobriu. Se o tema vai ser neutralizado no Supremo, se o governo compra um punhado suficiente de deputados, tudo isso não altera minha convicção de que o escândalo desnudou um projeto político criminoso.
Ainda na semana passada o Estadão publicou reportagem sobre a Medida Provisória (MP) 471. Ao que tudo indica, foi comprada. Ela garante a isenção de R$ 1,3 bilhão em impostos. E rendeu R$ 36 milhões em propina.
Não estranho que tenha sido aprovada pela maioria. Eram estímulos para três regiões do País e as respectivas bancadas estavam satisfeitas com isso.
Também não havia, da parte das outras regiões, questionamentos sobre estímulos localizados. O único nó nesse campo, se me lembro bem, era a divisão dos royalties do petróleo.
Muito possivelmente, a emenda foi vendida com o preço da aprovação parlamentar embutido. De qualquer forma, a maioria no Congresso foi enganada e, com ela, todos os seus eleitores.
A empresa que negociou a medida provisória destinou R$ 2,4 milhões ao filho de Lula. Segundo a notícia, ele diz que o dinheiro foi pago por assessoria de marketing esportivo. O pai assina a MP, o filho recebe R$ 2,4 milhões da empresa de lobby. Se você não estabelece uma conexão entre as duas coisas, vão chamá-lo de ingênuo; se estabelece, é acusado de lançar suspeita sobre a reputação alheia.
A maioria das pessoas consegue processar fatos e documentos já divulgados e talvez nem se escandalize mais com a venda de uma MP: é o modo de governar de um projeto. É todo um sistema de dominação. É preciso ser um Jack estripador ou um ministro do Supremo para dizer: vamos por partes.
As conexões estão feitas na cabeça da maioria e nada de novo acontece. Neste momento pós-moderno, em que as narrativas contam, mas não as evidências, o conceito de batom na cueca também se tornou mais elástico. Não é bem uma marca de batom, mas algo vermelho que esbarrou pelo caminho, uma tinta, um morango maduro.
Enquanto se vive este faz de conta nacional, a situação vai se agravar. É muito grande o número de brasileiros que se sentem governados por uma quadrilha. Apesar de não estarem organizados, ou talvez por isso, alguns vão se desesperar, ultrapassando os limites democráticos. O tom do protesto individual está subindo. Dirigentes do PT são vaiados, figuras identificadas até a medula com o partido, como o ministro Lewandowski, também não escapam mais da rejeição popular.
O PT e os intelectuais que o apoiam falam de ódio. De fato, o amor é lindo, mas como ser simpático a um partido que arrasa o País, devasta a Petrobrás e afirma que está sendo vítima de uma injustiça?
Não são apenas alguns intelectuais do PT que se recusam a ver a realidade. No passado, as denúncias de violência stalinista eram guardadas numa gaveta escura do cérebro. Era impossível aceitar que o modelo dos sonhos se apoiava numa carnificina. Agora também parece impossível admitir que o líder que os conduz tem como principal projeto tornar-se milionário. É como se admitissem ser humildes fiéis de uma religião cujo pastor acumula, secretamente, uma fortuna, enquanto teoriza sobre a futilidade dos bens materiais.
A sucessão de escândalos, demonstrando a delinquência do governo, não basta para convencer os mais letrados. E certamente não bastará para convencer os que ignoram a História e são pagos para torpedear o adversário nas redes.
Mas os fatos ainda têm grande força. Lutar contra eles, em certas circunstâncias, não é só um problema de estupidez, mas também de estreita margem de manobra.
Se o governo não pode aceitar que suas contas sejam recusadas por unanimidade no TCU, não resta outro caminho senão tentar melar o julgamento. Sabem que todos estão vendo sua jogada e talvez experimentem uma ligeira sensação de ridículo. Mas o que fazer?
A única saída decente seria renunciar. Mas, ao contrário, decidiram ficar e convencer os críticos de que estão cegos por causa de sua ideologia de direita, conservadora e elitista.
Isso radicaliza a tática de Paulo Maluf, que insiste em dizer que não tem conta na Suíça, que o dinheiro e a assinatura não são dele. Maluf apenas nega o que estamos vendo. O PT nos garante que há algo de errado com nossos olhos.
Pessoalmente, na cadeia e no Congresso, fui treinado a discordar, mas conviver com as pessoas, apesar de seus crimes. Nem todos os brasileiros pensam assim, na rua. Não é possível irritar as pessoas ao extremo e, quando reagem, classificá-las de intolerantes.
O momento é uma encruzilhada entre a ira popular e a enrolação institucional. Com todos os seus condenáveis excessos, a raiva nas ruas é que tem mais potencial transformador.
A esquerda sempre soube disso. Agora, com o traseiro na reta, o PT descobre o amor.
Por toda parte, queixas e lamúrias: arrasaram o Brasil, estamos quebrados, tudo fechando, alugando. É uma fase pela qual temos de passar. Quanta energia, troca de insultos, amizades desfeitas. Às vezes penso que a melhor forma de abordar o novo momento é apenas deixar que os fatos se imponham.
Muitas vezes afirmei que o dinheiro roubado da Petrobrás foi para os cofres do PT e usado na campanha de Dilma Rousseff. Caríssima campanha, R$ 50 mil por mês só para o blogueiro torná-la um pouco engraçada.
O primeiro fato importante foi a delação premiada do empresário Ricardo Pessoa. Ele afirmou que deu quase R$ 10 milhões à campanha para não perder seus negócios na Petrobrás. Logo depois surgiram suas anotações, estabelecendo um vínculo entre o dinheiro que destinou ao PT e os pagamentos que recebia da Petrobrás. Verdade que a empresa estava nomeada apenas como PB. Claro que ainda podem dizer que esse PB quer dizer Paraíba, ou pequena burguesia. É um jogo cansativo.
Nem é tão necessário que a investigação defina novos vínculos entre o escândalo, o PT e a campanha de Dilma. Basta assumir as consequências do que já se descobriu. Se o tema vai ser neutralizado no Supremo, se o governo compra um punhado suficiente de deputados, tudo isso não altera minha convicção de que o escândalo desnudou um projeto político criminoso.
Ainda na semana passada o Estadão publicou reportagem sobre a Medida Provisória (MP) 471. Ao que tudo indica, foi comprada. Ela garante a isenção de R$ 1,3 bilhão em impostos. E rendeu R$ 36 milhões em propina.
Não estranho que tenha sido aprovada pela maioria. Eram estímulos para três regiões do País e as respectivas bancadas estavam satisfeitas com isso.
Também não havia, da parte das outras regiões, questionamentos sobre estímulos localizados. O único nó nesse campo, se me lembro bem, era a divisão dos royalties do petróleo.
Muito possivelmente, a emenda foi vendida com o preço da aprovação parlamentar embutido. De qualquer forma, a maioria no Congresso foi enganada e, com ela, todos os seus eleitores.
A empresa que negociou a medida provisória destinou R$ 2,4 milhões ao filho de Lula. Segundo a notícia, ele diz que o dinheiro foi pago por assessoria de marketing esportivo. O pai assina a MP, o filho recebe R$ 2,4 milhões da empresa de lobby. Se você não estabelece uma conexão entre as duas coisas, vão chamá-lo de ingênuo; se estabelece, é acusado de lançar suspeita sobre a reputação alheia.
A maioria das pessoas consegue processar fatos e documentos já divulgados e talvez nem se escandalize mais com a venda de uma MP: é o modo de governar de um projeto. É todo um sistema de dominação. É preciso ser um Jack estripador ou um ministro do Supremo para dizer: vamos por partes.
As conexões estão feitas na cabeça da maioria e nada de novo acontece. Neste momento pós-moderno, em que as narrativas contam, mas não as evidências, o conceito de batom na cueca também se tornou mais elástico. Não é bem uma marca de batom, mas algo vermelho que esbarrou pelo caminho, uma tinta, um morango maduro.
Enquanto se vive este faz de conta nacional, a situação vai se agravar. É muito grande o número de brasileiros que se sentem governados por uma quadrilha. Apesar de não estarem organizados, ou talvez por isso, alguns vão se desesperar, ultrapassando os limites democráticos. O tom do protesto individual está subindo. Dirigentes do PT são vaiados, figuras identificadas até a medula com o partido, como o ministro Lewandowski, também não escapam mais da rejeição popular.
O PT e os intelectuais que o apoiam falam de ódio. De fato, o amor é lindo, mas como ser simpático a um partido que arrasa o País, devasta a Petrobrás e afirma que está sendo vítima de uma injustiça?
Não são apenas alguns intelectuais do PT que se recusam a ver a realidade. No passado, as denúncias de violência stalinista eram guardadas numa gaveta escura do cérebro. Era impossível aceitar que o modelo dos sonhos se apoiava numa carnificina. Agora também parece impossível admitir que o líder que os conduz tem como principal projeto tornar-se milionário. É como se admitissem ser humildes fiéis de uma religião cujo pastor acumula, secretamente, uma fortuna, enquanto teoriza sobre a futilidade dos bens materiais.
A sucessão de escândalos, demonstrando a delinquência do governo, não basta para convencer os mais letrados. E certamente não bastará para convencer os que ignoram a História e são pagos para torpedear o adversário nas redes.
Mas os fatos ainda têm grande força. Lutar contra eles, em certas circunstâncias, não é só um problema de estupidez, mas também de estreita margem de manobra.
Se o governo não pode aceitar que suas contas sejam recusadas por unanimidade no TCU, não resta outro caminho senão tentar melar o julgamento. Sabem que todos estão vendo sua jogada e talvez experimentem uma ligeira sensação de ridículo. Mas o que fazer?
A única saída decente seria renunciar. Mas, ao contrário, decidiram ficar e convencer os críticos de que estão cegos por causa de sua ideologia de direita, conservadora e elitista.
Isso radicaliza a tática de Paulo Maluf, que insiste em dizer que não tem conta na Suíça, que o dinheiro e a assinatura não são dele. Maluf apenas nega o que estamos vendo. O PT nos garante que há algo de errado com nossos olhos.
Pessoalmente, na cadeia e no Congresso, fui treinado a discordar, mas conviver com as pessoas, apesar de seus crimes. Nem todos os brasileiros pensam assim, na rua. Não é possível irritar as pessoas ao extremo e, quando reagem, classificá-las de intolerantes.
O momento é uma encruzilhada entre a ira popular e a enrolação institucional. Com todos os seus condenáveis excessos, a raiva nas ruas é que tem mais potencial transformador.
A esquerda sempre soube disso. Agora, com o traseiro na reta, o PT descobre o amor.
É o grau, estúpido - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 09/10
SÃO PAULO - É impressionante como nada dá certo para o governo. Suas principais iniciativas políticas, como a reforma ministerial e a operação Nardes, para citar duas das mais recentes, acabam se revelando ou inócuas ou então um verdadeiro tiro pela culatra. Por quê?
É certo que a presidente, ao contrário de seu antecessor, nunca se distinguiu pelo talento inato para a política, mas, enquanto as coisas pareciam ir bem, isso não era um problema. A administração, descontado um ou outro atropelo, seguia seu curso. O "tipping point", o ponto da virada, foi a reeleição. É a partir dali que o governo começa a desmilinguir.
Minha hipótese para explicar o fenômeno é que Dilma Rousseff exagerou tanto no recurso a alguns expedientes duvidosos utilizados por políticos que acabou gerando um cenário em que tudo acaba se voltando contra ela. Estudos da complexidade mostram que, por vezes, pequenas variações de grau produzem uma mudança na natureza do processo.
É verdade que nenhum político é 100% honesto na campanha, mas há uma diferença qualitativa entre o governante que não cumpre a integralidade de uma meta três anos após a promessa e o que adota as medidas que jurara poucas semanas antes que jamais tomaria. A candidata Dilma abusou tanto das mentiras e foi obrigada a desdizer-se em prazo tão exíguo que conseguiu, num só golpe, alijar seus aliados e despertar a sede de sangue nos adversários.
É igualmente verdade que administrações passadas também se valeram das chamadas pedaladas fiscais. Mas nenhuma chegou perto de fazê-lo na escala das dezenas de bilhões de reais nem em transformar o expediente em método de administração. Dilma ofereceu assim, de bandeja, o pretexto que os entusiastas do impeachment precisavam para deflagrar um processo que, mesmo que não prospere, a enfraquece.
Dilma e o PT pagam pela imoderação. Não dá para dizer que é injusto.
SÃO PAULO - É impressionante como nada dá certo para o governo. Suas principais iniciativas políticas, como a reforma ministerial e a operação Nardes, para citar duas das mais recentes, acabam se revelando ou inócuas ou então um verdadeiro tiro pela culatra. Por quê?
É certo que a presidente, ao contrário de seu antecessor, nunca se distinguiu pelo talento inato para a política, mas, enquanto as coisas pareciam ir bem, isso não era um problema. A administração, descontado um ou outro atropelo, seguia seu curso. O "tipping point", o ponto da virada, foi a reeleição. É a partir dali que o governo começa a desmilinguir.
Minha hipótese para explicar o fenômeno é que Dilma Rousseff exagerou tanto no recurso a alguns expedientes duvidosos utilizados por políticos que acabou gerando um cenário em que tudo acaba se voltando contra ela. Estudos da complexidade mostram que, por vezes, pequenas variações de grau produzem uma mudança na natureza do processo.
É verdade que nenhum político é 100% honesto na campanha, mas há uma diferença qualitativa entre o governante que não cumpre a integralidade de uma meta três anos após a promessa e o que adota as medidas que jurara poucas semanas antes que jamais tomaria. A candidata Dilma abusou tanto das mentiras e foi obrigada a desdizer-se em prazo tão exíguo que conseguiu, num só golpe, alijar seus aliados e despertar a sede de sangue nos adversários.
É igualmente verdade que administrações passadas também se valeram das chamadas pedaladas fiscais. Mas nenhuma chegou perto de fazê-lo na escala das dezenas de bilhões de reais nem em transformar o expediente em método de administração. Dilma ofereceu assim, de bandeja, o pretexto que os entusiastas do impeachment precisavam para deflagrar um processo que, mesmo que não prospere, a enfraquece.
Dilma e o PT pagam pela imoderação. Não dá para dizer que é injusto.
Tiro pela culatra - BERNARDO MELLO FRANCO
FOLHA DE SP - 09/10
BRASÍLIA - A ofensiva contra o ministro Augusto Nardes foi mais um tiro do governo Dilma que saiu pela culatra. Além de ter as contas rejeitadas, como já era esperado, o Planalto foi acusado de tentar intimidar o Tribunal de Contas da União.
Às vésperas do julgamento, o governo tentou afastar o relator do caso. Para anunciar a ideia, organizou uma inusitada entrevista de três ministros em pleno domingo. Eles acusaram Nardes de antecipar o voto que condenaria as pedaladas fiscais.
O relator não deixou dúvidas de que pediria a rejeição das contas. Deu entrevistas inflamadas, recebeu militantes pró-impeachment e declarou que a corte faria "história". Chegou a usar o Facebook para amplificar elogios que recebeu.
O comportamento incomodou alguns ministros do TCU, que cogitavam não endossar a reprovação das contas. No entanto, o ataque do governo estimulou uma reação unânime em solidariedade a Nardes.
Em órgãos com mandato vitalício, o espírito de corpo costuma prevalecer sobre divergências individuais. Isso tendia a ser mais forte no TCU, que tem quatro entre nove ministros citados em investigações criminais.
A ofensiva contra Nardes transformou uma provável derrota numa surra com direito a sermão. "Quero registrar minha indignação", discursou o ministro substituto André Luiz de Carvalho. Foi aplaudido pelos colegas e por deputados da oposição que lotavam o plenário da corte.
*
O deputado Eduardo Cunha usou passaporte diplomático para abrir contas secretas na Suíça. A cópia do documento está entre os papéis que provam a ligação do deputado com US$ 2,4 milhões bloqueados no país.
Esse tipo de passaporte, de capa vermelha, garante tratamento especial no exterior. É emitido para autoridades e pessoas que viajam em atividades de "interesse do país".
No caso das contas secretas, o interesse era só de Eduardo Cunha.
BRASÍLIA - A ofensiva contra o ministro Augusto Nardes foi mais um tiro do governo Dilma que saiu pela culatra. Além de ter as contas rejeitadas, como já era esperado, o Planalto foi acusado de tentar intimidar o Tribunal de Contas da União.
Às vésperas do julgamento, o governo tentou afastar o relator do caso. Para anunciar a ideia, organizou uma inusitada entrevista de três ministros em pleno domingo. Eles acusaram Nardes de antecipar o voto que condenaria as pedaladas fiscais.
O relator não deixou dúvidas de que pediria a rejeição das contas. Deu entrevistas inflamadas, recebeu militantes pró-impeachment e declarou que a corte faria "história". Chegou a usar o Facebook para amplificar elogios que recebeu.
O comportamento incomodou alguns ministros do TCU, que cogitavam não endossar a reprovação das contas. No entanto, o ataque do governo estimulou uma reação unânime em solidariedade a Nardes.
Em órgãos com mandato vitalício, o espírito de corpo costuma prevalecer sobre divergências individuais. Isso tendia a ser mais forte no TCU, que tem quatro entre nove ministros citados em investigações criminais.
A ofensiva contra Nardes transformou uma provável derrota numa surra com direito a sermão. "Quero registrar minha indignação", discursou o ministro substituto André Luiz de Carvalho. Foi aplaudido pelos colegas e por deputados da oposição que lotavam o plenário da corte.
*
O deputado Eduardo Cunha usou passaporte diplomático para abrir contas secretas na Suíça. A cópia do documento está entre os papéis que provam a ligação do deputado com US$ 2,4 milhões bloqueados no país.
Esse tipo de passaporte, de capa vermelha, garante tratamento especial no exterior. É emitido para autoridades e pessoas que viajam em atividades de "interesse do país".
No caso das contas secretas, o interesse era só de Eduardo Cunha.
Visão autoritária - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 09/10
O governo, depois de dizer que o Tribunal de Contas da União (TCU) politizou o debate sobre as contas de Dilma de 2014, resolveu agora politizar a votação no Congresso do parecer técnico que as impugnou, retirando a importância que até ontem dava a ele, para dizer que o documento é um simples aconselhamento, o que é verdade.
O parecer, no entanto, revela, com base em estudo de equipe técnica considerada de 1º nível, cenário de "desgovernança fiscal" como classificado pelo ministro-relator Augusto Nardes. O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, correu em defesa de Dilma dizendo que em sua vida pública já viu muitas contas serem rejeitadas pelos Tribunais de Contas e depois aprovadas pelo Legislativo.
Não duvido, mas quero crer que os casos citados por Pezão refletem muito mais os desajustes dos Legislativos do que o acerto das contas recusadas, e, espero, representem uma política que já teve sua predominância nos estados e municípios e deveria ter sido superada pela modernidade dos conceitos de boa governança que foram colocados como parâmetro depois da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em seu voto, Nardes defendeu que houve política expansiva de gastos "sem sustentabilidade fiscal e sem a devida transparência"." Para ele, as operações passaram ao largo das ferramentas de execução orçamentária e financeira instituídas. "Nessa esteira, entende-se que os atos foram praticados de forma a evidenciar uma situação fiscal incompatível com a realidade"," afirmou.
"Fica evidenciado que diversos procedimentos ao longo de 2014 afrontaram de forma significativa, além dos artigos específicos delineados em cada um dos indícios, princípios objetivos e comportamentos preconizados pela LRF, caracterizando, dentro de análise técnica, cenário de desgovernança fiscal"," disse Nardes.
E tudo isso em ano eleitoral, em que a incumbente fez "o diabo" em termos fiscais para garantir ambiente econômico que não prejudicasse a reeleição. Portanto, tratar as "pedaladas" como situação normal de governo só pode indicar que quem as fez, ou as apoia, tem visão retrógrada do serviço público e quer voltar a uma época em que valia qualquer ação para manter o poder.
Como a famosa frase do então governador Quércia, que se regozijou: "Quebrei o Banespa, mas fiz meu sucessor" Hoje já não há mais os bancos estaduais que serviam de tesouro particular para os governadores enfrentarem campanhas, mas o governo usou bancos estatais como Banco do Brasil, Caixa e BNDES para voltar à prática antiga de financiar ações populistas sem lastro, criando situação fiscal fantasiosa.
Os técnicos do TCU identificaram "o não registro dos pagamentos das subvenções, a contratação de operações de crédito com inobservância de condições estabelecidas em lei, o não registro nas estatísticas fiscais de dívidas contraídas e a omissão das respectivas despesas primárias no cálculo do resultado fiscal" como medidas que criaram "a irreal condição para que se editasse decreto de contingenciamento em montante inferior ao necessário para o cumprimento das metas fiscais de 2014, permitindo, desse modo, a execução indevida de outras despesas"
O que aconteceu em 2014 com mais ênfase, mas também em anos anteriores, foi a utilização de "uma política expansiva de gasto sem sustentabilidade fiscal e sem a devida transparência, posto que tais operações passaram ao largo das ferramentas de execução orçamentária e financeira regularmente instituídas"."
Segundo Nardes, além do descumprimento - generalizado e reiterado - da LRF, "revelou-se o desprestígio que o Executivo devotou ao Congresso, não somente ao adotar medidas ao arrepio da vigente LRF, mas também ao promover, por exemplo, a abertura de créditos suplementares sem prévia autorização legislativa, desmerecendo o papel preponderante que exerce o Legislativo no harmônico concerto entre os Poderes, princípio fundamental da nação, e descumprindo mandamento expresso da atual Constituição"."
Trata-se, portanto, não de questão trivial sobre receitas e despesas governamentais, mas de uma visão de Estado autoritária, nada republicana, que desdenha a transparência fiscal e a necessidade de o governante prestar contas de suas decisões e atitudes. Um crime de responsabilidade perfeitamente caracterizado, que pode levar a um processo de impeachment.
O governo, depois de dizer que o Tribunal de Contas da União (TCU) politizou o debate sobre as contas de Dilma de 2014, resolveu agora politizar a votação no Congresso do parecer técnico que as impugnou, retirando a importância que até ontem dava a ele, para dizer que o documento é um simples aconselhamento, o que é verdade.
O parecer, no entanto, revela, com base em estudo de equipe técnica considerada de 1º nível, cenário de "desgovernança fiscal" como classificado pelo ministro-relator Augusto Nardes. O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, correu em defesa de Dilma dizendo que em sua vida pública já viu muitas contas serem rejeitadas pelos Tribunais de Contas e depois aprovadas pelo Legislativo.
Não duvido, mas quero crer que os casos citados por Pezão refletem muito mais os desajustes dos Legislativos do que o acerto das contas recusadas, e, espero, representem uma política que já teve sua predominância nos estados e municípios e deveria ter sido superada pela modernidade dos conceitos de boa governança que foram colocados como parâmetro depois da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em seu voto, Nardes defendeu que houve política expansiva de gastos "sem sustentabilidade fiscal e sem a devida transparência"." Para ele, as operações passaram ao largo das ferramentas de execução orçamentária e financeira instituídas. "Nessa esteira, entende-se que os atos foram praticados de forma a evidenciar uma situação fiscal incompatível com a realidade"," afirmou.
"Fica evidenciado que diversos procedimentos ao longo de 2014 afrontaram de forma significativa, além dos artigos específicos delineados em cada um dos indícios, princípios objetivos e comportamentos preconizados pela LRF, caracterizando, dentro de análise técnica, cenário de desgovernança fiscal"," disse Nardes.
E tudo isso em ano eleitoral, em que a incumbente fez "o diabo" em termos fiscais para garantir ambiente econômico que não prejudicasse a reeleição. Portanto, tratar as "pedaladas" como situação normal de governo só pode indicar que quem as fez, ou as apoia, tem visão retrógrada do serviço público e quer voltar a uma época em que valia qualquer ação para manter o poder.
Como a famosa frase do então governador Quércia, que se regozijou: "Quebrei o Banespa, mas fiz meu sucessor" Hoje já não há mais os bancos estaduais que serviam de tesouro particular para os governadores enfrentarem campanhas, mas o governo usou bancos estatais como Banco do Brasil, Caixa e BNDES para voltar à prática antiga de financiar ações populistas sem lastro, criando situação fiscal fantasiosa.
Os técnicos do TCU identificaram "o não registro dos pagamentos das subvenções, a contratação de operações de crédito com inobservância de condições estabelecidas em lei, o não registro nas estatísticas fiscais de dívidas contraídas e a omissão das respectivas despesas primárias no cálculo do resultado fiscal" como medidas que criaram "a irreal condição para que se editasse decreto de contingenciamento em montante inferior ao necessário para o cumprimento das metas fiscais de 2014, permitindo, desse modo, a execução indevida de outras despesas"
O que aconteceu em 2014 com mais ênfase, mas também em anos anteriores, foi a utilização de "uma política expansiva de gasto sem sustentabilidade fiscal e sem a devida transparência, posto que tais operações passaram ao largo das ferramentas de execução orçamentária e financeira regularmente instituídas"."
Segundo Nardes, além do descumprimento - generalizado e reiterado - da LRF, "revelou-se o desprestígio que o Executivo devotou ao Congresso, não somente ao adotar medidas ao arrepio da vigente LRF, mas também ao promover, por exemplo, a abertura de créditos suplementares sem prévia autorização legislativa, desmerecendo o papel preponderante que exerce o Legislativo no harmônico concerto entre os Poderes, princípio fundamental da nação, e descumprindo mandamento expresso da atual Constituição"."
Trata-se, portanto, não de questão trivial sobre receitas e despesas governamentais, mas de uma visão de Estado autoritária, nada republicana, que desdenha a transparência fiscal e a necessidade de o governante prestar contas de suas decisões e atitudes. Um crime de responsabilidade perfeitamente caracterizado, que pode levar a um processo de impeachment.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
DILMA COMEÇA A DAR SINAIS DE ‘JOGAR A TOALHA’
A presidente Dilma já passa a impressão aos mais próximos e até a funcionário do Planalto de que “entregou os pontos”. Já não consegue esconder o desânimo com a própria incapacidade de superar a crise e de manter-se no cargo. Os primeiros sinais de prostração foram vistos terça, ao ser informada das derrotas no Congresso, que não conseguiu votar seus vetos, e no TSE, que decidiu investigar sua campanha.
NEM SOMBRA
Mulher voluntariosa, que costuma tratar subordinados como se fossem dementes, e aos gritos, Dilma agora se mostra triste e cabisbaixa.
SÓ MÁS NOTÍCIAS
Na quarta (7), antes do julgamento de suas contas TCU, a presidente ficou abatida com a nova frustração no Congresso e a derrota no STF.
O QUE FAÇO AQUI?
Mais cedo, na quarta, ela mal conseguia dar atenção no vistoso evento sobre as Olimpíadas. Sequer trocou palavra com o vice, Michel Temer.
ESMORECIMENTO
O desânimo chegou ao auge na condenação no TCU. Ela se isolou em seu gabinete. Depois, auxiliares perceberam em Dilma sinais de choro.
PLANALTO LASTIMOU NÃO TER USADO A PF CONTRA TCU
Nas avaliações internas sobre a tentativa de “melar” o julgamento das contas de Dilma no Tribunal de Contas da União, o staff presidencial não lamentou a operação desastrada, mas, sim, o fato de não usar – semanas antes – suspeitas e investigações da Policia Federal contra ministros, como o próprio presidente do TCU, Aroldo Cedraz, ou o corregedor, Raimundo Carreiro, para “desmoralizar” de vez o tribunal.
FALTOU ‘DISCRIÇÃO’
O Planalto reconhece que, em vez de barulho, deveria ter sido discreto ao pedir ao Supremo Tribunal Federal a suspensão do julgamento.
ENGOLINDO CORDA
O “trio parada dura” mentiu para agradar Dilma, afirmando que ela seria condenada “por causa do clima”. Ela quis acreditar nessa lorota.
SEM PERIGO DE DAR CERTO
Luiz Adams, José Eduardo Cardozo e Nelson Barbosa ficaram quietos e avalizaram, mesmo discordando, a única tática que não daria certo.
BABALAÔ SUMIU
Quando tudo deu errado e a conta chegou, cadê Lula, o babalaô? Escafedeu-se, sumiu. Ele esteve em toda “engenharia” da reforma ministerial. Tirou e botou quem quis. Mas a “reforma” foi um desastre.
FÃ-CLUBE
Marta Suplicy (PMDB-SP) está entre os admiradores do senador Romero Jucá (RR). A senadora adorou a entrevista dele à revista Veja pedindo o rompimento do PMDB com Dilma e a devolução dos cargos.
DIÁRIO DOS RANDS
O ex-deputado petista Maurício Rands, muito ligado ao falecido ex-governador Eduardo Campos, associou-se ao irmão, Alexandre, que ficou rico com uma empresa de tecnologia, para comprar ontem o jornal Diário de Pernambuco. O valor da operação ainda não foi revelado.
ADVOGADO DO DIABO
Luiz Adams (AGU) fez a defesa do indefensável, no TCU, mantendo-se leal a Dilma, apesar de ter sido preterido para o STF. Ela prometeu a ele a vaga de ministro e nem sequer explicou por que escolheu outro.
SE É POR FALTA DE ADEUS...
O clima era de velório na reunião da bancada do PSB, esta semana. Deputados e senadores não escondiam mais suas posições: para eles, a presidente Dilma entrou em contagem regressiva.
PARTIDO DE RICOS
Diante da chiadeira de tucanos, o PSDB deve derrubar a cobrança de R$ 20 mil de inscrição dos pré-candidatos a prefeito de São Paulo. Só Andrea Matarazzo e João Dória Jr tinham esse dinheiro sobrando.
CONTINUA IGUAL
O gelo que a oposição tem dado em Eduardo Cunha (PMDB-RJ), após notícias turvas vindas da Suíça, é só na frente das Câmeras. DEM e PSDB continuam confabulando o impeachment com o deputado.
RODÍZIO
A liderança do novo blocão da Câmara, agora sem PMDB, vai mesmo começar com Eduardo da Fonte (PP-PE). O tempo de permanência será proporcional ao tamanho da bancada de deputados dos partidos.
PENSANDO BEM...
... de tiro no pé em tiro no pé, Dilma enche o bico da oposição.
A presidente Dilma já passa a impressão aos mais próximos e até a funcionário do Planalto de que “entregou os pontos”. Já não consegue esconder o desânimo com a própria incapacidade de superar a crise e de manter-se no cargo. Os primeiros sinais de prostração foram vistos terça, ao ser informada das derrotas no Congresso, que não conseguiu votar seus vetos, e no TSE, que decidiu investigar sua campanha.
NEM SOMBRA
Mulher voluntariosa, que costuma tratar subordinados como se fossem dementes, e aos gritos, Dilma agora se mostra triste e cabisbaixa.
SÓ MÁS NOTÍCIAS
Na quarta (7), antes do julgamento de suas contas TCU, a presidente ficou abatida com a nova frustração no Congresso e a derrota no STF.
O QUE FAÇO AQUI?
Mais cedo, na quarta, ela mal conseguia dar atenção no vistoso evento sobre as Olimpíadas. Sequer trocou palavra com o vice, Michel Temer.
ESMORECIMENTO
O desânimo chegou ao auge na condenação no TCU. Ela se isolou em seu gabinete. Depois, auxiliares perceberam em Dilma sinais de choro.
PLANALTO LASTIMOU NÃO TER USADO A PF CONTRA TCU
Nas avaliações internas sobre a tentativa de “melar” o julgamento das contas de Dilma no Tribunal de Contas da União, o staff presidencial não lamentou a operação desastrada, mas, sim, o fato de não usar – semanas antes – suspeitas e investigações da Policia Federal contra ministros, como o próprio presidente do TCU, Aroldo Cedraz, ou o corregedor, Raimundo Carreiro, para “desmoralizar” de vez o tribunal.
FALTOU ‘DISCRIÇÃO’
O Planalto reconhece que, em vez de barulho, deveria ter sido discreto ao pedir ao Supremo Tribunal Federal a suspensão do julgamento.
ENGOLINDO CORDA
O “trio parada dura” mentiu para agradar Dilma, afirmando que ela seria condenada “por causa do clima”. Ela quis acreditar nessa lorota.
SEM PERIGO DE DAR CERTO
Luiz Adams, José Eduardo Cardozo e Nelson Barbosa ficaram quietos e avalizaram, mesmo discordando, a única tática que não daria certo.
BABALAÔ SUMIU
Quando tudo deu errado e a conta chegou, cadê Lula, o babalaô? Escafedeu-se, sumiu. Ele esteve em toda “engenharia” da reforma ministerial. Tirou e botou quem quis. Mas a “reforma” foi um desastre.
FÃ-CLUBE
Marta Suplicy (PMDB-SP) está entre os admiradores do senador Romero Jucá (RR). A senadora adorou a entrevista dele à revista Veja pedindo o rompimento do PMDB com Dilma e a devolução dos cargos.
DIÁRIO DOS RANDS
O ex-deputado petista Maurício Rands, muito ligado ao falecido ex-governador Eduardo Campos, associou-se ao irmão, Alexandre, que ficou rico com uma empresa de tecnologia, para comprar ontem o jornal Diário de Pernambuco. O valor da operação ainda não foi revelado.
ADVOGADO DO DIABO
Luiz Adams (AGU) fez a defesa do indefensável, no TCU, mantendo-se leal a Dilma, apesar de ter sido preterido para o STF. Ela prometeu a ele a vaga de ministro e nem sequer explicou por que escolheu outro.
SE É POR FALTA DE ADEUS...
O clima era de velório na reunião da bancada do PSB, esta semana. Deputados e senadores não escondiam mais suas posições: para eles, a presidente Dilma entrou em contagem regressiva.
PARTIDO DE RICOS
Diante da chiadeira de tucanos, o PSDB deve derrubar a cobrança de R$ 20 mil de inscrição dos pré-candidatos a prefeito de São Paulo. Só Andrea Matarazzo e João Dória Jr tinham esse dinheiro sobrando.
CONTINUA IGUAL
O gelo que a oposição tem dado em Eduardo Cunha (PMDB-RJ), após notícias turvas vindas da Suíça, é só na frente das Câmeras. DEM e PSDB continuam confabulando o impeachment com o deputado.
RODÍZIO
A liderança do novo blocão da Câmara, agora sem PMDB, vai mesmo começar com Eduardo da Fonte (PP-PE). O tempo de permanência será proporcional ao tamanho da bancada de deputados dos partidos.
PENSANDO BEM...
... de tiro no pé em tiro no pé, Dilma enche o bico da oposição.