segunda-feira, outubro 05, 2015

O Grilo Falante de Lula - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

O palestrante Luiz Inácio da Silva é um sujeito de sorte. Antes de se consagrar com suas palestras internacionais, ele passou pela Presidência da República, onde não ganhava tão bem. Mas tinha bons amigos, especialmente na empreiteira Odebrecht, que lhe sopravam o que dizer nas reuniões com outros chefes de Estado. Os recados eram passados ao futuro palestrante, então presidente, sob o título "ajuda memória" - ou seja, os empreiteiros estavam ajudando o presidente a se lembrar de coisas úteis, uma espécie de transplante de consciência. A Odebrecht era o Grilo Falante de Lula.

Nem Pinóquio teve uma ajuda-memória tão-generosa. A de Lula se transformou em negócios de bilhões de reais - mas é bem verdade que Pinóquio não tinha um BNDES, só um Gepeto. É uma desvantagem considerável, especialmente porque Gepeto não fazia operações secretas, ao que se saiba. "O PR fez o lobby", escreveu o então ministro da Indústria e do Comércio aos amigos da Odebrecht, respondendo à cobrança da empreiteira sobre a defesa de seus interesses pelo PR Lula junto ao PR da Namíbia. Essa e outras ajudas memórias valiosas, reveladas pelo jornal O Globo, não tiveram nada de mais. Segundo todos os envolvidos, isso é normal.

A normalidade é tanta que a parceria foi profissionalizada. Quando Luiz Inácio terminou seu estágio como PR, foi contratado pela Odebrecht como palestrante. Nada mais justo. Com a quantidade de ajuda memória que ele recebera da empresa durante oito anos, haveria de ter muita coisa para contar pelo mundo. Foi uma história bonita. Lula soltinho, sem a agenda operária de PR, viajando pelos países nas asas do lobista da Odebrecht, fazendo brotar obras monumentais por aí e mandando Dilma e o BNDES bancá-las, enquanto botava para dentro cachês astronômicos como palestrante contratado da empresa ganhadora das obras. Normal.

A parceria também funcionou no Brasil, claro, com belos projetos como o estádio do Corinthians - que uniu seu time do coração com a sua empreiteira idem. Num drible desconcertante dos titãs, o Morumbi foi desclassificado para a Copa de 2014 e brotou em seu lugar o Itaquerão, por R$ 1 bilhão. Como não dava para Gepeto fazer a mágica, o Pinóquio PR chamou o bom e velho BNDES para operar mais esse milagre. Após alguns anos fazendo os bilhões escorrerem dos cofres públicos para parcerias interessantes como essas - incluindo as obras completas da Petrobras -, o palestrante e seu partido levaram o Brasil à breca. Ainda hoje, em meio à mais terrível crise das últimas décadas, que derrubou o aval para investimento no Brasil e fará dele um país mais pobre, a opinião pública se pergunta: como foi que isso aconteceu?

Graças a essa pergunta abilolada, o esquema parasitário que tomou de assalto o Estado brasileiro ainda permanece, incrivelmente, sediado no Palácio do Planalto. O tráfico de influência como meio de privatização de recursos públicos - através de parcerias, consultorias, convênios, mensalões e pixulecos mais ou menos desavergonhados - foi institucionalizado, de cabo a rabo, no governo petista. Lula, o palestrante, é investigado pelo Ministério Público por tráfico de influência internacional. O Brasil se surpreende porque quer: esse é o modus operandi de todos os companheiros que já caíram em desgraça - Vaccari, Delúbio, Erenice, Palocci, Dirceu, Valério, Youssef, Duque, Vargas, João Paulo, Rosemary .Faltou alguém? Ou melhor: sobrou alguém? 

Marcelo Odebrecht recomendou que Lula ressaltasse o papel de "pacificador e líder regional" do presidente de Angola. E assim foi feito. Deu para entender? O dono da empresa e cliente do governo era quase um adido cultural do presidente. Se o Brasil não consegue ver promiscuidade (ou seria obscenidade?) nesse enredo, melhor botar o Sergio Moro em cana e liberar o pixuleco.

Acaba de ser arquivado o inquérito contra Lula no mensalão. No auge do escândalo com a Odebrecht e demais envolvidas no petrolão, o PT bate seu próprio recorde de cinismo advogando a proibição das doações eleitorais de empresas. Pixuleco nunca mais. Ajuda-memória ao gigante: ou abre os olhos agora ou não verá as pegadas companheiras sendo mais uma vez apagadas. Aí os inocentes profissionais estarão prontos para o próximo golpe.

Façam a fila - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA


Quando for escrita com mais calma, em algum momento do futuro, a história das horas de tormenta que vive hoje o governo Dilma Rousseff, é provável que um ou outro cronista mais atento às pequenas e grandes misérias da política brasileira chame atenção para um instante de comédia pura neste gravíssimo debate sobre o impeachment da presidente da República. A pátria, nada menos que a pátria, está vivendo uma das mais espetaculares tempestades de sua existência recente, ou pelo menos é isso que se ouve dia após dia — e de repente somos informados de que a deposição da presidente, antes de qualquer outra coisa, tem de passar pelo cartório. Isso mesmo: pelo cartório, como se faz para vender um carro usado ou tirar uma licença de camelô. No caso, por instrução do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, o jurista Hélio Bicudo, autor do mais ilustre pedido de impeachment ora em circulação no território nacional, teve de levar de volta a São Paulo a papelada que tinha entregue ao Poder Legislativo, para registrá-la no 4º Tabelionato de Notas da Capital. Depor a presidente da República, neste país, exige firma reconhecida, carimbo, assinatura do tabelião.

Eis aí, em toda a sua majestade, o Brasil como ele é. Não é só isso, felizmente, porque existe vida inteligente fora do cartório. Mas sem isso não se faz nada. O futuro próximo de 200 milhões de brasileiros vai ser afetado diretamente pela imensa decisão que o Congresso Nacional tomará, de um jeito ou de outro, em relação ao mandato de Dilma. Mas aí está: ou se passa no cartório ou a coisa não anda. O presidente da Câmara, descrito como um dos homens mais poderosos da história moderna do Brasil, não pode fazer nada a respeito. O doutor Bicudo pode menos ainda. Aos 93 anos de idade, teve de ir em pessoa até o escrivão para provar que é mesmo o doutor Bicudo, e que a assinatura que colocou no seu pedido de impeachment não é falsa. Sentimos muito, doutor, mas nesses casos, e sabe lá Deus em quantos outros mais, é indispensável a comprovação "presencial"; só com isso o documento passa a ser autêntico. É cômico, sem dúvida. Daria para dizer, também, que é um momento de estupidez em estado bruto, desses que explicam por que há tanta dificuldade na sociedade brasileira para se desfrutar por aqui uma vida mais racional, produtiva e coerente com as realidades deste século XXI.

Naturalmente, parece que ninguém percebeu, mais uma vez, que estivesse acontecendo algo fora de propósito nessa história. O país está simplesmente dopado pela burocracia — não é mais capaz de estranhar nenhum tipo de disparate quando é submetido a cenas explícitas de papelório demente. E, se alguém notou alguma coisa, o máximo que fez foi dizer a si mesmo: "Sim, pensando bem, talvez não faça o menor sentido o cidadão passar pelo tabelião antes de solicitar a demissão da chefe de Estado e de governo — mas e daí? O Brasil é assim mesmo". O que temos então, no fim das contas, é a seguinte situação: despejar a presidente do Palácio do Planalto é obra dificílima, incerta e traumática, mas pode ser feita; fugir do cartório é impossível. Ninguém está dizendo, claro, que os cartórios brasileiros deveriam ser extintos, como a chibata da Armada, os juízes de fora ou os títulos de visconde. O país precisa de documentos que tenham fé pública; não dá para as pessoas saírem por aí, com um pedaço de papel na mão, declarando que são donas de uma casa ou que nasceram no dia que lhes der na telha. Mas ninguém pode achar, também, que o Brasil vai ser um lugar lógico enquanto não resolver seu conflito com uma das mais agressivas, atrasadas e perversas burocracias existentes sobre a face da Terra — e da qual os cartórios são apenas uma parte.

A ditadura da burocracia, com Dilma ou sem Dilma, condena o Brasil a viver sempre como um país de segunda categoria. Atrasa o progresso, pune o mérito, arruína a competição. Anula os benefícios da tecnologia e hostiliza a iniciativa individual. Custa empregos, produção e renda. Treina os funcionários do Estado para agirem como idiotas. Para completar, entre outras desgraças, é um hino à desigualdade. Quem tem dinheiro sempre pode recorrer ao despachante — ou, no caso das empresas, sobretudo as maiores, a departamentos dedicados unicamente a defender-se do papelório oficial. E os mais humildes, que vivem a aflição diária de estar "em ordem" com os documentos e não têm recursos para enfrentar essa penitência — nem tempo, pois precisam passar o dia inteiro no trabalho? Virem-se. Façam a fila.


Obscurantismo até quando? - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 05/10

Educação é antídoto para muitos males sociais: fome, miséria, violência, falta de urbanidade. Sem ela, não há desenvolvimento humano, econômico, tecnológico, político. O país patina e fica estagnado no tempo e no espaço. No Brasil, a diversidade e a pluralidade vão além das raças, das culturas e dos credos. O país tem múltiplos cenários que expressam as desigualdades que o tornam menor frente a outras nações. Educação é prioridade nos discursos dos governantes. Mas é letra morta na realidade e acaba por arrastar para cova rasa a dignidade de crianças, jovens e adultos. Deixam-nos vulneráveis às artimanhas da vida.

Dez anos atrás (fevereiro de 2005), o então presidente Lula, com a promessa de erradicar a fome e impulsionar a educação, visitou, acompanhado do entãoministro da Educação, Cristovam Buarque, hoje senador pelo DF, o bairro de Canaã, no município pernambucano de Caruaru. Era o poder cara a cara com a miséria e o analfabetismo. A estarrecedora situação não passava de aperitivo ante o enorme desafio imposto ao governo popular recém-chegado ao comando da nação. A comunidade atendida pelo Bolsa Família e castigada pela adversidade climática apostava que o filho da terra que chegou ao posto mais alto da República traria mudanças significativas e transformadoras do futuro de todos.

Passada uma década, o senador voltou a Canaã e fez o "Relato de um futuro perdido" (Correio, 2/10). A fome foi dissipada e não consegue vitimar adultos e jovens pela subnutrição. Os trabalhadores trocaram o campo pela fábrica de roupas no município vizinho, mas seguem dependentes dos programas sociais do governo. Da única escola que havia em 2005 não saíram crianças e jovens alfabetizados. A vida para eles ficou estagnada ali, sem chances de ascensão social e econômica. Alguns foram açoitados pela violência, pelas drogas ou caíram na armadilha da gravidez precoce.

Se o pão chegou, a educação passou longe. Não conseguiu ser agente de transformação. Homens, mulheres, crianças e jovens de Canaã continuam cativos do analfabetismo funcional e da ação governamental. Não têm formação que lhes permita romper com a realidade. O pão dá votos, mas não liberta os votantes. Não os capacita para galgar a pirâmide social e romper, em definitivo, com a miséria. Eles continuam vítimas do desprezo dado à educação. O país também é refém do atraso. Para a nação e os cidadãos do interior de Pernambuco, mais uma década perdida.

Até quando as políticas públicas continuarão preservando ciclos que emperram os avanços necessários à construção de uma sociedade livre, independente, apta ao exercício pleno da cidadania e capaz de impulsionar e fortalecer o desenvolvimento socioeconômico? Educação de qualidade não é luxo nem deve ser produto de consumo exclusivo das castas com elevado poder aquisitivo.

Boa escola é alavanca para retirar o país da mediocridade e torná-lo grande, sem iniquidades que compõem colcha de retalhos repleta de tecidos de fome, miséria e preconceitos. Mas não é preciso muito esforço para constatar que a educação pública é negligenciada a cada governo, não importa o matiz ideológico de quem detém o poder. Seguimos no exercício da imersão profunda no reino do obscurantismo, atrás de países com muito menor potencial de desenvolvimento. Até quando?

Petrobras como operadora única retarda bens do pré-sal - EDMAR DE ALMEIDA E LUCIANO LOSEKANN

Folha de São Paulo - 05/10

Quando a regra instituindo a Petrobras como operadora única do do pré-sal foi debatida e aprovada, em 2009 e 2010, sabia-se que havia muito petróleo nessa área.

As descobertas somavam algo como 20 bilhões de barris, o que já era um número espantoso diante dos cerca de 14 bilhões de barris de reservas provadas fora do pré-sal. Naquele momento, a regra da operadora única trazia alguma vantagem para o país e aparentemente pouco custo.

Dois eventos posteriores à aprovação da regra mudaram completamente a relação custo-benefício desta decisão. Por um lado, o esforço exploratório dos últimos cinco anos descortinou um cenário de recursos recuperáveis completamente distinto daquele que se pensava em 2010.

Novas descobertas da Petrobras no pré-sal deixaram a empresa com mais de 40 bilhões de barris de reservas a serem desenvolvidas. As informações geológicas atuais apontam um potencial ainda a ser descoberto de mais de 150 bilhões de barris. Ou seja, tem muito mais petróleo no pré-sal do que imaginávamos.

Por outro lado, a crise política e econômica da Petrobras e a redução dos preços do petróleo a partir de 2014 diminuíram a capacidade de investimento da empresa para menos da metade. Ou seja, de um patamar de 40 bilhões de dólares para um de 20 bilhões.

Considerando que a capacidade de investimento atual da Petrobras fosse alocada totalmente para o segmento de exploração e produção, com um custo de investimento (otimista) de dez dólares por barril, a empresa levaria 20 anos somente para desenvolver os campos já descobertos.

Como a estatal já está totalmente absorvida com as reservas que descobriu, o governo brasileiro teria que adiar por muito tempo novos leilões no pré-sal, caso se decida por manter a regra de operadora única. Isto significa atrasar o resgate do bilhete premiado.

O Grupo de Economia da Energia realizou um estudo sobre os impactos de se atrasar os novos leilões para esperar a Petrobras.

Comparou-se dois cenários: o primeiro sem a regra da operadora única, com a realização de dez leilões anuais no pré-sal a partir de 2016; o segundo com a regra da operadora única e a realização do primeiro leilão só em 2021, o segundo em 2025, o terceiro em 2028, seguido de sete leilões anuais, o último acontecendo em 2035.

Nas simulações, assumiu-se a descoberta de cinco bilhões de barris a cada leilão, com a produção do primeiro óleo começando sete anos após a descoberta.

Estes leilões gerariam uma curva de produção que, no primeiro cenário, atingiria um pico de 8 milhões de barris/dia em 2033. No segundo cenário, a curva de produção atingiria um pico de 7,5 milhões de barris/dia somente em 2043.

A diferença entre os dois cenários é mais gritante quando comparamos a arrecadação de participações governamentais. Ambos os casos comparam a arrecadação na produção de 50 bilhões de barris. Entretanto, o valor alcançado, descontado a 10% desta arrecadação, seria de US$ 180 bilhões no primeiro cenário e de apenas de US$ 78 bilhões no segundo.

Essa diferença no tempo também pode ser vista quando comparamos o valor nominal acumulado de participações governamentais pagos, por exemplo, até 2040. No primeiro cenário, a arrecadação seria de US$ 850 bilhões, contra apenas US$ 250 bilhões no segundo.

Os números não deixam dúvida de que limitar a produção do pré-sal à capacidade de investimento da Petrobras significa privar o Brasil de recursos cruciais para nosso desenvolvimento. Vale lembrar que o petróleo não é a energia do futuro.

Jogar para o futuro a produção do pré-sal significa colocar em jogo o futuro do Brasil.

EDMAR DE ALMEIDA, 46, economista, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Grupo de Economia da Energia
LUCIANO LOSEKANN, 42, economista, é professor da Universidade Federal Fluminense e membro do Grupo de Economia da Energia

Fora da ordem - LUIS ERLANGER

O GLOBO - 05/10

Deu na coluna “Gente boa” neste O GLOBO:

“O caso de Otto — o neto de 8 anos de Otto Lara Resende que é fã de Caetano Veloso e não poderia ir ao show do cantor, em outubro, por causa da classificação indicativa — sensibilizou o juiz Pedro Henrique Alves, da 1ª Vara da Infância e da Juventude. ‘Ele vai ao show’, diz. ‘Eu vou autorizar e gostaria muito de conhecê-lo pessoalmente, junto de seus pais’. Otto tem síndrome de down, e a música é a sua maior paixão.”

A princípio parece bacana. Mas traz algumas questões. Bem graves.

De saída, a questão permanente do autoritarismo que, de forma anticonstitucional, cerceia a liberdade de expressão no Brasil. A começar pela própria classificação indicativa — que não é indicativa, como se autodenomina, mas proibitiva mesmo. Censura disfarçada.

Por que cabe ao Estado decidir em quais eventos culturais os pais podem levar seus filhos?

A decisão deve ser da família — cada qual com seus valores morais. Ou o Estado se acha no direito de criar normas nesta área? Sim, se acha. Quer decidir até o que é “família”.

Estamos falando, neste caso, de MPB, nem é de teatro ou cinema, onde cabem discussões sobre linguagem. Mesmo assim, para se resolver em casa.

No Caetano & Gil haverá canções que a meninada já ouve, por exemplo, nas rádios, sem controle algum. Aliás, a criança que quer ir é justamente porque conhece e gosta do repertório.

Não faz parte do roteiro nenhum comportamento chocante no palco por parte dos dois septuagenários.

Para o Rock in Rio, com consumo de bebida alcoólica liberado e de maconha sem repressão alguma, bastava, corretamente, a presença dos pais.

Qual a lógica? O que Gil e Caetano têm de tão maléfico às criancinhas?

Finalmente: como cidadão e colaborador de muitas instituições que cuidam de toda sorte de desigualdade social, sempre entendi que a causa era justamente para que todos tenham o mesmo direito perante a lei.

Que os diferentes sejam tratados como iguais. Aqui não: cria-se um privilégio. Por que meus filhos menores também não podem frequentar o mesmo lugar que uma criança com síndrome de down? Que mensagem ficará na cabeça deles?

É porque os interessados têm acesso ao juiz? Simpatia pessoal? Ou esta decisão será validada para todas as crianças com algum tipo de necessidade especial (como se isso criasse prerrogativa)?

Que lição para as outras crianças que também adoram a dupla deixará a Vara da Infância com este preconceito ao contrário? Serão, agora estes, os discriminados, tratados de forma diferenciada diante da legislação, em nome de que princípio?

Se a simpática decisão do juiz é movida por piedade, só agrava a situação, pois envereda por um caminho que não costuma embasar a conduta das famílias: o que deve nos mover é a legítima e muito necessária luta pela igualdade na cidadania, e não o sentimento de pena.

É uma pena mesmo é ver uma decisão judicial baseada num indivíduo, e não na coletividade.

Ainda pode ser um bom exemplo em favor de um sociedade mais igualitária , se o juiz ainda liberar a entrada no espetáculo a todas as crianças — acompanhadas — sem qualquer avaliação baseada em características físicas ou mentais.

Luis Erlanger é jornalista e escritor

Sem Deus, tudo é permitido - LUIZ FELIPE PONDÉ

Folha de SP - 05/10

Sim, o título é uma afirmação. Acho que sim, se Deus não existe, tudo é permitido. Sim, minha afirmação é niilista. Vai encarar?

O leitor com repertório sabe que estou falando do personagem Ivan Karamázov do romance "Irmãos Karamázov", do grande Fiódor Dostoiévski (1821""1881). Woody Allen, autor do recente "Homem Irracional", é obcecado por esse tema.

Como não ser, se você é alguém que pensa a moral para além do credo raso da classe média?

A classe média é aquela que acredita que, se disser para os filhos que a honestidade garante a felicidade, isso garantirá alguma forma de segurança moral e existencial na vida. Não, não garante. Isso não quer dizer que você não deva buscar ser honesto, mas isso quer dizer que não há nenhum "narrador" da vida que garanta absolutamente nada. Nosso "senhor" é o acaso.

Dito isso, voltemos ao problema. Woody Allen recoloca esse problema em seu último filme por meio do professor de filosofia que o estrela. De niilista deprimido, ele passa a niilista ativo, como diria um nietzschiano. Mas o cineasta termina por escolher Kant (que era ateu, mas não sabia ou tinha medo de saber): se Deus não existe, resta-nos a universalidade da norma categórica, que jamais pode ser quebrada. Não podemos matar porque, se quebramos essa regra, a humanidade mergulha no caos.

Será? O pensamento é perigoso. Melhor concordar com Kant e ir jantar depois do filme. Mas nem por isso podemos fugir do russo Dostoiévski (como diz o filósofo do filme, "o cara que sacou tudo"): e, se eu não me sentir culpado e ninguém descobrir o que fiz, haveria algum problema em matar alguém que é "mau" (para facilitar o argumento)?

Woody Allen não acredita no binômio "culpa-perdão" como forma superior de vida moral. Dostoiévski, Victor Hugo, Tolstói e Nelson Rodrigues, entre outros, acreditavam. Para ele, resta Kant e sua mentalidade de classe média, como reconhece a aluna kantiana do longa. Adora dar para o professor, mas não tolera assassinatos, mesmo por uma boa causa.

Apesar de não simpatizar com Kant (prefiro Dostoiévski, Nelson Rodrigues e Nietzsche), o risco de degeneração para a violência é um fato quando a humanidade (que é gado, em termos morais) sai dos limites das normas. Basta pensar em algo banal como o trânsito.

Mas, ainda assim, a questão permanece: e se eu me sentir bem com o que fiz, ninguém descobrir, e o morto "merecer", por que não?

Claro, posso pôr em dúvida a ideia de que a vítima "merece", e muita gente canalha já matou milhares em nome do "bem". No último século, todos os socialistas mataram milhares de pessoas em nome do "bem" –os mesmos que posam de santos no Brasil, porque somos gente ignorante em história.

A questão de Dostoiévski não tem nada a ver com a ideia, errada, de que quem é ateu é mau. Pensar isso é para iniciantes. A questão dele tem a ver com a negação de qualquer validade absoluta da moral. Isso implica a hipótese niilista.

Por outro lado, isso tampouco quer dizer que, ao concordar com o russo, eu esteja caindo em qualquer "desespero existencial", como assumem os bem resolvidos, que julgam tudo compreender porque leem livros chiques no idioma original. Só espíritos confusos e imaturos julgam a vida e as pessoas pelo que leram.

Pelo contrário: o niilismo torna você imbatível em termos morais, porque lhe faz impermeável a qualquer apelo em nome de qualquer "valor". A resposta moral do niilista é "estética" (como no filme): faço o que gosto e o que me faz bem e, ao final, pouco me importa se a pessoa "merece" morrer ou não.

A única resposta consistente ao niilismo é ainda a de Dostoiévski: o niilista é um desgraçado que não é capaz de confiar no mundo (mas isso é uma outra história, que não dá para contar aqui...).

Dizer para um niilista que ele deve levar em conta as "necessidades" da humanidade é querer brincar com um leão porque você acha ele fofo. Não é à toa que, aos olhos niilistas, a humanidade seja uma grande classe média ridícula, incapaz de gozar de fato a liberdade que só a solidão nos dá.


A Velha Política - PAULO GUEDES

O GLOBO - 05/10

O fisiologismo do Legislativo e a cumplicidade do Judiciário, essência da Velha Política, seriam a 'sarneyzação' do segundo mandato de Dilma


O governo recupera o fôlego com cargos e verbas para o PMDB e o fatiamento das investigações do Petrolão. As práticas fisiológicas no Legislativo e as manobras de abafamento das investigações e de influência sobre os julgamentos no Judiciário são a essência da Velha Política. As sugestões de Sarney a Lula para escapar do mensalão foram repassadas e finalmente ensaiadas por Dilma Rousseff. A cooptação parlamentar e a perspectiva de ajuste fiscal compram tempo e acalmam os mercados.

A má notícia para o governo é que o fôlego de suas manobras pode se revelar curto. Pois têm dimensões oceânicas os vagalhões da crise atual. As irresponsáveis pedaladas fiscais vão a julgamento pelo Tribunal de Contas da União. As suspeitas de irregularidade no financiamento da campanha presidencial serão avaliadas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Os pedidos de impeachment serão celeremente encaminhados pelo presidente da Câmara dos Deputados, indignado com as acusações de malfeitos milionários, cuja coordenação e vazamento são por ele atribuídos aos responsáveis por malfeitos bilionários.

O principal obstáculo às táticas anacrônicas e desmoralizantes do governo é a dinâmica de comunicações de uma sociedade aberta em evolução. Pois o fisiologismo dos parlamentares e a cumplicidade do Judiciário são apostas contra o inevitável aperfeiçoamento de nossas instituições. Ignoram a voz das ruas. A opinião pública já tem a desconcertante percepção de que o establishment trabalha de fato pela impunidade. Quando Dias Toffoli, em defesa do fatiamento no Supremo Tribunal Federal, perguntou se existia apenas um juiz no Brasil, deveria perceber que o entusiasmo da opinião pública pelo desempenho de Sérgio Moro sugere atordoante resposta: “Competentes e probos como ele, poucos.” Afinal de contas, são décadas de escândalos, roubalheiras e impunidade.

Lula quer ainda mais de Dilma. Abafar as investigações e abraçar o PMDB para evitar o impeachment e aprovar o ajuste fiscal seriam apenas uma estratégia de sobrevivência política acompanhada de um “feijão com arroz” na economia. Uma “sarneyzação” do segundo mandato de Dilma, que apenas evitaria o destino de Collor, mas não a tragédia eleitoral que devastaria o PT e inviabilizaria o retorno de Lula em 2018.

Ladeira abaixo - EDITORIAL FOLHA DE SP

Folha de SP - 05/10

Mesmo nos momentos econômicos mais venturosos de outrora, o Brasil nunca deixou de ser um ambiente hostil para empreendimentos de todos os portes.

Reflexos de vícios arraigados nos regulamentos nacionais, indicadores como o número de procedimentos exigidos para iniciar um negócio, ou de horas consumidas no pagamento de taxas e impostos, que aproximam o país das piores colocações nas listagens globais, não podem ser atribuídos a desacertos deste ou daquele governo.

São bem identificáveis, porém, as responsabilidades pela vexatória queda brasileira no ranking de competitividade recém-divulgado pelo Fórum Econômico Mundial–da 57ª posição, no ano passado, para a 75ª entre 140 países.

Se competitividade é um conceito um tanto vago, o levantamento analisa quesitos concretos o bastante. De 12 categorias, houve retrocesso em 9, e o único posto digno de comemoração se deve à grandeza populacional: um 7º lugar em tamanho do mercado.

Quando estão em jogo resultados que dependem mais diretamente das gestões da economia e da política, o Brasil avança rumo ao extremo errado da tabela –e com contribuição decisiva de desatinos e escândalos acumulados ao longo da administração petista, em particular sob Dilma Rousseff.

No julgamento do ambiente macroeconômico, a incúria no controle do Orçamento e da inflação nos custou um mergulho para o 117º posto, 32 abaixo da já desconfortável classificação de 2014. Nesse caso, ao menos, conta-se com vizinhos de renome, como a Espanha (em 116º) e o Japão (em 121º).

Mais incômodas são as companhias na relação que ordena as nações conforme a qualidade das instituições. Com a corrupção desnudada em proporções inéditas, o país desceu da 94ª para a 121ª colocação, logo abaixo da Sérvia e com Serra Leoa em seus calcanhares.

Elaborado a partir de dados estatísticos e pesquisas de opinião com executivos, o documento aponta uma piora vertiginosa, e ainda pouco explicada, da percepção sobre o desempenho brasileiro em ensino superior e treinamento, com queda da 41ª para 93ª posição.

Pode-se supor que o recrudescimento da crise tenha azedado o humor dos entrevistados, contaminando as avaliações. Já havia, porém, uma coleção prévia de outros resultados deploráveis, como em educação primária, complexidade tributária e custos trabalhistas.

A variedade de mazelas mostra que a agenda pela frente transcende o ajuste das finanças públicas. A longo prazo, será fundamental substituir a onipresença estatal por incentivos à produtividade de trabalhadores e empresas.

O PT contra o PT - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo-PR - 05/10

Após conseguir emplacar diversos aliados na reforma ministerial promovida pela presidente Dilma, o ex-presidente Lula tem na mira o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A ofensiva se tornou mais forte na semana passada, quando economistas vinculados ao PT elaboraram um conjunto de sugestões de política econômica que servissem de alternativa ao plano de austeridade e ajuste fiscal proposto por Levy. O documento, de que tratamos neste mesmo espaço dias atrás, foi concluído e divulgado com o aval da direção nacional do PT e é uma peça que vai na direção oposta ao que o governo vem fazendo, apesar de a presidente da República pertencer ao PT e ter sido eleita pelas mãos de Lula.
Lula e os economistas do PT não acreditam em austeridade, nem em ajuste fiscal vindo de cortes de gastos e redução do déficit público. Alegam que a redução de gastos públicos no momento em que o Produto Interno Bruto (PIB) está caindo pode provocar mais queda da demanda, mais recessão, mais desemprego e menor arrecadação tributária. Sendo assim, afirmam os autores, o ajuste fiscal de Levy não teria sucesso, pois o aprofundamento da recessão implica menor receita de impostos, o que, para eles, levaria à anulação dos ganhos orçamentários com o ajuste. Uma das soluções que Lula vê é a remoção do ministro – o nome preferido do ex-presidente, segundo informações de bastidores, é Henrique Meirelles, que comandou o Banco Central durante os dois mandatos de Lula.
A proposta de Lula e do PT – embora não do governo do PT – falha em uma questão essencial. Se Dilma seguir pelo caminho sugerido, o governo terá de pagar os gastos com mais empréstimos, cuja consequência será a explosão da dívida pública e aumento da taxa de juros. O dinheiro que os bancos emprestam ao setor público vem dos depósitos feitos pela sociedade, e estes são limitados e escassos, razão por que o aumento da dívida pública diminui os fundos disponíveis ao setor privado e provoca elevação do custo do dinheiro. Afora essa opção, a saída para pagar os gastos do governo seria a emissão de moeda, fórmula inaceitável por terminar sempre em inflação e desorganização completa da economia.
No primeiro mandato da presidente Dilma, o governo tinha feito o que Lula está propondo: elevou os gastos, aumentou a dívida pública, tentou segurar os juros na marra baixando a Selic, e o resultado foi que os juros voltaram a subir, a inflação superará o dobro da meta (o IPCA ficará em torno de 9,5% neste ano, contra uma meta de 4,5%), a confiança dos investidores foi reduzida, os investimentos caíram, o PIB caiu e o desemprego aumentou. Chega a ser estranho que Lula proponha a Dilma rifar o timoneiro do ajuste e voltar a praticar o mesmo tipo de política econômica do primeiro mandato, com resultados desastrosos.
Vale lembrar que existe conexão entre os problemas brasileiros e a crise mundial, embora a causa maior dos problemas nacionais esteja aqui dentro. A crise internacional levou à queda dos preços das commodities exportadas pelo Brasil e reduziu o saldo no balanço com o resto do mundo; a China não demonstra tendência de crescimento e de aumento da demanda; os Estados Unidos ensaiam elevar a taxa de juros, o que induziria os investidores a redirecionar o fluxo de capitais para lá, com diminuição da entrada de dólares no Brasil; e as crises econômica e política estão levando as agências de classificação de risco a rebaixar a nota de crédito brasileira, resultando na diminuição do dinheiro investido no Brasil e aumento da taxa de juros nos empréstimos ao país.
Lula e seus economistas parecem dispostos a ignorar um fato básico: se a insistência em déficits públicos e a recusa em equilibrar as contas do governo funcionassem, a Grécia seria um lugar de prosperidade, pois foi isso que o país fez durante algumas décadas. Entretanto, o exemplo grego está aí para mostrar a tragédia produzida por imprudência na gestão macroeconômica.
Ao manobrar contra Levy e o ajuste fiscal, Lula, alguns setores do PT e os movimentos satélites do partido, como a CUT, acabam tratando a presidente Dilma como se ela fosse chefe de um governo de oposição, como se ela não pertencesse ao PT, num momento em que esse tipo de atitude somente serve para afundar ainda mais a credibilidade da presidente e seu governo. É o PT contra o próprio PT. A economia vai mal e a lamentável situação do Brasil é obra do próprio governo. Disso não dá para fugir.

A presidente precisa tomar as rédeas do ajuste fiscal - CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

O Estado de São Paulo - 05/10

A crise política e econômica em que o Brasil está mergulhado não caracteriza uma situação estável. Ou seja, do jeito que está não ficará por muito tempo. Ou a presidente Dilma Rousseff toma medidas drásticas na área fiscal e sai das cordas ou a deterioração de expectativas pode conduzir a economia brasileira para um desastre.

Estamos num círculo vicioso. A percepção do fracasso do ajuste fiscal eleva o risco soberano, que, por sua vez, provoca depreciação do real e, consequentemente, aumenta a inflação esperada. Com isso, os juros de mercado sobem, tornam mais caro o financiamento da dívida pública (mesmo que o Banco Central não aumente a taxa básica, a Selic) e o risco soberano volta a crescer. Assim, fecha-se o círculo: risco, câmbio, inflação, juros, risco...

Se o círculo não for quebrado, o crescimento da inflação será inevitável. Ao mesmo tempo, a deterioração da confiança paralisa investimentos, derruba o consumo, leva os bancos a contraírem o crédito e, portanto, aprofunda a recessão.

Em situações como esta, as políticas monetária e cambial perdem a efi- cácia. De nada adiantaria o Banco Central subir a taxa básica de juro para tentar conter a depreciação cambial e a inflação. Estamos em plena dominância fiscal, ou seja, na situação em que o aumento dos juros, ao piorar a situação fiscal, aumenta mais do que proporcionalmente o risco soberano, fazendo com que a taxa de juro livre de risco caia, ao invés de subir. Isso provoca mais depreciação cambial, o que realimenta o círculo vicioso sobre o qual falamos.

São descabidas, também, as sugestões para que o Banco Central venda dólares das reservas cambiais. Argumenta-se que, com isso, não só se conteria a depreciação do real, comotambém se melhoraria a situação fiscal pela redução do custo de carregamento das reservas. A proposta é ingênua. A elevação da taxa de câmbio equivale à febre de um paciente que está com uma infecção bacteriana. É o sinal de que o organismo não está bem. Vender dólares, sem mudar o regime fiscal, é o mesmo que conter a febre com antitérmicos, banhos frios, etc., e, assim, silenciar o sinal, mas não administrar antibióticos potentes para curar a infecção. É um artificialismo que, ao reduzir a taxa de câmbio, chamará mais compradores e tornará o organismo econômico ainda mais debilitado.

Ajuste fiscal. Na verdade, não está havendo ajuste fiscal algum, mas apenas uma contenção orçamentária impossível de ser mantida ao longo do tempo. As propostas enviadas ao Congresso, além de não combaterem as causas da deterioração das contas públicas, se aprovadas, apenas garantiriam que o superávit primário chegasse, em 2016, a 0,7% do PIB. Se assumirmos a hipótese otimista e irrealista de que nos dois anos seguintes esse superávit alcance 1,2% e 2,0% do PIB, dado o cenário de recessão e a projeção de juros com que trabalhamos, a dívida pública bruta atingiria 75% do PIB, em 2017 e 2018. Era de 53%, no fim de 2013. Tal deterioração já seria suficiente para o Brasil perder o grau de investimento nas duas outras agências relevantes classificadoras de risco, a Moody’s e a Fitch.

Mas a situação real é muito pior. O pacote fiscal enviado ao Congresso tem bai- xíssima chance de ser aprovado, pelo menos na sua integridade. Foi mal elaborado, mexeu com muitos interesses simultaneamente, irritou o Congresso ao propor a utilização das emendas parlamentares para bancar compromissos já constantes do Orçamento e, por fim, propôs a recriação, mediante emenda constitucional, de umtributo de péssima qualidade, que semanas antes havia sido veementemente rechaçado por lideranças empresariais e políticas, qual seja, a fami- gerada CPMF.

A reforma ministerial anunciada na sexta-feira pode ter reduzido as chances de impeachment da presidente, mas não aumentou a probabilidade de aprovação das medidas fiscais. Mesmo a proteção do mandato presidencial não é definitiva. Pode fraquejar, a depender da evolução das condições econômicas e sociais do País, da decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) e, também, da Operação Lava Jato. São visíveis na reforma a mão pesada de Lula e o crescimento de sua influência sobre a presidente. O problema é que o ex-presidente tem se colocado publicamente contra o ajuste fiscal que, a duras penas, o ministro Joaquim Levy tenta levar à frente.

Necessidade de agir. Enquanto as propostas do “ajuste fiscal” tramitam aos trancos e barrancos no Congresso e medidas da pauta-bomba são aprovadas, o que se vê é a presidente encurralada, submissa aos caciques do PMDB e, agora, mais claramente, a Lula. Nesse quadro, a recessão se agrava, o mercado se deteriora e pioram as expectativas de inflação. A situação requer que Dilma saia do imobilismo e comece a governar.

Nossa proposta é que, sem recuar das medidas que tramitam no Congresso, o governo lance mão de aumentos de tributos e cortes adicionais de gastos que não necessitam de aprovação legislativa. Por exemplo, a elevação da Cide sobre a gasolina tipo A do atual R$ 0,10 para R$ 0,60; e o aumento das alíquotas do IOF de 50% sobre os níveis atuais e também de 50% das alíquotas do IPI sobre produtos importados possibilitariam arrecadação adicional de cerca de R$ 44,3 bilhões, em 12 meses (R$ 9,6 bilhões para Estados e municípios e R$ 34,7 bilhões para a União), sem considerar a receita adicional do ICMS decorrente da provável elevação do preço do etanol. Concomitantemente, mais cortes de gastos, inclusive no PAC e em alguns programas sociais.

São medidas amargas, com efeitos colaterais adversos, mas a situação é de emergência. No incêndio, não se olha a qualidade da água utilizada para apagar o fogo. Feito isso, o Executivo encaminharia ao Congresso propostas de reformas estruturais, como a da Previdência, por exemplo. Dificilmente teria sucesso nessa última questão, mas a presidente sairia das cordas e mostraria que ainda tem condições de governar.

A situação atual não pode perdurar. A presidente Dilma Rousseff precisa agir, ou, se não quiser ou não puder, deveria renunciar.

Resta ao governo lançar mão de medidas amargas. Mas, no incêndio, não se vê a qualidade da água que vai apagar o fogo

Perdas com swaps crescem e viram uma questão fiscal - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

VALOR ECONÔMICO - 05/10

A política cambial, em especial a venda de swaps cambiais, tornou-se uma questão fiscal de grande magnitude - e, como tal, deveria seguir os princípios republicanos que governam a gestão da coisa pública. Reportagem publicada pelo Valor (01/10, página A3) mostra que os prejuízos acumulados pelo Banco Central neste ano nas operações com derivativos em dólar na Bovespa BM&F já chegam a R$ 119 bilhões.

Por qualquer ótica, os números são vultosos. As perdas acumuladas em 12 meses até agosto equivalem a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) e respondem por cerca de 30% do aumento da dívida bruta do governo geral do período. Essa despesa responde por um quarto dos encargos com juros da dívida pública, que chegam a impressionantes R$ 484 bilhões, sempre em 12 meses.

Com o empurrão dos gastos com "swaps" cambiais, o déficit nominal do setor público já equivale a 9,21% do PIB, um dos maiores do mundo entre as economias emergentes. O esforço do ajuste fiscal, por meio da geração de superávits primários, está sendo consumido pelo prejuízo com swaps cambiais. A despesa financeira com esses instrumentos derivativos representa quatro vezes a meta de superávit primário de 2016.

De forma meritória, o Banco Central tem procurado ampliar a transparência sobre os custos da política cambial. O argumento apresentado por seus dirigentes é que, no conjunto, as suas ações na área trazem ganhos. Grosso modo, a cada perda de R$ 1 com os swaps, o governo registra um ganho de R$ 4 com as reservas internacionais. Neste ano, em termos líquidos, o BC deve transferir R$ 205 bilhões ao Tesouro relativos a lucros apurados.

É bom notar, porém, que esses cálculos juntam num mesmo pacote duas políticas públicas que, embora relacionadas, são governadas por decisões independentes. Uma coisa é a política de acúmulo de reservas internacionais. Outra decisão distinta é a venda de swaps cambiais para o mercado.

A variação do dólar não parece ser a melhor forma de medir o custo de acumular reservas. No longo prazo, horizonte adequado para avaliar o desempenho de um ativo dessa natureza, ganhos e perdas cambiais tendem a se anular. Resultados apurados só se materializam quando as reservas são vendidas. Assim, o custo efetivo é medido de forma mais adequada pela diferença entre os custos de captação do BC, medido pelos juros internos, de 14,25% ao ano, e a aplicação das reservas no exterior, com juros perto de zero. Os benefícios das reservas são basicamente a redução da vulnerabilidade externa da economia.

Já a venda de swaps cambiais custa, para o BC, justamente a variação da cotação do dólar. Os instrumentos têm data de vencimento, e os ajustes são diários, com depósito de margem. Deve-se lembrar que o programa foi lançado em agosto de 2013, depois que os Estados Unidos indicaram o fim dos estímulos monetários extraordinários, num momento em que já acabava o boom das commodities. Já havia, então, boas indicações de que a taxa de câmbio se depreciaria. Os benefícios dos swaps são oferecer proteção para as empresas com dívida em dólar e retirar o excesso de volatilidade no mercado de câmbio.

São duas decisões - acumular reservas e vender swaps - que devem ser tomadas levando em conta os custos e benefícios em cada um dos casos. Quando o país acumula reservas, é como se estivesse pagando por um seguro. Uma questão central é se o volume atual de reservas não é exagerado, ao chegar a quase US$ 400 bilhões. É provável que, há muito tempo, os custos marginais tenham superado os ganhos marginais

Sobre vender swaps, deve-se ponderar até que ponto os cofres públicos devem absorver um risco que, na origem, é do setor privado. O programa é justificável, se o objetivo for evitar que quebras de empresas levem a uma crise financeira e ao colapso da economia. De novo, a questão é se a posição de mais de R$ 100 bilhões não é exagerada. Na crise de 2008, o BC vendeu menos da metade disso.

Em suma, o gasto com swaps é hoje uma despesa fiscal de grande magnitude que reflete decisões discricionárias do governo que devem pesar custos e benefícios. Por isso, parece adequado que siga um rito de autorização pela vontade popular, por meio de representantes eleitos, mas garantindo flexibilidade para que o instrumento seja acionado com a celeridade exigida nos momentos de estresse financeiro.


Depois da abdicação - MARCOS NOBRE

VALOR ECONÔMICO - 05/10

Há cerca de 15 dias, Lula colocou Dilma diante do fato de que estava para ficar sem base suficiente para enfrentar o impeachment e que se veria obrigada a renunciar. Como fez reiteradas vezes desde 2014, deu-lhe o ultimato de entregar a ele a articulação do governo ou ficar sem condições de governar. Com muito choro e ranger de dentes, Dilma entregou a Lula a articulação. Quer dizer, entregou em dois tempos. Na primeira etapa, há duas semanas, a presidente cedeu ao antecessor algo como metade de seu governo, o mínimo necessário para a formação de um ministério anti-impeachment.

Semana passada Dilma foi obrigada a aceitar que esse movimento seria insuficiente. Travar a guerra do impeachment já seria a derrota, significaria assinar a carta de renúncia, deixando em branco apenas a data. A guerra do impeachment exigiria virar as costas para a economia e para o mercado por pelo menos dois meses. Em um contexto de crise aguda, seria o mesmo que pedir para que o mercado produzisse o ajuste na marra e jogasse o governo no precipício do caos econômico que levaria ao impeachment.

Ficou claro que não era possível separar o movimento de desarme do impeachment da formação de uma base parlamentar ampla o suficiente para permitir ao governo sair de uma posição meramente defensiva. Mas esse segundo movimento Dilma já não tinha mais condições de realizar sem abdicar em favor de Lula. O gesto foi selado pela entrega do último bastião de sua independência, a Casa Civil. A troca de Mercadante por Jaques Wagner não apenas põe Lula na Presidência: significa que Dilma já não tem mais controle sobre seu próprio governo. O que a Casa Civil não processa, não existe. Nem que seja o mais vivo desejo expresso da presidente.

Lula entregou com isso parte do que exigia o mercado: neutralizar Dilma sem o imponderável de uma ruptura como o impeachment. Veio junto uma demonstração importante de comando e controle sobre uma base congressual suficiente para levar o mandato de Dilma até o final. A primeira questão que vem depois da abdicação é saber se o mercado vai se dar por satisfeito, se o afastamento pelo menos temporário do colapso será avaliado como o máximo a que se pode almejar no momento, dando o resto por perdido pelo tempo que for possível. Porque, mesmo deixando de lado o incontrolável das graves incertezas do mercado internacional, o desequilíbrio estrutural das contas públicas persiste.

Os horrores da recessão darão sua contribuição, mas estão longe de resolver. Também vão contribuir, mas não vão bastar, a inflação mais para o lado do teto da meta em 2016 (o que já parece contratado) e o aumento de impostos (em se encontrando substitutos para o bode da CPMF). Mas o mercado pode perfeitamente não se contentar com o simples adiamento do colapso. Passado o susto de uma crise política em estado terminal, o mercado pode agora achar que já existe estabilidade política suficiente para ter o seu "momento PMDB", para começar a exigir ações de ajuste politicamente dolorosas.

Nesse cenário, Lula poderia se ver obrigado a recorrer a uma manobra nos moldes do duplo mortal carpado de 2003. Naquele seu primeiro ano de mandato, Lula saiu-se com uma reforma da Previdência cujo intuito foi produzir um "choque de credibilidade". Na circunstância atual de crise aguda, mesmo uma manobra como essa continuaria sendo insuficiente do ponto de vista do mercado, continuaria não resolvendo o problema das contas públicas esburacadas. Mas mostraria comprometimento com uma das principais "reformas estruturantes" e, sobretudo, demonstraria uma vez mais controle e comando sobre o sistema político. Nesse quadro, Lula acabaria impondo Henrique Meirelles no lugar de Joaquim Levy, acrescentando um requinte de crueldade à abdicação, já que Dilma simplesmente não tolera o ex-presidente do BC de Lula.

Não que o impeachment tenha inteiramente desaparecido do horizonte. Ali por março, abril de 2016, a inflação, o desemprego e a queda da renda estarão no pico do desespero. A Lava-Jato estará no auge do quadro de denunciados. Também não será surpresa se o Congresso do PMDB, previsto para 15 de novembro próximo, acabar adiado em quatro ou cinco meses, para coincidir com esse novo encontro de contas do novo governo. Sendo muito improvável que um processo de impeachment possa prosperar junto com as eleições municipais, o primeiro semestre é a última chance para as forças anti-Dilma. A desgraça ainda maior em que estará o país certamente vai ajudar. Mas, conforme passa o tempo, também o andor do impeachment vai ficando cada vez mais pesado de carregar.

Paradoxalmente, as melhores chances das forças pró-impeachment dependem de Dilma. Se a presidente usar os seis meses de crédito que ganhou com a abdicação para tentar reassumir a Presidência, provocará um movimento de instabilidade terminal de seu mandato. O presente arranjo é sua última chance. Não há volta nem alternativa a ele. Se sobreviver a 2016, Dilma pode até tentar negociar a retomada de algum espaço em seu próprio governo. Mas não mais do que isso.

Do ponto de vista do governo, tudo isso pode ser hoje condição necessária para tentar retomar alguma estabilidade menos instável do que se teve ao longo de 2015. Mas não é condição suficiente para resolver os problemas colocados. E não apenas do ponto de vista do equilíbrio das contas públicas. Mais grave, persiste a quadratura do círculo de conciliar as manobras de ajuste com a resistência social às medidas até agora apresentadas.

Lula jogou até agora de costas para o seu partido e para as bases sociais de sustentação do PT. A articulação aplacou, temporariamente ao menos, o sistema político. Deu um passo decisivo para alcançar o próximo objetivo, estabelecer uma trégua duradoura com o mercado. Falta o essencial, entretanto. Em uma democracia, é preciso produzir discurso e prática capazes de conquistar uma boa e sólida parcela de adesões entre quem trabalha, protesta e vota. Das três etapas, é a mais difícil de alcançar. Esse é o verdadeiro nó da abdicação.

*Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap

A meia-sola de Lula - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 05/10

A presidente recordista em desaprovação popular delegou a Lula a tarefa de escolher seus novos ministros com o objetivo de montar o Governo 171. Nada a ver com o artigo do Código Penal que fala do crime de estelionato. Governo 171 é aquele capaz de garantir na Câmara dos Deputados pelo menos 171 votos, o mínimo necessário, segundo a lei, para enterrar qualquer pedido de impeachment.

LULA CELEBRA o desfecho da primeira etapa da tarefa. Sim, porque a depender dele, haverá uma segunda - e nessa rolarão as cabeças de Joaquim Levy, ministro da Fazenda, e José Eduardo Car-dozo, ministro da Justiça. Levy porque é negativo seu discurso sobre o ajuste fiscal. Falta-lhe habilidade para vender esperança. Cardozo porque Lula está com raiva dele, e acha que tem lá suas razões.

ESTREITA-SE o cerco da Polícia Federal e do Ministério Público a Lula. Em breve, ele irá depor sobre a roubalheira na Petrobras que começou no seu segundo governo. Por mais que o Supremo Tribunal Federal o proteja concedendo-lhe a condição de "informante", o que em tese não o obrigaria a dizer a verdade, não será tão simples assim.

ARRISCA-SE LULA, se flagrado mentindo, a passar à condição de indiciado. E como não tem direito a fórum especial, poderá cair nas mãos ásperas do juiz Sérgio Moro, o mentor da Operação Lava-Jato. Lula debita na conta de Cardozo o suplício que o aguarda. Chefe da Polícia Federal, Cardozo nada fez até aqui para tirá-la do caminho de Lula.

HÁ OUTRO FRONT nas investigações conduzidas por Moro que preocupa cada vez mais o ex-presidente: o que tenta entender sua parceria com a Odebrecht, mas não só com ela. Lula tem dito que usou o cargo de presidente para facilitar a entrada de empresas brasileiras em outros países. Teria procedido, apenas, como um verdadeiro patriota, sem ganhar um tostão com isso.

O DIFÍCIL DE ACREDITAR é que agora, podendo legitimamente ganhar milhões de tostões como lobista de empreiteiras, Lula prefira seguir trabalhando de graça para elas. Teria sido de graça que ele voou a diversos países da América do Sul e da África onde a Odebrecht e outras construtoras disputam negócios. Delas, só ganharia para fazer palestras. E a preços de mercado. Bom menino!

SAIU BARATA a meia-sola aplicada por Lula ao governo Dilma na semana passada. Reforma ministerial é algo mais abrangente e ambicioso. A meia-sola limitou-se a uma troca de cadeiras entre ministros, com a extinção de algumas delas. Foi admitida a entrada de três caras novas: duas de deputados fiéis a Dilma, e uma de deputado que lhe promete doravante ser fiel.

OUANTO AOS sonhados 171 votos para barrar o impeachment, que é o que importa... Numa conta grosseira, Dilma, hoje, contaria com cerca de 220 para governar até o fim do seu mandato. Só tem um problema: impeachment não é uma questão matemática. É uma questão política. Os 220 votos estão sujeitos à força e à direção dos ventos soprados pela opinião pública.

DE FATO, o destino de Dilma depende do destino da economia. O governo carece de maioria no Congresso para aprovar as medidas mais duras do ajuste fiscal - entre elas, a recriação da CPME Dilma não tem autoridade política para pedir sacrifícios à população. O país está longe de ter atingido o fundo do poço. E a crise só agora começa a bater forte na porta das classes C e D, que ainda não foram para as ruas.


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

CUNHA VAI ‘PARTIR PRA CIMA’ E VIRA AMEAÇA A DILMA

Sob fogo cerrado, em razão de suspeitas de envolvimento no assalto à Petrobras e da acusação de manter quatro contas secretas em bancos da Suíça, com dinheiro de origem suspeita, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, promete reagir e “partir pra cima” dos adversários. Aliados mais próximos avisam que Cunha “jamais cairá sozinho” e que, se necessário, ele não hesitará em “arrastar” a presidente Dilma.

ESTRATÉGIA
Cunha está inclinado a acatar um dos treze pedidos de impeachment. Ou arquivar todos e ser docemente derrotado por recurso no plenário.

CONTABILIDADE
São necessários 257 votos para a Câmara aprovar o impeachment ou afastamento imediato de Dilma do cargo. A oposição já contabiliza 285.

CONFORTO
Especialista da tropa de choque de Eduardo Cunha diz haver “conforto” para elaborar sua defesa, após examinar documentos e comprovantes.

FORÇA DE GOVERNO
Eduardo Cunha se diz “vítima” de aliados do governo, nas instâncias investigativas, que tentam destruí-lo para desacreditar o impeachment.

PRÉDIO ONDE MORA A ÉTICA AMEAÇA DESABAR NO DF
O novo ministro Marcelo Castro precisa agir para tentar impedir que a ética no Ministério da Saúde desabe literalmente: servidores trabalham apavorados com o risco de desmoronamento do prédio da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa na Saúde, em Brasília. Reclamam de tremores na estrutura e de rachaduras nas paredes. Com orçamento de mais de R$ 121 bilhões, o ministério dá de ombros para o problema.

PATOLOGIAS
A Defesa Civil já vistoriou a estrutura três vezes. Apesar do pânico dos servidores, diz terem sido constatadas apenas “pequenas patologias”.

PROVIDÊNCIAS
O Ministério da Saúde disse que já tem conhecimento do problema e que adotará as providências que achar necessárias.

APOSTAS
Preocupados, mas bem humorados, servidores propõem um “bolão” para saber quem cai primeiro: Dilma ou o velho prédio onde trabalham.

FIM ANTECIPADO
O líder do Psol, Chico Alencar (RJ), denunciou um movimento para antecipar o fim da CPI da Petrobras, que investiga a roubalheira na estatal. Ele acredita que PT, PSDB e PMDB estão em conluio.

NÃO DÁ IDEIA
O Sindfisco, sindicato dos Auditores da Receita Federal, é contra a CPMF. Acha mais lucrativo cobrar IPVA também de helicópteros e lanchas. Estima que esse “novo IPVA” renderia mais de R$ 30 bilhões.

LIÇÃO
Convidado a indicar ministros, o líder do PMDB, Leonardo Picciani, revelou gula de novato. Quase saiu no braço para indicar também o secretário de Portos. Foi derrotado pelo veterano senador Jader Barbalho, que queria e obteve o cargo para o filho, Helder.

LICENÇA JABUTICABA
Brasileiro residente há 25 anos em Baltimore (EUA) levou uma hora para explicar a vizinhos, num bate-papo, que existe no Brasil “licença-prêmio” para servidores públicos. Os americanos ficaram chocados.

NÃO DESENCARNA
Deputado em Brasília, o ex-diretor-geral Agaciel Maia se aposentou do Senado na quinta (30), mas ainda manda muito na Casa. Tem acesso a dados dos servidores, que frequentemente recebem mensagens dele.

LANTERNA NA POPA
O senador Hélio José (DF) decidiu mesmo abandonar o PSD de Gilberto Kassab. Diz que não fica nem que a vaca tussa. Procura um partido para chamar de seu, no Distrito Federal. Como presidente.

NÚMEROS DA INDÚSTRIA
Somam R$ 13,6 milhões os gastos do Detran-DF em campanhas educativas, desde 2011. Equivale a apenas 2% dos R$ 655 milhões pagos a seus agentes. O órgão faturou com multas R$ 400 milhões.

ENCHEU O SACO
Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) não aguenta mais servidores do Judiciário constrangendo parlamentares, aos gritos, a derrubar o veto ao reajuste. E ele até já avisou que votará pela derrubada do veto.

PENSANDO BEM...
...Lula está certo, ao dizer na TV que o povo começou a frequentar lugares caros na era PT: posto de gasolina, farmácia, supermercado...

Repúdio e reverência - RUY CASTRO

Folha de São Paulo 05.10

Na semana passada, cinco PMs cariocas foram filmados adulterando a cena de um crime no morro da Providência. Colocaram a arma na mão de um jovem traficante, "Pintinho", já baleado, e dispararam com ela para fabricar um auto de resistência. Os PMs foram identificados e presos. Serão processados e expulsos da polícia.

Alguns dias depois, foi a vez de outro PM, Caio César, morrer assassinado por três tiros durante um patrulhamento no Complexo do Alemão. Os traficantes se postam no alto do morro e têm a patrulha lá embaixo à sua mercê. É quase sempre uma chacina, não um confronto. Caio César é o 19º policial a morrer em serviço este ano. Outros tantos morreram em emboscadas quando estavam de folga. Essas mortes, em geral, só são sentidas pelos parentes.

"Pintinho" tinha 17 anos. Segundo testemunhas, era craque em bola de gude e empinar pipas. Teve de interromper os estudos para trabalhar. O tráfico o cooptou com a promessa de dinheiro, boas roupas e poder na comunidade. Caio César tinha 27. Antes de entrar para a PM, já trabalhava como dublador, profissão que não abandonou. A dublagem é uma função altamente técnica. E Caio César não era um dublador comum: fazia a voz de Harry Potter no Brasil.

Os PMs da Providência deveriam cumprir penas longas, porque o que fizeram atinge toda a corporação. Se o carioca já não gostava da polícia, agora tem mais um motivo para gostar menos. Mas como se explica que essa mesma corporação produza um Caio César? Segundo relatos, ele podia viver bem como dublador. A polícia, por sua vez, era uma vocação: "Se eu morrer defendendo a sociedade, morrerei feliz", dizia.

O bem e o mal custam caro em nossos dias. Costumam custar a vida. Ao nosso repúdio pelos maus policiais, deveria haver maior respeito e reverência pelos que morreram pela causa do bem.