quarta-feira, setembro 16, 2015

PT afunda Dilma - ARI CUNHA

CORREIO BRAZILIENSE - 16/09

Chega a ser surpreendente a capacidade que o atual governo federal tem de criar fluxo contínuo de problemas para si mesmo. Foi justamente esse talento extraordinário para atirar nos próprios pés que fez do governo um autêntico pato manco ainda no início de mandato. Com mais de 3 anos pela frente, a questão que se coloca agora é como será percorrida a longa jornada, noite adentro, com uma equipe claudicante e aferrada a dogmas que há anos jazem soterrados sob os escombros do muro de Berlim? Trata-se de um dilema de difícil solução.

Depois de insistir na barca furada da regulação social da mídia (ideia não totalmente abandonada) e em outras trapalhadas, Dilma e equipe tiraram da gaveta o Decreto nº 8.515, que, literalmente, retira dos comandantes militares os poderes para administrar diretamente o pessoal das Forças Armadas. Pior de tudo, mandou publicar no Diário Oficial da União tão importante documento sem, ao menos, consultar os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que sempre cuidaram do assunto. Não é que os líderes das Forças Armadas não tenham prestígio. Nada disso. O caso é que os assessores de Dilma são desprovidos de educação, classe, tato, prudência, habilidade e mostram sucessivamente total desrespeito a quem merece consideração. Estranheza, desconfiança e surpresa foram algumas expressões usadas pela cúpula das FFAA para classificar o decreto.

Como se não bastassem as crises econômica, política e ética, consideradas, por muitos, as mais graves de toda a história brasileira, o governo resolveu cutucar um vespeiro que, bem ou mal, representa hoje talvez uma das únicas instituições da República capaz de manter as coisas no lugar, inclusive a própria cadeira da presidente Dilma. Depois de prolongada fase de achatamento salarial a que foram submetidos nos últimos anos e que culminou no afastamento de muitos jovens oficiais da carreira militar, a publicação do Decreto nº 8.515 só fez aprofundar, ainda mais, o esvaziamento dessa importante instituição, já submetida a perigoso processo de sucateamento.

O decreto veio à luz pelas mãos da secretária-geral do Ministério da Defesa, Maria Chiavon, uma militante petista que, na ausência do ministro, responde pela administração da pasta ao lado do ministro interino da Defesa. O caso criou mal-estar desnecessário dentro das Forças Armadas, erguendo barreira de desconfiança e ressentimentos entre os comandos militares e civis. Para os paranoicos de plantão, o documento é parte de meticuloso processo de acomodação das Forças Armadas aos ditames do que foi proposto no Foro de São Paulo e que visa, entre outras coisas, enquadrar os militares dentro do espírito que orienta organização de força supranacional de defesa de inspiração bolivarianista.

A frase que não foi pronunciada

"Temer diz não temer saída de Dilma. Por que então foi para tão longe?"
Cochicho na Praça dos Três Poderes

Mais ou menos isso

» Senador Romero Jucá radicalizou no conselho sobre a política nacional. "Ou o governo dá um cavalo de pau, ou não se sustenta", disse.


R$ 500 milhões

» Corte e economia na Praça dos Três Poderes só o Senado providenciou. Nem o Executivo, nem o Judiciário, nem a Câmara dos Deputados cortaram gastos. Ponto para o senador Renan Calheiros. E mais: com a troca da frota, que não precisava, a economia continua.


Sem lavagem

» Vamos ver se a Caixa tem interesse em contribuir para a lisura das apostas. A ideia brilhante é de Vasco Vasconcelos, escritor e jurista. Ele pergunta: Que tal a Caixa Econômica inserir o CPF do apostador nos bilhetes das loterias?


Parceiros do MP

» "Dez medidas contra a corrupção" foi o assunto da carta enviada pelo Ministério Público do DF como proposta para colocar o país no eixo. A Associação Comercial do Distrito Federal aceitou o desafio e está colhendo assinaturas para as propostas de alteração legislativa.


Vale ouvir

» Basta entrar na programação da rádio Justiça para resgatar a entrevista de Valter Lima com o professor e consultor legislativo João Trindade. O programa é o Justiça na tarde (justica.tarde@stf.jus.br). Um bom perguntador e um catedrático. Imperdível.


História de Brasília

Percam as esperanças, os cariocas. O sr. Carlos Lacerda não renunciará, porque ainda tem o mesmo ponto de vista dos dias de sua posse, quando, em São Paulo, declarou a um jornalista: "A vida de governo bem que é boa. A gente fica sentado, e é só assinando...". (Publicado em 24/8/1961)

Dois milésimos de respeito - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO - 16/09

Apoiada pelos banqueiros, a presidente Dilma Rousseff apostou no caos e pagou para ver. Resta à sociedade pagante assistir ao espetáculo da vitória, que finalmente virá quando ela encher as burras de abonadas fichas, ou da derrota, que lhe venha a determinar sair de fininho, com uma mão na frente e outra atrás. Se o Congresso Nacional não representar seu eleitorado mais do que representa seus financiadores de campanha, e não socorrê-lo, só o impeachment não resolve, será preciso convocar eleições gerais. Nelas incluídos os governadores, se vierem a pedir a deputados e senadores para aumentar o sacrifício do eleitor assalariado, de forma que também arquem com o equilíbrio de suas incompetências governativas, como os aconselhou o governo federal, em jantar no Palácio da Alvorada.

Rosto contrito, voz baixa e monocórdica assoprada entre os dentes, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, levantou seu troféu à tardinha, na segunda-feira. Numa desfaçatez, reapresentou a cena do dinheiro carimbado, evoluindo da enganação da CPMF antes da saúde para, agora, da Previdência.

O novo imposto, a incidir sobre tudo o que se paga com um salário já corroído pela inflação e sem reajuste real, será destinado, segundo o ainda crível ministro da Fazenda, à aposentadoria dos idosos, aos seus remédios e seus cuidados. Só faltou falar, para melhorar a dramaturgia, nas fraldas geriátricas. Mas pronunciou o ministro a palavra mágica, politicamente incorreta, porém forte: inválidos. Quem vai negar dinheiro aos velhinhos inválidos? Foi o que o ministro pediu, praticamente mão estendida.

Para não restar dúvida, avisou em nome de quem falava ao cometer o que, em outra circunstância, poderia ser um ato falho, mas nessa caiu como cinismo: os bancos, que estão na linha de frente do esforço de manutenção da presidente Dilma no cargo e indicaram Joaquim Levy para remar esse barco. A federação de bancos foi a primeira entidade a apoiar a CPMF, de cuja elaboração participou. Os bancos garantiram, e Levy contou a vantagem aos seus ouvintes (a Febraban tem frequentado o Ministério da Fazenda tanto quanto o presidente do Bradesco e padrinho do ministro tem frequentado o Palácio) que estão "preparados". Podem recolher o imposto imediatamente, passar o dinheiro com celeridade ao governo, verba na veia. Se todos já conhecem a CPMF, como alegou o ministro ao dar ao imposto um tratamento carinhoso, e os bancos estão preparados, então viva! Os números não são nada, a questão é o enredo.

Por que será que todos riram quando o ministro anunciou o prazo provisório de quatro anos para a CPMF? E ainda disse que o próximo governo, se quiser, pode revogá-lo?

Mais do que apelar às agruras da velhice, o ministro repetiu às crianças desavisadas, por pelo menos dez vezes, que o imposto é de dois milésimos (0,2%), uma merreca - dois milésimos de uma entrada de cinema, de um sanduíche - os exemplos ministeriais foram todos supérfluos, nada de supermercado, da carne, do arroz com feijão, do ônibus, da farmácia. Quando virem que estão saindo de sua aposentadoria os caraminguás da CPMF, os anciãos se lembrarão da comoção do ministro e pagarão suas contas com satisfação.

Na Ópera Bufa da tarde de segunda, o ato do corte de despesas, que antecedeu o da criação do imposto, cronologia marqueteira, expôs menos o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que precisou de pouca mágica para mostrar que o governo não cortou despesa alguma. Não será tudo o mais o bode da sala para o governo conseguir ganhar a CPMF?

A cara emburrada do ministro poderia dar a impressão que ele estava contrariado com os "cortes", mas como esses não existiram, deve fazer parte da marcação.

O governo apenas pedalou de janeiro para agosto o reajuste do funcionalismo e remanejou receitas. Assim, deu o Orçamento por cortado. Pagou seu programa de construção de casas com dinheiro do FGTS e garfou os recursos das emendas parlamentares (cuja livre aplicação a Constituição havia liberado e tornado impositiva), para o PAC e para os programas do Ministério da Saúde. É como se a presidente Dilma pedisse ao seu vizinho para pagar a escola de seus filhos enquanto faz um superavit básico para o consumo de outras prioridades e alguns presentes.

Quem queria corte de gasto, perdeu. Quem queria aumento de imposto para continuar gastando, ganhou. Por dez a zero, um placar de conta simples.

E ainda é preciso ouvir o ex-jovem senador Lindbergh Faria, notabilizado pela condição de presidente da união dos estudantes, até hoje sem compromisso com a realidade, gritar contra Levy, porque está "cortando", numa tentativa de entrar no pastelão de qualquer maneira como algoz do ministro da Fazenda. Certamente acreditando que ele vai sucumbir, o que não é difícil, e o senador ficar dono do grande feito que deixará sem eco qualquer resultado da Operação Lava-Jato, na qual é um dos investigados.

A arrogância de Levy, porém, lhe tirou a condição de vítima há muito tempo. Na tentativa anterior de empurrar o pacote arrecadatório aos assalariados já havia, numa preparação de terreno de contenção das reações, chamado de míopes os que se rebelam contra "um pouquinho" de imposto. Será merecedor de tudo o que lhe disser o senador petista do Rio.

Dilma não quer cortes de gastos, não quer fechar ministérios, não quer economizar, não quer redimensionar programas. Tudo pela gastança. Então, viva!

É claro que os déficits vão dobrar, a presidente e os ministros não vão ficar competentes de uma hora para outra, mensalão e petrolão viraram método de governo, como diagnosticou com precisão o ministro do Supremo Gilmar Mendes, e será necessária uma outra CPMF ano que vem, mais uma em 2017, uma terceira em 2018. O problemão não teve solução. O governo negou à sociedade dois milésimos de respeito.

Entre viajar à Rússia com o velho amigo vice-presidente Michel Temer, para cumprir uma agenda que ela mesma turbinou com assuntos de sua área, e ficar no Brasil com a nova amiga presidente Dilma Rousseff, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, preferiu torcer o tornozelo. Não sem antes colocar na agenda que iria ao médico. Em 2007, a senadora Kátia segurou na principal alça do caixão da CPMF.

Rosângela Bittar
é chefe da Redação, em Brasília.

De mago a bruxo - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 16/09

O que me liquidou mesmo, como uma garrafa vazia liquida um cachaceiro, foi a opinião do ex-presidente Lula, o salvacionista nacional


O colégio havia interrompido as aulas, e eu ia correndo pra casa. Passei pelo Palácio do Ingá, sede do governo fluminense numa Niterói que era capital do Estado do Rio de Janeiro, e vi um guarda reforçado. Era o dia 24 de agosto de 1954, e o rapaz com 18 anos vivia plenamente consciente o suicídio do presidente Getúlio Vargas.

O único politico que, exercendo o papel da mais alta autoridade do país, deu um tiro no coração e com ele lavou sua honra perante a sociedade que lhe cabia administrar. Esse coração não é um fiambre a ser devorado por ladrões, como dizia Lima Barreto, mas uma metáfora da terra onde nasci.

Quando cheguei em casa, envelheci. Meus pais lacrimejavam ao lado de um radio de plástico que transfigurava o fato num evento histórico. Eis um homem que não viveu com a ambiguidade que prefere esperar. Trocou a honra ultrajada pela morte na hora que determinou. Não deixou que os eventos arrastassem as estruturas que o haviam fabricado como “pai dos pobres” e patrão de uma onda de modernização nacional. Criou, então, com seu autossacrifício, o evento que moldaria novas estruturas. Matou-se premeditadamente, liquidando o que Camus qualificou como o verdadeiro sentimento do absurdo: o divórcio entre o homem e a sua vida, o ator e o seu cenário. A duplicidade e o descaramento não lhe pertenciam.

Quem neste país de papéis desencontrados e vergonhosamente vilipendiados pelos seus atores cometeria hoje esse ato que faz coincidir a razão para viver com a de morrer? Ninguém! E, no entanto, o papel de governar um país exige pouca tolerância com a dubiedade.

Hoje, aquele rapazinho que virou um velho escreve para lembrar que essa espera pelo jeitinho salvador domina a cena nacional e ela — com seu feitio malandro e ambíguo de feiticeiro que reza para a paz e para a violência; e, além disso, rouba muito e nada faz! — está levando o Brasil para o fundo de um poço sem fundo. Países morrem, mas os valores de uma sociedade vivem nos seus membros, e todos nós, como figuras públicas ou não, estamos perdidos nos nossos papéis. Somos todos coniventes com o ambíguo, o sombreado, a cautela e com um desprezível respeito pela democracia que não vive sem sinceridade (hoje apelidada de “transparência”), como dizem todos os seus teóricos a partir dos federalistas e de Tocqueville.

___________

Quando dei aulas em Notre Dame, obtive o tal green card — a cobiçada residência nos Estados Unidos. Indagaram-me porque não solicitava a nacionalidade americana. Recusei e devolvi o meu cartão. Jamais poderia ter uma dupla cidadania. Era legal mas, no meu entendimento, não seria digna do meu coração ou da minha obra que, embora modesta, revela minha determinação para compreender o Brasil. Não condeno quem a tenha, mas — devido à minha posição como homem público — jamais pude me conceber jurando a duas bandeiras, pertencendo a duas pátrias e, no mapa do mundo, ter dois países para amar e, preferencialmente, morrer.

______________

Quando se trata de Brasil, não pode haver dúvida. Por isso eu, já arruinado pela crise, fiquei ainda mais arrasado com o rebaixamento do Brasil. Mas o que me liquidou mesmo, como uma garrafa vazia liquida um cachaceiro, foi a opinião do ex-presidente Lula, o salvacionista nacional. Eis um homem possuído, tal como o seu partido, por muitas máscaras.

Em 2008, o Brasil ganhou o grau de investimento e um Lula-messias-presidente falou em “momento mágico”. O mago, louvando sua magia, declarou que o atestado de investimento demonstrava que o Brasil era um “país sério, que tem políticas sérias, que cuida das suas finanças com seriedade e que, por isso, passou a ser merecedor de uma confiança internacional”. Para quem jamais foi sério, ser chamado de “sério” é um ato magico. Um gesto que transforma a picareta numa varinha de condão.

Mas como reage o mago quando a mesma agência de risco rebaixa o Brasil governado por sua criatura? Ele vira um bruxo e, virando pelo avesso, afirma: “É importante que a gente tenha em conta que o fato de ter diminuído o grau de investimento não significa nada. Significa que apenas a gente não pode fazer o que eles querem”.

_____________

Como confiar num sujeito capaz de transformar a magia da seriedade num nada quando todo mundo está farto de saber que foi o governo Lula e Dilma, em carga dupla, que jogou a autoestima do Brasil no lixo? Como não imaginar que ele seja mesmo muito rico sendo o bruxo das feitiçarias da rouballheira sem par do petrolão? Como confiar diante desta prova plena de duplicidade malandra em dose dupla?

Seria isso apenas uma expressão inocente de um estilo de “política” fundado na malanragem; ou seria algo de raiz, incluindo a sua esquecida dupla cidadania na Italia e no Brasil? Até onde esse Lula que se acha dono do Brasil pensa que vai continuar nos infantlizando com suas mágicas e bruxarias?

Roberto DaMatta é antropólogo

Rumo ao abismo - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 16/09

Ao mesmo tempo em que parece ter recuperado a capacidade de iniciativa, o governo da presidente Dilma colocou-se em posição de risco extremo ao enviar ao Congresso um pacote de ajuste fiscal que se choca com suas bases populares e ao mesmo tempo atinge em cheio a classe média e o setor produtivo, com a criação de novos impostos, sobretudo a CPMF, que ressurge das próprias cinzas apenas 15 dias depois de ter sido abandonada por inviável pelo próprio governo.

O momento é mais delicado, é verdade, graças a um erro de cálculo inacreditável do próprio governo, que enviou um Orçamento com déficit de R$ 30 bilhões para pressionar o Congresso e conseguiu chamar a atenção das agências de risco para sua incapacidade de administrar a crise que criou.

Com a perda da classificação de bom pagador, o país encurtou seu tempo, e a presidente Dilma vê-se agora diante de uma luta de vida ou morte por seu mandato. A negociação no Congresso para aprovar o pacote fiscal transformou-se em uma decisiva batalha em que o governo começa com os partidos de oposição dispostos a negar-lhe qualquer nesga de ar para sobrevivência, e muitos da situação recusam sua solidariedade, acusando a presidente de ter se curvado diante das exigências dos neoliberais, representados pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Enquanto a agência de classificação de risco Moody"s considerou as medidas fiscais anunciadas como "desenvolvimento positivo" mesmo diante da realidade de que não se conseguirá fazer superávit primário no próximo ano, o presidente da CUT, Vagner Freitas, diz que "o pacote é recessivo" e "imputa a culpa da crise aos trabalhadores".

Segundo ele, as medidas refletem a política "do Levy, que é de corte, e não de investimento, de corte nos direitos dos trabalhadores servidores públicos federais" No próprio PT, e por incentivo de Lula, vários setores já estão se mobilizando contra a proposta do governo.

O senador do Rio Lindbergh Farias, que tem se notabilizado por ser um porta-voz informal de Lula no Senado, disse que Dilma está dando um tiro no pé, defendendo política contrária aos trabalhadores. Como Lula já disse recentemente, em vez de cortes deveriam estar sendo estimulados investimentos (com que dinheiro?) e aumentado o crédito (com que dinheiro?).

Já o presidente nacional da luventude do PT, Jefferson Lima, disse que "os jovens do PT precisam pressionar o partido e o governo, para colocar em prática aquilo que vendemos na campanha como projeto" Também o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) repudiou as soluções apresentadas pelo governo, protestando, sobretudo, contra os cortes de financiamentos para o Minha Casa Minha Vida e o que chamam de congelamento no salário de servidores.

Para o MTST, "a solução para o problema fiscal deve ser buscada em cima dos que ganharam como nunca nos últimos anos. Defenderemos nas ruas a taxação das grandes fortunas, de dividendos e remessas de lucro, além da maior progressividade no Imposto de Renda. Os ricos, banqueiros e empresários devem pagar a conta"

Estabeleceu-se, portanto, um embate em que o governo Dilma perdeu parte substancial de sua base, inclusive no próprio PT, e não ganhou a solidariedade da oposição ou da classe média, que continua querendo vê-la pelas costas. Vencedora nas negociações no Congresso, com o apoio dos governadores e provavelmente do presidente do Senado, Renan Calheiros, pai do governador de Alagoas, disposto a se contrapor como o "good cop" ao "bad cop" Eduardo Cunha, Dilma terá recuperado o fôlego para prosseguir lutando por seu governo.

Mas este é um cenário improvável, dada a correlação de forças hoje existente no Congresso. Também o bate-boca de Levy com deputados da base não ajuda a mudar esse clima de hostilidade. A atitude de enviar uma proposta ao Congresso e a posterior negociação podem ter dado a Dilma um fôlego suplementar, e neutralizam momentaneamente o movimento para apressar o trâmite do impeachment.

Derrotada, terá dado um passo decisivo rumo ao abismo, e poderá só restar a ela a iniciativa da renúncia honrada, ou a humilhação do julgamento no processo de impeachment que se seguirá à demonstração cabal de que não tem mais condições de governar.

Proezas impossíveis - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 16/09

RIO DE JANEIRO - Quando se trata de se superar e desafiar o impossível, o ser humano não sossega. Graças à internet, nunca vimos tantas modalidades de façanhas quase suicidas a que as pessoas estejam se expondo –e, não se sabe como, saindo vivas e vitoriosas. De tão absurdas, elas são muito difíceis de descrever. É ver para crer.

Há o vídeo do brasileiro que saltou de um penhasco em Maggia, na Suíça, de 60 metros de altura, numa piscina natural com oito metros de profundidade. Sessenta metros equivalem a dois Cristos Redentores ou um prédio de 20 andares. Uma câmera acoplada ao capacete faz com que mergulhemos com ele. Mais impressionante ainda é o do austríaco que –sem vara, cintos ou qualquer proteção– atravessou numa slack line (uma fita de um palmo de largura) os 200 metros de um lado ao outro de um desfiladeiro em Yosemite, na Califórnia, também a 60 metros de altura.

E o surfista americano que enfrentou as ondas gigantes do Taiti com uma roupa em chamas, e disse que vai tentar de novo porque, desta vez, chamuscou as pestanas e sobrancelhas? E, também no Taiti, o surfista australiano que varou as mesmas ondas numa moto com uma prancha sob as rodas e, apenas para garantir a estabilidade, dois esquis laterais?

Mas tudo isso é fichinha diante do dilema à frente de Lula neste momento, em termos de sobrevivência política. Com Dilma sangrando na Presidência e o PT ainda insepulto, suas chances de voltar em 2018 são nulas. Sua única saída é a oposição. Mas Lula não pode ser contra sua própria criatura. O impeachment de Dilma seria o ideal: permitiria que ele falasse em golpe e o devolveria ao seu único discurso, o do nós contra "eles". Ao mesmo tempo, sair do poder desprotegerá vários de seus homens e poderá finalmente expô-lo.

Saltar do penhasco parece mais fácil.