A credibilidade é essencial para qualquer governo perseguir uma trajetória de progresso para o país. Sem confiança no futuro, empresários não investem, trabalhadores perdem empregos, instituições enfraquecem, a população e o país empobrecem. Tem sido assim com muitos governos da América Latina que embarcam na aventura do populismo, descontrolam os gastos públicos, o dinheiro seca, os governantes fracassam e o país entra em parafuso. Venezuela e Argentina vivem esse dilema há alguns anos. O Brasil é o novo ocupante desse barco de náufragos. Muito da crise econômica em que o País mergulhou decorre da falta de confiança: Dilma Rousseff vai mesmo fazer o que precisa ser feito para organizar o caos das contas públicas e planejar a volta do crescimento econômico ou seu discurso de austeridade terá vida breve? Essa incerteza tem sido a maior razão da resistência de empresários investirem no País.
Pois bem. Se antes já estava difícil de acreditar, agora Dilma acaba de aplicar um golpe mais fundo na recuperação da confiança ao reduzir a meta de superávit primário de R$ 66,3 bilhões para R$ 8,7 bilhões. Pior: ela mostra não acreditar nem na sua própria meta ao permitir uma folga para o raquítico superávit virar um déficit de R$ 17,7 bilhões em 2015, caso receitas extraordinárias não se concretizem. Ou seja, a nova trajetória do governo já começa frouxa, enfraquecida, acanhada e rendida a quem tem poder de expandir gastos públicos e oferece um salvo-conduto para gastar mais. No Congresso, onde Dilma enfrenta crescente oposição e até ameaça de impeachment, há uma fila interminável de propostas para aumentar despesas capazes de desmantelar qualquer governo.
Derrotado na decisão de reduzir a meta fiscal, o ministro Joaquim Levy tem se esforçado para aplacar o choque do golpe e recuperar alguma credibilidade. Diz que não jogou a toalha, não abandonou o ajuste fiscal nem deu passaporte para os de sempre gastarem mais. Quem conhece Levy sabe que ele é duro na queda, mas sua expressão era de embaraçado constrangimento, de alguém que não crê nos argumentos que expressa, ao explicar as novas metas à imprensa, na quarta-feira. Vitorioso no embate, mas assustado com a reação negativa do mercado, o ministro Nelson Barbosa defendeu em entrevista ao Estado um caminho que Dilma já rejeitou com veemência em 2005: um ajuste fiscal baseado em metas para travar a expansão dos gastos. Atenção, não é corte de gastos, é um ajuste fiscal envergonhado, como é o conceito de privatização do PT.
O líder de um país pode recuperar a confiança com atitudes. Mas a tentação populista da classe política brasileira requer um caminho mais estruturante e impessoal, para garantir credibilidade capaz de atravessar governos e proteger a população de políticos aventureiros. Esse caminho começou a ser construído no governo FHC com o desmanche de alguns ralos por onde escorria dinheiro público e que foram vedados. O primeiro foi a privatização dos bancos estaduais, que fabricavam dinheiro para governadores esbanjarem em campanhas eleitorais e em benesses a amigos, a parentes e a eles próprios e que tornavam a dívida do Estado impagável. Com o mesmo fim, governadores abusavam das empresas estaduais de energia elétrica, que repassavam dinheiro para governadores gastarem livremente. Novamente a privatização fechou o ralo. O terceiro foram as operações de Antecipação de Receita Orçamentária (ARO), que governadores ofereciam em garantia aos bancos em troca de empréstimos que enchiam o cofre do governador em exercício e subtraía do próximo que lhe sucedia. E a dívida só aumentava. Uma lei passou a proibir as AROs. Por fim, a Lei de Responsabilidade Fiscal pôs em ordem as contas públicas dos Estados, fixou limites para endividamento e gastos com salários e estabeleceu punição a governadores e prefeitos infratores.
Pena que as ações de FHC foram limitadas, focaram mais em Estados e municípios e quase nada no governo federal, o que possibilitou as pedaladas fiscais. Lula e Dilma nada construíram, ao contrário, desconstruíram.