O Estadão - 18/07
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) rejeitou uma apelação do Procon contra decisão favorável ao McDonald’s em um processo no qual a rede de lanchonetes foi acusada de fazer propaganda ilegal direcionada às crianças. O caso ainda é passível de recursos, mas a sentença do TJ-SP é exemplar ao colocar a questão em seus devidos termos: em nome da nobre defesa dos interesses das crianças, o Estado é incitado a imiscuir-se em searas que só dizem respeito aos indivíduos. O despacho judicial denuncia a resiliência do chamado “Estado babá”, que infantiliza a sociedade e enseja o espírito autoritário.
O caso em questão começou em janeiro de 2010, quando o Instituto Alana, organização não governamental de defesa dos direitos das crianças, pediu que o McDonald’s parasse de fazer propaganda dirigida ao público infantil. O centro da queixa eram as peças publicitárias que vinculavam o consumo de um combo chamado “McLanche Feliz” à aquisição de um brinquedo.
Em sua resposta, o McDonald’s argumentou que não havia nenhuma lei contrária à publicidade infantil e manteve sua campanha. Então, em novembro de 2011, o Procon, a pedido do Instituto Alana, condenou o McDonald’s ao pagamento de uma multa de R$ 3,1 milhões. A empresa recorreu, mas o Procon indeferiu o recurso em abril de 2013.
No mês seguinte, a multa foi suspensa por uma liminar concedida pela 4.ª Vara da Fazenda Pública. No último dia 2, a 5.ª Câmara de Direito Público do TJ-SP manteve a decisão da primeira instância, rejeitando a punição ao McDonald’s.
Em primeiro lugar, como destacou o desembargador relator Fermino Magnani Filho, o Procon alegou que a propaganda dirigida ao público infantil é ilegal segundo o que dispõe a Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que é de 2014, ou seja, é posterior ao processo contra o McDonald’s. Como nenhuma lei pode ser retroativa, a não ser para beneficiar o réu, essa resolução não poderia ser aplicada a esse caso. “Mas essa questão intertemporal é o de menos”, segundo o desembargador. O que importa é discutir o âmago da questão.
E o que há é a tentativa de obrigar o Estado a tutelar a sociedade. Em primeiro lugar, o desembargador lembra que no Brasil vigora o modelo capitalista. Proibir que determinadas empresas possam fazer propaganda de seus produtos direcionada ao público que irá consumi-los é intrometer-se na livre concorrência. Para coibir abusos da publicidade, e eles existem, a legislação já prevê uma série de sanções. Além disso, não cabe ao Estado determinar com que conteúdos uma criança pode ou não ter contato, pois isso configuraria censura. O máximo que pode fazer é aconselhar os pais sobre quais conteúdos são ou não apropriados para as crianças.
O desembargador admite que as crianças são mais suscetíveis de sucumbir aos apelos de mercado, mas “não é porque existe o chamariz que sempre se compra”. Só poderia ser considerada abusiva a propaganda infantil que atentasse “contra a formação moral, intelectual, familiar e social” da criança, algo que não ocorre com a publicidade que atrela sua mensagem “ao universo lúdico, às personagens de estima do público infantil”.
Na visão de Fermino, o Estado, se resolvesse proibir a propaganda com essas características, “desbordaria num paternalismo sufocante, interferindo em direitos individuais”, ultrapassando a órbita pública e flertando com o totalitarismo. Seria o Estado babá, ou nanny state, como o chama o desembargador.
Ademais, lembrou o despacho, cabe primariamente aos pais, e não ao Estado, educar os filhos a fazer as escolhas sobre o que consumir ou não, além de impor limites sobre a vontade das crianças, infinita por definição. No Brasil, porém, parece consolidada a presunção de que terceiros possam ditar o que consumir. Em nome da adesão a certas causas que, no terreno das boas intenções, podem parecer justas, o indivíduo abre mão de sua independência e aceita que o Estado se intrometa mais e mais em sua vida, permitindo inclusive que se ditem os termos da educação de seus filhos.
sábado, julho 18, 2015
Arreganhos autoritários - OLIVEIROS S. FERREIRA
O ESTADÃO - 18/07
Fisiologismo é a prática política voltada para interesses e proveito pessoal, mediante atos de lassidão moral, prevaricação, corrupção ou afins. É a prática que o lulopetismo impôs, como nunca antes na história deste país, à gestão da coisa pública. A delação que inclui o deputado Eduardo Cunha na lista dos políticos investigados pela Operação Lava Jato – e provocou seu rompimento pessoal com o governo – é um passo importante, pela notoriedade do investigado, no combate aos efeitos do fisiologismo. É igualmente auspiciosa a notícia de que a Procuradoria da República no Distrito Federal abriu uma investigação formal para apurar a suspeita de tráfico de influência nas relações do ex-presidente Lula com a empreiteira Odebrecht. Assim, as atenções da Justiça voltam-se também para o principal responsável pela praga hoje disseminada na vida pública brasileira. Lula e seu PT não inventaram a corrupção. Mas aprimoram a prática e a institucionalizaram, em benefício próprio e de um projeto de poder hoje falido, a ponto de mal sustentar ereto o “poste” que colocou no Palácio do Planalto.
A exposição de uma faceta que Lula sempre dissimulou poderá completar a desmistificação de um líder populista cuja reputação foi construída sobre pés de barro, como hoje se revela aos olhos de uma nação perplexa. E a denúncia de que o presidente da Câmara cobrou propina milionária relativa a contratos com a Petrobrás explodiu como uma bomba no noticiário, não pela informação em si, que não deve ter surpreendido muita gente, mas pela destemperada reação de Eduardo Cunha. Não é de hoje que o parlamentar fluminense, eleito para o comando da Câmara dos Deputados contra a vontade e o empenho do Planalto, acusa Dilma Rousseff e seus ministros de tentarem envolvê-lo na Lava Jato. E essa é uma das razões pelas quais Cunha se tem esmerado em manipular a pauta de votações e o comportamento de seus pares de modo a retaliar o Planalto, chantageá-lo e impor-lhe sucessivas e humilhantes derrotas em plenário. Disso tudo sobrou de positivo o reerguimento da importância política e institucional do Congresso.
Mas pode ser que esse benefício não dure muito. Pois o presidente da Câmara perdeu totalmente a compostura e ultrapassou os limites éticos e protocolares que um chefe de Poder deve manter com a Presidência da República. Não se limitou a refutar as declarações do delator Júlio Camargo. Falando aos jornalistas logo após a divulgação dos termos da delação colhida em Curitiba pelo juiz Sergio Moro, Cunha acusou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de ter obrigado o depoente a mentir: “É muito estranho, às vésperas da eleição do procurador-geral da República e de pronunciamento meu em rede nacional, que as ameaças ao delator tenham conseguido o efeito desejado pelo procurador, ou seja, obrigar o delator a mentir”. E acrescentou, tentando transformar todo o Parlamento em vítima de uma armação do Planalto: “É tudo vingança do governo. Parece que o Executivo quer jogar sua crise no Congresso”.
A estratégia de defesa de Eduardo Cunha é clara. Tenta politizar a questão de seu envolvimento com a Lava Jato e desacreditar as investigações, atribuindo-as ao interesse do Planalto de afastá-lo do comando da Câmara dos Deputados. Essa estratégia, contudo, parece destinada ao malogro por estar na contramão do esforço nacional para o fortalecimento das instituições. Afinal, é justamente no contexto do saneamento moral e político da República que se encaixa a Operação Lava Jato, agora também no âmbito da Suprema Corte, responsável pela apuração dos fatos em que estão envolvidos políticos que têm direito a foro privilegiado.
A Operação Politeia, primeiro passo das investigações sob o controle do STF, é uma demonstração clara de que o Executivo, como tem argumentado o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, não tem como intervir diretamente no desenvolvimento das apurações: os 53 mandados cumpridos pela Polícia Federal que resultaram, por exemplo, na apreensão da coleção de carros de luxo do senador Fernando Collor foram assinados por três ministros da Suprema Corte.
Tudo indica, portanto, que Eduardo Cunha terá de se conformar com o curso da Lava Jato e com seu desfecho. É assim que a coisa funciona quando as instituições democráticas são mais fortes do que os arreganhos autoritários de maus políticos.
Fisiologismo é a prática política voltada para interesses e proveito pessoal, mediante atos de lassidão moral, prevaricação, corrupção ou afins. É a prática que o lulopetismo impôs, como nunca antes na história deste país, à gestão da coisa pública. A delação que inclui o deputado Eduardo Cunha na lista dos políticos investigados pela Operação Lava Jato – e provocou seu rompimento pessoal com o governo – é um passo importante, pela notoriedade do investigado, no combate aos efeitos do fisiologismo. É igualmente auspiciosa a notícia de que a Procuradoria da República no Distrito Federal abriu uma investigação formal para apurar a suspeita de tráfico de influência nas relações do ex-presidente Lula com a empreiteira Odebrecht. Assim, as atenções da Justiça voltam-se também para o principal responsável pela praga hoje disseminada na vida pública brasileira. Lula e seu PT não inventaram a corrupção. Mas aprimoram a prática e a institucionalizaram, em benefício próprio e de um projeto de poder hoje falido, a ponto de mal sustentar ereto o “poste” que colocou no Palácio do Planalto.
A exposição de uma faceta que Lula sempre dissimulou poderá completar a desmistificação de um líder populista cuja reputação foi construída sobre pés de barro, como hoje se revela aos olhos de uma nação perplexa. E a denúncia de que o presidente da Câmara cobrou propina milionária relativa a contratos com a Petrobrás explodiu como uma bomba no noticiário, não pela informação em si, que não deve ter surpreendido muita gente, mas pela destemperada reação de Eduardo Cunha. Não é de hoje que o parlamentar fluminense, eleito para o comando da Câmara dos Deputados contra a vontade e o empenho do Planalto, acusa Dilma Rousseff e seus ministros de tentarem envolvê-lo na Lava Jato. E essa é uma das razões pelas quais Cunha se tem esmerado em manipular a pauta de votações e o comportamento de seus pares de modo a retaliar o Planalto, chantageá-lo e impor-lhe sucessivas e humilhantes derrotas em plenário. Disso tudo sobrou de positivo o reerguimento da importância política e institucional do Congresso.
Mas pode ser que esse benefício não dure muito. Pois o presidente da Câmara perdeu totalmente a compostura e ultrapassou os limites éticos e protocolares que um chefe de Poder deve manter com a Presidência da República. Não se limitou a refutar as declarações do delator Júlio Camargo. Falando aos jornalistas logo após a divulgação dos termos da delação colhida em Curitiba pelo juiz Sergio Moro, Cunha acusou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de ter obrigado o depoente a mentir: “É muito estranho, às vésperas da eleição do procurador-geral da República e de pronunciamento meu em rede nacional, que as ameaças ao delator tenham conseguido o efeito desejado pelo procurador, ou seja, obrigar o delator a mentir”. E acrescentou, tentando transformar todo o Parlamento em vítima de uma armação do Planalto: “É tudo vingança do governo. Parece que o Executivo quer jogar sua crise no Congresso”.
A estratégia de defesa de Eduardo Cunha é clara. Tenta politizar a questão de seu envolvimento com a Lava Jato e desacreditar as investigações, atribuindo-as ao interesse do Planalto de afastá-lo do comando da Câmara dos Deputados. Essa estratégia, contudo, parece destinada ao malogro por estar na contramão do esforço nacional para o fortalecimento das instituições. Afinal, é justamente no contexto do saneamento moral e político da República que se encaixa a Operação Lava Jato, agora também no âmbito da Suprema Corte, responsável pela apuração dos fatos em que estão envolvidos políticos que têm direito a foro privilegiado.
A Operação Politeia, primeiro passo das investigações sob o controle do STF, é uma demonstração clara de que o Executivo, como tem argumentado o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, não tem como intervir diretamente no desenvolvimento das apurações: os 53 mandados cumpridos pela Polícia Federal que resultaram, por exemplo, na apreensão da coleção de carros de luxo do senador Fernando Collor foram assinados por três ministros da Suprema Corte.
Tudo indica, portanto, que Eduardo Cunha terá de se conformar com o curso da Lava Jato e com seu desfecho. É assim que a coisa funciona quando as instituições democráticas são mais fortes do que os arreganhos autoritários de maus políticos.