quarta-feira, março 18, 2015

Lavagem de doações no TSE - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 18/03

A revelação, em delação premiada, do vice-presidente da empreiteira Camargo Corrêa, Eduardo Leite, de que o tesoureiro do PT, João Vaccari, propôs o pagamento de propinas como doações legais confirma as diversas informações que surgiram durante a Operação Lava-Jato de que o dinheiro desviado da Petrobras financiou as campanhas eleitorais do PT, inclusive a presidencial de 2010.

Os procuradores investigam se o mesmo esquema teria sido repetido na eleição presidencial do ano passado, quando a Operação Lava-Jato, que fez ontem um ano, não havia ainda levado à cadeia empresários envolvidos no esquema. "O valor certamente era superior a R$ 10 milhões", disse o executivo da empreiteira Camargo Corrêa no depoimento revelado ontem.

O intrincado roteiro que está sendo desvendado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, antes de colocar o financiamento privado como grande culpado pela corrupção na política brasileira, exige é que a regulamentação sobre as doações seja bastante rigorosa.

O financiamento público de campanha, como advoga o PT, não acabaria com a corrupção, poderia até mesmo aumentar o caixa dois, mas beneficiaria os maiores partidos, especialmente o PT.

A reforma política apresentada ontem pelo PMDB e a proposta de um grupo de trabalho formado no ano passado pelo então presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves têm muita coisa em comum, entre as quais a permissão para financiamentos privados de campanhas políticas, o que vai de encontro às pretensões do PT, que, com o financiamento público, poderia aprovar a adoção da lista fechada de candidatos, este sim o seu verdadeiro objetivo.

O ministro Gilmar Mendes sentou em cima do projeto que está virtualmente aprovado pelo Supremo proibindo o financiamento privado de campanhas eleitorais, e não pretende devolvê-lo enquanto o Congresso não tiver se posicionado sobre a reforma política.

Ele acredita que não é função do STF definir as questões eleitorais e que o Legislativo aprovará suas próprias regras sem levar em conta a decisão do Supremo.

Nos bastidores, há a certeza entre os partidos políticos e do próprio Gilmar Mendes de que a apresentação da Ação direta de inconstitucionalidade (ADI) pela Ordem dos Advogados do Brasil(OAB) foi uma maneira indireta de atingir, pela judicialização, o objetivo que o PT não consegue ver aprovado no Congresso.

A proposta de lista fechada de candidatos, que tem no PT seu grande defensor, dá maiores poderes às direções partidárias, e não necessariamente valoriza os partidos políticos. O eleitor seria obrigado a votar numa lista previamente escolhida em ações internas dos partidos, e seu voto iria para a legenda, e não nos candidatos individualmente.

A proposta contrária permite o financiamento com recursos privados, recursos públicos ou com a combinação de ambos. Só os partidos poderiam receber as doações, sendo proibidas doações diretas aos candidatos. Entidades de classe ou sindicais e as de direito privado que recebam recursos públicos só poderão fazer doações de fundos especificamente arrecadados para fins eleitorais.

Órgãos da administração pública direta ou indireta ou fundações mantidas com recursos provenientes do poder público e concessionárias ou permissionárias de serviço público não poderão fazer doações. Os limites para as doações de pessoas físicas e jurídicas serão definidos em legislação própria, e também as sanções. As empresas que forem apanhadas em financiamentos ilegais não poderão mais trabalhar para o governo. Com essas medidas, as empreiteiras hoje envolvidas na Operação Lava-Jato não poderiam ter financiado os partidos políticos.

O processo do petrolão ganha uma dimensão muito maior, de valor político, quando detecta que as doações ilegais estavam sendo feitas através do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para lavar o dinheiro desviado da Petrobras e provavelmente de outras empresas estatais.

Desbaratar esse esquema será uma das principais consequências das investigações, permitindo assim que o financiamento de campanhas eleitorais possa ser controlado por uma legislação mais rigorosa.

Lula - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S. Paulo - 18/03

Milhões de pessoas foram às ruas gritando "Fora Dilma" e "Fora PT". É só impressão, ou ficou faltando alguém no foco central da irritação popular e na defesa da presidente e do partido? Onde o ex-presidente Lula se encaixa nisso tudo?

Dilma Rousseff, economista, técnica em energia e militante histórica do PDT brizolista, nunca tinha sido eleita para coisa nenhuma, nem vereadora de interior, até virar presidente da República. Só se candidatou a tanto e foi vitoriosa por causa de... Lula. Sem ele, ela jamais teria chegado nem perto dos Palácios do Planalto e da Alvorada.

E o PT? Chegou no fundo do poço por sua conta e risco? Afinal das contas, tanto o mensalão quanto o escândalo da Petrobrás começaram já no início do primeiro mandato de Lula.

Se Dilma tem culpa pela bagunça na economia, Lula tem responsabilidade por tê-la colocado na Presidência e pela herança de mensalões e petrolões. No mínimo, as responsabilidades têm de ser divididas, porque nada disso teria acontecido e perto de 2 milhões de pessoas não teriam saído do aconchego do seu lar para despejar irritação nas ruas se não fosse por Lula.

Mas ele, que deixou a Presidência com o recorde de 80% de popularidade e é o maior líder popular vivo do País, sabe como ninguém tanto se beneficiar das grandes ondas a favor quanto se preservar nas horas de adversidade, como agora. Lula não entra em bola dividida, só vai na boa.

Ninguém viu nem ouviu o grande líder do PT nem o patrono da presidente Dilma nem nos atos pró-governo na sexta-feira, dia 13, nem nas maiores manifestações de protesto desde as Diretas-Já, no domingo, dia 15. E todos continuaram sem ver e sem ouvir um pio de Lula.

Se o escândalo bilionário da Petrobrás não tivesse sido estourado e se Dilma tivesse sido minimamente competente na política e na economia ao longo do primeiro mandato, Lula não se contentaria hoje apenas em saborear os jantares no Alvorada. Estaria agora ao lado dela - talvez até à frente... - nas fotos, nas comemorações, nas manifestações populares.

Como ocorreu exatamente o contrário, a economia esfarelou, a política desandou, Lula sumiu e largou a pupila e sucessora à sua própria sorte, sustentada por um Miguel Rossetto extemporaneamente agindo como líder estudantil, um onipresente José Eduardo Cardozo requentando promessas vãs e um Aloizio Mercadante que apanha mais do próprio PT do que das oposições.

Sempre que pode, Dilma "vaza" para a mídia que está "irritada" com isso e com aquilo. Pois agora, sempre que se encontra com ela, Lula "vaza" que discordou, que criticou, até que gritou. Soa como uma tentativa de se descolar da desgraça, tal como ele fez no mensalão e faz agora no petrolão. A culpa é sempre de alguém, dos outros, de Dilma...

Não se pode nunca esquecer, porém, que Dilma é Lula, o PT é Lula. Ao empurrar sua ministra de Minas e Energia para a Casa Civil e catapultá-la à condição de presidente da República, Lula assumiu um casamento indissolúvel com Dilma.

Se Lula acha que a fragilidade de Dilma pode fortalecê-lo em 2018, pode estar redondamente enganado, principalmente porque a Lava Jato já estrangulou a bancada do PP e agora se fecha sobre o PT, com os milhões de reais, de dólares e de euros do tesoureiro João Vaccari Neto e do operador Renato Duque.

Não é só Dilma que deve estar perdendo o sono. Lula também. Tanto ou até mais do que ela.

Quem diria? Depois de o PT e seus "blogueiros independentes" azucrinarem todo mundo durante anos pelas redes sociais e e-mails, documento do Planalto obtido pelo Estado mostra que o feitiço virou contra o feiticeiro. É o governo do PT quem agora reclama da guerra da internet...

Uma de cada vez - RUI CASTRO

Folha de SP - 18/03

RIO DE JANEIRO - Ao assistir a filmes americanos envolvendo jornalistas, você notará a diferença. Quando surge na tela uma entrevista coletiva, cada repórter dispara uma única pergunta, curta e objetiva, que obriga o entrevistado a fazer "gulp" antes de responder. Agora compare isto com as coletivas dos nossos repórteres de TV.

Quase todos começam por uma pergunta tão longa quanto desnecessariamente explicativa. Não satisfeitos, engatam um "...e também", e emendam uma segunda pergunta, tão longa e explicativa quanto. Ao fim desta, o telespectador já não se lembra do que ele perguntou primeiro. Mas o entrevistado se lembra muito bem e só responde àquela que lhe for mais confortável ou conveniente. Vê-se isso ao fim de todos os jogos de futebol, nas coletivas dos treinadores. Tem-se visto isso nas coletivas dos ministros do governo, políticos e autoridades em geral.

Você dirá que, no cinema, a dinâmica do roteiro faz com que os jornalistas tenham de parecer objetivos --não há tempo nem espaço para conversa fiada em cena. E eu responderei que esta é uma cláusula pétrea entre os repórteres americanos. "Perguntas curtas, frases curtas, palavras curtas e uma pergunta de cada vez", aprendi em Nova York com Alain De Lyrot, antigo editor do "Herald Tribune". "Se o entrevistado não responder a contento, você repica a pergunta."

Nossos repórteres não se contentam com uma pergunta simples e direta. Sentem-se na obrigação de enriquecê-la, desdobrá-la e acrescentar elementos. Com isso, só a tornam confusa, e o entrevistado responde o que quiser.

Eu sugeriria que, antes da coletiva, nossos repórteres se entendessem. Todos teriam direito a duas perguntas. Mas uma de cada vez. E com uma condição: além de curtas e objetivas, elas sempre deveriam terminar por um ponto de interrogação.

O verdadeiro inimigo - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 18/03

A corrupção dentro da Petrobras é só a ponta do iceberg – ou alguém acredita que em outras empresas, sejam estatais ou privadas, não acontece o mesmo?

A corrupção no Brasil é um câncer que infelizmente não é terminal, porque não termina.

Porém, o foco hoje está na Petrobras, está no governo em vigência, está no momento presente, e isso divide o país. Se a corrupção estivesse sendo combatida como um mal comum a todos os partidos e a todos os segmentos da sociedade, talvez resgatássemos a humildade e nos mobilizássemos em busca de uma cura coletiva, mas virou uma guerra partidária. E aí sobra ofensa para tudo que é lado.

O toma lá dá cá de acusações reflete a infantilidade da nossa “consciência política”. Não queremos um país melhor, queremos ter razão. Analisar o problema de forma mais ampla? Não combina com nosso sangue quente. Decretar como inimigo a nossa própria índole está fora de cogitação.

Alguém devolve ao dono um dinheiro que encontrou na rua e vira matéria de jornal. Prova da deformação dos nossos valores. O que era pra ser trivial, aqui é raridade. Deixar o carro numa rua escura e retornar encontrando-o no mesmo lugar? Ir até um posto de saúde e ser atendido na hora? Ser educado por um professor bem pago? Tudo um “case”. O normal é o errado.

Diante de tanto errado para pouco certo, a gente não se une. A gente se desune, brigando uns contra os outros, ofendendo, ridicularizando, humilhando, baixando o nível da convivência. A democracia estimula a divergência de opiniões, sustenta o diálogo entre posições conflitantes a fim de encontrar um senso comum ou, na impossibilidade deste, um senso que represente a maioria, mas temos nos valido da democracia para xingar, insultar. É o Estado democrático autorizando nossa falta de educação.

Ok, às vezes, para defender nossas ideias, acabamos denegrindo quem pensa diferente. Acontece. Porém, tenhamos mais cautela e controle: a ofensa é o recurso de quem não tem nada a oferecer além de agressividade.

Troquemos a ofensa por argumentos. Coloquemos nossas divergências para dialogar. O que vem acontecendo é espetacular, máscaras caindo, mas entendamos que o Brasil precisa deixar o sentimentalismo de lado e agir de forma conjunta e adulta. O mais importante é garantir à nova geração que a impunidade acabou – os políticos e empresários de amanhã têm que começar a ter medo de roubar. Somado a isso, é urgente aprovar medidas concretas para moralizar tudo o que envolva dinheiro. Reduzir ao máximo o “me ajuda que eu te ajudo”.

Manifestações, críticas, desabafos, discordâncias, postagens indignadas ou bem-humoradas fazem parte do processo de reflexão e colaboram na mudança de mentalidade. Mas não esqueçamos que a guerra é contra a corrupção – que é apartidária.

A ata como ela é - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Folha de SP - 18/03

Na língua de Camões, a ata seria assim: "Ninguém mais acredita que será possível a inflação na meta em 2016"


Cerca de uma semana depois de o Copom (Comitê de Política Monetária) definir a taxa básica de juros é divulgada a ata da sua reunião. Trata-se de documento escrito em idioma remotamente aparentado do português, em que os membros do Copom apresentam os argumentos que justificam sua opção.

Veja, por exemplo, o seguinte trecho: "O Comitê considera ainda que, desde sua última reunião, entre outros fatores, a intensificação [dos] ajustes de preços relativos na economia tornou o balanço de riscos para a inflação menos favorável para este ano".

Na língua de Camões, diríamos que o dólar mais caro e o aumento dos preços administrados, que haviam sido represados até o ano passado, somaram-se aos desequilíbrios que já existiam e devem fazer com que a inflação em 2015 fique ainda mais alta do que o BC imaginava anteriormente.

Se nesse trecho, porém, é possível depreender o que se passa na cabeça dos diretores do BC, em outros a linguagem obscura serve apenas para mascarar a falta do que dizer ou, ainda pior, a relutância em admitir com todas as letras a magnitude da enrascada em que o Copom se meteu.

Não por outro motivo recebi sugestão mais que interessante de Isaías Coelho: como seria a ata de uma autoridade monetária transparente e cidadã?

É um exercício difícil, até porque é bom confessar já estive do lado de lá (faz tempo!) e sei das dificuldades de ser muito claro acerca de coisas de que não se tem assim tanta certeza. Isto dito, meu público hoje é outro e bem que vale a tentativa.

Assim sendo, a ata transparente e cidadã soaria da seguinte forma:

"A inflação está bem mais alta do que projetávamos no fim do ano passado. Esperávamos que ficasse acima do teto permitido pelo regime de metas, 6,5%, mas, para não pegar muito mal, cozinhamos a projeção para ficar em 6,1%.

Agora não há mais como sustentar esse número. Com o que já ocorreu, mais o que virá em março, a inflação do primeiro trimestre deve ficar na casa de 3,8% (prevíamos 2,2%). Só isso já basta para mandar nossas previsões de inflação em 2015 acima de 7,5% e, vamos ser sinceros, algo entre 8% e 8,5% parece bastante provável.

Fora isso, perdemos o contro- le das expectativas. Ninguém mais acredita que será possível entre- gar a inflação na meta em 2016, apesar das nossas promessas e, para falar a verdade, talvez por causa delas, pois temos prometido inflação na meta "no ano que vem" pelo menos desde 2011, sem conseguir cumprir, é claro.

Comemoramos que as expectativas para 2016 tenham caído um pouco, mas ainda estão em 5,6%, bem acima dos 4,5%, de modo que teremos que subir ainda mais a Selic, não só nesta reunião mas também na próxima.

Nossa vontade, porém, é parar de subir juros. O país já cresce pouco, e mesmo o desemprego, que ainda está baixo, dá sinais de que vai voltar a se elevar neste ano. Apesar disso, os salários ainda crescem muito acima da produtividade e, sem dar conta desse problema, não iremos nunca fazer com que a inflação convirja para a meta. Isto é, teremos que conviver com desemprego mais alto para reduzir a inflação, mas há restrições políticas a isso.

Torcemos para que o Joaquim consiga, ao menos em parte, o que o Guido prometeu e jamais entregou: uma melhora das contas públicas que tire um pouco do peso da tarefa de controlar a inflação das nossas costas. Como a torcida é grande, queremos parar de subir a Selic mesmo antes de saber se o Joaquim cumprirá a promessa.

O dólar pode atrapalhar também, mas vamos fingir que não.

Assim, se tudo ocorrer da melhor maneira possível, a inflação cairá em 2016. Não deverá chegar nem perto de 4,5%, mas, se for menor que 6,5%, estará bom demais. Assim, pretendemos parar em abril. Se não der em abril, então em junho.

No fim do ano, vamos ver como as coisas andam. Caso fique mesmo com cara de inflação abaixo de 6,5% em 2016, voltaremos a cortar juros; se não, o bicho pega. Igual a todos os outros anos".

Algum erro é dose - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 18/03

Na economia, a presidente Dilma admitiu "algum erro de dosagem", mas não disse de que medida falava. O descuido com a inflação levou o país ao estouro do teto da meta; os estímulos ao crescimento produziram rombo fiscal e o país parou de crescer; o populismo na energia acabou em tarifaço. Não foi "algum erro". Foram vários. Não foi apenas a dose, o remédio estava errado.

Havia uma política econômica até a reeleição, e há outra, que começou a ser anunciada após as eleições. A segunda tem alguma chance de corrigir os efeitos deletérios da primeira. Mas o governo começa a dar sinais de que vai reduzir a dose das políticas de ajuste, admitindo, por exemplo, rever as correções da pensão por morte.

O ministro Nelson Barbosa falou, quando propôs a revisão desse item na nova política, que era necessário acabar com exageros no sistema brasileiro, já abolidos em muitos países do mundo. Mesmo assim, a viúva ou viúvo jovem não será desamparado. Se tiver 21 anos ou menos, terá três anos de pensão; se tiver de 22 a 32, terá seis anos. E assim progressivamente. A partir de 44 anos, a pensão é vitalícia. Agora, o governo está alterando essa proposta.

O governo começa a reduzir a dose das medidas que podem fazer o ajuste, mas não admite que fez uma overdose de subsídios e estímulos sem benefício algum para a economia. O Tesouro se endividou em quase R$ 500 bilhões para repassar ao BNDES, sem resultado na manutenção do crescimento. Os subsídios dados à indústria automobilística não tiveram efeito permanente. Das medidas de estímulo, a única com vantagens mais bem distribuídas pela economia foi a desoneração da folha salarial.

A equipe econômica anterior declarou ter desenvolvido uma nova matriz macroeconômica. Foi um equívoco redondo. Não era uma matriz, era a volta do mais velho dos defeitos, o governo gastar além da conta. Isso nos trouxe o resultado de sempre: a dívida bruta disparou, o déficit público ficou em nível insustentável e perigoso, o déficit em transações correntes cresceu muito. A inflação, ao ser reprimida através de populismo tarifário na eletricidade e na gasolina, desequilibrou as finanças das distribuidoras de energia e da Petrobras. Os preços ficaram irreais e, mesmo assim, a inflação permaneceu alta. Hoje, a nova equipe da mesma presidente fala em "realismo tarifário".

O BNDES não vai mais receber aportes bilionários do Tesouro como antes, o Banco Central não tentará forçar uma taxa de câmbio com exposição excessiva no mercado futuro, não haverá mais reduções de IPI para carro, a gasolina não terá mais preço defasado. A nova equipe admite que a dívida aumentou, o déficit está alto e tudo isso precisa ser corrigido. Logo, não foi apenas um mudança de dose do remédio. Mudaram o diagnóstico e a receita.

A política econômica estava totalmente errada antes; a nova nega as premissas anteriores, ainda que não tenha proposto todas as medidas necessárias à correção. Mesmo assim, é a nova política que está sob ataque dos partidários da presidente, e ela é que está tendo sua dose reduzida nas negociações. A anterior não foi condenada. Pelo contrário, a presidente disse que os adversários da suas decisões econômicas queriam que as empresas quebrassem. Deveria ter revelado quem propôs a tal quebradeira.

E por falar em quebradeira, há muitas empresas hoje com sérios problemas financeiros, graves desequilíbrios entre passivos e ativos. Isso é, em parte, suspensão dos socorros do BNDES, dos quais haviam ficado dependentes e, em parte, derivado da avassaladora corrupção nos negócios entre empreiteiras, fornecedores e Petrobras. Sem os aditivos sequenciais nos contratos, para cobrir a incompetência gerencial de algumas e o custo das propinas, muitas empresas podem ter problemas.

A presidente Dilma Rousseff reafirmou seu compromisso com a estabilidade da moeda. É bom que o faça, ainda que entre a palavra e o gesto haja bastante distância. Gastos excessivos, escondidos através dos truques contábeis promovidos pela equipe anterior, minam a estabilidade. Tarifas reprimidas, também. Leniência com a inflação no teto da meta, também. A política econômica estava errada. Não foi apenas uma dose a mais.

Erros além da dosagem - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 18/03

Os principais indicadores da economia continuam a apontar para recessão este ano e os mais de 1 milhão de manifestantes que foram às ruas no domingo ainda nem começaram a sentir o pior efeito disso: o desemprego. Se a corrupção foi o principal motor da manifestação, a insatisfação com a perda ou a diminuição da capacidade de alimentar a família certamente os trará de volta, e, dessa vez, com muito mais fúria.

Só para exemplificar: o Banco Central divulgou, na segunda-feira, que o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) recuou 0,11%. Esse resultado levou a maioria dos especialistas a rever para baixo ou a reforçar as previsões de queda em torno de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015. Afinal, o índice foi criado para avaliar mensalmente a evolução da economia e, com tempo, passou a ser visto como antecipação do comportamento do PIB, oficialmente medido trimestralmente pelo IBGE.

Essa é mais uma razão para que o governo não apenas apoie o ajuste fiscal proposto pela equipe comandada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e que é o primeiro passo para o país caminhar no rumo oposto ao abismo, como assuma postura convincente de que acredita na necessidade desse remédio, por mais amargo que ele seja. Mais: que, de fato, está empenhado em acelerar a implantação. Sem isso, o ajuste continua a correr riscos, apesar de toda a via-sacra pelos corredores políticos e empresariais feita nos últimos dias pela equipe econômica.

Por isso, são até agora preocupantes as reações da presidente Dilma Rousseff e dos ministros mais próximos. Nem ela nem eles parecem ter entendido a importância do que ocorreu no domingo. Mais preocupados com a improdutiva discussão sobre a viabilidade do impeachment da presidente, não perceberam a urgência de abandonar o discurso da campanha eleitoral, gasto e, a essa altura, desmoralizado pelos fatos.

Não menos danoso tem sido não perceber que a vitória apertada na eleição e os equívocos primários na relação com os aliados no parlamento não autorizam mais o mando arrogante do primeiro mandato. Editar medidas provisórias, ainda que tecnicamente necessárias, reduzindo direitos sociais e trabalhistas sem conversa antecipada com parceiros que ganharam votos prometendo o paraíso ao eleitorado é plantar vento para colher tempestade. Tornou tudo mais difícil.

Pior ainda é menosprezar o tamanho da insatisfação popular de quem o governo ainda nem começou a retirar ou a reduzir a prestação de serviços públicos de saúde e segurança. Na educação, a primeira experiência em cortes, com o Fies, foi um desastre, por falta de explicação a quem mais deveria importar ao governo: os estudantes.

Foi nessa linha autoritária e estouvada que a presidente, um dia depois da mega manifestação, aceitou falar com a imprensa. Passou de raspão pela palavra humildade, mas não foi além de admitir apenas eventual erro de dosagem na desastrosa política econômica do primeiro mandato. É verdade que falou no ajuste fiscal, mas fugiu à responsabilidade de assumir as razões para adotá-lo.

Esquece a presidente que, a essa altura, a maioria dos agentes econômicos que dão empregos, mesmo os de menor porte, sabem quem provocou os males que todos enfrentam hoje. Ela precisa de todo mundo para tirar o país dessa enrascada, mas nada vai conseguir com o discurso que a deixa cada vez mais distante da confiança em sua capacidade de governar.

Chega a hora do lulopetismo no petrolão - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 18/03

Lava-Jato detém o ex-diretor Renato Duque, apadrinhado pelo PT, denuncia Vaccari, tesoureiro da legenda, e traça rota de propinas convertidas em doações eleitorais



São dias agrestes para o PT. Não fosse bastante a ressaca da gigantesca manifestação oposicionista de domingo, na segunda-feira o governo Dilma e dirigentes partidários foram obrigados a dividir a atenção entre entrevistas e declarações de autoridades, a presidente inclusive, para, de alguma forma, dar uma resposta à população que vestiu verde e amarelo no dia anterior, e a detalhada exposição feita pelo Ministério Público Federal, em Curitiba, sobre a 10ª fase da Operação Lava-Jato.

E também no Paraná não foram boas as notícias. Na manhã de segunda, havia sido preso pela, segunda vez, o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, apanhado agora numa transferência de € 70 milhões da Suíça para Mônaco. Detido anteriormente, mas solto por habeas corpus, desta vez tudo parece indicar que Duque toma o mesmo caminho de colegas. E terá de optar: aceita firmar acordo de delação premiada e poderá até ser beneficiado com prisão domiciliar, como o também ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa, ou mantém o silêncio e ficará em companhia de Nestor Cerveró, responsável pela área Internacional da companhia, hospedado na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, em prisão preventiva.

Além da detenção de Duque — consta que apadrinhado pelo PT, na pessoa de José Dirceu —, outro baque para o partido nessa segunda foi a denúncia à Justiça de João Vaccari Neto, tesoureiro da legenda, um posto amaldiçoado. Lembremo-nos que um dos antecessores de Vaccari, Delúbio Soares, cumpriu pena na Papuda, em Brasília, na condição de mensaleiro condenado. O problema, potencialmente de grandes proporções para o partido, é que, segundo a divisão feita na Petrobras para efeito de drenagem de propinas, a diretoria de Serviço, de Duque, captaria dinheiro sujo exclusivamente para o PT. Não deve interessar ao lulopetismo que ele fale.

Uma das denúncias premiadas vitais para se desbaratar o petrolão é a de Pedro Barusco, ex-gerente-geral da diretoria de Duque. De acordo com Barusco, o PT deve ter recebido de empreiteiras de US$ 150 milhões a US$ 200 milhões, dos quais US$ 50 milhões coletados por Vaccari em pessoa.

O PT se defende das acusações com a explicação de que recebeu apenas doações legais das empresas. Na verdade, propinas “lavadas” por meio da Justiça Eleitoral, entende o MP. Provar que dinheiro sujo foi “legalizado” nessas doações deverá ser o ponto central do julgamento do petrolão no Supremo. Assim como foi o conceito jurídico do “domínio do fato” no mensalão (aplicado para condenar José Dirceu).

Para dar sustentação às denúncias, o MP tem rastreado pagamentos da Petrobras a empreiteiras — certamente em contratos superfaturados — que correspondem, logo em seguida, a doações dessas empresas a diretórios petistas. Uma transferência ilegal de dinheiro público para o partido, mas por via legal. Não há perspectiva de que melhore o tempo para os lulopetistas no petrolão.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Não nos façam de bobos”
Ministro Gilmar Mendes (STF) sobre a proposta de financiamento eleitoral da OAB



DEVASSA EM CONSELHO PODE COMPROMETER DILMA

O Tribunal de Contas da União (TCU) está prestes a “abrir as portas do inferno” para Dilma, e deixá-la vulnerável a impeachment. Seu plenário deve aprofundar a investigação do papel do conselho de administração no escândalo de corrupção da Petrobras. O conselho foi presidido por Dilma desde o início do governo Lula, gênesis do assalto à estatal, e todas as decisões, inclusive as que alimentaram o “petrolão”, tiveram sua assinatura, configurando “ato de ofício” que pode incriminá-la.

AUTOR DA PROPOSTA

O auditor e ministro-substituto André Luís de Carvalho foi quem levou ao plenário do TCU a proposta de investigar o conselho da Petrobras.

DILMA DEU O MOTE

A devassa do TCU se baseará na reação da própria Dilma, ao atribuir a compra superfaturada da refinaria de Pasadena a informações falsas.

DADOS FALSOS

Dilma disse que o então diretor Nestor Cerveró, hoje preso, enviou ao conselho de administração da Petrobras dados falsos sobre Pasadena.

PRÁTICA HABITUAL

A suspeita no TCU é que outras decisões tenham sido tomadas, no conselho da Petrobras, com base em informações igualmente falsas.

PF ACREDITA QUE HÁ MAIS POLÍTICOS ENVOLVIDOS

O delegado federal Igor de Paulo, que participa das investigações, afirmou ontem que a Operação Lava Jato trabalha com a expectativa de forte “expansão” da lista de parlamentares envolvidos do assalto à Petrobrás. A força-tarefa acredita esse novos nomes surgirão a partir dos inquéritos determinados pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal. A “Lista de Janot”, com 54 nomes, deve crescer.

OS INTOCÁVEIS

A Polícia Federal destacou 40 delegados e agentes para trabalhar na Lava Jato. Sem contar aqueles que atuam nos novos inquéritos.

ENCENAÇÃO

PT e PMDB combinaram tratar de “reforma política”, para ocupar as manchetes, mas em particular só falam em petrolão. Estão em pânico.

APOCALIPSE

Os políticos do PT e do PMDB estão à base de tranquilizantes, à espera de notícias sobre o depoimento do lobista Fernando Baiano.

MALA PRONTA

Se é mesmo bem informado, como já demonstrou, o ex-deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP) já deve ter preparado sua mala de mão, tipo a do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC.

CAIXA PRETA

São devastadoras as revelações de dirigentes da empreiteira Camargo Corrêa que fizeram acordo de delação premiada. A “caixa preta” do setor elétrico começou pela obra da hidrelétrica de Belo Monte.

NOVO PRESIDENTE

José Maranhão (PMDB-PB) assumirá a presidência da Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante do Senado. Será sabatinado na CCJ o substituto de Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal.

DISSE BEM

Com a coragem habitual, o ministro Gilmar Mendes (STF) criticou a proposta da OAB de financiamento eleitoral: o pode da Bolsa Família e o empresário devem contribuir com o mesmo valor. “Isso tem nome. Isso é encomendar lavagem de dinheiro”, adverte o magistrado.

PENDURADO NA BROCHA

O tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, virou réu por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. É suspeito de roubar em nome da companheirada. Mas todos, como Lula, se fingem de mortos.

MORDENDO O PRÓPRIO RABO

Dilma entrega sua sorte a Joaquim Levy (Fazenda), mas o PT não esconde a preferência por Nelson Barbosa (Planejamento), cujas decisões ajudaram em muito a formar a crise que impôs o arrocho.

ENFRENTAMENTO

O deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), que está na lista de Janot, tem se colocado à disposição jornalistas para responder a qualquer pergunta sobre o assunto. Quer mostrar que não teme a investigação.

AMARELOU, OFICIALMENTE

Em vez de demitir Cid Gomes (Educação), Dilma concedeu a ele “licença médica”. A manobra livra o ministro de ir ao plenário da Câmara, como foi intimado, e apontar os “deputados achacadores”.

PERGUNTA NO PLENÁRIO

Se Cid Gomes perder o cargo por acusar os deputados federais de “achacadores”, será o primeiro ministro demitido por falar a verdade?


PODER SEM PUDOR

TODO CUIDADO É POUCO

Costa Rego fez fama como jornalista no Rio de Janeiro e, na década de 20, voltou para Alagoas, sua terra natal, para se eleger governador. Fez um governo austero, mas, incorrigível mulherengo, enfrentou problemas. Seu secretário da Fazenda era Epaminondas Gracindo, avô do ator Gracindo Júnior. Certo dia, ele tomava o café da manhã e viu Costa Rego abrindo a porta de sua casa e ir entrando com a maior naturalidade.

- Espere aí, governador! - gritou Epaminondas - Com essa sua fama de garanhão, o senhor não pode entrar na casa de uma família de respeito.

Governador e secretário despacharam na calçada.