sábado, março 14, 2015

Lugar de elite é na cozinha - GUILHERME FIUZA

O GLOBO - 14/03

Para se sustentarem no poder, Lula e Dilma foram fartamente beneficiados pelo mensalão e pelo petrolão


Se você estava pensando em sair às ruas amanhã contra Dilma, petrolão e grande elenco, não precisa mais. Pode ficar em casa. Tudo será resolvido no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Dias Toffoli, que presidirá o julgamento da Operação Lava-Jato.

Toffoli é o homem certo no lugar certo. Ex-advogado do PT, ex-assessor da Casa Civil de Lula, defensor implacável dos companheiros no julgamento do mensalão, ele foi o presidente do TSE que proibiu a propaganda da “Veja” na véspera da eleição — porque a revista informava que Dilma e Lula sabiam de tudo. Alguma dúvida de que Dias Toffoli defenderá você, cidadão, contra a máfia progressista e humanitária que depenou a Petrobras e o Estado brasileiro?

Pronto. Agora que você tem certeza de que a justiça será feita, e que os autores do maior escândalo de corrupção da República serão punidos, relaxe. Economize a garganta e a sola do sapato, porque passeata é muito desgastante. Alugue um desses filmes sobre Al Capone, e viaje para aqueles tempos estranhos em que uma quadrilha tomava o poder constituído e tinha até juiz próprio... Que horror!

E já que você está com o domingo livre, desobrigado de se mandar para as ruas — o que é coisa da elite branca, e você não vai querer se misturar com essa gente que nunca deveria ter saído da cozinha —, aproveite para botar a leitura em dia. Há verdadeiras joias na literatura nacional recente. Comece pelo épico “Pedro Barusco na CPI da Petrobras”. É emocionante. O ex-gerente da estatal (que está disposto a devolver uns 100 milhões de dólares) contou que era uma espécie de freelancer da corrupção até começar o governo petista. A partir daí, o roubo foi “institucionalizado”, explicou o ex-gerente, que se reportava ao já famoso Renato Duque, diretor inoculado pelo PT na Petrobras.

“É chocante”, reagiu Joaquim Barbosa — aquele representante da elite branca que não manda mais nada, para alegria do Brasil progressista e amigo dos pobres. Quem manda agora é Dias Toffoli, e ele não há de permitir que a direita golpista ataque uma instituição que está funcionando tão bem desde 2003, como explicou Barusco.

E esse Brasil que dá certo há mais de década, com mensalão, petrolão e demais benfeitorias socialistas, continuou funcionando por um detalhe singelo: a cabeça da “institucionalização” jamais foi cortada. Joaquim Barbosa, esse golpista, botou em cana vários guerreiros do povo brasileiro — mas nenhum deles estava mais com a mão na massa, ou melhor, na máquina. No que Dirceu foi flagrado, passaram-no imediatamente para a penumbra, dando lugar a Dilma Rousseff. Esta foi eleita presidente sem jamais deixar de prestar solidariedade ao mensaleiro julgado e condenado — e todos sabem que solidariedade é uma marca dos companheiros. Especialmente quando faz chover centenas de milhões de reais do esquema nas duas campanhas presidenciais da candidata solidária.

Resumindo: para se sustentarem no poder, Lula e Dilma foram fartamente beneficiados pelo mensalão e pelo petrolão, esquemas montados e operados em seus governos, com a regência de seus sócios partidários — esses aos quais Lula e Dilma permaneceram publicamente solidários mesmo com toda fama, com toda grana, com toda lama. A gente vai levando, e o Brasil, esbofeteando o óbvio, resolveu aceitar que a presidente e o ex não sabiam de nada. Aí vem o doleiro do petrolão, sob os juramentos da delação premiada, informar: “Sim, eles sabiam de tudo”.

O que está faltando? O que mais precisa acontecer para que o país exija a investigação direta desses governantes que presidiram a “institucionalização” do roubo? Não, não... Ainda é cedo. Espere o PT bater na sua porta e pedir uma comissão para manter a sua luz acesa. Aí, talvez, quem sabe, seja a hora de agir.

Enquanto você assiste chocado ao DVD do Al Capone, o ministro da Justiça, o procurador-geral e o ministro relator da Lava-Jato fazem seu jogral da inocência, anunciando aflitos que não há fundamento para investigar Dilma Rousseff. O médico mandou não contrariar, mas tem muita gente querendo desobedecer — e responder o disparate nas ruas. Deve ser essa gente esbranquiçada que não sabe o seu lugar, e agora deu para sair da cozinha batendo panelas contra o Império do Oprimido.

Um teólogo de esquerda disse que o movimento de 15 de março é coisa das elites que não ouviram a mensagem de Jesus. Pelo visto, o céu também já é deles. Nesse ritmo, seus branquelos, para vocês só vai sobrar mesmo a rua. Corram para lá — antes que seja tarde.

Fracassa o confronto - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 14/03


A retórica do comandante do Movimento dos Sem Terra (MST) João Pedro Stedile é muito mais eficaz que a ação de seu “exército”, convocado por Lula para ir às ruas contra os críticos do governo Dilma, que chamam de golpistas. Ele mesmo tratou de dar corda a esse viés militarista e conclamou seus liderados a “engraxarem as botas” por que a luta apenas começou.

Um vídeo espalhado pela internet mostra um discurso recente de Stedile na Venezuela, confraternizando com o companheiro Maduro, onde afirma que uma “elite de mierda” na América Latina está tramando contra os governos populares.


Pela demonstração de ontem, a luta começou mal para os movimentos sociais que atenderam ao chamamento de Lula, que declarara esperar muita gente nas ruas ontem. Por qualquer regra que se meça, não é possível dizer que as manifestações foram um sucesso, embora tenham se espalhado por vários Estados. Foram um reflexo do que constatam as pesquisas atuais: uma minoria de 7% apóia o governo Dilma.

Essa capilarização do movimento serviu até para evidenciar a fraqueza da organização, pois em algumas cidades poucas dezenas de manifestantes se dispuseram a sair às ruas num protesto ambíguo, que defendia a presidente Dilma, mas criticava sua política econômica.

Uma está umbilicalmente ligada à outra, e não é possível neste momento apoiar a presidente e ser contra as medidas de equilíbrio fiscal que o ministro da Fazenda Joaquim Levy está apresentando. Quem age assim, como as centrais sindicais, na verdade está sabotando o segundo governo da presidente Dilma, e pouco importa que diga que faz isso por apoiá-la.

O fato é que a própria presidente já admitiu que as medidas para incentivar o consumo perderam o efeito, e que agora é hora de fazer justamente o contrário, isto é, cortar gastos e reequilibrar as contas públicas. Mesmo que seja um equívoco reiterado da presidente, que continua dizendo que as medidas que tomou no primeiro governo estavam corretas para aquela ocasião, e já não servem no momento atual, quando já está provado que foram elas que ocasionaram a situação que vivemos hoje, de qualquer maneira ela reconhece que tem que fazer diferente hoje para recuperar a credibilidade de seu governo.

O fracasso do movimento de ontem ganhará uma dimensão maior caso as manifestações de amanhã, nas diversas versões contrárias ao governo Dilma, sejam maiores. A medida pode ser São Paulo, onde ontem houve a maior manifestação a favor da presidente Dilma e contra o impeachment. Segundo cálculos oficiais da Polícia Militar, cerca de 12mil pessoas participaram da manifestação em seu pico.

O Palácio do Planalto está trabalhando com a expectativa de que a manifestação de amanhã será maior em São Paulo, que se tornou o centro político antipetista, e fraca nos outros Estados. No Rio de Janeiro, por exemplo, ontem a manifestação a favor da Petrobras e contra o golpismo reuniu cerca de 1000 pessoas. Amanhã, em Copacabana, os organizadores da manifestação contra o governo nas redes sociais esperam número maior.

Por isso mesmo o Palácio do Planalto tentou até o último momento cancelar as manifestações das centrais sindicais e dos movimentos sociais atrelados ao governo, pois sabia que as conseqüências seriam ruins.

Se fossem fortes, poderiam estimular as manifestações contrárias ao governo. Fracas, como foram, exibiram a incapacidade de mobilização desses movimentos que já foram vistos como uma ameaça à democracia. Hoje, são apenas movimentos de pelegos transportados em ônibus, com diária e comida. A incapacidade de arregimentação da CUT já fora demonstrada meses atrás quando, com Lula de garoto propaganda, tentaram dar um abraço na sede da Petrobras do Rio e faltaram braços. 

Um fato positivo foi que não houve violência em nenhuma manifestação pelo país, o que indica que a radicalização política está limitada às redes sociais e aos chamados “gritos de guerra”, sem se transformar em conflitos de rua.

Amanhã, nas manifestações contra o governo, saberemos se o mesmo espírito pacífico prevalecerá, ou se os Black blocs arregimentados pelas milícias governistas tentarão repetir a ação de 2013, quando conseguiram dispersar os manifestantes recorrendo deliberadamente às depredações e à violência física.

Encontro de crises - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 14/03

A forte volatilidade do dólar ontem foi também resultado da manifestação a favor do governo. Ao mesmo tempo em que defendiam a presidente das críticas da oposição e das passeatas previstas para amanhã, os líderes do movimento atacavam a política econômica. O que deixa nítida a solidão da presidente. Dilma optou por corrigir os estragos que ela mesma fez na economia, mas não agrada ao PT nem às centrais sindicais.

Alguns bancos divulgaram ontem mudanças de cenário piorando todas as previsões. O Bradesco, por exemplo, que previa 0,5% de queda do PIB, passou a prever 1,5% de recessão. Subiu a estimativa da inflação de 7,5% para 8%, prevê a Selic em 13,5% no fim do ano, e o dólar, entre R$ 2,90 e R$ 3,10.

No mundo inteiro o dólar sobe. O problema é que a volatilidade num único dia, que levou à máxima de 3,79% de desvalorização para fechar em 2,81%, prova a existência das razões internas para a mudança do câmbio. Dentro dessas razões, há muitos indicadores econômicos ruins, mas o que mais tem pesado é a conjuntura política.

A articulação com a base está ruim, a popularidade da presidente caiu, a atual etapa de pedido de aberturas de inquéritos contra os políticos aumentou a tensão entre os poderes. Neste quadro, as forças que sustentam a presidente politicamente demonstram, nas ruas, discordância em relação à política econômica que se dispõe a tentar pôr em ordem as contas públicas. A soma de todos esses problemas alimenta a impressão de fragilidade da presidente antes de completar o terceiro mês do seu segundo mandato.

Para aprovar medidas no Congresso, o governo precisará do apoio da sua base e capacidade de administrar a coalizão. Não tem tido. Mesmo quando as medidas dependem apenas do Executivo, como certos cortes no Orçamento, são difíceis de serem executadas num ambiente conturbado. Um Congresso acuado pode também criar despesas, anulando o efeito das medidas de austeridade.

A alta do dólar e a crise da Petrobras têm uma relação direta. Quanto mais alto o dólar, mais alta a dívida da Petrobras e menor o alívio de caixa que ela está tendo com a decisão de manter os preços dos derivados, apesar da queda da cotação do petróleo no exterior.

A disparada do dólar ontem pode se reverter e ter sido apenas o reflexo de um momento de maior estresse, mas a tendência da moeda americana por todos os outros motivos, internos e externos, é de permanecer subindo no médio prazo. A maior arma do Banco Central, que foi o uso das medidas de intervenção no mercado futuro, através dos swaps cambiais, hoje parece sem efeito.

Parte da insatisfação difusa contra o governo tem a ver com a inflação alta. Os governistas que foram às ruas ontem culpam a política econômica pelo desconforto, quando na verdade foi a administração anterior da economia, da própria presidente Dilma, e as decisões erradas na energia que provocaram esse salto de preços que está comprimindo o orçamento doméstico e das empresas. Os que não são governistas acham que a presidente Dilma não manterá uma política econômica da qual sua base discorda, e na qual ela nunca demonstrou acreditar.

Nada é pior do que o encontro de crises. No Brasil de hoje há pelo menos quatro se encontrando: a econômica, a política, a energética, e a da Petrobras. Pelo tamanho da empresa e as ramificações da corrupção, esta crise tem potencial para fazer estragos em várias áreas. A Sete Brasil está aí pedindo socorro ao BNDES, que tenta empurrar o pepino para outros bancos, inclusive dois estatais, Banco do Brasil e Caixa. Seus problemas financeiros atingem os fundos de pensão das estatais que foram muito usados em todos os projetos do governo nos últimos anos. Entre as empreiteiras, a maioria era tão dependente do governo que não se sustenta sem os empréstimos do BNDES, sem as obras estatais, ou sem os contratos da Petrobras. Todas elas devem aos bancos. Contratos que estão hoje sendo cancelados, ou sob suspeição, foram usados para garantir produtos financeiros que estão em fundos de recebíveis. Seguradoras venderam proteção contra sinistros na expectativa de que só alguns acontecessem. E esses sinistros podem virar realidade numa sequência que as empresas de seguro não previam em seus cenários.

O dólar é como a febre, apenas o termômetro de outros problemas. É derivado de algo mais. No Brasil, há várias razões para que suba, como fez ontem.

O ponto de não retorno - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O Estado de S. Paulo - 14/03

Mais de uma pesquisa telefônica sobre o governo Dilma Rousseff encontrou, nas últimas semanas, taxas de "ótimo/bom" inferiores a 10% e, mais grave, maioria de avaliações "ruim/péssimo". Em todas, o saldo de popularidade da presidente supera os 40 pontos negativos entre quem tem telefone fixo em casa. Quanto mais recente a pesquisa, maior o déficit. O poço vai mais fundo.

Desconte-se a omissão dos sem-telefone - entre quem ela costumava sair-se melhor. Ainda assim, a impopularidade de Dilma só é comparável às de José Sarney e de Fernando Collor. A petista não chegou aos piores momentos dos dois ex-presidentes, mas, pela Constituição, ainda tem 45 meses de governo à frente. No Datafolha, Collor bateu em 59 pontos negativos pouco antes do impeachment. Mas Sarney chegou a -63 pontos durante a campanha à sua sucessão em 1989. Nem por isso foi impedido.

Impopularidade recorde talvez seja uma das condições necessárias para um governante perder o cargo, mas é insuficiente. Vários governadores concluíram seus mandatos em 2014 mesmo carregando porcentuais de desaprovação ainda maiores do que os de Dilma.

O processo de impeachment requer um fato concreto que ligue o presidente a um ato ilegal no exercício do mandato. Até agora, apesar das centenas de milhões tirados da Petrobrás, só há especulação quanto ao ato - e seus propagadores são poucos. Deputado dos saudosos da ditadura militar, Jair Bolsonaro saiu na frente e apresentou o pedido de impeachment antes e sozinho.

Qualquer um que queira seguir por esse caminho agora terá que se associar a ele e a tudo o que representa. Além disso, o PT mostrou ontem que, apesar do enorme desgaste que sofreu e sofre, ainda tem algum poder de mobilização popular. É algo que a oposição leva em conta ao planejar seus movimentos. Daí que até os tucanos descartem buscar o impeachment, ao menos não antes de um Fiat Elba aparecer na garagem presidencial.

Portanto, toda a conversa de impedimento - excitada pela manifestação marcada para amanhã - é mais um elemento de pressão sobre Dilma do que um perigo real e imediato para o seu mandato. O que é grave, concreto e mensurável é a abrupta perda de apoio, popular e político, da presidente.

O dígito único de aprovação prova que não se trata de um movimento restrito à elite empresarial e à classe média do Sul e Sudeste. O PT e Dilma perderam sustentação em segmentos sociais que contavam ser seus sólidos apoiadores. Um governante só passa de 50% de ruim e péssimo se uma parte significativa dos mais pobres e menos escolarizados assim considerar o seu governo.

Levantamento do Ibope DTM mostra que houve sim uma concentração em São Paulo e Rio de Janeiro de tuítes sobre o panelaço de domingo passado - aquele simultâneo ao pronunciamento presidencial. Mas, quando o instituto calcula a taxa de penetração dos tuítes sobre esse tema em cada Estado, descobre que eles foram proporcionalmente mais intensos em Mato Grosso, São Paulo, Tocantins, Goiás, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.

Pior para Dilma, a proporção dos tuítes sobre o panelaço foi significativa em alguns Estados do Nordeste, como Piauí, Bahia e Ceará. Não é uma medida de todo o eleitorado, mas é um termômetro que mostra como o desgaste é generalizado e amplo.

A presidente tem razão quando diz que o processo econômico que manteve o PT no poder pelos primeiros 12 anos se esgotou. Não há mais filas para abrir crediário nas casas de comércio popular. Só para honrar as prestações adquiridas no passado. Chegou a hora de pagar a conta, e o PT é o principal fiador.

Dilma só tem duas saídas: melhorar a política e a economia. A economia ela terceirizou. Na política, vai precisar do apoio do PMDB e congêneres para que esses ditos aliados não sabotem a terceirização que ela fez na economia. Sem isso, passará o ponto de não retorno de sua popularidade.

Alívio, por ora - IGOR GIELOW

FOLHA DE SP - 14/03

BRASÍLIA - A coisa anda tão feia para o governo que a anemia das manifestações a seu favor da sexta-feira (13) foi motivo de alívio para o Planalto. Talvez tenha sido um bode na sala, mas o governo ventilava temer que os atos pudessem sair do controle chapa-branca e virar protestos duros contra o ajuste fiscal.

Como se viu, manifestantes a soldo cumpriram o ritual previsível de apoio acanhado ao governo, à tal reforma política e, enfim, ao que chamam de defesa da Petrobras.

O último item embute um dado fascinante de negação da realidade, visto que foram justamente a gestão e a corrupção ocorridas na era Lula/Dilma na megaestatal que a levaram para o buraco. Cereja do bolo, quando uma figura do naipe de João Pedro Stédile "abraça" um prédio qualquer, fica-se com a piada pronta.

Uma nota positiva foi a ausência de confrontos com os radicais de Facebook, grupelhos inexpressivos no real –aqui não se fala de black blocs, mas de boitatás que defendem a volta da ditadura e afins. Mais um respiro para o governo: não se viu gente de vermelho em batalhas campais.

Agora é ver o que ocorre neste domingo, quando a agenda das ruas não conta com organização militarizada do condomínio CUT/MST/MTST, mas aparenta ter a seu lado o enorme descontentamento popular com o governo e o WhatsApp.

A expectativa palaciana, ressaltando aqui o caráter de "hedge", é de algo concentrado em São Paulo. Se confirmada, já é um problema para Dilma: o motor do país reafirma o "espírito de 1932", de rejeição ao governo central, e deixa aberta uma agenda de novos protestos.

O panelaço do domingo passado, imprevisto apesar das teorias conspiratórias, sugere que algo de maior ressonância pode estar a caminho. Neste caso, a questão para o governo não é nem o grito por impeachment, extremo que poucos de fato desejam, mas sim o ainda maior enfraquecimento do Planalto.

Convulsão - CELSO MING

O ESTADÃO - 14/03

Nesta sexta-feira, as cotações do dólar dispararam 3,36% para a cotação recorde em 12 anos de R$ 3,26. Mas, ao longo do dia, chegaram a bater nos R$ 3,27 (veja o gráfico).

É mais um indicador da insegurança produzida e disseminada pelo mau momento tanto da economia quanto da política. Manifestações com objetivos confusos sugerem instabilidade e déficit de confiança. Os títulos de dívida do Brasil estão ameaçados de rebaixamento para o nível de especulação. A inflação deixou o patamar dos 6,5% em 12 meses e saltou para 8,0%. Não há sinal de recuperação sustentável da atividade econômica.

Todos os dias, no Congresso e nas ruas, o programa de ajuste do governo vai sendo contestado. Espalham-se rumores e versões de que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não aguentará as pressões, tanto de fora quanto de dentro do governo. A disparada do dólar puxa a dívida da Petrobrás, de US$ 261 bilhões, a níveis de difícil sustentação. Isolada e perplexa, a presidente Dilma vê seu governo se desidratando ainda no terceiro mês do seu segundo mandato.


A falta de lideranças extrapola a Presidência da República e é outra fonte de apreensão. Os chefões do Congresso estão ameaçados pelas denúncias da Operação Lava Jato e parecem atuar a esmo, mais como vingança, sabe-se lá contra quem, do que por motivação política propriamente dita. A oposição não tem proposta, a não ser a de “deixar Dilma sangrar”, o que sugere baixa identificação com o interesse público. As melhores cabeças da sociedade civil parecem fora de combate. As lideranças sindicais comportam-se como cartolas do Imposto Sindical. Na última greve dos caminhoneiros, que paralisou o País, não apareceu ninguém suficientemente representativo da categoria com quem negociar. O panelaço do último domingo surgiu quase que do nada. Desde 2013, os protestos são convocados pela internet por meio das redes sociais, algumas vezes em nome de siglas e de movimentos que ninguém conhece e que desaparecem tão rapidamente como surgiram.

Alguns analistas vêm dizendo que, ao contrário das anteriores, nesta crise ao menos o Brasil está bem servido por redes de proteção. Parecem referir-se aos US$ 369 bilhões das reservas internacionais. No entanto, elas estão aí para não serem usadas, porque, se forem, correm o risco de derreter. Se as reservas não devem ser usadas, então que tipo de rede de proteção constituem?

Alguma coisa o Brasil está aprendendo. Até há alguns poucos anos, a defesa da responsabilidade na condução das contas públicas era denunciada como jogo dos neoliberais e do capital estrangeiro. Ninguém diz hoje que a política de ajuste da presidente Dilma é inspirada na recomendação dos fundamentalistas do Fundo Monetário Internacional. Diz apenas que ela não é consequente com o que foi seu discurso de campanha.

Certo ou errado, o ajuste é coisa nossa. Dilma ainda não reconheceu que a desarrumação é consequência das escolhas feitas. Chegou mais perto disso na quinta-feira ao admitir que a política econômica adotada “se esgotou”.

Há uma enorme conta a pagar sobre a mesa. É por isso que o dólar e a inflação estão em convulsão.

CONFIRA



Aí está a evolução das cotações do petróleo desde fevereiro.

Derrubada
Nesta sexta-feira, os preços do petróleo negociado em Nova York caíram 4,69% porque a Agência Internacional de Energia divulgou relatório que mostrou aumento da produção e dos estoques nos Estados Unidos. Isso significa que ainda não dá para apostar na estabilização dos preços. O equilíbrio atual “é muito precário”. Ou seja, a atuação da Opep não está conseguindo alijar do mercado produtores dos Estados Unidos que supostamente operam com custos muito altos.

Que papo furado, esse de golpe! - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 14/03

Quem pode dar golpe?

Os militares. Apenas eles. E se depender deles não haverá golpe. Seja porque aprenderam com o último que deram, em 1964, seja porque não há mais líderes entre eles como havia no passado. E sem líderes...

Foi o próprio general Humberto Castelo Branco, o primeiro presidente da ditadura militar de 64, que acabou com a história de generais vestirem farda durante décadas. Estabeleceu um prazo para aposentadoria.

E o Congresso? Poderá dar um golpe?

Golpe é coisa de quem veste farda e carrega armas. O Congresso pode, digamos, “legalizar” o golpe. Como fez em 1964. Como havia feito quando os militares tentaram impedir a posse de Jango, o vice de Jânio Quadros, que renunciara ao cargo em 1961.

O Congresso então extinguiu o presidencialismo, regime que existia no país, e adotou o parlamentarista, que diminuía os poderes do presidente. Um ano depois de empossado, Jango convocou um plebiscito e o povo avalizou a volta do presidencialismo.

Pedir o impeachment de Dilma, como se pediu o de Fernando Collor em 1992, como o PT pediu o de Fernando Henrique Cardoso em 1999, não é crime. Muito menos golpe.

Do contrário não estaria previsto na Constituição o direito de qualquer pessoa, apenas com sua assinatura, dar entrada no Congresso a um pedido de impeachment contra o presidente da República.

Collor caiu porque não teve apoio no Congresso. Nem nas ruas. O apoio das ruas a Dilma parece pequeno. Mas isso somente não basta para apeá-la do poder. Ela conta com bastante apoio no Congresso.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“O PT inventou o manifestante de fachada”
Senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) sobre os R$ 35 pagos a manifestantes pró-Dilma



Dilma avalia troca-troca de Wagner e Mercadante

O governo avalia um troca-troca de ministros que pode ser a solução dos seus problemas: Jaques Wagner seria deslocado para a chefia da Casa Civil e Aloizio Mercadante passaria para o Ministério da Defesa. Com isso, Dilma atenderia a Lula e ao PMDB, como forma de melhorar a qualidade do diálogo com o Congresso, e colocaria Mercadante, conhecido pela arrogância, num cargo que parece feito à sua medida.

Como pinto no lixo

Mercadante é filho do general Oswaldo Muniz Oliva, de “linha dura”, e tem um irmão coronel. Sentir-se-ia à vontade no Ministério da Defesa.

Ministro odara

Dilma também cessaria o incômodo dos militares com os “selinhos” de Jaques Wagner e suas atitudes carnavalescas demais para o cargo.

Antítese

Em contrapartida, Jaques Wagner é a antítese de Mercadante: do tipo simpaticão, tem livre-trânsito no Congresso e a estima de Lula e Dilma.

Lorota

O chefe da Casa Civil anda espalhando que, ao contrário de pedir sua cabeça, Lula quer Dilma reforçando seu papel no governo. É lorota.

Dilma é rejeitada até em reduto eleitoral do PT

Levantamento da empresa francesa de pesquisa Ipsos, realizado em São Paulo, Recife e Porto Alegre, entre 9 e 11 deste mês, revela dados alarmantes para o governo: 50% da população consideram a gestão de Dilma ruim ou péssima. A avaliação negativa de Dilma supera a positiva inclusive no Nordeste, onde ela teve grande votação. A pesquisa também aferiu o engajamento aos protestos de domingo (15).

Luz vermelha

O percentual de pessoas que souberam dos protestos do dia 15 disparou nos dois últimos dias da pesquisa, subiu de 70% para 82%.

Lorota

A ladainha de que a crise atual se deve à crise econômica internacional não cola mais para 73% dos entrevistados.

#Vemprarua

Nas motivações para o protesto aparecem: Corrupção (67%), Inflação (52%) e Impeachment (32%).

Até a última gota

Após o revés da aprovação de projeto de lei que dificulta a criação de partidos, Marina Silva passou a semana em Brasília. Ela ainda bate o pé, tentando fundar o seu Rede Sustentabilidade. Mas está difícil.

Dança das cadeiras

Após ter perdido as eleições presidenciais em Minas Gerais, seu curral eleitoral, Aécio Neves decidiu trocar o comando estadual do PSDB. O deputado Domingos Sávio deverá substituir Marcos Pestana em junho.

Armação

Aliados do governador do Amazonas, José Melo (Pros), afirmam que a acusação de compra de votos é uma armação do ministro Eduardo Braga (Minas e Energia), a quem impôs derrota acachapante em 2014.

Ubec compra Unicap

A União Brasiliense de Educação e Cultura (Ubec), entidade religiosa mantenedora da Universidade Católica de Brasília, fechou a compra da Católica de Pernambuco. O acordo será anunciado nesta segunda (16).

Espelho meu

Jornais divulgaram só ontem, como sempre sem citar a fonte, o que os leitores desta coluna sabem desde quinta: Dilma proibiu os ministros de sair de Brasília, temendo os atos pró-impeachment deste domingo.

Culpa da estrela

O partido Solidariedade já consultou os juristas Ives Gandra, Cássio Mesquita Barros, Adilson Dallari, Modesto Carvalhosa e Sérgio Ferraz sobre a fundamentação do processo de impeachment contra Dilma.

Em defesa do petrolão

Acusado de ser “cúmplice de um assalto de proporções gigantescas”, ao depor na CPI da Petrobras, Sergio Gabrielli tomou um banho de óleo de peroba e até discursou no ato “em defesa” da estatal roubada.

Descompensou

Agarrado a boquinha no conselho do Sesi, o ex-ministro Gilberto Carvalho atacou a Rede Globo, num evento da entidade em Brasília, quinta (19), culpando-a pela falta de “notícias positivas” do governo.

A diferença

A piada de ontem em Brasília: a manifestação do PT foi marcada para sexta-feira e a da oposição para domingo porque a oposição trabalha.



PODER SEM PUDOR

Ministro de Dilma tem nome?

Num grupo de amigos, o ministro José Múcio, do Tribunal de Contas da União, um dos papos mais agradáveis do País, jurou que seria capaz de fazer o que nem Dilma conseguiria: chamar os ministros do governo dela pelo nome.

- Diga aí quem é o ministro da Igualdade Racial - desafiou um amigo. José Múcio respondeu na bucha:

- Dilma, claro.

- E o do Esporte? - perguntou outro.

- Dilma, ora - respondeu.

E repetiu a resposta até todos entenderem que não importa nome de ministro: é a controladora Dilma Rousseff que chefia cada ministério.