O GLOBO - 26/02
Todo o mercado de petróleo está em retração. Com a queda de preços,companhias desistem dos investimentos mais caros
A inflação já estourou o teto da meta e vai continuar assim ao longo deste ano. Produção e consumo vão devagar, quase parando. Contas externas continuam no vermelho. Contas públicas são arrumadas a custo de corte de gastos, inclusive em benefícios sociais, e carga tributária.
O brasileiro já entendeu tudo. Pesquisa do Instituto Datapopular mostra que as pessoas esperam para este ano mais inflação, menos emprego, mais impostos e nada de aumento de salário.
Mas não há expectativa de desastre ou de uma crise aguda, não por causa do cenário econômico.
Por exemplo: a inflação em 12 meses, medida pelo IPCA-15 de fevereiro, bateu em 7,36%. Qual a previsão consensual entre os especialistas para o final do ano? A mesma coisa, 7,33%, tal como se vê no Relatório Focus, veiculado toda segunda-feira no site do Banco Central e que resume a opinião de fora do governo (consultorias, instituições financeiras, institutos de estudo e pesquisa).
O dólar tem oscilado entre R$ 2,80 e R$ 2,90. Expectativa para dezembro? R$ 2,90, e se chegar a R$ 3, pouca gente vai estranhar. Bate na inflação, encarece o importado, mas o BC agora parece mais sério no esforço de alcançar a meta de 4,5%, ainda que lá na frente. A taxa de juros vai subir de novo na próxima reunião.
Por outro lado, o dólar caro o ano todo deve ajudar a reduzir o déficit das contas externas, barateando exportações e encarecendo as viagens internacionais.
Também ninguém espera um desastre nas contas públicas. Ao contrário, é certo que estarão bem melhor do que ano passado só com a eliminação, já em prática, das lambanças do ex-ministro Mantega. Será difícil para o atual ministro Joaquim Levy cumprir a meta de economizar R$ 55 bilhões líquidos este ano, mas ninguém vai achar que é o fim do mundo se economizar uns 40 bi ou até menos que isso. Interromper a trajetória desastrosa dos últimos anos já é um baita avanço.
O país não escapa de uma recessão este ano, também conforme um amplo entendimento entre analistas aqui e lá fora. Logo, o desemprego deve aumentar — e as pessoas já perceberam que está mais difícil arranjar ou trocar de trabalho. Mas quando se estende o cenário para 2016, a coisa melhora no geral. A expectativa é de mais crescimento, com menos inflação e maior equilíbrio nas contas do governo.
Resumindo, 2015 é um ano ruim, pior que 2014, mas será também um período de arrumação. Dia desses, o ministro Joaquim Levy disse que não há tarefa de política econômica que não possa ser feita neste momento. Quis dizer que os problemas estão identificados, as receitas são conhecidas e já foram aplicadas em outras ocasiões. Há também amplo entendimento nisso.
Então, qual o problema, além do desconforto de cruzar este ano?
A Petrobras.
Considerem os investimentos em infraestrutura, por meio das concessões de estradas, portos, aeroportos, transportes a empresas privada — aqui está a única chance de intensificar a atividade econômica. Mas isso não pode deslanchar enquanto as empresas que se ocupam disso, todas clientes e fornecedoras da Petrobras, estiverem mais preocupadas em se livrar da Lava-Jato e vender ativos.
A própria estatal está cancelando obras e devolvendo sondas, plataformas etc. Estaleiros nacionais e estrangeiros que se instalaram por aqui perdem encomendas, sobram com capacidade ociosa. E não são competitivos no mercado externo porque, protegidos aqui, têm preços maiores e tecnologia menos atual.
Além disso, todo o mercado mundial de petróleo está em retração. Com a queda de preços, companhias pelo mundo todo desistem dos investimentos mais caros e, com isso, sobram equipamentos e navios. Aliás, ficaram mais baratos, o que poderia ser uma oportunidade para a Petrobras — que, entretanto, não pode aproveitá-la por causa da política de comprar máquinas com alto componente nacional.
Não foi só roubalheira — com o perdão desse “só”.
Além de limpar os balanços do que foi roubado, será preciso mudar toda a política para o setor e eliminar os desastres causados por uma gestão tão equivocada que está merecendo a atenção de especialistas internacionais como um exemplo acabado do que não se deve fazer.
Vai ser difícil, porque depende de circunstâncias internacionais fora de controle e porque a presidente Dilma acha que está tudo indo bem na estatal. Disse, por exemplo, que a agência Moddy’s rebaixou a nota da Petrobras por falta de conhecimento do que se faz na companhia. Ora, todo mundo sabe o que se passa lá — e ninguém acha que vai bem.
Acrescente a isso a lista de Janot — a relação de políticos investigados ou denunciados na Lava-jato, que está para sair, e se vê o potencial de impacto na vida política.
Quem mesmo queria acabar com a Petrobras? Ou com o país?
quinta-feira, fevereiro 26, 2015
Lenta desconstrução - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 26/02
Não foi um evento isolado, nem um engano. A Petrobras começou há muito tempo a caminhada para a perda do grau de investimento. Foi o resultado de vários erros cometidos pelo governo. Investimentos impostos pelo Planalto, nomeações políticas, preços populistas, propinas, descuidos. O PT achou que a empresa era dele. Ainda acha. A empresa é do Brasil.
O governo agora pode culpar o mensageiro. É bem do seu feitio. As agências erram muito, já erraram no passado, e, se forem criticadas, há razões. Mas uma análise sincera encontrará o quanto o governo foi insensato na condução da empresa.
Abriu inúmeras frentes de trabalho pelas exigências mais disparatadas. Uma refinaria no Maranhão, outra no Ceará. Mais uma no Rio. E a de Pernambuco? Melhor ainda, porque seria par a que o "companheiro" Hugo Chávez tivesse alternativa para vender seu petróleo.
O fluxo de caixa não é problema. A Petrobras pode comprar gasolina e diesel a um preço e vender mais baixo. Quantas vezes ouvimos José Sérgio Gabrielli dizer que não repassaria a "volatilidade" Lorota. Era uma forma de manipular o preço, evitar" que a inflação, sempre no teto, estourasse a meta. Era a certeza de que o caixa da empresa era elástico. Quando Graça Foster assumiu, ela deixou claro inúmeras vezes que o preço estava errado, mas foi obrigada a engolir a sandice de subsidiar combustível fóssil. Se tivesse tido uma política realista de preços, a empresa teria o indicador melhor na comparação entre endividamento e geração de caixa. Se tivesse sido realista nos vários anos em que ficou artificialmente baixo, agora os preços poderiam cair. Isso daria um alívio à inflação, ao país, aos caminhoneiros que estão parando a estrada.
Os fúncionários alertaram que acima de um determinado custo a refinaria Abreu e Lima seria inviável, jamais se pagaria. Fizeram relatórios internos. Nada foi olhado. E os custos dispararam de US$ 2,5 par a US$ 18 bilhões. Os companheiros venezuelanos roeram a corda e deixaram o mico com o Brasil. A obra continuou.
Rodadas de licitação de petróleo foram suspensas porque tinham que mudar o modelo de exploração para que a Petrobras fosse dona de 30% de cada campo de petróleo. E para tudo isso a empresa foi se endividando. Houve alertas. Mas eram coisa de pessimistas, disseram. Chegou ao ponto em que a ANP terá que adiar a próxima rodada, porque a Petrobras não cumpre a exigência do balanço auditado.
E, além de tudo, houve o roubo. Em larga escala, disseminado pelos vários negócios. E isso colocou a empresa na pior era de incerteza da sua vida. A Petrobras ficou endividada, sem balanço, com projetos excessivos e de rentabilidade duvidosa. Perdeu valor de mercado. A dívida cresceu exponencialmente e passou a frequentar as páginas dos escândalos político-policiais.
O rebaixamento tem efeito concreto. A empresa sai do portfólio dos melhores investidores, os fundos de pensão do mundo inteiro. Os reguladores dos países impedem que os fundos invistam em empresas de grau especulativo. O crédito será mais caro, se for captado. A empresa terá que cortar mais investimento porque precisará financiá-los com seu caixa.
E inúmeros efeitos começam a se espalhar pela economia. Falando só de um: a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) ontem deu entrevista em que calculou que a paralisia da Petrobras pode levar a uma redução de investimentos da ordem de R$ 80 bilhões este ano. Há projetos cancelados, como as duas refinarias, e os efeitos da operação Lava-Jato, que têm travado contratos de empreiteiras não só com a Petrobras, mas também em empréstimos com o BNDES, afetando o fluxo de caixa das empresas e, consequentemente, as encomendas.
- Aí a empresa vai ao banco e encontra também urna conjuntura ruim. Com crédito mais restrito e juros mais altos. Quem tem grande participação do setor de óleo e gás na sua carteira pode acabar cancelando encomendas e projetos de outros setores, por ficar sem caixa. Há um efeito cascata - explicou o diretor de competitividade da Abimaq, Mário Bernardini.
A Abimaq projeta queda da taxa de investimento de 18% para 16% do PIB este ano, e uma retração da economia entre 1% e 2%.
Diante dessa coleção de incertezas e efeitos negativos de decisões insensatas do governo, o rebaixamento era esperado. Mas, quando chegou, doeu.
Não foi um evento isolado, nem um engano. A Petrobras começou há muito tempo a caminhada para a perda do grau de investimento. Foi o resultado de vários erros cometidos pelo governo. Investimentos impostos pelo Planalto, nomeações políticas, preços populistas, propinas, descuidos. O PT achou que a empresa era dele. Ainda acha. A empresa é do Brasil.
O governo agora pode culpar o mensageiro. É bem do seu feitio. As agências erram muito, já erraram no passado, e, se forem criticadas, há razões. Mas uma análise sincera encontrará o quanto o governo foi insensato na condução da empresa.
Abriu inúmeras frentes de trabalho pelas exigências mais disparatadas. Uma refinaria no Maranhão, outra no Ceará. Mais uma no Rio. E a de Pernambuco? Melhor ainda, porque seria par a que o "companheiro" Hugo Chávez tivesse alternativa para vender seu petróleo.
O fluxo de caixa não é problema. A Petrobras pode comprar gasolina e diesel a um preço e vender mais baixo. Quantas vezes ouvimos José Sérgio Gabrielli dizer que não repassaria a "volatilidade" Lorota. Era uma forma de manipular o preço, evitar" que a inflação, sempre no teto, estourasse a meta. Era a certeza de que o caixa da empresa era elástico. Quando Graça Foster assumiu, ela deixou claro inúmeras vezes que o preço estava errado, mas foi obrigada a engolir a sandice de subsidiar combustível fóssil. Se tivesse tido uma política realista de preços, a empresa teria o indicador melhor na comparação entre endividamento e geração de caixa. Se tivesse sido realista nos vários anos em que ficou artificialmente baixo, agora os preços poderiam cair. Isso daria um alívio à inflação, ao país, aos caminhoneiros que estão parando a estrada.
Os fúncionários alertaram que acima de um determinado custo a refinaria Abreu e Lima seria inviável, jamais se pagaria. Fizeram relatórios internos. Nada foi olhado. E os custos dispararam de US$ 2,5 par a US$ 18 bilhões. Os companheiros venezuelanos roeram a corda e deixaram o mico com o Brasil. A obra continuou.
Rodadas de licitação de petróleo foram suspensas porque tinham que mudar o modelo de exploração para que a Petrobras fosse dona de 30% de cada campo de petróleo. E para tudo isso a empresa foi se endividando. Houve alertas. Mas eram coisa de pessimistas, disseram. Chegou ao ponto em que a ANP terá que adiar a próxima rodada, porque a Petrobras não cumpre a exigência do balanço auditado.
E, além de tudo, houve o roubo. Em larga escala, disseminado pelos vários negócios. E isso colocou a empresa na pior era de incerteza da sua vida. A Petrobras ficou endividada, sem balanço, com projetos excessivos e de rentabilidade duvidosa. Perdeu valor de mercado. A dívida cresceu exponencialmente e passou a frequentar as páginas dos escândalos político-policiais.
O rebaixamento tem efeito concreto. A empresa sai do portfólio dos melhores investidores, os fundos de pensão do mundo inteiro. Os reguladores dos países impedem que os fundos invistam em empresas de grau especulativo. O crédito será mais caro, se for captado. A empresa terá que cortar mais investimento porque precisará financiá-los com seu caixa.
E inúmeros efeitos começam a se espalhar pela economia. Falando só de um: a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) ontem deu entrevista em que calculou que a paralisia da Petrobras pode levar a uma redução de investimentos da ordem de R$ 80 bilhões este ano. Há projetos cancelados, como as duas refinarias, e os efeitos da operação Lava-Jato, que têm travado contratos de empreiteiras não só com a Petrobras, mas também em empréstimos com o BNDES, afetando o fluxo de caixa das empresas e, consequentemente, as encomendas.
- Aí a empresa vai ao banco e encontra também urna conjuntura ruim. Com crédito mais restrito e juros mais altos. Quem tem grande participação do setor de óleo e gás na sua carteira pode acabar cancelando encomendas e projetos de outros setores, por ficar sem caixa. Há um efeito cascata - explicou o diretor de competitividade da Abimaq, Mário Bernardini.
A Abimaq projeta queda da taxa de investimento de 18% para 16% do PIB este ano, e uma retração da economia entre 1% e 2%.
Diante dessa coleção de incertezas e efeitos negativos de decisões insensatas do governo, o rebaixamento era esperado. Mas, quando chegou, doeu.
Começar de novo - VERA MAGALHÃES
FOLHA DE SP - 26/02
SÃO PAULO - O PT pode evocar FHC, as elites, a imprensa ou uma combinação desses inimigos de sempre, mas o lamentável ataque de que foi vítima o ex-ministro Guido Mantega (Fazenda) na cafeteria de um hospital particular em São Paulo deveria ser compreendido pelo partido como um sinal inequívoco de seu divórcio com o eleitorado na maior cidade e no mais rico Estado do país.
Já existe numa ala do comando petista essa percepção. Um dirigente, questionado por esta colunista na última segunda-feira sobre qual o caminho a seguir, admitiu não ter a menor ideia. "Em São Paulo o jeito será recomeçar do zero", vaticinou.
Um caminho seria tentar entender sem o manto diáfano da fantasia conspiratória e da vitimação o que levou a popularidade do prefeito Fernando Haddad e da presidente Dilma Rousseff a níveis inferiores ao do sistema Cantareira.
A resposta não estará só no humor da elite mal-educada dos Jardins. O quadro é similar nas "franjas" da cidade, território que costumava se pintar de vermelho nas eleições muito antes das ciclofaixas de Haddad.
Ao minimizar a importância de repetidos escândalos de corrupção ligados ao partido, Lula ajudou a corroer a imagem do PT em seu berço.
Em vez de ironizar e tachar de "neofascista" a real preocupação de uma parcela cada vez mais ampla da sociedade com a ética, o partido deveria reconhecer o fato e apresentar uma agenda para vencer o estigma de legenda associada a desvios.
Mas o PT perdeu mais tempo negando o mensalão, fazendo vaquinha para os condenados e traçando paralelos com o PSDB do que agindo para fazer as pazes com um setor da sociedade --os formadores de opinião-- que ajudou a fundar a sigla.
A grosseria contra Mantega foi a explosão de um antipetismo que vai virando ódio. Nesse ritmo, o próximo dia 15 pode ser uma data funesta para a presidente no maior colégio eleitoral do país. E ninguém sabe o que fazer para evitar o cortejo.
SÃO PAULO - O PT pode evocar FHC, as elites, a imprensa ou uma combinação desses inimigos de sempre, mas o lamentável ataque de que foi vítima o ex-ministro Guido Mantega (Fazenda) na cafeteria de um hospital particular em São Paulo deveria ser compreendido pelo partido como um sinal inequívoco de seu divórcio com o eleitorado na maior cidade e no mais rico Estado do país.
Já existe numa ala do comando petista essa percepção. Um dirigente, questionado por esta colunista na última segunda-feira sobre qual o caminho a seguir, admitiu não ter a menor ideia. "Em São Paulo o jeito será recomeçar do zero", vaticinou.
Um caminho seria tentar entender sem o manto diáfano da fantasia conspiratória e da vitimação o que levou a popularidade do prefeito Fernando Haddad e da presidente Dilma Rousseff a níveis inferiores ao do sistema Cantareira.
A resposta não estará só no humor da elite mal-educada dos Jardins. O quadro é similar nas "franjas" da cidade, território que costumava se pintar de vermelho nas eleições muito antes das ciclofaixas de Haddad.
Ao minimizar a importância de repetidos escândalos de corrupção ligados ao partido, Lula ajudou a corroer a imagem do PT em seu berço.
Em vez de ironizar e tachar de "neofascista" a real preocupação de uma parcela cada vez mais ampla da sociedade com a ética, o partido deveria reconhecer o fato e apresentar uma agenda para vencer o estigma de legenda associada a desvios.
Mas o PT perdeu mais tempo negando o mensalão, fazendo vaquinha para os condenados e traçando paralelos com o PSDB do que agindo para fazer as pazes com um setor da sociedade --os formadores de opinião-- que ajudou a fundar a sigla.
A grosseria contra Mantega foi a explosão de um antipetismo que vai virando ódio. Nesse ritmo, o próximo dia 15 pode ser uma data funesta para a presidente no maior colégio eleitoral do país. E ninguém sabe o que fazer para evitar o cortejo.
Voz do Brasil - DEMÉTRIO MAGNOLI
O GLOBO - 26/02
O ofício intelectual não combina bem com manifestos
Eu sabia que eles assinariam um manifesto. Ingênuo, imaginei que, desta vez, seria um texto contra o pacote fiscal de Dilma Rousseff (culpando, bem entendido, o mordomo, que se chama Joaquim). Contudo, eles desistiram de fingir: o inevitável manifesto, intitulado “O que está em jogo agora”, é tão oficialista como “A voz do Brasil” dos velhos tempos. Num lance vulgar de prestidigitação, o texto dos “intelectuais de esquerda”, assinado por figuras como Marilena Chaui, Celso Amorim, Emir Sader, Fabio Comparato, Leonardo Boff, Maria da Conceição Tavares e Samuel Pinheiro Guimarães, apresenta-se como uma defesa da Petrobras — mas, de fato, é outra coisa.
O ofício intelectual não combina bem com manifestos. Dos intelectuais, espera-se o pensamento criativo, a crítica do consenso, a dissonância — não o chavão, a palavra de ordem ou o grito coletivo. Por isso, eles deveriam produzir manifestos apenas em circunstâncias excepcionais. Os “intelectuais de esquerda”, porém, cultivam o estranho hábito de assinar manifestos. Vale tudo: crismar um crítico literário como inimigo da humanidade, condenar a palavra equivocada no editorial de um jornal, tomar o partido de algum ditador antiamericano, denunciar a opinião desviante de um parlamentar. O manifesto sobre a Petrobras é parte da série — mas, num sentido preciso, distingue-se negativamente dos demais.
A fabricação em série de manifestos é um negócio inscrito na lógica do marketing. De fato, pouco importa a substância do texto, desde que ele ganhe suficiente publicidade, promovendo a circulação do nome dos signatários. Como os demais, o manifesto da Petrobras é uma iniciativa em proveito próprio. Mas, nesse caso, o proveito tem dupla face: além do marketing da marca, busca-se ocultar o fracasso de uma ideologia. Por isso — e só por isso! — ele merece a crítica de quem não quer contribuir, involuntariamente, com a operação mercantil dos “intelectuais de esquerda”.
Segundo o manifesto, a Operação Lava-Jato desencadeou uma campanha da mídia malvada para entregar a Petrobras, junto com nosso petróleo verde-amarelo, aos ambiciosos imperialistas. A meta imediata da conspiração dos agentes estrangeiros infiltrados seria restabelecer o regime de concessão. Sua meta final seria remeter-nos “uma vez mais a uma condição subalterna e colonial”. A fábula, dirigida a mentes infantis, esbarra numa dificuldade óbvia: sem o aval do governo, é impossível alterar o regime de partilha.
A Petrobras não foi derrubada à lona pelo escândalo revelado por meio da Lava-Jato, que apenas acelerou o nocaute. Os golpes decisivos foram assestados ao longo de anos, pela política conduzida nos governos lulopetistas, sob os aplausos extasiados dos “intelectuais de esquerda”. No desesperador cenário atual, a direção da Petrobras anuncia uma redução brutal de investimentos na prospecção e extração, precisamente os setores em que a estatal opera com eficiência. O regime de partilha obriga a empresa a investir em todos os campos do pré-sal. A troca pelo regime de concessão será, provavelmente, a saída adotada pelo governo Dilma. Os “intelectuais de esquerda”, móveis e utensílios do Planalto, escreveram o manifesto para, preventivamente, atribuir a mudança de rumo aos “conspiradores da mídia”. Por meio dessa trapaça, conciliam a fidelidade ao “governo popular” com seus discursos ideológicos anacrônicos. Ficam com o pirulito e a roupa limpa.
Há uma diferença de escala, de zeros à direita, entre as perdas decorrentes da corrupção e as geradas pelo neonacionalismo reacionário. A Petrobras é vítima, antes de tudo, do investimento excessivo movido a dívida, da diversificação ineficiente e do controle de preços de combustíveis. Numa vida inteira de falcatruas, Paulo Roberto Costa, o “Paulinho”, e Renato Duque, o “My Way”, seriam incapazes de causar danos remotamente comparáveis aos provocados pelos devaneios ideológicos do lulopetismo — que são os dos signatários do manifesto. “A História dirá!”: os “intelectuais de esquerda” invocam, ritualmente, o veredito de um futuro sempre adiável. O manifesto é uma manobra diversionista. Ele existe para desviar a atenção pública de um singelo, mas preciso, veredito histórico: a falência da Petrobras é obra de uma visão de mundo.
Franklin Martins, o verdadeiro autor do manifesto, cometeu um erro tático ao colocar seu nome entre os signatários. Ao fazê-lo, o ex-ministro descerra o diáfano véu de independência que cobriria a nudez do texto. O manifesto não é a “voz da sociedade”, nem mesmo de uma parte dela, mas a Voz do Brasil. Nasceu no Instituto Lula, como elemento de uma operação de limitação dos efeitos da Lava-Jato. Enquanto os “intelectuais de esquerda” assinavam uma folha de papel, Lula reunia-se com representantes do cartel das empreiteiras e Dilma preparava o “acordo de leniência” destinado a restaurar os laços de solidariedade entre as empresas e os políticos.
Sem surpresa, no último parágrafo, o manifesto menciona o ano mágico. A conspiração “antinacional” e “antidemocrática” dos inimigos da Petrobras almejaria provocar uma “comoção nacional” e, finalmente, a “repetição” do golpe militar de 1964. Na Venezuela, que deixou de ser uma democracia, o regime aprisiona líderes opositores sob acusações fantasiosas de conspiração golpista. No Brasil, que é uma democracia, acusações similares partem dos “intelectuais de esquerda”. Os signatários do manifesto, sempre encantados por regimes nos quais a divergência política equivale à traição da pátria, sonham com o dia em que falariam sozinhos, como porta-vozes de um poder incontestável.
O manifesto é uma peça de corrupção intelectual. Ele contamina a praça do debate público com os resíduos de um discurso farsesco. A Petrobras é um pretexto. Os “intelectuais de esquerda” enrolam-se no pendão auriverde para fingir que não estão pelados.
O ofício intelectual não combina bem com manifestos
Eu sabia que eles assinariam um manifesto. Ingênuo, imaginei que, desta vez, seria um texto contra o pacote fiscal de Dilma Rousseff (culpando, bem entendido, o mordomo, que se chama Joaquim). Contudo, eles desistiram de fingir: o inevitável manifesto, intitulado “O que está em jogo agora”, é tão oficialista como “A voz do Brasil” dos velhos tempos. Num lance vulgar de prestidigitação, o texto dos “intelectuais de esquerda”, assinado por figuras como Marilena Chaui, Celso Amorim, Emir Sader, Fabio Comparato, Leonardo Boff, Maria da Conceição Tavares e Samuel Pinheiro Guimarães, apresenta-se como uma defesa da Petrobras — mas, de fato, é outra coisa.
O ofício intelectual não combina bem com manifestos. Dos intelectuais, espera-se o pensamento criativo, a crítica do consenso, a dissonância — não o chavão, a palavra de ordem ou o grito coletivo. Por isso, eles deveriam produzir manifestos apenas em circunstâncias excepcionais. Os “intelectuais de esquerda”, porém, cultivam o estranho hábito de assinar manifestos. Vale tudo: crismar um crítico literário como inimigo da humanidade, condenar a palavra equivocada no editorial de um jornal, tomar o partido de algum ditador antiamericano, denunciar a opinião desviante de um parlamentar. O manifesto sobre a Petrobras é parte da série — mas, num sentido preciso, distingue-se negativamente dos demais.
A fabricação em série de manifestos é um negócio inscrito na lógica do marketing. De fato, pouco importa a substância do texto, desde que ele ganhe suficiente publicidade, promovendo a circulação do nome dos signatários. Como os demais, o manifesto da Petrobras é uma iniciativa em proveito próprio. Mas, nesse caso, o proveito tem dupla face: além do marketing da marca, busca-se ocultar o fracasso de uma ideologia. Por isso — e só por isso! — ele merece a crítica de quem não quer contribuir, involuntariamente, com a operação mercantil dos “intelectuais de esquerda”.
Segundo o manifesto, a Operação Lava-Jato desencadeou uma campanha da mídia malvada para entregar a Petrobras, junto com nosso petróleo verde-amarelo, aos ambiciosos imperialistas. A meta imediata da conspiração dos agentes estrangeiros infiltrados seria restabelecer o regime de concessão. Sua meta final seria remeter-nos “uma vez mais a uma condição subalterna e colonial”. A fábula, dirigida a mentes infantis, esbarra numa dificuldade óbvia: sem o aval do governo, é impossível alterar o regime de partilha.
A Petrobras não foi derrubada à lona pelo escândalo revelado por meio da Lava-Jato, que apenas acelerou o nocaute. Os golpes decisivos foram assestados ao longo de anos, pela política conduzida nos governos lulopetistas, sob os aplausos extasiados dos “intelectuais de esquerda”. No desesperador cenário atual, a direção da Petrobras anuncia uma redução brutal de investimentos na prospecção e extração, precisamente os setores em que a estatal opera com eficiência. O regime de partilha obriga a empresa a investir em todos os campos do pré-sal. A troca pelo regime de concessão será, provavelmente, a saída adotada pelo governo Dilma. Os “intelectuais de esquerda”, móveis e utensílios do Planalto, escreveram o manifesto para, preventivamente, atribuir a mudança de rumo aos “conspiradores da mídia”. Por meio dessa trapaça, conciliam a fidelidade ao “governo popular” com seus discursos ideológicos anacrônicos. Ficam com o pirulito e a roupa limpa.
Há uma diferença de escala, de zeros à direita, entre as perdas decorrentes da corrupção e as geradas pelo neonacionalismo reacionário. A Petrobras é vítima, antes de tudo, do investimento excessivo movido a dívida, da diversificação ineficiente e do controle de preços de combustíveis. Numa vida inteira de falcatruas, Paulo Roberto Costa, o “Paulinho”, e Renato Duque, o “My Way”, seriam incapazes de causar danos remotamente comparáveis aos provocados pelos devaneios ideológicos do lulopetismo — que são os dos signatários do manifesto. “A História dirá!”: os “intelectuais de esquerda” invocam, ritualmente, o veredito de um futuro sempre adiável. O manifesto é uma manobra diversionista. Ele existe para desviar a atenção pública de um singelo, mas preciso, veredito histórico: a falência da Petrobras é obra de uma visão de mundo.
Franklin Martins, o verdadeiro autor do manifesto, cometeu um erro tático ao colocar seu nome entre os signatários. Ao fazê-lo, o ex-ministro descerra o diáfano véu de independência que cobriria a nudez do texto. O manifesto não é a “voz da sociedade”, nem mesmo de uma parte dela, mas a Voz do Brasil. Nasceu no Instituto Lula, como elemento de uma operação de limitação dos efeitos da Lava-Jato. Enquanto os “intelectuais de esquerda” assinavam uma folha de papel, Lula reunia-se com representantes do cartel das empreiteiras e Dilma preparava o “acordo de leniência” destinado a restaurar os laços de solidariedade entre as empresas e os políticos.
Sem surpresa, no último parágrafo, o manifesto menciona o ano mágico. A conspiração “antinacional” e “antidemocrática” dos inimigos da Petrobras almejaria provocar uma “comoção nacional” e, finalmente, a “repetição” do golpe militar de 1964. Na Venezuela, que deixou de ser uma democracia, o regime aprisiona líderes opositores sob acusações fantasiosas de conspiração golpista. No Brasil, que é uma democracia, acusações similares partem dos “intelectuais de esquerda”. Os signatários do manifesto, sempre encantados por regimes nos quais a divergência política equivale à traição da pátria, sonham com o dia em que falariam sozinhos, como porta-vozes de um poder incontestável.
O manifesto é uma peça de corrupção intelectual. Ele contamina a praça do debate público com os resíduos de um discurso farsesco. A Petrobras é um pretexto. Os “intelectuais de esquerda” enrolam-se no pendão auriverde para fingir que não estão pelados.
Lula estimula o conflito social - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 26/02
No desespero para salvar o PT de um desastre que a incompetência do governo de Dilma Rousseff torna a cada dia mais grave, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ameaça incendiar as ruas com "o exército do Stédile", a massa de manobra do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Lula acenou com essa ameaça em evento "em defesa da Petrobrás" promovido na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, pelo braço sindical do PT, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Federação Única dos Petroleiros (FUP).
Basta abrir as páginas dos jornais ou assistir ao noticiário da televisão para perceber que a radicalização política começa a levar a violência às ruas das principais cidades do País. De um lado, militantes de organizações sindicais e movimentos sociais, quase sempre manipulados pelo PT, aliados a radicais de esquerda; do outro lado, sectários antigovernistas engajados na inoportuna campanha de impeachment da presidente da República. Esses grupos antagônicos se agrediram mutuamente diante da ABI, pouco antes do evento protagonizado por Lula.
Diante do sintoma claro de que o agravamento da crise política em que o País está mergulhado pode acender o rastilho da instabilidade social, o que se espera das lideranças políticas é que ajam com responsabilidade para evitar o pior. Mas Lula, assustado com a possibilidade crescente do naufrágio de seu projeto de poder, parece disposto, em último recurso, a correr o risco de virar a mesa. Não há outra interpretação para sua atitude no evento.
Em seu discurso, o coordenador do MST, João Pedro Stédile, como de hábito botou lenha na fogueira: "Ganhamos as eleições nas urnas, mas nos derrotaram no Congresso e na mídia. Só temos uma forma de derrotá-los agora: é nas ruas". É o caso de perguntar o que Stédile quer dizer com "derrotá-los nas ruas". Mas Lula parece saber a resposta. E aproveitou a deixa, ao falar no encerramento do ato: "Quero paz e democracia. Mas eles não querem. E nós sabemos brigar também, sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele na rua". Uma declaração de guerra?
A atitude irresponsavelmente incendiária do ex-presidente é coerente com a estratégia por ele traçada e transmitida à militância petista com o objetivo de reverter a repercussão extremamente negativa para a imagem do PT provocada pelo desgoverno Dilma e, em particular, pelo escândalo da Petrobrás. A ideia é, como sempre, transformar o PT em vítima da "elite", os temíveis "eles" que só querem fazer mal ao povo brasileiro.
Do mesmo modo que para Lula o escândalo do mensalão foi uma "farsa" que resultou na condenação injusta dos "guerreiros do povo brasileiro", o petrolão é coisa de "meia dúzia de pessoas" para a qual Dilma Rousseff "não pode ficar dando trela": "O que estamos vendo é a criminalização da ascensão de uma classe social neste país. As pessoas subiram um degrau e isso incomoda a elite", disse Lula.
Ou seja, o que abala o Brasil não é a ação da quadrilha que, há 12 anos, pilha a Petrobrás e ocupa, para proveito próprio ou do PT, cada escaninho possível da administração pública. Muito menos é a incompetência administrativa demonstrada pelos petralhas que sugam o Tesouro. É - no entender de Lula e companhia bela - a reação dos brasileiros honestos e indignados com a roubalheira e a desfaçatez.
Esse discurso populista pode fazer vibrar a militância partidária manipulada e paga pela nomenklatura petista, mas é inútil para garantir ao PT e ao governo o apoio de que necessitam para tirar o País do buraco em que Dilma Rousseff o meteu ao longo de quatro anos de persistentes equívocos.
O principal aliado do PT, o PMDB do vice-presidente Michel Temer, agora decidiu exigir o papel que lhe cabe como corresponsável pela condução dos destinos do País. Não aceita mais, por exemplo, que o núcleo duro do poder de decisão no Planalto seja integrado exclusivamente por petistas. O PMDB tampouco aceita que os petistas continuem se fazendo passar por bonzinhos na votação das medidas de ajuste fiscal, posicionando-se na defesa dos "interesses dos trabalhadores" e deixando o ônus da aprovação do pacote para os aliados.
Os arreganhos de Lula e do agitador Stédile mostram que a tigrada está cada vez mais isolada - e feroz - na aventura em que se meteu de arruinar o Brasil.
No desespero para salvar o PT de um desastre que a incompetência do governo de Dilma Rousseff torna a cada dia mais grave, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ameaça incendiar as ruas com "o exército do Stédile", a massa de manobra do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Lula acenou com essa ameaça em evento "em defesa da Petrobrás" promovido na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, pelo braço sindical do PT, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Federação Única dos Petroleiros (FUP).
Basta abrir as páginas dos jornais ou assistir ao noticiário da televisão para perceber que a radicalização política começa a levar a violência às ruas das principais cidades do País. De um lado, militantes de organizações sindicais e movimentos sociais, quase sempre manipulados pelo PT, aliados a radicais de esquerda; do outro lado, sectários antigovernistas engajados na inoportuna campanha de impeachment da presidente da República. Esses grupos antagônicos se agrediram mutuamente diante da ABI, pouco antes do evento protagonizado por Lula.
Diante do sintoma claro de que o agravamento da crise política em que o País está mergulhado pode acender o rastilho da instabilidade social, o que se espera das lideranças políticas é que ajam com responsabilidade para evitar o pior. Mas Lula, assustado com a possibilidade crescente do naufrágio de seu projeto de poder, parece disposto, em último recurso, a correr o risco de virar a mesa. Não há outra interpretação para sua atitude no evento.
Em seu discurso, o coordenador do MST, João Pedro Stédile, como de hábito botou lenha na fogueira: "Ganhamos as eleições nas urnas, mas nos derrotaram no Congresso e na mídia. Só temos uma forma de derrotá-los agora: é nas ruas". É o caso de perguntar o que Stédile quer dizer com "derrotá-los nas ruas". Mas Lula parece saber a resposta. E aproveitou a deixa, ao falar no encerramento do ato: "Quero paz e democracia. Mas eles não querem. E nós sabemos brigar também, sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele na rua". Uma declaração de guerra?
A atitude irresponsavelmente incendiária do ex-presidente é coerente com a estratégia por ele traçada e transmitida à militância petista com o objetivo de reverter a repercussão extremamente negativa para a imagem do PT provocada pelo desgoverno Dilma e, em particular, pelo escândalo da Petrobrás. A ideia é, como sempre, transformar o PT em vítima da "elite", os temíveis "eles" que só querem fazer mal ao povo brasileiro.
Do mesmo modo que para Lula o escândalo do mensalão foi uma "farsa" que resultou na condenação injusta dos "guerreiros do povo brasileiro", o petrolão é coisa de "meia dúzia de pessoas" para a qual Dilma Rousseff "não pode ficar dando trela": "O que estamos vendo é a criminalização da ascensão de uma classe social neste país. As pessoas subiram um degrau e isso incomoda a elite", disse Lula.
Ou seja, o que abala o Brasil não é a ação da quadrilha que, há 12 anos, pilha a Petrobrás e ocupa, para proveito próprio ou do PT, cada escaninho possível da administração pública. Muito menos é a incompetência administrativa demonstrada pelos petralhas que sugam o Tesouro. É - no entender de Lula e companhia bela - a reação dos brasileiros honestos e indignados com a roubalheira e a desfaçatez.
Esse discurso populista pode fazer vibrar a militância partidária manipulada e paga pela nomenklatura petista, mas é inútil para garantir ao PT e ao governo o apoio de que necessitam para tirar o País do buraco em que Dilma Rousseff o meteu ao longo de quatro anos de persistentes equívocos.
O principal aliado do PT, o PMDB do vice-presidente Michel Temer, agora decidiu exigir o papel que lhe cabe como corresponsável pela condução dos destinos do País. Não aceita mais, por exemplo, que o núcleo duro do poder de decisão no Planalto seja integrado exclusivamente por petistas. O PMDB tampouco aceita que os petistas continuem se fazendo passar por bonzinhos na votação das medidas de ajuste fiscal, posicionando-se na defesa dos "interesses dos trabalhadores" e deixando o ônus da aprovação do pacote para os aliados.
Os arreganhos de Lula e do agitador Stédile mostram que a tigrada está cada vez mais isolada - e feroz - na aventura em que se meteu de arruinar o Brasil.
À beira do despenhadeiro - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 26/02
A crise da Petrobras não arrefece. A cada revelação da Operação Lava-Jato, que investiga o bilionário esquema de corrupção, a maior empresa brasileira derrete um pouco mais. Na terça-feira, a agência norte-americana de classificação de risco Moody"s - uma das três mais importantes do mundo - rebaixou, pela segunda vez, as notas de crédito (rating) da estatal, agora, para grau especulativo.
Detentora da maior dívida corporativa do mundo (R$ 261,45 bilhões), a companhia se aproxima da beira do despenhadeiro, e o Brasil aprofunda a fragilidade externa. A decisão da Moody"s poderá levar agências como a Standard & Poor"s e a Fitch a revisarem para baixo o grau de risco da petroleira. A reclassificação por outra instituição desencadeará movimento de venda de títulos e ações, sobretudo pelos fundos de pensão. Na maioria deles, a regra é clara no sentido de se desfazerem dos papéis de empresas com nota de crédito negativa.
A Petrobras perderá capacidade de recorrer ao mercado a fim de buscar dinheiro e honrar compromissos com acionistas, investidores e credores. É dado como certo que a empresa não conseguirá a chancela de duas agências para novas transações. Hoje, cerca de 80% da dívida estão no exterior. O trágico cenário que se constrói, a partir da decisão da Moody"s, não ficará restrito à petrolífera. A falta de credibilidade contaminará outras estatais, como Eletronorte, Eletrobras, Banco do Brasil, que buscam nas fontes internacionais recursos para incrementar as atividades.
Mais: a irresponsabilidade na gestão da petrolífera repercute em toda a economia nacional. Apesar das falcatruas, que lhe corroeram as finanças, a Petrobras movimenta 13% do Produto Interno Bruto do Brasil. A área de abrangência vai muito além da atividade-fim, que é a extração de petróleo. A empresa cumpre papel social e econômico importantíssimo para o desenvolvimento do país no campo da pesquisa científica, da produção tecnológica, da geração de empregos.
Aos 61 anos, é um dos maiores patrimônios da nação, não de grupos que se aboletam no poder para gestões efêmeras, mas com alta capacidade destrutiva. Historicamente se tornou instituição âncora da economia nacional. Nos governos do general João Figueiredo - o último do ciclo da ditadura - e de José Sarney, o primeiro da redemocratização, o Brasil apelou para a moratória. Entre o fim dos anos 1980 e início da década de 1990, o calote colocou o país à margem dos recursos estrangeiros.
A Petrobras, compradora de petróleo no mercado externo, tinha crédito na praça internacional e, assim, conseguia internalizar dólares necessários para abastecer o país. O governo Lula conseguiu levar o país a conquistar status de bom pagador e obter grau de investimento. Hoje, a conquista se esvai pelo ralo.
Confirmado o prognóstico de especialistas, a Petrobras não derreterá sozinha. O Brasil corre sério risco de reprovação global e perda de investidores. Para fugir do cenário catastrófico, não existe plano B. Impõe-se choque de realismo e de austeridade como o sugerido pelo pacote fiscal do governo. A receita é amarga. Mas precisa ser aviada.
A crise da Petrobras não arrefece. A cada revelação da Operação Lava-Jato, que investiga o bilionário esquema de corrupção, a maior empresa brasileira derrete um pouco mais. Na terça-feira, a agência norte-americana de classificação de risco Moody"s - uma das três mais importantes do mundo - rebaixou, pela segunda vez, as notas de crédito (rating) da estatal, agora, para grau especulativo.
Detentora da maior dívida corporativa do mundo (R$ 261,45 bilhões), a companhia se aproxima da beira do despenhadeiro, e o Brasil aprofunda a fragilidade externa. A decisão da Moody"s poderá levar agências como a Standard & Poor"s e a Fitch a revisarem para baixo o grau de risco da petroleira. A reclassificação por outra instituição desencadeará movimento de venda de títulos e ações, sobretudo pelos fundos de pensão. Na maioria deles, a regra é clara no sentido de se desfazerem dos papéis de empresas com nota de crédito negativa.
A Petrobras perderá capacidade de recorrer ao mercado a fim de buscar dinheiro e honrar compromissos com acionistas, investidores e credores. É dado como certo que a empresa não conseguirá a chancela de duas agências para novas transações. Hoje, cerca de 80% da dívida estão no exterior. O trágico cenário que se constrói, a partir da decisão da Moody"s, não ficará restrito à petrolífera. A falta de credibilidade contaminará outras estatais, como Eletronorte, Eletrobras, Banco do Brasil, que buscam nas fontes internacionais recursos para incrementar as atividades.
Mais: a irresponsabilidade na gestão da petrolífera repercute em toda a economia nacional. Apesar das falcatruas, que lhe corroeram as finanças, a Petrobras movimenta 13% do Produto Interno Bruto do Brasil. A área de abrangência vai muito além da atividade-fim, que é a extração de petróleo. A empresa cumpre papel social e econômico importantíssimo para o desenvolvimento do país no campo da pesquisa científica, da produção tecnológica, da geração de empregos.
Aos 61 anos, é um dos maiores patrimônios da nação, não de grupos que se aboletam no poder para gestões efêmeras, mas com alta capacidade destrutiva. Historicamente se tornou instituição âncora da economia nacional. Nos governos do general João Figueiredo - o último do ciclo da ditadura - e de José Sarney, o primeiro da redemocratização, o Brasil apelou para a moratória. Entre o fim dos anos 1980 e início da década de 1990, o calote colocou o país à margem dos recursos estrangeiros.
A Petrobras, compradora de petróleo no mercado externo, tinha crédito na praça internacional e, assim, conseguia internalizar dólares necessários para abastecer o país. O governo Lula conseguiu levar o país a conquistar status de bom pagador e obter grau de investimento. Hoje, a conquista se esvai pelo ralo.
Confirmado o prognóstico de especialistas, a Petrobras não derreterá sozinha. O Brasil corre sério risco de reprovação global e perda de investidores. Para fugir do cenário catastrófico, não existe plano B. Impõe-se choque de realismo e de austeridade como o sugerido pelo pacote fiscal do governo. A receita é amarga. Mas precisa ser aviada.
"Que país é esse?" - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 26/02
Foi o que perguntou o ex-diretor da Petrobras Renato Duque ao ser preso em sua casa no início da Operação Lava-Jato, ecoando, talvez inconscientemente, a música de Renato Russo que, embora escrita em 1978 e só gravada em 1986, continuou atualíssima naquela ocasião e agora, explicitando a decadência moral do país.
Inclusive pela indignação autêntica que Duque, identificado nos autos como o atravessador de propinas para o PT na Petrobras, exibiu para seu advogado mesmo na hora de ir preso.
"Nas favelas, /no Senado/ Sujeira pra todo lado/ Ninguém respeita a Constituição / Mas todos acreditam no futuro da nação". É o caso dos Duque, dos Paulo Roberto Costa, dos Cerveró, e de toda a lista de políticos, com ou sem mandato, que brevemente será revelada.
Um estrangeiro que chegasse ao Brasil por esses dias se sentiria mais próximo de uma Venezuela, de uma Argentina, do que gostaríamos. O velho dito popular "eu sou você, amanhã", o chamado "efeito Orloff" em relação à Argentina, cada vez ganha mais força com a sequência de acontecimentos ruins que não têm data para terminar, pois a "presidenta" parece cada vez mais longe da realidade, enquanto o "presidente" flerta abertamente com o "exército" do Movimento dos Sem Terra (MST) para enfrentar os críticos do petismo.
Um ato para "defender" a Petrobras, transforma-se em ato para atacar os que denunciam a corrupção e defender os corruptos. Um manifesto de intelectuais denuncia uma pseudo tentativa de "debilitar a Petrobras", tendo como consequência a dizimação de empresas "responsáveis por mais de 500.000 empregos qualificados, remetendo-nos uma vez mais a uma condição subalterna e colonial". Fingindo desconhecer que quem debilitou a Petrobras foram os ladrões instalados nas diretorias da estatal pelos governos petistas.
Só de propina para o PT ao longo dos anos calcula o gerente Pedro Barusco que foram entre US$ 150 e 200 milhões. As brigas de rua, com milicianos de camisas vermelhas agredindo manifestantes a favor do impeachment da presidente Dilma, dão uma tênue ideia do que poderá vir a ser uma praça de guerra que vemos todos os dias ultimamente no noticiário sobre a Venezuela ou a Argentina. Os caminhoneiros bloqueando estradas em 12 estados por causa da alta do preço do diesel é uma visão que parece deslocada no tempo, trazendo de volta antigas campanhas políticas na região.
Para um olhar estrangeiro, o que diferencia Brasil de seus vizinhos bolivarianos é muito pouco, e nossas instituições precisarão ser muito firmes, e ter uma visão democrática profunda, para não serem atropeladas pelas manobras governamentais, que não desistem de atuar para atrapalhar o trabalho do Ministério Público.
Estamos aos poucos regredindo para o estágio de uma República Bananeira, onde tudo está à venda, época que parecia ter sido superada nos anos de democracia. Mas a utilização de instrumentos democráticos para enfraquecer a própria democracia é uma história antiga dos movimentos autoritários, onde uns são mais iguais que outros, como na "Revolução dos Bichos", de George Orwell, que tão bem desvelou as entranhas dos regimes autoritários.
Ontem, o "Financial Times" publicou uma reportagem dando 10 razões que podem levar ao impeachment de Dilma, e sintomaticamente o jornal inglês seleciona os perigos da economia como detonadores do processo político de impedimento da presidente: escândalo da Petrobras; queda na confiança do consumidor; aumento da inflação; aumento do desemprego; queda na confiança do investidor; déficit orçamentário; problemas econômicos no geral; falta d"água; possíveis apagões elétricos.
Todos esses problemas puramente econômicos levariam, como consequência, à perda da maioria no Congresso, abrindo caminho para um processo político de impeachment. O importante a notar é que o impeachment já se tornou um tema inevitável nas análises sobre o futuro do país, e seria hipocrisia tratá-lo como algo de que não se deve falar. O país está convulsionado, e sem uma liderança com grandeza que possa levar a acordos políticos indispensáveis para a superação do impasse que se avizinha.
A agressão ao ex-ministro Guido Mantega no Hospital Einstein, por todas as formas inaceitável, é um sintoma dos ânimos exaltados, mas também reflexo do estilo agressivo de fazer política que o PT levou adiante no país nos últimos 12 anos. Quem não é amigo é inimigo, e qualquer um pode ser amigo, desde que aceite a hegemonia petista. Uns mais iguais que os outros.
Foi o que perguntou o ex-diretor da Petrobras Renato Duque ao ser preso em sua casa no início da Operação Lava-Jato, ecoando, talvez inconscientemente, a música de Renato Russo que, embora escrita em 1978 e só gravada em 1986, continuou atualíssima naquela ocasião e agora, explicitando a decadência moral do país.
Inclusive pela indignação autêntica que Duque, identificado nos autos como o atravessador de propinas para o PT na Petrobras, exibiu para seu advogado mesmo na hora de ir preso.
"Nas favelas, /no Senado/ Sujeira pra todo lado/ Ninguém respeita a Constituição / Mas todos acreditam no futuro da nação". É o caso dos Duque, dos Paulo Roberto Costa, dos Cerveró, e de toda a lista de políticos, com ou sem mandato, que brevemente será revelada.
Um estrangeiro que chegasse ao Brasil por esses dias se sentiria mais próximo de uma Venezuela, de uma Argentina, do que gostaríamos. O velho dito popular "eu sou você, amanhã", o chamado "efeito Orloff" em relação à Argentina, cada vez ganha mais força com a sequência de acontecimentos ruins que não têm data para terminar, pois a "presidenta" parece cada vez mais longe da realidade, enquanto o "presidente" flerta abertamente com o "exército" do Movimento dos Sem Terra (MST) para enfrentar os críticos do petismo.
Um ato para "defender" a Petrobras, transforma-se em ato para atacar os que denunciam a corrupção e defender os corruptos. Um manifesto de intelectuais denuncia uma pseudo tentativa de "debilitar a Petrobras", tendo como consequência a dizimação de empresas "responsáveis por mais de 500.000 empregos qualificados, remetendo-nos uma vez mais a uma condição subalterna e colonial". Fingindo desconhecer que quem debilitou a Petrobras foram os ladrões instalados nas diretorias da estatal pelos governos petistas.
Só de propina para o PT ao longo dos anos calcula o gerente Pedro Barusco que foram entre US$ 150 e 200 milhões. As brigas de rua, com milicianos de camisas vermelhas agredindo manifestantes a favor do impeachment da presidente Dilma, dão uma tênue ideia do que poderá vir a ser uma praça de guerra que vemos todos os dias ultimamente no noticiário sobre a Venezuela ou a Argentina. Os caminhoneiros bloqueando estradas em 12 estados por causa da alta do preço do diesel é uma visão que parece deslocada no tempo, trazendo de volta antigas campanhas políticas na região.
Para um olhar estrangeiro, o que diferencia Brasil de seus vizinhos bolivarianos é muito pouco, e nossas instituições precisarão ser muito firmes, e ter uma visão democrática profunda, para não serem atropeladas pelas manobras governamentais, que não desistem de atuar para atrapalhar o trabalho do Ministério Público.
Estamos aos poucos regredindo para o estágio de uma República Bananeira, onde tudo está à venda, época que parecia ter sido superada nos anos de democracia. Mas a utilização de instrumentos democráticos para enfraquecer a própria democracia é uma história antiga dos movimentos autoritários, onde uns são mais iguais que outros, como na "Revolução dos Bichos", de George Orwell, que tão bem desvelou as entranhas dos regimes autoritários.
Ontem, o "Financial Times" publicou uma reportagem dando 10 razões que podem levar ao impeachment de Dilma, e sintomaticamente o jornal inglês seleciona os perigos da economia como detonadores do processo político de impedimento da presidente: escândalo da Petrobras; queda na confiança do consumidor; aumento da inflação; aumento do desemprego; queda na confiança do investidor; déficit orçamentário; problemas econômicos no geral; falta d"água; possíveis apagões elétricos.
Todos esses problemas puramente econômicos levariam, como consequência, à perda da maioria no Congresso, abrindo caminho para um processo político de impeachment. O importante a notar é que o impeachment já se tornou um tema inevitável nas análises sobre o futuro do país, e seria hipocrisia tratá-lo como algo de que não se deve falar. O país está convulsionado, e sem uma liderança com grandeza que possa levar a acordos políticos indispensáveis para a superação do impasse que se avizinha.
A agressão ao ex-ministro Guido Mantega no Hospital Einstein, por todas as formas inaceitável, é um sintoma dos ânimos exaltados, mas também reflexo do estilo agressivo de fazer política que o PT levou adiante no país nos últimos 12 anos. Quem não é amigo é inimigo, e qualquer um pode ser amigo, desde que aceite a hegemonia petista. Uns mais iguais que os outros.