O Estado de S. Paulo - 22/02
Quem gosta de inflação pode ficar sossegado, porque a festa ainda vai longe, pelo menos segundo os especialistas do setor financeiro. Os preços continuarão subindo bem acima da meta oficial de 4,5% até o fim do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, de acordo com o mercado. Em 2018 a taxa anual ainda estará colada, ou quase, em 5%. Essa projeção aparece em tabela exibida pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a uma plateia de empresários e analistas em Nova York, na quarta-feira. As expectativas, disse ele, estão de novo convergindo para a meta. De fato, estão. A primeira barra do quadro, correspondente a 2015, passa ligeiramente de 7%. A segunda fica em cerca de 5,5% e as duas seguintes, na vizinhança de 5%. Convergem, sim, mas muito devagar. Apesar disso, dirigentes do Banco Central continuam prometendo atingir a meta no próximo ano. Os slides apresentados em Nova York terminam com a promessa de trabalho duro de preparação para 2016. O último quadro, sem tabelas ou gráficos, é uma foto de regata na Guanabara.
A exposição começou e terminou com fotos de um Brasil muito mais bonito que o do noticiário do dia a dia. As primeiras imagens apresentadas foram as de estudantes em vários tipos de escolas, acompanhadas de um gráfico sobre o aumento de alunos em faculdades, 60% entre 2006 e 2014. Nenhuma palavra, é claro, sobre a qualidade do ensino, sobre os erros de prioridades, sobre o desempenho dos brasileiros em testes internacionais, nem sobre os atrasos de pagamentos devidos a escolas, a prefeituras e a professores, noticiados nesta sexta-feira pelo Estado.
Antes dos barquinhos, a plateia viu muita coisa feia, como a devastação das contas públicas nos últimos quatro anos e a crescente promiscuidade, a partir de 2008, entre o Tesouro e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Além disso, ouviu promessas de correção dos erros acumulados com teimosia e muita arrogância a partir do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Tudo foi apresentado com suficiente clareza, embora de forma diplomática. A dimensão do estrago, no entanto, foi mostrada apenas parcialmente. Talvez nem o ministro tenha uma ideia clara do tamanho dos danos causados ao País em tantos anos de irresponsabilidade, incompetência e ocupação predatória da administração federal - ministérios, órgãos subordinados e companhias estatais. Mas o auditório, tanto em Washington quanto em Nova York, estava razoavelmente informado, por exemplo, sobre a devastação da Petrobrás e muito interessado nas consequências da pilhagem.
Esses efeitos já têm sido calculados por economistas do setor financeiro, muito antes de qualquer palavra do governo sobre o assunto. Segundo técnicos do Bank of America Merrill Lynch, o escândalo da Petrobrás poderá custar 0,86 ponto porcentual de crescimento econômico, por causa da importância da empresa, direta e indireta, nos investimentos.
A estimativa da Capital Economics, de Londres, parece, à primeira vista, menos pessimista - uma perda de crescimento de cerca de 0,5 ponto de porcentagem, segundo informou a Agência Estado. Mas os problemas gerados pela crise da estatal poderão ir muito além dos investimentos vinculados a seus programas e do contágio financeiro de construtoras e fornecedoras de equipamentos e insumos. A Petrobrás é uma das empresas mais endividadas do mundo, seu fluxo de caixa foi seriamente prejudicado nos últimos anos e já se discute, no mercado, a hipótese de um socorro financeiro bancado pelo Tesouro. Nesse caso a situação fiscal se agravará, o conserto das contas públicas ficará mais difícil e o crédito do País poderá ser afetado mais uma vez.
Esses temores surgem - e foram manifestados também por participantes dos encontros nos Estados Unidos - quando o ministro da Fazenda e seus colegas de equipe tentam reconstruir a credibilidade do governo federal, arrasada nos últimos anos, e estimular a confiança de investidores e financiadores na economia brasileira.
Não se trata de levá-los a apostar num bom desempenho em 2015. Ninguém sequer menciona essa hipótese. No mercado financeiro, a mediana das projeções indicou uma retração econômica de 0,42% na pesquisa Focus do dia 13, divulgada pelo Banco Central no começo da semana seguinte. A variação estimada para o produto industrial ficou em menos 0,43%. A inflação esperada para o ano chegou a 7,27%. Nesse caso a inflação cheia está associada em boa parte à correção de preços congelados politicamente e também aos efeitos da seca e da escassez de energia. As estimativas de produção embutem, portanto, aumentos de custos e dificuldades adicionais para a indústria e para a recuperação a partir de 2016.
Não se trata de problemas ocasionais ligados a eventos incontroláveis ou dificilmente previsíveis. O efeito inflacionário da correção de preços e o impacto sobre os custos são consequências de erros acumulados em muitos anos. Esses erros incluem as falhas na política de infraestrutura e a incompetência no acompanhamento e na coordenação de projetos. Centrais prontas para produzir energia, mas inúteis por falta de sistemas de transmissão, exemplificam essa incompetência. As obras são privadas e tocadas sob a responsabilidade de consórcios, mas são componentes de planos e programas oficiais.
É preciso levar esses dados em conta para formar uma ideia mais precisa do estrago deixado como herança para a nova equipe governamental. No caso da Petrobrás, os danos vão obviamente muito além dos bilhões desviados, do endividamento, dos problemas de caixa e da perda de valor de mercado. Incluem todos esses problemas e mais os efeitos sobre muitas outras empresas e sobre o próprio governo. Ao lotear o Estado e abrir espaço para a pilhagem, os ocupantes do poder foram incompetentes até para avaliar a possível extensão dos custos de sua política. Até eles devem estar surpresos.
domingo, fevereiro 22, 2015
Dilma não passa firmeza - CELSO MING
O Estado de S. Paulo - 22/02
O noticiário não dá tréguas. A percepção que cresce na sociedade não é apenas de aumento da recessão, mas a de que a economia continua em deterioração.
A última Pesquisa Focus, por meio da qual o Banco Central avalia as projeções de cerca de 100 instituições, aponta para este ano uma evolução negativa do PIB, de 0,42%; um desempenho também negativo da indústria, queda de 0,43%; e inflação acima do teto da meta, de 7,27%.
Ao contrário do que aconteceu no primeiro período Dilma, desta vez a equipe econômica não promete demais. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, assumiu em janeiro garantindo que cumpriria, neste ano, a meta de superávit fiscal (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 1,2% do PIB, o que, em volume, corresponde a cerca de R$ 66,3 bilhões. Mas esse resultado vai sendo ameaçado diariamente pelo imponderável. Os políticos vêm encontrando meios de aumentar as despesas públicas e de evitar a adoção de providências de austeridade. As receitas também não ajudam. Como a perspectiva é de queda praticamente inexorável de crescimento, como se viu, a arrecadação também sofre.
O Banco Central, por sua vez, já desistiu de entregar inflação na meta em 2015. Vem avisando que o realinhamento dos preços administrados (principalmente tarifas de energia elétrica e de transportes urbanos) e o impacto da alta do dólar, especialmente sobre os importados, expandirão a inflação nos próximos meses. Apenas em 2016 voltará a convergir para a meta de 4,5% ao ano, alerta o Banco Central e, ainda assim, sem explicar como chegou a essa conclusão. Mas a dinâmica das coisas não tem compromisso com as intenções das autoridades e, decididamente, não dá para apostar nas previsões do Banco Central.
O nível de incertezas segue elevado. Nenhum empresário sabe se pode ou não contar com suprimento regular de energia elétrica, porque o risco de racionamento continua alto. O mesmo pode-se dizer do fornecimento de água tratada nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio e Espírito Santo.
A Operação Lava Jato já inibiu a atuação das empreiteiras. As revelações estão longe de se completar e sabe-se lá que desdobramentos apresentarão na economia e na política. A Petrobrás já anunciou que vai rever (para baixo) seu plano de negócios e sua crise se estende a seus fornecedores. Em paralelo, a derrubada dos preços do petróleo exigirá revisão do marco regulatório do setor, assunto que permanece na moita. São fatores que tendem a bloquear ou a adiar os investimentos e, portanto, a bloquear ou adiar fontes importantes de demanda interna.
O governo da presidente Dilma assiste a tudo passivamente. Há alguns meses, mesmo quando já não acreditava no sucesso de sua política, pelo menos tinha uma posição, quase sempre errada, mas tinha.
Agora parece vacilante. Optou pela estratégia do ajuste, pelo reforço dos fundamentos da economia e pela redistribuição de contas pela sociedade, mas não passa firmeza. Tem saudades da moleza. Falta contundência na defesa de sua nova política.
O noticiário não dá tréguas. A percepção que cresce na sociedade não é apenas de aumento da recessão, mas a de que a economia continua em deterioração.
A última Pesquisa Focus, por meio da qual o Banco Central avalia as projeções de cerca de 100 instituições, aponta para este ano uma evolução negativa do PIB, de 0,42%; um desempenho também negativo da indústria, queda de 0,43%; e inflação acima do teto da meta, de 7,27%.
Ao contrário do que aconteceu no primeiro período Dilma, desta vez a equipe econômica não promete demais. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, assumiu em janeiro garantindo que cumpriria, neste ano, a meta de superávit fiscal (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 1,2% do PIB, o que, em volume, corresponde a cerca de R$ 66,3 bilhões. Mas esse resultado vai sendo ameaçado diariamente pelo imponderável. Os políticos vêm encontrando meios de aumentar as despesas públicas e de evitar a adoção de providências de austeridade. As receitas também não ajudam. Como a perspectiva é de queda praticamente inexorável de crescimento, como se viu, a arrecadação também sofre.
O Banco Central, por sua vez, já desistiu de entregar inflação na meta em 2015. Vem avisando que o realinhamento dos preços administrados (principalmente tarifas de energia elétrica e de transportes urbanos) e o impacto da alta do dólar, especialmente sobre os importados, expandirão a inflação nos próximos meses. Apenas em 2016 voltará a convergir para a meta de 4,5% ao ano, alerta o Banco Central e, ainda assim, sem explicar como chegou a essa conclusão. Mas a dinâmica das coisas não tem compromisso com as intenções das autoridades e, decididamente, não dá para apostar nas previsões do Banco Central.
O nível de incertezas segue elevado. Nenhum empresário sabe se pode ou não contar com suprimento regular de energia elétrica, porque o risco de racionamento continua alto. O mesmo pode-se dizer do fornecimento de água tratada nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio e Espírito Santo.
A Operação Lava Jato já inibiu a atuação das empreiteiras. As revelações estão longe de se completar e sabe-se lá que desdobramentos apresentarão na economia e na política. A Petrobrás já anunciou que vai rever (para baixo) seu plano de negócios e sua crise se estende a seus fornecedores. Em paralelo, a derrubada dos preços do petróleo exigirá revisão do marco regulatório do setor, assunto que permanece na moita. São fatores que tendem a bloquear ou a adiar os investimentos e, portanto, a bloquear ou adiar fontes importantes de demanda interna.
O governo da presidente Dilma assiste a tudo passivamente. Há alguns meses, mesmo quando já não acreditava no sucesso de sua política, pelo menos tinha uma posição, quase sempre errada, mas tinha.
Agora parece vacilante. Optou pela estratégia do ajuste, pelo reforço dos fundamentos da economia e pela redistribuição de contas pela sociedade, mas não passa firmeza. Tem saudades da moleza. Falta contundência na defesa de sua nova política.
Travessia do ano - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 22/02
Passaram-se quase dois meses de 2015, o carnaval já passou, o horário de verão acabou, mas o motor do país não dá sinais de que vai pegar tão cedo. A confiança não melhorou, a indústria teme uma nova recessão, os preços da energia e o racionamento. A agricultura teme a falta de água e a queda de preços externos. As empresas elétricas continuam enroladas na crise.
O BNDES diz que os setores de indústria e de infraestrutura pretendem investir R$ 1,4 trilhão, entre 2015 e 2018. Seria bom acreditar, principalmente na fatia de 2015. O melhor cenário, no entanto, é o país começar 2016 com inflação cadente, melhor situação fiscal e um ânimo maior dos empresários. Os números de intenção de investimento ou de liberações de empréstimos do BNDES parecem sempre tão brilhantes. O problema é que a taxa de investimento nunca reflete os dados do banco.
A indústria não está pedindo muito desta vez. Sabe que não há espaço fiscal. Por isso, o presidente da CNI, Robson Andrade, acha que o governo ajudará bastante se reduzir burocracias. Reclama da enorme papelada para exportar. Como pode o país que está com déficit comercial tornar a vida do exportador burocraticamente complicada? Pior, diz Robson, é a legislação do ICMS, sobre a qual todos os governos legislam. Para ficar em dia com o tributo é preciso um exército de especialistas para entender as mil páginas de regulação.
A agricultura terá que enfrentar a queda dos preços das commodities, mas pelo menos a alta do dólar neutralizará parte das perdas. O que realmente a ameaça é a escassez de água. O setor consome 70% da água do país para a atividade, grande parte em irrigação. A seca pode afetar a produção.
A indústria é a maior consumidora de energia. Reduziu recentemente o consumo relativo, mas num percentual menor do que a queda da sua participação no PIB. O que cresceu foi o consumo comercial e residencial, mas o gráfico abaixo mostra que o setor que enfrentará a restrição será o industrial. Isso, além de ter que pagar quase 60% de alta na tarifa.
Por isso, o economista Fábio Silveira, da GO Associados, não acredita que o ano de ajuste será apenas 2015. Ele acha que em 2016 o país ainda não estará preparado para voltar a crescer fortemente. Adia o bom momento para 2017.
Robson Andrade torce contra essa previsão e alinha os motivos pelos quais a recuperação pode vir mais cedo: câmbio mais favorável, possível elevação da confiança e reformas de simplificação tributária.
Três anos de recessão são um preço alto demais para pagar pelos erros da presidente Dilma no primeiro mandato. Há ainda o complicador da grave crise em que este governo colocou a Petrobras.
A tentativa de inverter o ônus da desordem na empresa, da qual ela foi por tanto tempo presidente do Conselho de Administração, empurrando o problema para o governo FHC, é tão insano que assusta. Revela muito da incapacidade da presidente de administrar as crises política e econômica que se instalaram no país. Se ela não entendeu a dimensão e natureza do ataque à Petrobras, como poderá sanear e proteger a empresa?
O país terá que reverter a crise fiscal, a apatia econômica, com crises de água e energia e a principal empresa do país no meio de um escândalo de corrupção. Será difícil escapar da recessão em 2015, e a presidente precisará ter mais noção da gravidade do momento se quiser salvar o ano de 2016. Acabaram a campanha, a festa da posse, os descansos na praia, o carnaval, o marketing. É hora de governar.
Passaram-se quase dois meses de 2015, o carnaval já passou, o horário de verão acabou, mas o motor do país não dá sinais de que vai pegar tão cedo. A confiança não melhorou, a indústria teme uma nova recessão, os preços da energia e o racionamento. A agricultura teme a falta de água e a queda de preços externos. As empresas elétricas continuam enroladas na crise.
O BNDES diz que os setores de indústria e de infraestrutura pretendem investir R$ 1,4 trilhão, entre 2015 e 2018. Seria bom acreditar, principalmente na fatia de 2015. O melhor cenário, no entanto, é o país começar 2016 com inflação cadente, melhor situação fiscal e um ânimo maior dos empresários. Os números de intenção de investimento ou de liberações de empréstimos do BNDES parecem sempre tão brilhantes. O problema é que a taxa de investimento nunca reflete os dados do banco.
A indústria não está pedindo muito desta vez. Sabe que não há espaço fiscal. Por isso, o presidente da CNI, Robson Andrade, acha que o governo ajudará bastante se reduzir burocracias. Reclama da enorme papelada para exportar. Como pode o país que está com déficit comercial tornar a vida do exportador burocraticamente complicada? Pior, diz Robson, é a legislação do ICMS, sobre a qual todos os governos legislam. Para ficar em dia com o tributo é preciso um exército de especialistas para entender as mil páginas de regulação.
A agricultura terá que enfrentar a queda dos preços das commodities, mas pelo menos a alta do dólar neutralizará parte das perdas. O que realmente a ameaça é a escassez de água. O setor consome 70% da água do país para a atividade, grande parte em irrigação. A seca pode afetar a produção.
A indústria é a maior consumidora de energia. Reduziu recentemente o consumo relativo, mas num percentual menor do que a queda da sua participação no PIB. O que cresceu foi o consumo comercial e residencial, mas o gráfico abaixo mostra que o setor que enfrentará a restrição será o industrial. Isso, além de ter que pagar quase 60% de alta na tarifa.
Por isso, o economista Fábio Silveira, da GO Associados, não acredita que o ano de ajuste será apenas 2015. Ele acha que em 2016 o país ainda não estará preparado para voltar a crescer fortemente. Adia o bom momento para 2017.
Robson Andrade torce contra essa previsão e alinha os motivos pelos quais a recuperação pode vir mais cedo: câmbio mais favorável, possível elevação da confiança e reformas de simplificação tributária.
Três anos de recessão são um preço alto demais para pagar pelos erros da presidente Dilma no primeiro mandato. Há ainda o complicador da grave crise em que este governo colocou a Petrobras.
A tentativa de inverter o ônus da desordem na empresa, da qual ela foi por tanto tempo presidente do Conselho de Administração, empurrando o problema para o governo FHC, é tão insano que assusta. Revela muito da incapacidade da presidente de administrar as crises política e econômica que se instalaram no país. Se ela não entendeu a dimensão e natureza do ataque à Petrobras, como poderá sanear e proteger a empresa?
O país terá que reverter a crise fiscal, a apatia econômica, com crises de água e energia e a principal empresa do país no meio de um escândalo de corrupção. Será difícil escapar da recessão em 2015, e a presidente precisará ter mais noção da gravidade do momento se quiser salvar o ano de 2016. Acabaram a campanha, a festa da posse, os descansos na praia, o carnaval, o marketing. É hora de governar.
Carnaval acaba, país volta a dançar - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 22/02
Após calmaria do feriado, conflito político reacende rápido e governo ainda parece sem rumo
O CALDO ENGROSSA. Ao que parece insatisfeita com a calmaria dos dias de Carnaval, a presidente resolveu reesquentar os tamborins. Acusou o governo FHC de aninhar a corrupção na Petrobras em vez de sufocá-la no berço, com o que a maldita foi crescendo, crescendo e absorvendo, por fim, o governo do PT. De bate-pronto, FHC comparou Dilma Rousseff a um punguista que grita "pega ladrão" a fim de obnubilar o fato de que acabou de bater uma carteira.
A vulgaridade tediosa dessa conversa toda importa menos. Mas fez com que muita gente notasse ou confirmasse que o governo padece de alienação da realidade e que a oposição mesma precisa ser medicada.
Tanto desnorteio pode provocar confusão maior, acentuar a degradação econômica e estimular tumulto na rua.
Muita gente graúda, certa elite econômica, dá obviamente como perdido o crescimento do país em 2015, não há novidade nisso faz tempo. Um censo rápido das preocupações dessas pessoas registra o seguinte:
1) É preciso preservar o essencial do conserto que Joaquim Levy prometeu fazer nas contas do governo; 2) A presidente parece desorientada e com uma "leitura" da realidade desconectada até da comum das pessoas. "Falta comando, equipe, estratégia, visão e inteligência de informações", como diz um empresário num estilo que mistura MBA com Escola Superior de Guerra; 3) Um biênio de estagnação econômica, de limite para benefícios sociais, de acirramento político e "fraqueza das lideranças" pode criar "crise nas ruas", que são "sempre imprevisíveis", seja lá qual for o sentido das ruas; 4) Qual será o próximo aumento de imposto (ou fim de desoneração)? Vai pegar quem?
Pegou muito mal a entrevista de sexta-feira de cinzas da presidente. Notou-se que, em primeiro lugar, Dilma Rousseff atira no próprio pé, pois atribui a roubança da Petrobras a governos passados, o que inclui o de Lula, além de referendar as acusações de um criminoso confesso que acusou o PT de receber parte do furto da estatal. Mais espantoso, para o colunista também, é que a presidente acredite que possa jogar fumaça sobre o rolo da Petrobras lembrando escândalos de governos passados. Não vai iludir ninguém informado. Não é isso que interessa a certa elite relevante.
Goste-se ou não disso, há mais preocupação imediata com o que vai ser feito das crises, como na Petrobras, do que com as culpas políticas ou legais --teme-se tanto o descrédito financeiro do país quanto as demissões, talvez quebras, em cascata, decorrentes da ruína da estatal.
Há temor de tumulto até pior do que o vivido entre junho de 2013 e a Copa de 2014, que abalou comércio e confiança econômica. Causa impressão o caso do Paraná, a revolta que causou o governador reeleito Beto Richa (PSDB) ao anunciar as consequências da sua própria herança maldita (mais impostos e arrocho). Especula-se se tal coisa poderia acontecer no país, quando cair de vez a ficha da recessão.
Há ainda temor de que o efeito da falta d'água e energia piore (piore, pois já faz mal).
O governo passa a impressão de que não apenas não sabe o que fazer dessas e doutras crises como, ainda pior, acredita que tudo se deva a "disputa política", uma ilusão do isolamento.
Após calmaria do feriado, conflito político reacende rápido e governo ainda parece sem rumo
O CALDO ENGROSSA. Ao que parece insatisfeita com a calmaria dos dias de Carnaval, a presidente resolveu reesquentar os tamborins. Acusou o governo FHC de aninhar a corrupção na Petrobras em vez de sufocá-la no berço, com o que a maldita foi crescendo, crescendo e absorvendo, por fim, o governo do PT. De bate-pronto, FHC comparou Dilma Rousseff a um punguista que grita "pega ladrão" a fim de obnubilar o fato de que acabou de bater uma carteira.
A vulgaridade tediosa dessa conversa toda importa menos. Mas fez com que muita gente notasse ou confirmasse que o governo padece de alienação da realidade e que a oposição mesma precisa ser medicada.
Tanto desnorteio pode provocar confusão maior, acentuar a degradação econômica e estimular tumulto na rua.
Muita gente graúda, certa elite econômica, dá obviamente como perdido o crescimento do país em 2015, não há novidade nisso faz tempo. Um censo rápido das preocupações dessas pessoas registra o seguinte:
1) É preciso preservar o essencial do conserto que Joaquim Levy prometeu fazer nas contas do governo; 2) A presidente parece desorientada e com uma "leitura" da realidade desconectada até da comum das pessoas. "Falta comando, equipe, estratégia, visão e inteligência de informações", como diz um empresário num estilo que mistura MBA com Escola Superior de Guerra; 3) Um biênio de estagnação econômica, de limite para benefícios sociais, de acirramento político e "fraqueza das lideranças" pode criar "crise nas ruas", que são "sempre imprevisíveis", seja lá qual for o sentido das ruas; 4) Qual será o próximo aumento de imposto (ou fim de desoneração)? Vai pegar quem?
Pegou muito mal a entrevista de sexta-feira de cinzas da presidente. Notou-se que, em primeiro lugar, Dilma Rousseff atira no próprio pé, pois atribui a roubança da Petrobras a governos passados, o que inclui o de Lula, além de referendar as acusações de um criminoso confesso que acusou o PT de receber parte do furto da estatal. Mais espantoso, para o colunista também, é que a presidente acredite que possa jogar fumaça sobre o rolo da Petrobras lembrando escândalos de governos passados. Não vai iludir ninguém informado. Não é isso que interessa a certa elite relevante.
Goste-se ou não disso, há mais preocupação imediata com o que vai ser feito das crises, como na Petrobras, do que com as culpas políticas ou legais --teme-se tanto o descrédito financeiro do país quanto as demissões, talvez quebras, em cascata, decorrentes da ruína da estatal.
Há temor de tumulto até pior do que o vivido entre junho de 2013 e a Copa de 2014, que abalou comércio e confiança econômica. Causa impressão o caso do Paraná, a revolta que causou o governador reeleito Beto Richa (PSDB) ao anunciar as consequências da sua própria herança maldita (mais impostos e arrocho). Especula-se se tal coisa poderia acontecer no país, quando cair de vez a ficha da recessão.
Há ainda temor de que o efeito da falta d'água e energia piore (piore, pois já faz mal).
O governo passa a impressão de que não apenas não sabe o que fazer dessas e doutras crises como, ainda pior, acredita que tudo se deva a "disputa política", uma ilusão do isolamento.
Me engana que eu gosto - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 22/02
Digamos que sim, a presidente Dilma Rousseff tem razão. Se o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tivesse mandado investigar a Petrobras em 1996, 1997, poderia ter descoberto o esquema de corrupção que o gerente Pedro Barusco montara. E talvez outros gerentes também tivessem seus esquemas.
Mais ainda. Se a denúncia de Paulo Francis, de que diretores da Petrobras tinham contas secretas na Suíça, tivesse sido investigada, talvez se tivesse descoberto antes as roubalheiras na Petrobras. Não houve nenhuma denúncia na época contra Barusco, e Francis não tinha nenhuma prova sobre as contas secretas, mas, vá lá, o governo poderia ter descoberto coisas 20 anos antes do petrolão.
Por esse raciocínio, porém, também o governo petista poderia ter investigado, a partir de 2003, todos esses malfeitos anteriores que o governo tucano havia negligenciado.
Nesse caso, sabemos exatamente o que aconteceria se o governo petista, ao assumir a Presidência da República, tivesse feito uma devassa na Petrobras: não teria sido montado o esquema que hoje conhecemos por petrolão, e que, segundo os depoimentos dos empreiteiros e ex-diretores da Petrobras envolvidos, começou a funcionar no mesmo ano em que o PT chegou lá.
O problema do PT e de seus governantes é que eles falam muito e fazem pouco do que cobram dos adversários. "Fazer concessões no pré-sal é privatizar, é dar a empresas privadas um bilhete premiado", acusou a presidente Dilma diversas vezes, afirmando que a campanha atual visa entregar nossas riquezas aos estrangeiros. É o mesmo mote da CUT na convocação para um protesto a favor da Petrobras, e também a base do documento de alguns intelectuais petistas lançado por esses dias. Só que o governo Lula licitou, utilizando o sistema de concessão, vários blocos do pré-sal sem que houvesse necessidade de fazê-lo. Estava privatizando nossas riquezas? Com relação à privatização da Vale, que os petistas acusam de ter sido vendida a preço de banana, o governo petista teve uma ocasião perfeita para revertê-la em 2007, quando o deputado Ivan Valente, do PSOL, apresentou um projeto nesse sentido que foi analisado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara.
Já contei essa história aqui antes, mas vale a pena repeti-la. O relator do projeto foi o deputado José Guimarães, hoje líder do PT, irmão de José Genoino, aquele mesmo cujo assessor fora apanhado com dólares na cueca num aeroporto na época do mensalão.
O relator petista votou pela rejeição ao Projeto de Lei, alegando que "não há como negar que a mudança das características societárias da Companhia Vale do Rio Doce foi passo fundamental para estabelecer uma estrutura de governança afinada com as exigências do mercado internacional, que possibilitou extraordinária expansão dos negócios e o acesso a meios gerenciais e mecanismos de financiamento que em muito contribuíram para este desempenho e o alcance dessa condição concorrencial privilegiada de hoje".
Segundo o petista, "a privatização levou a Vale a efetuar investimentos numa escala nunca antes atingida pela empresa, (.) o que, naturalmente, se refletiu em elevação da competitividade da empresa no cenário internacional". José Guimarães assinalou que com a privatização a Vale fez seu lucro anual subir de cerca de US$ 500 milhões em 1996 para aproximadamente US$ 12 bilhões em 2006. E o número de empregos gerados pela companhia também aumentou desde a privatização - em 1996 eram 13 mil e em 2006 já superavam mais de 41 mil.
Também a arrecadação tributária da empresa cresceu substancialmente: em 2005, a estatal pagou R$ 2 bilhões em impostos no Brasil, cerca de US$ 800 milhões ao câmbio da época, valor superior em dólares ao próprio lucro da empresa antes da privatização. Todos esses fatos mostram que o que o PT sabe fazer mesmo é luta política, sem se importar com a veracidade do que é dito, nem com as consequências de suas palavras.
Digamos que sim, a presidente Dilma Rousseff tem razão. Se o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tivesse mandado investigar a Petrobras em 1996, 1997, poderia ter descoberto o esquema de corrupção que o gerente Pedro Barusco montara. E talvez outros gerentes também tivessem seus esquemas.
Mais ainda. Se a denúncia de Paulo Francis, de que diretores da Petrobras tinham contas secretas na Suíça, tivesse sido investigada, talvez se tivesse descoberto antes as roubalheiras na Petrobras. Não houve nenhuma denúncia na época contra Barusco, e Francis não tinha nenhuma prova sobre as contas secretas, mas, vá lá, o governo poderia ter descoberto coisas 20 anos antes do petrolão.
Por esse raciocínio, porém, também o governo petista poderia ter investigado, a partir de 2003, todos esses malfeitos anteriores que o governo tucano havia negligenciado.
Nesse caso, sabemos exatamente o que aconteceria se o governo petista, ao assumir a Presidência da República, tivesse feito uma devassa na Petrobras: não teria sido montado o esquema que hoje conhecemos por petrolão, e que, segundo os depoimentos dos empreiteiros e ex-diretores da Petrobras envolvidos, começou a funcionar no mesmo ano em que o PT chegou lá.
O problema do PT e de seus governantes é que eles falam muito e fazem pouco do que cobram dos adversários. "Fazer concessões no pré-sal é privatizar, é dar a empresas privadas um bilhete premiado", acusou a presidente Dilma diversas vezes, afirmando que a campanha atual visa entregar nossas riquezas aos estrangeiros. É o mesmo mote da CUT na convocação para um protesto a favor da Petrobras, e também a base do documento de alguns intelectuais petistas lançado por esses dias. Só que o governo Lula licitou, utilizando o sistema de concessão, vários blocos do pré-sal sem que houvesse necessidade de fazê-lo. Estava privatizando nossas riquezas? Com relação à privatização da Vale, que os petistas acusam de ter sido vendida a preço de banana, o governo petista teve uma ocasião perfeita para revertê-la em 2007, quando o deputado Ivan Valente, do PSOL, apresentou um projeto nesse sentido que foi analisado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara.
Já contei essa história aqui antes, mas vale a pena repeti-la. O relator do projeto foi o deputado José Guimarães, hoje líder do PT, irmão de José Genoino, aquele mesmo cujo assessor fora apanhado com dólares na cueca num aeroporto na época do mensalão.
O relator petista votou pela rejeição ao Projeto de Lei, alegando que "não há como negar que a mudança das características societárias da Companhia Vale do Rio Doce foi passo fundamental para estabelecer uma estrutura de governança afinada com as exigências do mercado internacional, que possibilitou extraordinária expansão dos negócios e o acesso a meios gerenciais e mecanismos de financiamento que em muito contribuíram para este desempenho e o alcance dessa condição concorrencial privilegiada de hoje".
Segundo o petista, "a privatização levou a Vale a efetuar investimentos numa escala nunca antes atingida pela empresa, (.) o que, naturalmente, se refletiu em elevação da competitividade da empresa no cenário internacional". José Guimarães assinalou que com a privatização a Vale fez seu lucro anual subir de cerca de US$ 500 milhões em 1996 para aproximadamente US$ 12 bilhões em 2006. E o número de empregos gerados pela companhia também aumentou desde a privatização - em 1996 eram 13 mil e em 2006 já superavam mais de 41 mil.
Também a arrecadação tributária da empresa cresceu substancialmente: em 2005, a estatal pagou R$ 2 bilhões em impostos no Brasil, cerca de US$ 800 milhões ao câmbio da época, valor superior em dólares ao próprio lucro da empresa antes da privatização. Todos esses fatos mostram que o que o PT sabe fazer mesmo é luta política, sem se importar com a veracidade do que é dito, nem com as consequências de suas palavras.
Cobre do governo, não da mídia - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 22/02
A Receita Federal é a única fonte para dizer se, na lista do HSBC, todos são culpados ou se há inocentes
Transferi ao governo brasileiro a cobrança que o "Financial Times" fez ao governo britânico: "Por que as autoridades do Reino Unido parecem relutantes em formalmente investigar o 'private bank' do HSBC suíço a respeito das alegações de que ele foi proativo ao auxiliar milhares de clientes a esquivar-se do fisco?".
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prometeu falar com a Receita Federal, única instância que pode dizer se há ou não irregularidades nas 5.549 contas de 8.677 clientes brasileiros encontradas na agência de Genebra do HSBC.
Trata-se do vazamento batizado de Swissleak, uma lista entregue por um "hacker", Hervé Falciani, ao ICIJ (sigla em inglês para Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), cujo delegado no Brasil é o jornalista Fernando Rodrigues, blogueiro do UOL.
No total, a lista tem 106 mil clientes de 200 países. França, Bélgica e Argentina, por exemplo, estão investigando os seus nacionais.
O Reino Unido e o Brasil, não.
Quando cobrei José Eduardo Cardozo, ele perguntou se havia indícios de crime, única hipótese que permitiria a seu ministério entrar na investigação.
Respondi que os jornalistas não têm condições de dizer se há ou não alguma irregularidade, por mais que leitores cobrem sistematicamente que Fernando Rodrigues divulgue a lista completa.
Não pode e nem deve fazê-lo porque ter conta no exterior não é crime, desde que devidamente declarada à Receita Federal e desde que tenham sido pagos os impostos correspondentes.
Cabe pois à Receita dizer quem, dos 8.667 brasileiros da lista, está limpo ou não. Sem essa averiguação, divulgar os nomes seria violar a presunção de inocência.
Fernando Rodrigues conta, no seu blog, que, já em setembro, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) recebera uma lista de 342 pessoas, para que pudesse fazer uma averiguação.
Só na quinta-feira (12), o Coaf informou que, das 342 pessoas listadas, 15 já haviam sido alvo de relatórios que indicavam possível atividade criminosa, como corrupção, tráfico de drogas e crimes fiscais.
Mesmo assim, não revelou os nomes desses 15, que mantiveram, entre 2006 e 2007, depósitos no HSBC de Genebra no total de US$ 650 milhões (R$ 1,858 bilhão).
Se e quando Cardozo cobrar da Receita que entre no jogo, é possível que esta responda que não pode fazer nada porque o crime de sonegação prescreve em cinco anos (os depósitos "hackeados" são de 2006 e 2007, há no mínimo oito anos, portanto).
Mas Fernando Rodrigues se antecipa e diz que há outro possível crime (evasão de divisas), que só prescreve depois de 12 anos.
Completa o jornalista: "Como o total de recursos de brasileiros era de US$ 7 bilhões à época, 2006/2007, a recuperação desse dinheiro, ou parte dele, equivaleria ao tamanho do ajuste fiscal que a equipe econômica da presidente Dilma Rousseff pretende implementar no Brasil este ano".
Deveria ter sido motivo suficiente para que o governo reagisse sem precisar ser provocado.
A Receita Federal é a única fonte para dizer se, na lista do HSBC, todos são culpados ou se há inocentes
Transferi ao governo brasileiro a cobrança que o "Financial Times" fez ao governo britânico: "Por que as autoridades do Reino Unido parecem relutantes em formalmente investigar o 'private bank' do HSBC suíço a respeito das alegações de que ele foi proativo ao auxiliar milhares de clientes a esquivar-se do fisco?".
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prometeu falar com a Receita Federal, única instância que pode dizer se há ou não irregularidades nas 5.549 contas de 8.677 clientes brasileiros encontradas na agência de Genebra do HSBC.
Trata-se do vazamento batizado de Swissleak, uma lista entregue por um "hacker", Hervé Falciani, ao ICIJ (sigla em inglês para Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), cujo delegado no Brasil é o jornalista Fernando Rodrigues, blogueiro do UOL.
No total, a lista tem 106 mil clientes de 200 países. França, Bélgica e Argentina, por exemplo, estão investigando os seus nacionais.
O Reino Unido e o Brasil, não.
Quando cobrei José Eduardo Cardozo, ele perguntou se havia indícios de crime, única hipótese que permitiria a seu ministério entrar na investigação.
Respondi que os jornalistas não têm condições de dizer se há ou não alguma irregularidade, por mais que leitores cobrem sistematicamente que Fernando Rodrigues divulgue a lista completa.
Não pode e nem deve fazê-lo porque ter conta no exterior não é crime, desde que devidamente declarada à Receita Federal e desde que tenham sido pagos os impostos correspondentes.
Cabe pois à Receita dizer quem, dos 8.667 brasileiros da lista, está limpo ou não. Sem essa averiguação, divulgar os nomes seria violar a presunção de inocência.
Fernando Rodrigues conta, no seu blog, que, já em setembro, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) recebera uma lista de 342 pessoas, para que pudesse fazer uma averiguação.
Só na quinta-feira (12), o Coaf informou que, das 342 pessoas listadas, 15 já haviam sido alvo de relatórios que indicavam possível atividade criminosa, como corrupção, tráfico de drogas e crimes fiscais.
Mesmo assim, não revelou os nomes desses 15, que mantiveram, entre 2006 e 2007, depósitos no HSBC de Genebra no total de US$ 650 milhões (R$ 1,858 bilhão).
Se e quando Cardozo cobrar da Receita que entre no jogo, é possível que esta responda que não pode fazer nada porque o crime de sonegação prescreve em cinco anos (os depósitos "hackeados" são de 2006 e 2007, há no mínimo oito anos, portanto).
Mas Fernando Rodrigues se antecipa e diz que há outro possível crime (evasão de divisas), que só prescreve depois de 12 anos.
Completa o jornalista: "Como o total de recursos de brasileiros era de US$ 7 bilhões à época, 2006/2007, a recuperação desse dinheiro, ou parte dele, equivaleria ao tamanho do ajuste fiscal que a equipe econômica da presidente Dilma Rousseff pretende implementar no Brasil este ano".
Deveria ter sido motivo suficiente para que o governo reagisse sem precisar ser provocado.
Cuidado com os idos de março - GUSTAVO FRANCO
O GLOBO - 22/02
A expressão acima, como as "águas de março" que se espera sempre ao final do verão, é um antigo presságio. Foi o que Julio César escutou de um vidente, voltando vitorioso da guerra, no apogeu de seu poder. Ouviu novamente quando ia ao Senado, e desdenhou da advertência, conforme narram Seutônio e Plutarco, fontes para a dramatização que Shakespeare fez do episódio.
No velho calendário lunar romano, os idos caíam no dia 15 de março próximo, quando vão acontecer passeatas pelo impedimento ou renúncia de Dilma Rousseff.
A passagem se tornou um clássico sobre o excesso de confiança que impede um líder inseguro, herói ou charlatão, no topo de sua glória, de distinguir a cautela da fraqueza. Os grandes homens sabem da importância do acaso na política, pois tudo pode sempre mudar num golpe do destino. Não há general vitorioso que não possa ser esfaqueado por aliados de boa-fé, três meses depois da reeleição, por motivos vagos, traições imaginárias ou mal-entendidos.
Julio César percebeu traidores e conspirações por toda a sua volta, como Dilma Rousseff, que foi presidente do conselho de administração da Petrobrás durante todos esses eventos horríveis de que se fala a todo momento. Ela estava muito mais perto disso tudo do que Lula do "mensalão" e, ao que tudo indica, tudo era uma coisa só, imensa, com diversos personagens em comum. São dezenas de caracteres secundários, operadores, agentes políticos, executivos, facilitadores, lobistas, doleiros, qualquer um deles, ou muitos, poderiam participar da conspiração. Teriam sido mais de 60 os conspiradores, uma bancada inteira, e exatos 23 a esfaquear César, segundo os registros.
Quantas punhaladas virão das delações premiadas de teor ainda desconhecido?
Não há acordo entre os biógrafos se César ia mesmo derrubar a República e deixar-se proclamar imperador em 44 A.C. Nem se Dilma Rousseff tirou proveito direto do oceano de dinheiro desviado da Petrobrás, ou se sua campanha foi mesmo alimentada por dinheiro de corrupção. O fio da dúvida tece muitas histórias, cada qual põe uma engrenagem em movimento, é fácil perder o controle da situação.
Num contexto semelhante, o presidente Collor procurou segregar a economia da crise política ao substituir Zélia Cardoso de Melo por Marcílio Marques Moreira. Parecendo mirar-se no exemplo, Dilma livrou-se da sua Zélia mesmo antes de reeleger-se e também nomeou uma espécie de embaixador com missões semelhantes: resolver as bombas deixadas por invencionices anteriores, recompor o relacionamento com os mercados (e com o bom senso) e evitar que a economia venha a aumentar as dores de cabeça do Palácio.
O novo ministro precisará da colaboração do acaso (de São Pedro, para ser mais específico), e também dos bons ofícios de outras santidades e orixás brasilienses, com os quais poderá ter mais sucesso fazendo algumas oferendas. Seus primeiros movimentos revelaram muito cálculo: um pequeno pacote que lhe garante quase metade da meta estabelecida, o restante da qual facilmente alcançável mediante controle de caixa (o chamado "contingenciamento"), mesmo com a aprovação do "orçamento impositivo".
Sobre este último, vale lembrar que a matéria aprovada não condiz com este título vistoso, pois passa a ser impositiva apenas a execução das emendas parlamentares individuais e mesmo assim, com os descontos contidos no próprio dispositivo é muito provável que o valor executado de emendas fique na sua média histórica na faixa de 0,4% da Receita Corrente Líquida (RCL). É como se fosse uma "verba de gabinete" constitucionalmente assegurada, o direito de gastar algo na faixa de R$ 10 milhões em obras onde quer que o parlamentar julgue importante.
A batalha de política fiscal terá ainda vários lances, pois é tido e sabido que a meta de superávit primário de 1,2% do PIB fixada por Joaquim Levy é para lá de modesta: de 1999 a 2008 esteve em cerca de 3% do PIB em média. Foi um lance inteligente fixar uma meta dentro da zona de conforto.
A separação dos assuntos econômicos dos políticos ia funcionando muito bem, até que a Presidente nomeou um homem do partido para o comando da Petrobrás, e assim, a empresa foi arrastada de volta para o torvelinho dos temas "políticos", péssima providência.
Há, de fato, dois enredos na Petrobrás, não necessariamente descorrelacionados: um de má gestão, numa extensão impensável, talvez sistêmica, outro de roubalheira. A desproporção de valores é flagrante: a incompetência é imensamente mais cara que a corrupção, daí a insensatez em deixar uma coisa misturar-se com a outra.
A companhia perdeu US$ 160 bilhões em valor, uma catástrofe, em razão principalmente da mudança de preço de petróleo, do modelo de exploração do pré-sal, dos níveis insanos de investimento a que se obrigou a companhia e da repressão aos preços de derivados. Foi uma trapalhada histórica em matéria de gestão a ponto de despertar a atenção de Aswath Damodaran, da Universidade de Nova York, talvez o mais conhecido dentre os professores de escolas de negócios americanas, uma espécie de guru internacional no tema de estratégia e avaliação de empresas.
Não vale aqui detalhar a análise de Damodaran sobre o que descreveu como "a calamidade" que se abateu sobre a Petrobrás, mas apenas registrar que a má gestão - uma conduta totalmente reversível (e não necessariamente criminosa, pois pode ser apenas uma variedade de burrice que nasce de proposições ideológicas) - é responsável pela maior parte do prejuízo. Novas bases para a gestão e a para orientação estratégica (e ele faz diversas recomendações óbvias e interessantes) fariam a empresa recuperar vários bilhões em valor em pouco tempo, o que transformaria o dinheiro da corrupção em café pequeno e ajudaria, inclusive, a negociação de indenizações.
Mas, em vez de prestar atenção no que diz o guru, tal como César, Dilma rejeita a cautela e o bom senso, e mantém a empresa na mesma senda que a levou ao buraco. Trazer Joaquim Levy foi um grande progresso, mas manter a Petrobrás sob a órbita do PT foi uma maneira de estabelecer os limites. Se foi a proverbial teimosia ideológica, tanto pior, mas se não havia alternativa, então é para nos preocuparmos de verdade com os idos, que podem ser de maio, julho e outubro, ou dos outros meses, quando cai no dia 13.
A expressão acima, como as "águas de março" que se espera sempre ao final do verão, é um antigo presságio. Foi o que Julio César escutou de um vidente, voltando vitorioso da guerra, no apogeu de seu poder. Ouviu novamente quando ia ao Senado, e desdenhou da advertência, conforme narram Seutônio e Plutarco, fontes para a dramatização que Shakespeare fez do episódio.
No velho calendário lunar romano, os idos caíam no dia 15 de março próximo, quando vão acontecer passeatas pelo impedimento ou renúncia de Dilma Rousseff.
A passagem se tornou um clássico sobre o excesso de confiança que impede um líder inseguro, herói ou charlatão, no topo de sua glória, de distinguir a cautela da fraqueza. Os grandes homens sabem da importância do acaso na política, pois tudo pode sempre mudar num golpe do destino. Não há general vitorioso que não possa ser esfaqueado por aliados de boa-fé, três meses depois da reeleição, por motivos vagos, traições imaginárias ou mal-entendidos.
Julio César percebeu traidores e conspirações por toda a sua volta, como Dilma Rousseff, que foi presidente do conselho de administração da Petrobrás durante todos esses eventos horríveis de que se fala a todo momento. Ela estava muito mais perto disso tudo do que Lula do "mensalão" e, ao que tudo indica, tudo era uma coisa só, imensa, com diversos personagens em comum. São dezenas de caracteres secundários, operadores, agentes políticos, executivos, facilitadores, lobistas, doleiros, qualquer um deles, ou muitos, poderiam participar da conspiração. Teriam sido mais de 60 os conspiradores, uma bancada inteira, e exatos 23 a esfaquear César, segundo os registros.
Quantas punhaladas virão das delações premiadas de teor ainda desconhecido?
Não há acordo entre os biógrafos se César ia mesmo derrubar a República e deixar-se proclamar imperador em 44 A.C. Nem se Dilma Rousseff tirou proveito direto do oceano de dinheiro desviado da Petrobrás, ou se sua campanha foi mesmo alimentada por dinheiro de corrupção. O fio da dúvida tece muitas histórias, cada qual põe uma engrenagem em movimento, é fácil perder o controle da situação.
Num contexto semelhante, o presidente Collor procurou segregar a economia da crise política ao substituir Zélia Cardoso de Melo por Marcílio Marques Moreira. Parecendo mirar-se no exemplo, Dilma livrou-se da sua Zélia mesmo antes de reeleger-se e também nomeou uma espécie de embaixador com missões semelhantes: resolver as bombas deixadas por invencionices anteriores, recompor o relacionamento com os mercados (e com o bom senso) e evitar que a economia venha a aumentar as dores de cabeça do Palácio.
O novo ministro precisará da colaboração do acaso (de São Pedro, para ser mais específico), e também dos bons ofícios de outras santidades e orixás brasilienses, com os quais poderá ter mais sucesso fazendo algumas oferendas. Seus primeiros movimentos revelaram muito cálculo: um pequeno pacote que lhe garante quase metade da meta estabelecida, o restante da qual facilmente alcançável mediante controle de caixa (o chamado "contingenciamento"), mesmo com a aprovação do "orçamento impositivo".
Sobre este último, vale lembrar que a matéria aprovada não condiz com este título vistoso, pois passa a ser impositiva apenas a execução das emendas parlamentares individuais e mesmo assim, com os descontos contidos no próprio dispositivo é muito provável que o valor executado de emendas fique na sua média histórica na faixa de 0,4% da Receita Corrente Líquida (RCL). É como se fosse uma "verba de gabinete" constitucionalmente assegurada, o direito de gastar algo na faixa de R$ 10 milhões em obras onde quer que o parlamentar julgue importante.
A batalha de política fiscal terá ainda vários lances, pois é tido e sabido que a meta de superávit primário de 1,2% do PIB fixada por Joaquim Levy é para lá de modesta: de 1999 a 2008 esteve em cerca de 3% do PIB em média. Foi um lance inteligente fixar uma meta dentro da zona de conforto.
A separação dos assuntos econômicos dos políticos ia funcionando muito bem, até que a Presidente nomeou um homem do partido para o comando da Petrobrás, e assim, a empresa foi arrastada de volta para o torvelinho dos temas "políticos", péssima providência.
Há, de fato, dois enredos na Petrobrás, não necessariamente descorrelacionados: um de má gestão, numa extensão impensável, talvez sistêmica, outro de roubalheira. A desproporção de valores é flagrante: a incompetência é imensamente mais cara que a corrupção, daí a insensatez em deixar uma coisa misturar-se com a outra.
A companhia perdeu US$ 160 bilhões em valor, uma catástrofe, em razão principalmente da mudança de preço de petróleo, do modelo de exploração do pré-sal, dos níveis insanos de investimento a que se obrigou a companhia e da repressão aos preços de derivados. Foi uma trapalhada histórica em matéria de gestão a ponto de despertar a atenção de Aswath Damodaran, da Universidade de Nova York, talvez o mais conhecido dentre os professores de escolas de negócios americanas, uma espécie de guru internacional no tema de estratégia e avaliação de empresas.
Não vale aqui detalhar a análise de Damodaran sobre o que descreveu como "a calamidade" que se abateu sobre a Petrobrás, mas apenas registrar que a má gestão - uma conduta totalmente reversível (e não necessariamente criminosa, pois pode ser apenas uma variedade de burrice que nasce de proposições ideológicas) - é responsável pela maior parte do prejuízo. Novas bases para a gestão e a para orientação estratégica (e ele faz diversas recomendações óbvias e interessantes) fariam a empresa recuperar vários bilhões em valor em pouco tempo, o que transformaria o dinheiro da corrupção em café pequeno e ajudaria, inclusive, a negociação de indenizações.
Mas, em vez de prestar atenção no que diz o guru, tal como César, Dilma rejeita a cautela e o bom senso, e mantém a empresa na mesma senda que a levou ao buraco. Trazer Joaquim Levy foi um grande progresso, mas manter a Petrobrás sob a órbita do PT foi uma maneira de estabelecer os limites. Se foi a proverbial teimosia ideológica, tanto pior, mas se não havia alternativa, então é para nos preocuparmos de verdade com os idos, que podem ser de maio, julho e outubro, ou dos outros meses, quando cai no dia 13.
Para reconstruir a Petrobrás - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
O Estado de S. Paulo - 22/02
A Petrobrás, como se sabe, vive uma crise extraordinariamente profunda, que vai muito além "de um mal comportamento de alguns de seus funcionários em conluio com um cartel de fornecedores".
A destruição de valor na empresa é uma das maiores registradas na história das corporações, como apontou A. Damodaran, da Stern School of Business da New York University, numa nota do dia 10 deste mês. De fato, "o auge do valor de mercado da companhia foi em 2010, quando, após uma bem-sucedida capitalização de US$ 73 bilhões, a Petro chegou a valer US$ 244 bilhões. De lá até este mês, a empresa conseguiu perder um pouco mais de US$ 200 bilhões. Embora parte desta perda se deva à queda dos preços de petróleo, especialmente após setembro de 2014, a companhia já havia destruído, naquela data, mais de US$ 160 bilhões" (minha tradução). Um espanto!
A crise da Petrobrás exige uma resposta simultânea e competente em três áreas bem diferentes:
a) Retomar a normalidade financeira, o que só acontecerá depois da elaboração de um balanço auditado, precedido também por negociações com os reguladores brasileiros e americanos. Um balanço dessa natureza só ocorrerá a partir da estimativa do valor de correção nos ativos (teste de "impairment"). Essa correção não destacará, por impossibilidade absoluta, o que se deve à corrupção ou a causas econômicas, embora se saiba que a primeira é muito importante neste caso.
A partir daí, será possível reequacionar o fluxo de caixa e de pagamentos, severamente afetados pela paralisia quase total da companhia. Com isso, o relacionamento com fornecedores poderá se normalizar e algumas quebras de empresas poderão ser evitadas.
Entretanto, é preciso ter presente que, mesmo no melhor cenário, a empresa será menor financeiramente e que muitos fornecedores remanescerão com grandes dificuldades de crédito, encolhendo pela venda de ativos e enfrentando ações judiciais. Os fornecedores industriais também deverão perder muito, uma vez que vários deles já estão em recuperação judicial. Muitos fornecedores pequenos irão sair do negócio.
A destruição de valor na Petrobrás, como não podia deixar de ser, está reverberando fortemente na cadeia de suprimentos, grandes e pequenos, industriais ou produtores de serviços. Neste segmento, o risco e as incertezas se elevaram muito e, em consequência, o aperto de crédito vai ser grande. Não me parece que nas condições atuais os bancos oficiais poderão aliviar muito este quadro.
Ainda com relação à área financeira, e mostrando quão difícil é a fase pela qual passa a companhia, a forte desvalorização do real destes dias volta a apertar o fluxo de caixa da Petrobrás. Isto porque a grande queda no preço de importação da gasolina não foi repassada ao consumidor. Como calculou Adriano Pires, a empresa passou a ter uma margem positiva da ordem de 60%, ou algo como R$ 4 bilhões por mês. A recente desvalorização do real, que encarece a importação, reduziu a margem a um terço daquela do início do ano.
b) É necessário, simultaneamente, rever o modelo de negócios e refazer o plano de investimentos de 2015/2018. Este último, claramente, tem de ser reduzido no seu escopo.
Aliás, como não existe vácuo, as coisas vão andando. Por exemplo, cansada de esperar por negociações, a Braskem anunciou que desistiu do investimento no Comperj, o qual, contrariando o próprio nome, deixa de ser um polo petroquímico. Isto é bom para a companhia e para o setor, ou não?
Além disso, é evidente que a cláusula de conteúdo nacional tem de ser aliviada, por ter se tornado algo impraticável como está hoje. Basta pensar no seguinte: um navio sonda (FPSO), antes da queda do petróleo, tinha um preço internacional de US$ 900 milhões, aproximadamente. Com os custos locais mais elevados, as sondas da Petrobrás contratadas, por exemplo, com a Sete Brasil, tinham custos da ordem de US$ 1,1-1,2 bilhão. Hoje, com a queda do mercado, é possível adquirir o mesmo equipamento por US$ 600 milhões. Uma empresa debilitada e endividada não tem como bancar tal diferença.
Finalmente, será necessário algum mecanismo de alívio na atual Lei de Partilha, que obriga a Petrobrás a ser operadora em todos os campos do pré-sal, com a participação de pelo menos 30%. Não há mais dinheiro possível para toda essa ambição. A ex-presidente Graça Foster já havia começado a trabalhar nessa direção.
c) A questão da governança. Não basta criar o cargo de Diretor de Governança, é preciso mudar o modelo corporativo, as regras detalhadas, a cultura da organização e dar condições para que as determinações sejam de fato seguidas ("compliance"). No fundo, trata-se de evitar que um ou mais partidos políticos dominem a organização e imponham seus interesses acima dos interesses da companhia e de seus acionistas.
A reconstrução da Petrobrás vai ser uma tarefa longa e árdua. Por isso, vi com grande apreensão a notícia de que a Moodys vai reavaliar o rating da Petrobrás até o final do mês.
As três áreas acima mencionadas têm de ser enfrentadas simultaneamente. O Brasil terá de decidir se quer uma empresa estatal nos moldes da Statoil norueguesa ou da PDVSA venezuelana ou da companhia mexicana. Essa é a tarefa que deverá enfrentar o novo presidente da Petrobrás.
Argentina. A "compreensão" do Brasil com a Argentina chegou a seu ponto máximo. A sra. Cristina Kirchner foi até a China e assinou um grande acordo bilateral, sem dar a menor atenção ao Brasil. Dá a impressão de que soubemos do evento pelos jornais. Vários analistas daquele país calculam que as reservas líquidas do Banco Central são hoje da ordem de US$ 16 bilhões, totalmente insuficientes para as necessidades mínimas da Argentina. Daí porque a tentativa bastante aflita de levantar financiamento chinês. O Mercosul, que já estava profundamente enfraquecido, vive um momento melancólico.
A Petrobrás, como se sabe, vive uma crise extraordinariamente profunda, que vai muito além "de um mal comportamento de alguns de seus funcionários em conluio com um cartel de fornecedores".
A destruição de valor na empresa é uma das maiores registradas na história das corporações, como apontou A. Damodaran, da Stern School of Business da New York University, numa nota do dia 10 deste mês. De fato, "o auge do valor de mercado da companhia foi em 2010, quando, após uma bem-sucedida capitalização de US$ 73 bilhões, a Petro chegou a valer US$ 244 bilhões. De lá até este mês, a empresa conseguiu perder um pouco mais de US$ 200 bilhões. Embora parte desta perda se deva à queda dos preços de petróleo, especialmente após setembro de 2014, a companhia já havia destruído, naquela data, mais de US$ 160 bilhões" (minha tradução). Um espanto!
A crise da Petrobrás exige uma resposta simultânea e competente em três áreas bem diferentes:
a) Retomar a normalidade financeira, o que só acontecerá depois da elaboração de um balanço auditado, precedido também por negociações com os reguladores brasileiros e americanos. Um balanço dessa natureza só ocorrerá a partir da estimativa do valor de correção nos ativos (teste de "impairment"). Essa correção não destacará, por impossibilidade absoluta, o que se deve à corrupção ou a causas econômicas, embora se saiba que a primeira é muito importante neste caso.
A partir daí, será possível reequacionar o fluxo de caixa e de pagamentos, severamente afetados pela paralisia quase total da companhia. Com isso, o relacionamento com fornecedores poderá se normalizar e algumas quebras de empresas poderão ser evitadas.
Entretanto, é preciso ter presente que, mesmo no melhor cenário, a empresa será menor financeiramente e que muitos fornecedores remanescerão com grandes dificuldades de crédito, encolhendo pela venda de ativos e enfrentando ações judiciais. Os fornecedores industriais também deverão perder muito, uma vez que vários deles já estão em recuperação judicial. Muitos fornecedores pequenos irão sair do negócio.
A destruição de valor na Petrobrás, como não podia deixar de ser, está reverberando fortemente na cadeia de suprimentos, grandes e pequenos, industriais ou produtores de serviços. Neste segmento, o risco e as incertezas se elevaram muito e, em consequência, o aperto de crédito vai ser grande. Não me parece que nas condições atuais os bancos oficiais poderão aliviar muito este quadro.
Ainda com relação à área financeira, e mostrando quão difícil é a fase pela qual passa a companhia, a forte desvalorização do real destes dias volta a apertar o fluxo de caixa da Petrobrás. Isto porque a grande queda no preço de importação da gasolina não foi repassada ao consumidor. Como calculou Adriano Pires, a empresa passou a ter uma margem positiva da ordem de 60%, ou algo como R$ 4 bilhões por mês. A recente desvalorização do real, que encarece a importação, reduziu a margem a um terço daquela do início do ano.
b) É necessário, simultaneamente, rever o modelo de negócios e refazer o plano de investimentos de 2015/2018. Este último, claramente, tem de ser reduzido no seu escopo.
Aliás, como não existe vácuo, as coisas vão andando. Por exemplo, cansada de esperar por negociações, a Braskem anunciou que desistiu do investimento no Comperj, o qual, contrariando o próprio nome, deixa de ser um polo petroquímico. Isto é bom para a companhia e para o setor, ou não?
Além disso, é evidente que a cláusula de conteúdo nacional tem de ser aliviada, por ter se tornado algo impraticável como está hoje. Basta pensar no seguinte: um navio sonda (FPSO), antes da queda do petróleo, tinha um preço internacional de US$ 900 milhões, aproximadamente. Com os custos locais mais elevados, as sondas da Petrobrás contratadas, por exemplo, com a Sete Brasil, tinham custos da ordem de US$ 1,1-1,2 bilhão. Hoje, com a queda do mercado, é possível adquirir o mesmo equipamento por US$ 600 milhões. Uma empresa debilitada e endividada não tem como bancar tal diferença.
Finalmente, será necessário algum mecanismo de alívio na atual Lei de Partilha, que obriga a Petrobrás a ser operadora em todos os campos do pré-sal, com a participação de pelo menos 30%. Não há mais dinheiro possível para toda essa ambição. A ex-presidente Graça Foster já havia começado a trabalhar nessa direção.
c) A questão da governança. Não basta criar o cargo de Diretor de Governança, é preciso mudar o modelo corporativo, as regras detalhadas, a cultura da organização e dar condições para que as determinações sejam de fato seguidas ("compliance"). No fundo, trata-se de evitar que um ou mais partidos políticos dominem a organização e imponham seus interesses acima dos interesses da companhia e de seus acionistas.
A reconstrução da Petrobrás vai ser uma tarefa longa e árdua. Por isso, vi com grande apreensão a notícia de que a Moodys vai reavaliar o rating da Petrobrás até o final do mês.
As três áreas acima mencionadas têm de ser enfrentadas simultaneamente. O Brasil terá de decidir se quer uma empresa estatal nos moldes da Statoil norueguesa ou da PDVSA venezuelana ou da companhia mexicana. Essa é a tarefa que deverá enfrentar o novo presidente da Petrobrás.
Argentina. A "compreensão" do Brasil com a Argentina chegou a seu ponto máximo. A sra. Cristina Kirchner foi até a China e assinou um grande acordo bilateral, sem dar a menor atenção ao Brasil. Dá a impressão de que soubemos do evento pelos jornais. Vários analistas daquele país calculam que as reservas líquidas do Banco Central são hoje da ordem de US$ 16 bilhões, totalmente insuficientes para as necessidades mínimas da Argentina. Daí porque a tentativa bastante aflita de levantar financiamento chinês. O Mercosul, que já estava profundamente enfraquecido, vive um momento melancólico.
Quem pariu Mateus... - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 22/02
Posto assim contra a parede, o PT recorre à prática de sempre: apresenta-se como vítima de uma conspiração
Nas últimas eleições para a presidência da República, votei em Aécio e estava certo de que Dilma Rousseff seria derrotada. Mas ela ganhou. Meu consolo foi verificar que ganhou por pouco mais de 3% dos votos.
De qualquer modo, seria melhor que ela tivesse perdido, pensava comigo mesmo, até que me dei conta de que a coisa não era tão simples assim. Ao considerar a quantidade de problemas que ela teria de enfrentar, avaliei melhor a situação --conforme escrevi aqui-- e concluí que ela havia deixado, para si mesma, uma verdadeira herança maldita.
E é o que está se vendo. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que ela nomeou para tentar evitar que o barco afundasse, pensa o contrário dela e considera um erro a política econômica por ela imposta ao país.
Por isso mesmo, preparou uma medida provisória, enviada ao Congresso, que atinge algumas conquistas dos trabalhadores --como o salário desemprego, pensão e auxílio-doença. Mal a proposta chegou à Câmara de Deputados e as centrais sindicais se mobilizaram para impedir sua aprovação. E não só elas --que representam grande parte do eleitorado petista-- mas também parlamentares da base do governo e até do PT.
Já pensou no que vai dar isso? Se medidas dessa natureza não contam com o apoio dos trabalhadores e da base parlamentar governista, a situação econômica do país caminhará para um ponto crítico, cujas consequências políticas para o governo serão inevitáveis.
Isso sem falar na Operação Lava Jato, cujas denúncias se multiplicam, envolvendo gente da cúpula petista, como é o caso de João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, que teria recebido, das mãos do denunciante, milhões de dólares em propina.
Trata-se de um fato tão grave que o próprio Lula se viu obrigado, na festa de aniversário do partido, a elogiá-lo e aplaudi-lo. Uma farsa, claro, mas também a única alternativa, pois se ficasse calado estaria admitindo como verdadeira a acusação, o que não se pode esperar de nenhum petista, muito menos de Lula, que aprendeu com o mensalão.
Tomado de surpresa, ao saber da denúncia, se disse traído para, depois, afirmar que o julgamento do Supremo Tribunal Federal foi 80% político, muito embora ele e Dilma tivessem nomeado nove dos 11 ministros que julgaram o processo.
Sucede que a situação, agora, é outra, não só porque os escândalos se multiplicam como suas consequências atingem a Petrobras, comprometendo seus investimentos e suas obras, de tal modo que a desmoralizaram, como empresa, no âmbito internacional.
É impossível avaliar em que vai dar tudo isso mas, certamente, em boa coisa não será. Para piorar, os trabalhadores de diferentes setores da estatal começam a manifestar publicamente seu descontentamento com os escândalos e o atraso de seus salários.
Certamente, devem se lembrar dos discursos de Lula e Dilma, afirmando que defendiam a Petrobras de seus inimigos, os tucanos, que queriam privatizá-la. Na verdade, quem a "privatizou" foram eles, que a usaram para enriquecer seu partido e se manter no poder.
Postos assim contra a parede, recorrem à prática de sempre: apresentam-se como vítimas de uma conspiração. Rui Falcão, presidente do PT, não teve a coragem de afirmar que a convocação de Vaccari pela comissão que apura os crimes da Lava Jato foi resultado de uma manobra para estragar a festa de aniversário do PT?! Como se alguém estivesse preocupado com semelhante efeméride!
Mas essa é a tática de sempre: quando alguém mostra que o PT pisou na bola, o faz porque está a serviço da elite, inimiga do partido defensor dos pobres e, assim, o petista corrupto passa a ser herói nacional, como José Dirceu e Genoino.
Enquanto isso, Lula e Dilma abrem os cofres do BNDES para dar dinheiro público aos empresários amigos e entregam a Petrobras à sanha das empreiteiras.
É razão suficiente para Aécio dizer: "Ainda bem que perdi as eleições." Com toda a razão. Já imaginou a campanha que Lula e sua turma estariam fazendo contra ele, quando tomasse as medidas que teria de tomar para recuperar a economia que Dilma afundou?
Melhor que ela arque com as consequências de seus equívocos. Quem pariu Mateus que o embale.
Posto assim contra a parede, o PT recorre à prática de sempre: apresenta-se como vítima de uma conspiração
Nas últimas eleições para a presidência da República, votei em Aécio e estava certo de que Dilma Rousseff seria derrotada. Mas ela ganhou. Meu consolo foi verificar que ganhou por pouco mais de 3% dos votos.
De qualquer modo, seria melhor que ela tivesse perdido, pensava comigo mesmo, até que me dei conta de que a coisa não era tão simples assim. Ao considerar a quantidade de problemas que ela teria de enfrentar, avaliei melhor a situação --conforme escrevi aqui-- e concluí que ela havia deixado, para si mesma, uma verdadeira herança maldita.
E é o que está se vendo. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que ela nomeou para tentar evitar que o barco afundasse, pensa o contrário dela e considera um erro a política econômica por ela imposta ao país.
Por isso mesmo, preparou uma medida provisória, enviada ao Congresso, que atinge algumas conquistas dos trabalhadores --como o salário desemprego, pensão e auxílio-doença. Mal a proposta chegou à Câmara de Deputados e as centrais sindicais se mobilizaram para impedir sua aprovação. E não só elas --que representam grande parte do eleitorado petista-- mas também parlamentares da base do governo e até do PT.
Já pensou no que vai dar isso? Se medidas dessa natureza não contam com o apoio dos trabalhadores e da base parlamentar governista, a situação econômica do país caminhará para um ponto crítico, cujas consequências políticas para o governo serão inevitáveis.
Isso sem falar na Operação Lava Jato, cujas denúncias se multiplicam, envolvendo gente da cúpula petista, como é o caso de João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, que teria recebido, das mãos do denunciante, milhões de dólares em propina.
Trata-se de um fato tão grave que o próprio Lula se viu obrigado, na festa de aniversário do partido, a elogiá-lo e aplaudi-lo. Uma farsa, claro, mas também a única alternativa, pois se ficasse calado estaria admitindo como verdadeira a acusação, o que não se pode esperar de nenhum petista, muito menos de Lula, que aprendeu com o mensalão.
Tomado de surpresa, ao saber da denúncia, se disse traído para, depois, afirmar que o julgamento do Supremo Tribunal Federal foi 80% político, muito embora ele e Dilma tivessem nomeado nove dos 11 ministros que julgaram o processo.
Sucede que a situação, agora, é outra, não só porque os escândalos se multiplicam como suas consequências atingem a Petrobras, comprometendo seus investimentos e suas obras, de tal modo que a desmoralizaram, como empresa, no âmbito internacional.
É impossível avaliar em que vai dar tudo isso mas, certamente, em boa coisa não será. Para piorar, os trabalhadores de diferentes setores da estatal começam a manifestar publicamente seu descontentamento com os escândalos e o atraso de seus salários.
Certamente, devem se lembrar dos discursos de Lula e Dilma, afirmando que defendiam a Petrobras de seus inimigos, os tucanos, que queriam privatizá-la. Na verdade, quem a "privatizou" foram eles, que a usaram para enriquecer seu partido e se manter no poder.
Postos assim contra a parede, recorrem à prática de sempre: apresentam-se como vítimas de uma conspiração. Rui Falcão, presidente do PT, não teve a coragem de afirmar que a convocação de Vaccari pela comissão que apura os crimes da Lava Jato foi resultado de uma manobra para estragar a festa de aniversário do PT?! Como se alguém estivesse preocupado com semelhante efeméride!
Mas essa é a tática de sempre: quando alguém mostra que o PT pisou na bola, o faz porque está a serviço da elite, inimiga do partido defensor dos pobres e, assim, o petista corrupto passa a ser herói nacional, como José Dirceu e Genoino.
Enquanto isso, Lula e Dilma abrem os cofres do BNDES para dar dinheiro público aos empresários amigos e entregam a Petrobras à sanha das empreiteiras.
É razão suficiente para Aécio dizer: "Ainda bem que perdi as eleições." Com toda a razão. Já imaginou a campanha que Lula e sua turma estariam fazendo contra ele, quando tomasse as medidas que teria de tomar para recuperar a economia que Dilma afundou?
Melhor que ela arque com as consequências de seus equívocos. Quem pariu Mateus que o embale.
O impedimento da presidente - SACHA CALMON
CORREIO BRAZILIENSE - 22/02
No regime parlamentarista, praticado na Europa e em países da Ásia como o Japão, as crises políticas e a destituição de governos ineptos ou corruptos dá-se com presteza. Nos regimes presidencialistas, a rigidez dos mandatos a prazo certo obriga os povos a suportá-los. As eleições também diferem. No parlamentarismo, os governos caem e são formados rapidamente, seja porque o gabinete foi dissolvido (o 1º ministro e seu ministério), seja em razão da dissolução do Parlamento.
Nesse caso, eleições são imediatamente convocadas, exigindo partidos definidos e correntes de opinião em sintonia com o momento político da nação. Assim, o povo é continuamente convocado para arbitrar o confronto político e definir os rumos do governo. No presidencialismo, as eleições são caríssimas, espaçadas, demoradas, permitindo a manipulação dos eleitores com propagandas insinceras e falaciosas, à falta de partidos e ideias nitidamente diferenciadas.
O presidencialismo vingou apenas nos EUA e, por imitação, na América Latina, região em que as oligarquias, salvo exceções, transformaram os presidentes em caudilhos ou demagogos autoritários, com alto grau de irresponsabilidade política, como estamos a ver na Venezuela, na Argentina e no Brasil.
Nos EUA, foram ideados o recall para destituir membros do Legislativo e juízes eleitos e o impeachment para chefes do Executivo. No caso Nixon, houve a ameaça de processo dessa ordem, mas a renúncia frustrou-o. O recall tem sido usado com parcimônia. Nos EUA, o assassinato político de presidentes e aspirantes tem se mostrado mais eficaz (cinco casos).
No Brasil, em quadra especialíssima de nossa história, tivemos um impedimento presidencial em razão da base política minúscula de Collor no Congresso Nacional. É processo demorado e complexo. Inicia-se com a autorização de 2/3 dos deputados federais para processar o mandatário. A presidente Dilma, por mais inepta que seja e na hipótese de aparecer envolvida com a corrupção dos governos do PT, mesmo assim, dificilmente teria tamanha aversão no Congresso Nacional, a menos que o PMDB, a um passo do poder na segunda metade do mandato, quando o vice-presidente assume o governo, resolvesse impedi-la, levando de roldão a base governista e a oposição, menos o PT.
Outra hipótese seria o PT de Lula articular-se com o PMDB para impedir a presidente, já na primeira etapa do mandato quando novas eleições seriam convocadas (Lula seria o candidato), o que nos parece impensável. Estou a escrever sobre o tema, pois o impeachment está na boca do povo e nas redes sociais. Dilma Rousseff levou o país ao desastre econômico e financeiro. O escândalo da Petrobras está levando a sociedade à exasperação política.
A Presidência da República está longe da irresponsabilidade monárquica (the king do not wrong). No presidencialismo, o mandatário supremo é responsável perante os cidadãoseleitores. Reza a Constituição da República: "Art. 102. Compete ao supremo tribunal Federal ((...) I - processar e julgar, originariamente: b) nas infrações penais comuns, o presidente da República (...)". À sua vez compete à Câmara dos Deputados no art. 51 da Carta, inciso I: "autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o presidente e o vice-presidente da República e os ministros de Estado".
Finalmente, ao Senado Federal é incumbido, pela nossa Constituição no art. 52, I: "processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles (...)".
Agora se compreende a razão de Dilma imiscuir-se nas eleições para a presidência da Câmara e do Senado, vitais para a sua permanência no poder, de resto, um dos motivos para o impedimento presidencial. É a pressão das ruas diante de governos insuportáveis, por inépcia, por corrupção ou as duas coisas juntas, que induz o impeachment. Segundo pesquisas, 44% do povo brasileiro acha o governo federal ruim ou péssimo. Se chegar à marca de 55%, será atingido o ponto de ebulição.
Por último, cabe explicar o que é crime de responsabilidade de acordo com a Constituição. "Art. 85 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União, o livre exercício dos Poderes Legislativo,Judiciário e M. Público. (...) V- A probidade na Administração..."
Em recente parecer, o prof. Ives Gandra diz que os crimes de improbidade de membros do governo e estatais implicam o crime de responsabilidade da presidente, por ação ou omissão, quando o crime indicar a existência de uma organização criminosa com um objetivo (no caso, financiar partidos) além da tese do domínio dos fatos.
No regime parlamentarista, praticado na Europa e em países da Ásia como o Japão, as crises políticas e a destituição de governos ineptos ou corruptos dá-se com presteza. Nos regimes presidencialistas, a rigidez dos mandatos a prazo certo obriga os povos a suportá-los. As eleições também diferem. No parlamentarismo, os governos caem e são formados rapidamente, seja porque o gabinete foi dissolvido (o 1º ministro e seu ministério), seja em razão da dissolução do Parlamento.
Nesse caso, eleições são imediatamente convocadas, exigindo partidos definidos e correntes de opinião em sintonia com o momento político da nação. Assim, o povo é continuamente convocado para arbitrar o confronto político e definir os rumos do governo. No presidencialismo, as eleições são caríssimas, espaçadas, demoradas, permitindo a manipulação dos eleitores com propagandas insinceras e falaciosas, à falta de partidos e ideias nitidamente diferenciadas.
O presidencialismo vingou apenas nos EUA e, por imitação, na América Latina, região em que as oligarquias, salvo exceções, transformaram os presidentes em caudilhos ou demagogos autoritários, com alto grau de irresponsabilidade política, como estamos a ver na Venezuela, na Argentina e no Brasil.
Nos EUA, foram ideados o recall para destituir membros do Legislativo e juízes eleitos e o impeachment para chefes do Executivo. No caso Nixon, houve a ameaça de processo dessa ordem, mas a renúncia frustrou-o. O recall tem sido usado com parcimônia. Nos EUA, o assassinato político de presidentes e aspirantes tem se mostrado mais eficaz (cinco casos).
No Brasil, em quadra especialíssima de nossa história, tivemos um impedimento presidencial em razão da base política minúscula de Collor no Congresso Nacional. É processo demorado e complexo. Inicia-se com a autorização de 2/3 dos deputados federais para processar o mandatário. A presidente Dilma, por mais inepta que seja e na hipótese de aparecer envolvida com a corrupção dos governos do PT, mesmo assim, dificilmente teria tamanha aversão no Congresso Nacional, a menos que o PMDB, a um passo do poder na segunda metade do mandato, quando o vice-presidente assume o governo, resolvesse impedi-la, levando de roldão a base governista e a oposição, menos o PT.
Outra hipótese seria o PT de Lula articular-se com o PMDB para impedir a presidente, já na primeira etapa do mandato quando novas eleições seriam convocadas (Lula seria o candidato), o que nos parece impensável. Estou a escrever sobre o tema, pois o impeachment está na boca do povo e nas redes sociais. Dilma Rousseff levou o país ao desastre econômico e financeiro. O escândalo da Petrobras está levando a sociedade à exasperação política.
A Presidência da República está longe da irresponsabilidade monárquica (the king do not wrong). No presidencialismo, o mandatário supremo é responsável perante os cidadãoseleitores. Reza a Constituição da República: "Art. 102. Compete ao supremo tribunal Federal ((...) I - processar e julgar, originariamente: b) nas infrações penais comuns, o presidente da República (...)". À sua vez compete à Câmara dos Deputados no art. 51 da Carta, inciso I: "autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o presidente e o vice-presidente da República e os ministros de Estado".
Finalmente, ao Senado Federal é incumbido, pela nossa Constituição no art. 52, I: "processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles (...)".
Agora se compreende a razão de Dilma imiscuir-se nas eleições para a presidência da Câmara e do Senado, vitais para a sua permanência no poder, de resto, um dos motivos para o impedimento presidencial. É a pressão das ruas diante de governos insuportáveis, por inépcia, por corrupção ou as duas coisas juntas, que induz o impeachment. Segundo pesquisas, 44% do povo brasileiro acha o governo federal ruim ou péssimo. Se chegar à marca de 55%, será atingido o ponto de ebulição.
Por último, cabe explicar o que é crime de responsabilidade de acordo com a Constituição. "Art. 85 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União, o livre exercício dos Poderes Legislativo,Judiciário e M. Público. (...) V- A probidade na Administração..."
Em recente parecer, o prof. Ives Gandra diz que os crimes de improbidade de membros do governo e estatais implicam o crime de responsabilidade da presidente, por ação ou omissão, quando o crime indicar a existência de uma organização criminosa com um objetivo (no caso, financiar partidos) além da tese do domínio dos fatos.
Sindicalismo bicão - SUELY CALDAS
O ESTADO DE S. PAULO - 22/02
A escola de samba Beija-Flor foi campeã mordendo R$ 10 milhões de um país africano de população pobre e ditador rico, que fez dos cofres públicos sua conta bancária pessoal. O ministro da Justiça recebe às escondidas advogados de empreiteiras investigadas pela Polícia Federal, a ele subordinada. São fatos que causam indignação e repulsa. Infelizmente, não são raros. Por trás deles há enredos de cobiça, corrupção, apropriação do dinheiro público. Onde circula dinheiro público, lá estão os bicões.
No Brasil os bicões não desfrutam só do Legislativo, governos e estatais. Os sindicatos (de trabalhadores e empregadores) fazem parte desse clube, protegidos por uma estrutura sindical que eles não querem mudar "nem que a vaca tussa". Criado na ditadura Vargas há mais de 70 anos, o Imposto Sindical, hoje pago por 50 milhões de trabalhadores com carteira assinada, é o que sustenta essa estrutura. E ela prolifera como coelhos, com fraudes e sindicatos fantasmas criados só para morder o imposto. E mais: coma cumplicidade do Ministério do Trabalho. Em apenas três anos e oito meses de gestão, encerrada em 2011, o ex-ministro Carlos Lupi (PDT-RJ) autorizou 1.457 novos sindicatos a receberem dinheiro do Imposto Sindical e deixou mais 2.140 na fila esperando registro. Entre 2012 e 2013 o número de sindicatos cresceu inimagináveis 20%. Nesse ritmo, serão 22 mil no final deste ano.
Em vez de divulgar com transparência os valores arrecadados, o Ministério do Trabalho dificulta e, quando o faz, é com atraso. O último dado conhecido é de 2013, quando o imposto arrecadou R$ 3,2 bilhões, distribuídos por mais de 15,4mil sindicatos,federações, confederações e, mais recentemente, os novos clientes: as centrais sindicais, que entraram na divisão do bolo em 2008. Eles aplicam o dinheiro como querem pois a lei os isenta de fiscalização - em se tratando de dinheiro público, é um privilégio intolerável. Se até 2008 havia só duas centrais - a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada ao PT, e a Força Sindical, do Solidariedade -, a garantia de receber dinheiro fácil logo as fez proliferar, e hoje são 12, todas ligadas a partidos políticos, entre eles PSDB, PCdoB, PDT, PSTU e PSOL, além de PT e Solidariedade.
A última, a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), acaba de obter registro no Ministério do Trabalho, em processo tão cheio de irregularidades que a área técnica da pasta rejeitou aprová-lo, mas o ministro Manoel Dias (PDT) assinou. Afinal, o PMDB não podia ficar de fora da festa. Para chegar ao mínimo de 7% de representatividade exigido por lei, o PMDB inflou sua central de filiados fantasmas. Foi assim que o número de associados do Sindicato dos Químicos, Industriais e Engenheiros Químicos de São Paulo milagrosamente saltou de 1.323 para 70 mil!
A escola de samba Beija-Flor foi campeã mordendo R$ 10 milhões de um país africano de população pobre e ditador rico, que fez dos cofres públicos sua conta bancária pessoal. O ministro da Justiça recebe às escondidas advogados de empreiteiras investigadas pela Polícia Federal, a ele subordinada. São fatos que causam indignação e repulsa. Infelizmente, não são raros. Por trás deles há enredos de cobiça, corrupção, apropriação do dinheiro público. Onde circula dinheiro público, lá estão os bicões.
No Brasil os bicões não desfrutam só do Legislativo, governos e estatais. Os sindicatos (de trabalhadores e empregadores) fazem parte desse clube, protegidos por uma estrutura sindical que eles não querem mudar "nem que a vaca tussa". Criado na ditadura Vargas há mais de 70 anos, o Imposto Sindical, hoje pago por 50 milhões de trabalhadores com carteira assinada, é o que sustenta essa estrutura. E ela prolifera como coelhos, com fraudes e sindicatos fantasmas criados só para morder o imposto. E mais: coma cumplicidade do Ministério do Trabalho. Em apenas três anos e oito meses de gestão, encerrada em 2011, o ex-ministro Carlos Lupi (PDT-RJ) autorizou 1.457 novos sindicatos a receberem dinheiro do Imposto Sindical e deixou mais 2.140 na fila esperando registro. Entre 2012 e 2013 o número de sindicatos cresceu inimagináveis 20%. Nesse ritmo, serão 22 mil no final deste ano.
Em vez de divulgar com transparência os valores arrecadados, o Ministério do Trabalho dificulta e, quando o faz, é com atraso. O último dado conhecido é de 2013, quando o imposto arrecadou R$ 3,2 bilhões, distribuídos por mais de 15,4mil sindicatos,federações, confederações e, mais recentemente, os novos clientes: as centrais sindicais, que entraram na divisão do bolo em 2008. Eles aplicam o dinheiro como querem pois a lei os isenta de fiscalização - em se tratando de dinheiro público, é um privilégio intolerável. Se até 2008 havia só duas centrais - a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada ao PT, e a Força Sindical, do Solidariedade -, a garantia de receber dinheiro fácil logo as fez proliferar, e hoje são 12, todas ligadas a partidos políticos, entre eles PSDB, PCdoB, PDT, PSTU e PSOL, além de PT e Solidariedade.
A última, a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), acaba de obter registro no Ministério do Trabalho, em processo tão cheio de irregularidades que a área técnica da pasta rejeitou aprová-lo, mas o ministro Manoel Dias (PDT) assinou. Afinal, o PMDB não podia ficar de fora da festa. Para chegar ao mínimo de 7% de representatividade exigido por lei, o PMDB inflou sua central de filiados fantasmas. Foi assim que o número de associados do Sindicato dos Químicos, Industriais e Engenheiros Químicos de São Paulo milagrosamente saltou de 1.323 para 70 mil!
O fim do "famigerado Imposto Sindical que multiplica pelegos" já foi bandeira dos sindicatos do ABC paulista dos anos 1970/1980 e tinha no ex-presidente Lula seu maior combatente. Ainda hoje a CUT é a única central a anunciar publicamente ser contra a cobrança do imposto, mas não recusa nem devolve aos associados os R$ 115 milhões que recebe anualmente. Acaçula CSB vai receber este ano R$ 15 milhões. Quem não quer?
De todos os presidentes do Brasil, sem dúvida Lula foi o mais credenciado a fazer uma reforma sindical. Nenhum outro conhece as mazelas do sindicalismo melhor do que ele. E ele tentou. Nomeou o companheiro metalúrgico Oswaldo Bargas para coordenar um fórum de trabalhadores e empresários para negociar uma reforma capaz de acabar com o peleguismo e, de imediato, com o Imposto Sindical. Em 2003 ouvi de Bargas as propostas para a reforma e fiquei bem impressionada. Pouco tempo depois, a decepção: o fórum e a reforma deram em nada e Oswaldo Bargas foi flagrado no Hotel Ibis, em São Paulo, com uma mala de dinheiro e um dossiê falso contra José Serra, no episódio que Lula apelidou de "dossiê dos aloprados".
E o imposto? Em breve completa 80 anos, tirando dos trabalhadores e enriquecendo os sindicatos. Por ora nada muda, "nem que a vaca tussa".
De todos os presidentes do Brasil, sem dúvida Lula foi o mais credenciado a fazer uma reforma sindical. Nenhum outro conhece as mazelas do sindicalismo melhor do que ele. E ele tentou. Nomeou o companheiro metalúrgico Oswaldo Bargas para coordenar um fórum de trabalhadores e empresários para negociar uma reforma capaz de acabar com o peleguismo e, de imediato, com o Imposto Sindical. Em 2003 ouvi de Bargas as propostas para a reforma e fiquei bem impressionada. Pouco tempo depois, a decepção: o fórum e a reforma deram em nada e Oswaldo Bargas foi flagrado no Hotel Ibis, em São Paulo, com uma mala de dinheiro e um dossiê falso contra José Serra, no episódio que Lula apelidou de "dossiê dos aloprados".
E o imposto? Em breve completa 80 anos, tirando dos trabalhadores e enriquecendo os sindicatos. Por ora nada muda, "nem que a vaca tussa".
Brasília legal - ANA DUBEUX
CORREIO BRAZILIENSE - 22/02
A terra pública de Brasília sempre foi objeto de ganância. Cada pedacinho desse quadrado, seja em área rural, seja em área urbana, é disputado. Não sem razão, pois muitos enriqueceram plantando prédios, abrindo estradas, fincando cercas onde não deviam, demarcando terrenos que não lhes pertenciam. Tantos ganharam dinheiro, respeitando as leis; muitos outros ganharam ainda mais, passando por cima delas.
Os lobbies por mudanças de destinação de área, os planos urbanísticos que tentam destruir o planejamento da capital tombada, a grilagem. A pretexto de desenvolvê-la, ocupam seus generosos espaços livres para colher benefícios particulares.
Colocar um ponto final nessa longa trajetória de desmandos no uso e ocupação do solo em Brasília seria um belo recomeço às vésperas dos 55 anos da capital. Respeitar as leis e ocupar de forma lícita e racional as áreas da capital e suas adjacências seria um motivo a mais para nos orgulhar de viver aqui. Os moradores esperam ter razões para amar profundamente a sua cidade. Querem a capital das faixas de pedestres, do cinto de segurança, da qualidade de vida. Querem a Brasília dos ciclistas; do lago despoluído e livre de ameaças; da Esplanada sem a parafernália das propagandas e barracas de lona; Do Museu da República com um acervo rico e digno de se visitar.
Todos os dias, nós nos surpreendemos com céu esplendoroso, vegetação linda, gente criativa e notícia que nos faz cair o queixo. Não raro, essa notícia é paulada na autoestima da capital, que nasceu para ser grande e próspera, mas vive encolhida de vergonha. Não há limite para a ambição de ganhar dinheiro às custas de corrupção. Também não há limite na busca por razões para renovar a campanha por uma Brasília legal.
A terra pública de Brasília sempre foi objeto de ganância. Cada pedacinho desse quadrado, seja em área rural, seja em área urbana, é disputado. Não sem razão, pois muitos enriqueceram plantando prédios, abrindo estradas, fincando cercas onde não deviam, demarcando terrenos que não lhes pertenciam. Tantos ganharam dinheiro, respeitando as leis; muitos outros ganharam ainda mais, passando por cima delas.
Os lobbies por mudanças de destinação de área, os planos urbanísticos que tentam destruir o planejamento da capital tombada, a grilagem. A pretexto de desenvolvê-la, ocupam seus generosos espaços livres para colher benefícios particulares.
Colocar um ponto final nessa longa trajetória de desmandos no uso e ocupação do solo em Brasília seria um belo recomeço às vésperas dos 55 anos da capital. Respeitar as leis e ocupar de forma lícita e racional as áreas da capital e suas adjacências seria um motivo a mais para nos orgulhar de viver aqui. Os moradores esperam ter razões para amar profundamente a sua cidade. Querem a capital das faixas de pedestres, do cinto de segurança, da qualidade de vida. Querem a Brasília dos ciclistas; do lago despoluído e livre de ameaças; da Esplanada sem a parafernália das propagandas e barracas de lona; Do Museu da República com um acervo rico e digno de se visitar.
Todos os dias, nós nos surpreendemos com céu esplendoroso, vegetação linda, gente criativa e notícia que nos faz cair o queixo. Não raro, essa notícia é paulada na autoestima da capital, que nasceu para ser grande e próspera, mas vive encolhida de vergonha. Não há limite para a ambição de ganhar dinheiro às custas de corrupção. Também não há limite na busca por razões para renovar a campanha por uma Brasília legal.
Devo, não nego... - ELIANE CANTANHÊDE
O ESTADO DE S. PAULO - 22/02
Perdendo financiamentos, negócios e credibilidade, as empreiteiras entram em desespero
Depois de doar (ou emprestar?) R$ 21,7 milhões às campanhas do PT em 2014, sendo R$ 7,5 milhões para a reeleição de Dilma Rousseff, nada mais natural que a empreiteira UTC bata à porta do partido e do governo pedindo socorro e ameaçando neste, digamos, momento de dificuldades. A questão é saber como Lula, Dilma e o PT querem, e podem, pagar essa dívida.
A UTC é apontada como coordenadora do esquema da Petrobrás e seu dono, Ricardo Pessoa, é o homem-bomba da vez, mas ela nem é a empreiteira prioritária na agenda, nas relações e nas viagens do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, que, depois de descer a rampa do Planalto, cruzou céus e mares abordo de jatinhos e de interesses principalmente da OAS, Camargo Corrêa e Odebrecht.
Mas isso é um detalhe. O fato é que, com seus executivos trancafiados há meses e perdendo financiamentos, negócios e credibilidade, todas as grandes empreiteiras entraram em desespero. E correram para quem? Até onde se saiba,para o amigão Lula, como revelaram as repórteres Débora Bergamasco e Andreza Matais, do Estado, e para o ministro justamente da Justiça, José Eduardo Cardozo, que não faz outra coisa senão tentar se explicar.
Em política e em comunicação, nada pior do que ter de se explicar dia e noite, ainda mais num ambiente hostil. Quando as coisas vão bem para o PT e para o governo, as versões colam. Quando as coisas vão mal na economia, na política e na área ética, tudo muda de figura. Os ouvidos se fecham, a boa vontade escasseia.
E há um problema teológico e outro "técnico": Lula não pode tudo, e o governo inteiro promete o que quiser, fala em reviravolta da Lava Jato, ajuda a criar obstáculos jurídicos, mas é preciso combinar com os adversários. Executivo é Executivo, Judiciário é Judiciário. Sem falar que o juiz Sérgio Moro vestiu uma armadura à prova de pressões.
Então, que Ricardo Pessoa ameace e que os empreiteiros façam fila no Instituto Lula, no Ministério da Justiça, quiçá no Planalto, mas o que Lula, Dilma e Cardozo podem fazer? Tirar Moro do processo, cercear o trabalho dos procuradores, dar ordem de comando para os policiais federais?
Até agora, há dois fatores a favor dos empreiteiros, de seus executivos e advogados (que, aliás, andam num assanhamento juvenil diante desse mar de oportunidades). Um é o habeas corpus concedido pelo supremo tribunal Federal para Renato Duque, o homem do PT no esquema da Petrobrás. É claro que anima os demais presos.
Outro fator é a formalidade na obtenção de provas no exterior. Os procuradores se precipitaram e correram atrás delas antes de acionado o tratado entre Brasil e Suíça? Caso afirmativo, as provas perdem o valor? Bem, isso é lá com os advogados e seus clientes, mas, do ponto de vista policial, político e de comunicação, não mexe uma palha nesse palheiro Enquanto isso, Dilma, publicamente, e Lula, nos bastidores, tocam num ponto sensível: o poder real (não só eleitoral) das empreiteiras, que geram renda e milhões de empregos. Uma quebradeira do setor teria efeito em cascata sobre toda a economia.
O preço, porém, pode valer a pena. Jogar a poeira, a roubalheira e os bilhões roubados debaixo do tapete, em nome da estabilidade da economia, seria muito mais danoso ao Brasil do que abrir essa caixa-preta para defender o interesse nacional de hoje e do futuro. É um bom começo para a turma política, empresarial e executiva botar as barbas de molho e ir mais devagar com o andor da roubalheira.
A ilha. Concluída a equipe econômica, está confirmado que Joaquim Levy é uma ilha no governo. Além de Nelson Barbosa (Planejamento), também Aldemir Bendini (Petrobrás), Luciano Coutinho (BNDES), Miriam Belchior (CEF) e Alexandre Abreu (BB) são leais súditos do império petista. Se a coisa não aprumar, adivinha quem será o mordomo da história...
Perdendo financiamentos, negócios e credibilidade, as empreiteiras entram em desespero
Depois de doar (ou emprestar?) R$ 21,7 milhões às campanhas do PT em 2014, sendo R$ 7,5 milhões para a reeleição de Dilma Rousseff, nada mais natural que a empreiteira UTC bata à porta do partido e do governo pedindo socorro e ameaçando neste, digamos, momento de dificuldades. A questão é saber como Lula, Dilma e o PT querem, e podem, pagar essa dívida.
A UTC é apontada como coordenadora do esquema da Petrobrás e seu dono, Ricardo Pessoa, é o homem-bomba da vez, mas ela nem é a empreiteira prioritária na agenda, nas relações e nas viagens do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, que, depois de descer a rampa do Planalto, cruzou céus e mares abordo de jatinhos e de interesses principalmente da OAS, Camargo Corrêa e Odebrecht.
Mas isso é um detalhe. O fato é que, com seus executivos trancafiados há meses e perdendo financiamentos, negócios e credibilidade, todas as grandes empreiteiras entraram em desespero. E correram para quem? Até onde se saiba,para o amigão Lula, como revelaram as repórteres Débora Bergamasco e Andreza Matais, do Estado, e para o ministro justamente da Justiça, José Eduardo Cardozo, que não faz outra coisa senão tentar se explicar.
Em política e em comunicação, nada pior do que ter de se explicar dia e noite, ainda mais num ambiente hostil. Quando as coisas vão bem para o PT e para o governo, as versões colam. Quando as coisas vão mal na economia, na política e na área ética, tudo muda de figura. Os ouvidos se fecham, a boa vontade escasseia.
E há um problema teológico e outro "técnico": Lula não pode tudo, e o governo inteiro promete o que quiser, fala em reviravolta da Lava Jato, ajuda a criar obstáculos jurídicos, mas é preciso combinar com os adversários. Executivo é Executivo, Judiciário é Judiciário. Sem falar que o juiz Sérgio Moro vestiu uma armadura à prova de pressões.
Então, que Ricardo Pessoa ameace e que os empreiteiros façam fila no Instituto Lula, no Ministério da Justiça, quiçá no Planalto, mas o que Lula, Dilma e Cardozo podem fazer? Tirar Moro do processo, cercear o trabalho dos procuradores, dar ordem de comando para os policiais federais?
Até agora, há dois fatores a favor dos empreiteiros, de seus executivos e advogados (que, aliás, andam num assanhamento juvenil diante desse mar de oportunidades). Um é o habeas corpus concedido pelo supremo tribunal Federal para Renato Duque, o homem do PT no esquema da Petrobrás. É claro que anima os demais presos.
Outro fator é a formalidade na obtenção de provas no exterior. Os procuradores se precipitaram e correram atrás delas antes de acionado o tratado entre Brasil e Suíça? Caso afirmativo, as provas perdem o valor? Bem, isso é lá com os advogados e seus clientes, mas, do ponto de vista policial, político e de comunicação, não mexe uma palha nesse palheiro Enquanto isso, Dilma, publicamente, e Lula, nos bastidores, tocam num ponto sensível: o poder real (não só eleitoral) das empreiteiras, que geram renda e milhões de empregos. Uma quebradeira do setor teria efeito em cascata sobre toda a economia.
O preço, porém, pode valer a pena. Jogar a poeira, a roubalheira e os bilhões roubados debaixo do tapete, em nome da estabilidade da economia, seria muito mais danoso ao Brasil do que abrir essa caixa-preta para defender o interesse nacional de hoje e do futuro. É um bom começo para a turma política, empresarial e executiva botar as barbas de molho e ir mais devagar com o andor da roubalheira.
A ilha. Concluída a equipe econômica, está confirmado que Joaquim Levy é uma ilha no governo. Além de Nelson Barbosa (Planejamento), também Aldemir Bendini (Petrobrás), Luciano Coutinho (BNDES), Miriam Belchior (CEF) e Alexandre Abreu (BB) são leais súditos do império petista. Se a coisa não aprumar, adivinha quem será o mordomo da história...
Burradas - ALDIR BLANC
O GLOBO - 22/02
A presidenta ‘se irritou’ com o rombo de 88 bilhões, a última a saber
Chega de intermediários! Didi Mocó para presidente das estatais, qualquer lugar onde sejam necessárias grandes trapalhadas — embora nosso Renato Aragão tenha trabalhado duro a vida inteira para nos fazer rir. É uma pessoa melhor que 99% daqueles palhaços do planalto. Vimos Réu-nan, com seus novos pentelhos de medusa no quengo, inchado de botox, um clone de si mesmo, ser reeleito para o senadinho, enquanto aquele elemento com boca de tubarão levava a câmara. Essa é a síntese da refinaria passadilma. Quem tem aliados assim, cacetada, não precisa de oposição. A saída da sem-Graça foi patética. A presidenta “se irritou” com o rombo de 88 bilhões, a última a saber. Aquele BR é uma redução de BURRADA. Alguns querem trocar, com razão, o BR por CG, C(*)G(*)DA. Contratem, para outros cargos públicos, os insignes membros da organizada torcida do Flamengo, que invade vestiários para roubar, embora o presidente badareca considere tudo nova armação difamatória.
Volto, com imenso alívio, à desobediência civil. Nunca mais me pegarão para apoiar os farsantes do Partido Trapalhão. Quem governa mesmo essa josta é o sujíssimo PMDBesta. Chega! Bolei um logotipo para um ministroco desses faturando pelaí: de um penico imundo brota a cara gargalhante de uma hiena. Dá para ver, apesar das manchas de fezes, que o bicharoco segura entre as presas um livro. Na lombada lê-se: “Cultura como oportunidade de negócio”. Vão-se fifar.
Tenho lido sobre intolerância religiosa aqui na Brasunda. Aqui vão umas historinhas que descolei e são verídicas. Espero que sejam lidas pela queridinha da Divina Providência, Marina d’Arc, para meditar.
Um grupo de amigos, movidos por nostalgia da infância, resolveu dar saquinhos de doce no último dia de Cosme e Damião. Estavam curtindo o troço, meio emocionados, quando verdadeira matilha de mulheres evangélicas apareceu, espancando os filhos, mandando que jogassem fora a “comida do diabo”.
Outra: evangélicos entraram de marreta em punho num centro espírita de uma conhecida e quebraram imagens, oferendas e atabaques, aos gritos de “volta para o inferno, Satanás!”. Por ter recebido ameaças de morte, a dona do lugar não deu queixa à polícia e ficou no prejuízo psíquico, moral e religioso.
A mais louca de todas: uma senhora de Vigário Geral ia saindo de casa, sexta-feira à tarde, de roupa branca. Foi atacada por evangélicas que a mandaram voltar para trocar a “roupa de macumbeira” ou seria castigada, não sei se pelo Senhor Deus ou na porrada mesmo. Uma perguntinha: o que seria da Bahia de Dorival Caymmi sem a cor branca?!?
Passou, como sempre uma porcaria, o Tríduo. Espero que nenhuma leitora tenha caído no conto desses galãs fajutos de fim de noite. Dormem, maconhados e bêbados, em cima da vítima, e mandam na cara da paspalha um hálito que causaria eutanásia naquele nosocômio esclero-teratológico chamado por alguns de clube militar.
A presidenta ‘se irritou’ com o rombo de 88 bilhões, a última a saber
Chega de intermediários! Didi Mocó para presidente das estatais, qualquer lugar onde sejam necessárias grandes trapalhadas — embora nosso Renato Aragão tenha trabalhado duro a vida inteira para nos fazer rir. É uma pessoa melhor que 99% daqueles palhaços do planalto. Vimos Réu-nan, com seus novos pentelhos de medusa no quengo, inchado de botox, um clone de si mesmo, ser reeleito para o senadinho, enquanto aquele elemento com boca de tubarão levava a câmara. Essa é a síntese da refinaria passadilma. Quem tem aliados assim, cacetada, não precisa de oposição. A saída da sem-Graça foi patética. A presidenta “se irritou” com o rombo de 88 bilhões, a última a saber. Aquele BR é uma redução de BURRADA. Alguns querem trocar, com razão, o BR por CG, C(*)G(*)DA. Contratem, para outros cargos públicos, os insignes membros da organizada torcida do Flamengo, que invade vestiários para roubar, embora o presidente badareca considere tudo nova armação difamatória.
Volto, com imenso alívio, à desobediência civil. Nunca mais me pegarão para apoiar os farsantes do Partido Trapalhão. Quem governa mesmo essa josta é o sujíssimo PMDBesta. Chega! Bolei um logotipo para um ministroco desses faturando pelaí: de um penico imundo brota a cara gargalhante de uma hiena. Dá para ver, apesar das manchas de fezes, que o bicharoco segura entre as presas um livro. Na lombada lê-se: “Cultura como oportunidade de negócio”. Vão-se fifar.
Tenho lido sobre intolerância religiosa aqui na Brasunda. Aqui vão umas historinhas que descolei e são verídicas. Espero que sejam lidas pela queridinha da Divina Providência, Marina d’Arc, para meditar.
Um grupo de amigos, movidos por nostalgia da infância, resolveu dar saquinhos de doce no último dia de Cosme e Damião. Estavam curtindo o troço, meio emocionados, quando verdadeira matilha de mulheres evangélicas apareceu, espancando os filhos, mandando que jogassem fora a “comida do diabo”.
Outra: evangélicos entraram de marreta em punho num centro espírita de uma conhecida e quebraram imagens, oferendas e atabaques, aos gritos de “volta para o inferno, Satanás!”. Por ter recebido ameaças de morte, a dona do lugar não deu queixa à polícia e ficou no prejuízo psíquico, moral e religioso.
A mais louca de todas: uma senhora de Vigário Geral ia saindo de casa, sexta-feira à tarde, de roupa branca. Foi atacada por evangélicas que a mandaram voltar para trocar a “roupa de macumbeira” ou seria castigada, não sei se pelo Senhor Deus ou na porrada mesmo. Uma perguntinha: o que seria da Bahia de Dorival Caymmi sem a cor branca?!?
Passou, como sempre uma porcaria, o Tríduo. Espero que nenhuma leitora tenha caído no conto desses galãs fajutos de fim de noite. Dormem, maconhados e bêbados, em cima da vítima, e mandam na cara da paspalha um hálito que causaria eutanásia naquele nosocômio esclero-teratológico chamado por alguns de clube militar.
O Decreto 8.243 e a sociedade civil - CARLOS AYRES BRITTO
O ESTADÃO - 22/02
Cidadania não é uma palavra qualquer. É uma figura de Direito. Uma superfigura de Direito, em verdade, pois embutida no rol dos "fundamentos" da República Federativa do Brasil. Está ali no inciso II do artigo 1.º da Constituição, garbosamente perfilada entre os "Princípios Fundamentais" (Título I) do nosso Estado. Seu preciso significado é este: qualidade do cidadão. E cidadão é o habitante da cidade. Da "cidade-Estado"que, na Grécia antiga, era chamada de pólis.
Pronto! O link vai tomando corpo: cidadania é qualidade do cidadão e cidadão é o habitante da cidade como espaço das relações primárias entre governantes e governados. Os governantes a representar a pessoa jurídica do Estado, os governados a "presentar" (Pontes de Miranda) a difusa ou não personalizada instância da sociedade civil. Cada um desses governados a encarnar a referida figura do cidadão. Mas não de um cidadão aquoso e, nessa medida, tão insípido, inodoro e incolor quanto a água potável que deu de faltar nos lares brasileiros. Ao contrário, cidadão como integrante orgânico ou militante ou engajado da sociedade civil perante o Estado. Envolvido com o dia a dia da população, portanto.
Daqui se deduz que o típico do cidadão é se interessar por tudo o que é de todos. Sempre na perspectiva de servir ao todo social mesmo. O cidadão como símbolo da pessoa altruísta ou de alguém que veste a camisa da sociedade. Alguém que faz viagem de alma, e não viagem de ego. Tão socialmente participativo que no "Século de Péricles" (440-404 a.C.) se chegava a dizer: "Sou livre porque participo". E não "participo porque sou livre", como atualmente se fala. O que pressupõe a mais desembaraçada busca de informações sobre os negócios públicos para que, num segundo momento, o cidadão já se posicione mais conscientemente como soberano (a soberania popular é o segundo fundamento da República, nos termos do inciso I do citado artigo 1.º e da cabeça do artigo 14 da Magna Carta federal). E é como soberano que ele vai protagonizar o voto direto e secreto, a iniciativa popular de lei, o plebiscito e o referendo (cabeça e incisos do mesmo artigo 14).
É sob esse entendimento jurídico de cidadania que a nossa Constituição volta muitas vezes ao tema. E volta em sentido afirmativo ou de forte prestígio. Para fazer da cidadania um mecanismo de fiscalização, controle e acionamento do poder. Um necessário instrumento de cobrança, denúncia, representação, queixa... e também de colaboração, claro! O cidadão a vitalizar o lema de que "o preço da liberdade é a eterna vigilância" (frase que ninguém sabe ao certo se de autoria de Thomas Jefferson ou Stuart Mill). Ele totalmente livre para se informar, vigiar e cuidar, seja por conta própria, seja requestando as autoridades. Mas sempre do lado de fora do Estado, porque ver o Estado a partir dele mesmo é ter a vista embaçada. O olhar anuviado de quem é observador e parte ao mesmo tempo. Não assim com o cidadão enquanto agente exógeno perante ele, Estado, de sorte a poder assumir-se como um pássaro solto na amplidão dos seus personalíssimos cuidados para com a pólis. "Livre, leve e solto" (Nelson Motta), inclusive para impedir que o atávico sono da nossa "pátria mãe tão distraída" venha a colocá-la no despenhadeiro das mais "tenebrosas transações" (Chico Buarque).
Assim é que se explica, por ilustração, o seguinte catálogo de normas constitucionais: os incisos XXXIII e LXXIII do artigo 5.º, este a criar o mecanismo da "ação popular" e aquele a consagrar o direito de "receber dos órgãos públicos informações de (...) interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral"; o § 3.º do artigo 37, remetendo à lei "as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta", de maneira a que sejam especialmente regulados "as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral" (inciso I), "o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo" (inciso II), assim como "a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública" (inciso III); o inciso IV do §2.º do artigo 58, que insere nas competências das comissões técnicas do Congresso Nacional e de suas Casas "receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas"; o §2.º do artigo 74, que faz de qualquer cidadão "parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União".
Bem, cheguei aonde queria chegar: o Decreto Executivo federal n.º 8.243, de 23 de maio de 2014, que me parece equivocado quanto aos conceitos constitucionais de cidadania e sociedade civil. E porque equivocado, traz uma e outra para dentro da União. Busca integrá-las à estrutura do poder, para que elas atuem mais e mais ali na própria ossatura orgânico-administrativa da nossa pessoa federada central. Ora no interior desse ou daquele órgão, ora como parte dessa ou daquela comissão, ora na intimidade estrutural desse ou daquele conselho... e por aí vai. Mistura de papéis que mal disfarça duas coisas: a imperial liderança do Estado em face dela, sociedade civil, e o recolocar da altaneira figura do cidadão na subalterna condição de súdito. Isso porque, assim postadas do lado de dentro dos aparelhos de Estado, a sociedade civil e a cidadania não têm o que fazer senão ver quebrantadas ainda mais as suas forças e facilitado o que em tais aparelhos é histórico lugar-comum: botar as mangas de fora. Esse mesmo Estado que, no Brasil, chegou antes da sociedade e até hoje não a reconhece como a única razão de ser da sua jurídica existência. Estado que demora demais a entender que os súditos da sepultada monarquia têm o direito de se transformar nos cidadãos da República finalmente partejada.
Temo pelo pássaro da cidadania a trocar o voo pelo saltitar na gaiola dos conselhos populares ou coisa que o valha.
Cidadania não é uma palavra qualquer. É uma figura de Direito. Uma superfigura de Direito, em verdade, pois embutida no rol dos "fundamentos" da República Federativa do Brasil. Está ali no inciso II do artigo 1.º da Constituição, garbosamente perfilada entre os "Princípios Fundamentais" (Título I) do nosso Estado. Seu preciso significado é este: qualidade do cidadão. E cidadão é o habitante da cidade. Da "cidade-Estado"que, na Grécia antiga, era chamada de pólis.
Pronto! O link vai tomando corpo: cidadania é qualidade do cidadão e cidadão é o habitante da cidade como espaço das relações primárias entre governantes e governados. Os governantes a representar a pessoa jurídica do Estado, os governados a "presentar" (Pontes de Miranda) a difusa ou não personalizada instância da sociedade civil. Cada um desses governados a encarnar a referida figura do cidadão. Mas não de um cidadão aquoso e, nessa medida, tão insípido, inodoro e incolor quanto a água potável que deu de faltar nos lares brasileiros. Ao contrário, cidadão como integrante orgânico ou militante ou engajado da sociedade civil perante o Estado. Envolvido com o dia a dia da população, portanto.
Daqui se deduz que o típico do cidadão é se interessar por tudo o que é de todos. Sempre na perspectiva de servir ao todo social mesmo. O cidadão como símbolo da pessoa altruísta ou de alguém que veste a camisa da sociedade. Alguém que faz viagem de alma, e não viagem de ego. Tão socialmente participativo que no "Século de Péricles" (440-404 a.C.) se chegava a dizer: "Sou livre porque participo". E não "participo porque sou livre", como atualmente se fala. O que pressupõe a mais desembaraçada busca de informações sobre os negócios públicos para que, num segundo momento, o cidadão já se posicione mais conscientemente como soberano (a soberania popular é o segundo fundamento da República, nos termos do inciso I do citado artigo 1.º e da cabeça do artigo 14 da Magna Carta federal). E é como soberano que ele vai protagonizar o voto direto e secreto, a iniciativa popular de lei, o plebiscito e o referendo (cabeça e incisos do mesmo artigo 14).
É sob esse entendimento jurídico de cidadania que a nossa Constituição volta muitas vezes ao tema. E volta em sentido afirmativo ou de forte prestígio. Para fazer da cidadania um mecanismo de fiscalização, controle e acionamento do poder. Um necessário instrumento de cobrança, denúncia, representação, queixa... e também de colaboração, claro! O cidadão a vitalizar o lema de que "o preço da liberdade é a eterna vigilância" (frase que ninguém sabe ao certo se de autoria de Thomas Jefferson ou Stuart Mill). Ele totalmente livre para se informar, vigiar e cuidar, seja por conta própria, seja requestando as autoridades. Mas sempre do lado de fora do Estado, porque ver o Estado a partir dele mesmo é ter a vista embaçada. O olhar anuviado de quem é observador e parte ao mesmo tempo. Não assim com o cidadão enquanto agente exógeno perante ele, Estado, de sorte a poder assumir-se como um pássaro solto na amplidão dos seus personalíssimos cuidados para com a pólis. "Livre, leve e solto" (Nelson Motta), inclusive para impedir que o atávico sono da nossa "pátria mãe tão distraída" venha a colocá-la no despenhadeiro das mais "tenebrosas transações" (Chico Buarque).
Assim é que se explica, por ilustração, o seguinte catálogo de normas constitucionais: os incisos XXXIII e LXXIII do artigo 5.º, este a criar o mecanismo da "ação popular" e aquele a consagrar o direito de "receber dos órgãos públicos informações de (...) interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral"; o § 3.º do artigo 37, remetendo à lei "as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta", de maneira a que sejam especialmente regulados "as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral" (inciso I), "o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo" (inciso II), assim como "a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública" (inciso III); o inciso IV do §2.º do artigo 58, que insere nas competências das comissões técnicas do Congresso Nacional e de suas Casas "receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas"; o §2.º do artigo 74, que faz de qualquer cidadão "parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União".
Bem, cheguei aonde queria chegar: o Decreto Executivo federal n.º 8.243, de 23 de maio de 2014, que me parece equivocado quanto aos conceitos constitucionais de cidadania e sociedade civil. E porque equivocado, traz uma e outra para dentro da União. Busca integrá-las à estrutura do poder, para que elas atuem mais e mais ali na própria ossatura orgânico-administrativa da nossa pessoa federada central. Ora no interior desse ou daquele órgão, ora como parte dessa ou daquela comissão, ora na intimidade estrutural desse ou daquele conselho... e por aí vai. Mistura de papéis que mal disfarça duas coisas: a imperial liderança do Estado em face dela, sociedade civil, e o recolocar da altaneira figura do cidadão na subalterna condição de súdito. Isso porque, assim postadas do lado de dentro dos aparelhos de Estado, a sociedade civil e a cidadania não têm o que fazer senão ver quebrantadas ainda mais as suas forças e facilitado o que em tais aparelhos é histórico lugar-comum: botar as mangas de fora. Esse mesmo Estado que, no Brasil, chegou antes da sociedade e até hoje não a reconhece como a única razão de ser da sua jurídica existência. Estado que demora demais a entender que os súditos da sepultada monarquia têm o direito de se transformar nos cidadãos da República finalmente partejada.
Temo pelo pássaro da cidadania a trocar o voo pelo saltitar na gaiola dos conselhos populares ou coisa que o valha.
De mãos atadas - DORA KRAMER
O ESTADO DE S. PAULO - 22/02
Alvo da vez no meio do intenso tiroteio de denúncias, suspeições, informações e contra informações decorrentes da Operação Lava Jato, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reivindica um minuto de atenção para que se reflita sobre duas questões.
Primeira: "Alguém em sã consciência consegue acreditar que eu possa telefonar para o Teori Zavascki,ministro do supremo tribunal Federal) pedindo que ele aceite os habeas corpus dos advogados em favor dos clientes presos?"
Alvo da vez no meio do intenso tiroteio de denúncias, suspeições, informações e contra informações decorrentes da Operação Lava Jato, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reivindica um minuto de atenção para que se reflita sobre duas questões.
Primeira: "Alguém em sã consciência consegue acreditar que eu possa telefonar para o Teori Zavascki,ministro do supremo tribunal Federal) pedindo que ele aceite os habeas corpus dos advogados em favor dos clientes presos?"
Segunda: "Posso, por acaso, ligar para o juiz Sérgio Moro e pedir que ele conduza o processo desta ou daquela maneira, de modo a favorecer a quem quer que seja?"
Ele mesmo responde: "Nem se quisesse poderia fazer nada, pois estaria me arriscando a ser preso". Com isso, o ministro José Eduardo Cardozo quer dizer que há mais conjectura fantasiosa (ou esperançosa) que objetividade na suposição de que o governo possa de fato interferir nos procedimentos de modo a evitar o avanço das investigações ou de alguma forma anular o que foi feito até agora.
Não que isso não possa ocorrer, mas é algo a ser tentado pelos advogados no âmbito judicial. Olhando por esse ângulo, o ministro realmente tem razão. Conforme noticiou o Estado na sexta-feira, emissários das empreiteiras envolvidas têm procurado o ex-presidente Luiz Inácio da Silva em busca de interferência política.
Mais fácil de falar que de fazer. Se quando estava no auge, governo poderoso com apoio político sólido, Lula nada conseguiu para salvar os envolvidos no processo do mensalão - um caso até insignificante se comparado com o atual -, não seria agora que teria espaço para atuações de bastidor para lá de arriscadas.
Pelo seguinte: as investigações sobre a Petrobrás estão sendo feitas também por órgãos internacionais; a Justiça brasileira-inclusive os tribunais superiores, STJ e STF - não dá sinais de condescendência com os acusados e tem apoiado as decisões de Sérgio Moro; há toda uma atmosfera de alerta contra a possibilidade de interferência política; e, mais importante, o governo está fraco. Mal pode com as próprias pernas. O que dirá com as dos outros.
O ministro da Justiça apresenta sua versão sobre o encontro com os advogados Sigmaringa Seixas e Sérgio Renault, negando que teriam conversado sobre a hipótese de uma "operação salva-vidas". Segundo ele, houve apenas uma troca de cumprimentos na antessala do gabinete.
Afirma também que recebeu advogados da Odebrecht para tratar de dois assuntos administrativos da Polícia Federal: reclamação sobre vazamentos ilegais de informações e questionamento da legalidade de provas obtidas pelo Ministério Público na Suíça.
Ainda que, por hipótese, não tenha sido só isso, a confusão gerada por esses encontros serviu de alerta para a impossibilidade prática de se prosseguir por caminhos heterodoxos, fora do campo judicial. A interferência, se mudar alguma coisa, é para pior.
Lula nessa seara já tem problemas demais.
Discurso da rainha.
Ele mesmo responde: "Nem se quisesse poderia fazer nada, pois estaria me arriscando a ser preso". Com isso, o ministro José Eduardo Cardozo quer dizer que há mais conjectura fantasiosa (ou esperançosa) que objetividade na suposição de que o governo possa de fato interferir nos procedimentos de modo a evitar o avanço das investigações ou de alguma forma anular o que foi feito até agora.
Não que isso não possa ocorrer, mas é algo a ser tentado pelos advogados no âmbito judicial. Olhando por esse ângulo, o ministro realmente tem razão. Conforme noticiou o Estado na sexta-feira, emissários das empreiteiras envolvidas têm procurado o ex-presidente Luiz Inácio da Silva em busca de interferência política.
Mais fácil de falar que de fazer. Se quando estava no auge, governo poderoso com apoio político sólido, Lula nada conseguiu para salvar os envolvidos no processo do mensalão - um caso até insignificante se comparado com o atual -, não seria agora que teria espaço para atuações de bastidor para lá de arriscadas.
Pelo seguinte: as investigações sobre a Petrobrás estão sendo feitas também por órgãos internacionais; a Justiça brasileira-inclusive os tribunais superiores, STJ e STF - não dá sinais de condescendência com os acusados e tem apoiado as decisões de Sérgio Moro; há toda uma atmosfera de alerta contra a possibilidade de interferência política; e, mais importante, o governo está fraco. Mal pode com as próprias pernas. O que dirá com as dos outros.
O ministro da Justiça apresenta sua versão sobre o encontro com os advogados Sigmaringa Seixas e Sérgio Renault, negando que teriam conversado sobre a hipótese de uma "operação salva-vidas". Segundo ele, houve apenas uma troca de cumprimentos na antessala do gabinete.
Afirma também que recebeu advogados da Odebrecht para tratar de dois assuntos administrativos da Polícia Federal: reclamação sobre vazamentos ilegais de informações e questionamento da legalidade de provas obtidas pelo Ministério Público na Suíça.
Ainda que, por hipótese, não tenha sido só isso, a confusão gerada por esses encontros serviu de alerta para a impossibilidade prática de se prosseguir por caminhos heterodoxos, fora do campo judicial. A interferência, se mudar alguma coisa, é para pior.
Lula nessa seara já tem problemas demais.
Discurso da rainha.
Sim, a presidente Dilma Rousseff tem razão: se o esquema de corrupção na Petrobrás tivesse sido investigado antes, as coisas não tinham chegado ao ponto em que chegaram.
Ela referiu-se ao governo Fernando Henrique Cardoso, ao qual seu partido sucedeu, em 2003. Teve, portanto, II anos para pedir a abertura de investigações ao Ministério Público, à Polícia Federal e demais órgãos de controle.
O que se viu, no entanto, foi a quadrilha aprofundando e estendendo seus tentáculos debaixo dos narizes dos presidentes petistas e a presidente até meados do ano passado negando peremptoriamente que houvesse qualquer irregularidade na companhia.
Ela referiu-se ao governo Fernando Henrique Cardoso, ao qual seu partido sucedeu, em 2003. Teve, portanto, II anos para pedir a abertura de investigações ao Ministério Público, à Polícia Federal e demais órgãos de controle.
O que se viu, no entanto, foi a quadrilha aprofundando e estendendo seus tentáculos debaixo dos narizes dos presidentes petistas e a presidente até meados do ano passado negando peremptoriamente que houvesse qualquer irregularidade na companhia.
A receita para quebrar o Brasil - ELIO GASPARI
O GLOBO - 22/02
Dois exemplos do que se faz, sem muito barulho, para destruir as contas públicas, arruinando o país
Em novembro a doutora Dilma sancionou um projeto refinanciando as dívidas de Estados e municípios. Coisa de R$ 500 bilhões, que deveriam ser pagos até 2039. Governadores e prefeitos que herdaram o espeto mexeram-se para mudar as condições de pagamento. No carro-chefe ficou o comissário de São Paulo Fernando Haddad. Argumentava que a cidade tinha perdido a capacidade de investimento. Mudando-se o sistema, sua dívida cairia de R$ 62 bilhões para R$ 36 bilhões. Como dinheiro não nasce em árvore, a Viúva perderá receita. Neste ano, seria uma mixórdia, apenas R$ 1 bilhão. Quem pagou tudo direitinho ferrou-se.
Esse assunto não tinha personagens satanizáveis nem podia ser tratado como um escândalo. Teve até o apoio do PSDB. Virou uma coisa boa.
Quatro anos antes, o mesmo Fernando Haddad estava no ministério da Educação e mudou as regras do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, o Fies. Vivendo na ponta que distribui dinheiro, baixou os juros para 3,4% ao ano, ampliou os prazos de pagamento para três vezes o tempo de duração do curso e relaxou as exigências para os fiadores. Criou-se a fiança solidária, bastando juntar três colegas da faculdade. De onde sairá o dinheiro emprestado a juros subsidiados e em condições imprevisíveis de retorno? Um palpite: da bolsa da Viúva.
Aquilo que poderia ser uma boa iniciativa virou uma estatização do risco do financiamento das universidades privadas. Esse tipo de crédito é socialmente necessário, desde que seja matematicamente sustentável. Faculdades estimularam seus alunos a migrar para o Fies e, com isso, o número de bolsistas passou de 150 mil em 2010 para 4,4 milhões em 2014. Os financiamentos pularam de R$ 1,1 bilhão para R$ 13,4 bilhões. Há faculdades onde os alunos que pagam as mensalidades tornaram-se uma raridade. Formaram-se conglomerados universitários, com ações na Bolsa. O repórter José Roberto Toledo mostrou que, entre 2012 e novembro de 2014, enquanto o Ibovespa caiu 18%, as ações do grupo Kroton, com um milhão da alunos, valorizaram-se em 500%. (Em 2014 o grupo recebeu R$ 2 bilhões do Fies, cifra inédita até para a Odebrecht.)
O ministro Cid Gomes quis colocar método na maluquice, exigindo padrões de desempenho acadêmico às escolas, notas melhores dos alunos para o acesso ao programa e associou parte do desembolso à formatura do jovem. Prenunciou-se uma "catástrofe". Ou, nas palavras de Gabriel Mario Rodrigues, presidente da guilda da escolas privadas, "o governo fez uma cagada", "o ministro não é do ramo" e "fala demais". Com toda razão, ele diz que "não podemos confiar no governo". Nem eles nem a torcida do Flamengo. Com a ajuda de parlamentares e de "gente trabalhando nas altas esferas" (em quem confiam), as empresas se articulam para desossar as medidas.
Ganha um fim de semana na Guiné Equatorial quem acredita que esses financiamentos dados com critérios frouxos e fianças capengas fecharão a conta na bolsa da Viúva. Vem por aí outro rombo. Como aconteceu com a dívida dos Estados e municípios, certamente será renegociado, noutros governos. É assim que se quebra um país.
CPI
Será instalada nesta semana a terceira CPI para investigar roubalheiras na Petrobras.
Na melhor das hipóteses, vai dar em nada, como as demais. Na pior, vai dar em tenebrosas transações, como aconteceu com suas antecessoras que investigaram as tramoias de Carlinhos Cachoeira e aquelas praticadas no Banestado.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e está preocupado com a composição do Supremo Tribunal Federal em 2021. Seis anos depois de ter sido deflagrada a Operação Castelo de Areia, o ministro Luís Roberto Barroso sepultou-a. Ela investigava roubalheiras de empreiteiros. O cretino teme que aconteça a mesma coisa com a Lava Jato.
Em todos os casos, essas investigações atolam porque descobre-se que foram alavancadas por ações ilegais. Contaram-lhe que esse respeito ao que parecem ser pequenos detalhes foi estabelecido nos Estados Unidos em 1966, no caso de Ernesto Miranda, um cidadão acusado de ter matado uma menina. Ele confessou o crime, mas a polícia não lhe disse que tinha o direito de ficar calado. Miranda recorreu à Corte Suprema numa folha de papel almaço, ganhou e foi libertado. Daí em diante, tornou-se sinônimo do direito dos presos.
Eremildo foi atrás desse caso: O processo foi reaberto na primeira instância, Miranda foi a um novo julgamento e tomou uma cana de vinte anos. Libertado condicionalmente em 1972, morreu numa briga de bar.
Eremildo concluiu que, quando a Justiça quer, funciona.
Festa
Marta Suplicy comemorará seu aniversário com uma festa no dia 20 de março.
Mais uma dor de cabeça para os petistas que pensam em apagar seu verbete da enciclopédia soviética.
DE SOBRAL.PINTO@EDU PARA JUIZ.MORO.JUS
Meritíssimo juiz Sergio Moro,
Quando eu estava aí, minhas cartas eram longas. Esta será curta. O senhor disse que o encontro dos advogados das empreiteiras com o ministro da Justiça é "intolerável". Não é. Falta o senhor provar que eles trataram de assuntos impróprios. Fui de um tempo em que advogados iam para a cadeia porque defendiam comunistas. Na minha conta devem ter sido uma dezena, alguns deles sequestrados. Meteram-me numa enxovia em Goiás. Veja só: nós sabíamos que nossos clientes eram comunistas, mas nosso papel era defendê-los. Eu nada cobrava a eles. Como magistrado, o senhor tem duas obrigações: encarcerar os delinquentes e assegurar-lhes a defesa.
Acredite, jovem, mas até hoje o general Ernesto Geisel fecha a cara quando passa por mim. Não faz isso porque eu defendia subversivos durante a ditadura, mas porque em 1924, aos 31 anos, durante o governo de Artur Bernardes, eu era procurador criminal e tinha sob a minha exclusiva responsabilidade a direção da repressão legal aos criminosos políticos civis e militares que haviam atentado contra a ordem constitucional. Processei conspiradores e fui o iniciador no país da campanha eficiente contra o comunismo. Geisel fecha a cara porque entre os presos da época estavam os famosos "tenentes" que, como ele, viriam a ser os corifeus da ditadura de 1964. Como procurador, processei sediciosos e comunistas. Como advogado, defendi sediciosos e comunistas. Servi sempre ao direito. Não gosto de falar de colegas, mas guardo lembranças amargas de magistrados que se encantaram com o poder dos palácios ou com as vozes da rua.
Até hoje não vi na vossa conduta sinais de arbitrariedade. Não posso dizer se as prisões que o senhor decretou alongam-se em demasia, mas como procurador eu também não gostava de soltar presos.
Respeitosamente
Heráclito Sobral Pinto, advogado
Dois exemplos do que se faz, sem muito barulho, para destruir as contas públicas, arruinando o país
Em novembro a doutora Dilma sancionou um projeto refinanciando as dívidas de Estados e municípios. Coisa de R$ 500 bilhões, que deveriam ser pagos até 2039. Governadores e prefeitos que herdaram o espeto mexeram-se para mudar as condições de pagamento. No carro-chefe ficou o comissário de São Paulo Fernando Haddad. Argumentava que a cidade tinha perdido a capacidade de investimento. Mudando-se o sistema, sua dívida cairia de R$ 62 bilhões para R$ 36 bilhões. Como dinheiro não nasce em árvore, a Viúva perderá receita. Neste ano, seria uma mixórdia, apenas R$ 1 bilhão. Quem pagou tudo direitinho ferrou-se.
Esse assunto não tinha personagens satanizáveis nem podia ser tratado como um escândalo. Teve até o apoio do PSDB. Virou uma coisa boa.
Quatro anos antes, o mesmo Fernando Haddad estava no ministério da Educação e mudou as regras do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, o Fies. Vivendo na ponta que distribui dinheiro, baixou os juros para 3,4% ao ano, ampliou os prazos de pagamento para três vezes o tempo de duração do curso e relaxou as exigências para os fiadores. Criou-se a fiança solidária, bastando juntar três colegas da faculdade. De onde sairá o dinheiro emprestado a juros subsidiados e em condições imprevisíveis de retorno? Um palpite: da bolsa da Viúva.
Aquilo que poderia ser uma boa iniciativa virou uma estatização do risco do financiamento das universidades privadas. Esse tipo de crédito é socialmente necessário, desde que seja matematicamente sustentável. Faculdades estimularam seus alunos a migrar para o Fies e, com isso, o número de bolsistas passou de 150 mil em 2010 para 4,4 milhões em 2014. Os financiamentos pularam de R$ 1,1 bilhão para R$ 13,4 bilhões. Há faculdades onde os alunos que pagam as mensalidades tornaram-se uma raridade. Formaram-se conglomerados universitários, com ações na Bolsa. O repórter José Roberto Toledo mostrou que, entre 2012 e novembro de 2014, enquanto o Ibovespa caiu 18%, as ações do grupo Kroton, com um milhão da alunos, valorizaram-se em 500%. (Em 2014 o grupo recebeu R$ 2 bilhões do Fies, cifra inédita até para a Odebrecht.)
O ministro Cid Gomes quis colocar método na maluquice, exigindo padrões de desempenho acadêmico às escolas, notas melhores dos alunos para o acesso ao programa e associou parte do desembolso à formatura do jovem. Prenunciou-se uma "catástrofe". Ou, nas palavras de Gabriel Mario Rodrigues, presidente da guilda da escolas privadas, "o governo fez uma cagada", "o ministro não é do ramo" e "fala demais". Com toda razão, ele diz que "não podemos confiar no governo". Nem eles nem a torcida do Flamengo. Com a ajuda de parlamentares e de "gente trabalhando nas altas esferas" (em quem confiam), as empresas se articulam para desossar as medidas.
Ganha um fim de semana na Guiné Equatorial quem acredita que esses financiamentos dados com critérios frouxos e fianças capengas fecharão a conta na bolsa da Viúva. Vem por aí outro rombo. Como aconteceu com a dívida dos Estados e municípios, certamente será renegociado, noutros governos. É assim que se quebra um país.
CPI
Será instalada nesta semana a terceira CPI para investigar roubalheiras na Petrobras.
Na melhor das hipóteses, vai dar em nada, como as demais. Na pior, vai dar em tenebrosas transações, como aconteceu com suas antecessoras que investigaram as tramoias de Carlinhos Cachoeira e aquelas praticadas no Banestado.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e está preocupado com a composição do Supremo Tribunal Federal em 2021. Seis anos depois de ter sido deflagrada a Operação Castelo de Areia, o ministro Luís Roberto Barroso sepultou-a. Ela investigava roubalheiras de empreiteiros. O cretino teme que aconteça a mesma coisa com a Lava Jato.
Em todos os casos, essas investigações atolam porque descobre-se que foram alavancadas por ações ilegais. Contaram-lhe que esse respeito ao que parecem ser pequenos detalhes foi estabelecido nos Estados Unidos em 1966, no caso de Ernesto Miranda, um cidadão acusado de ter matado uma menina. Ele confessou o crime, mas a polícia não lhe disse que tinha o direito de ficar calado. Miranda recorreu à Corte Suprema numa folha de papel almaço, ganhou e foi libertado. Daí em diante, tornou-se sinônimo do direito dos presos.
Eremildo foi atrás desse caso: O processo foi reaberto na primeira instância, Miranda foi a um novo julgamento e tomou uma cana de vinte anos. Libertado condicionalmente em 1972, morreu numa briga de bar.
Eremildo concluiu que, quando a Justiça quer, funciona.
Festa
Marta Suplicy comemorará seu aniversário com uma festa no dia 20 de março.
Mais uma dor de cabeça para os petistas que pensam em apagar seu verbete da enciclopédia soviética.
DE SOBRAL.PINTO@EDU PARA JUIZ.MORO.JUS
Meritíssimo juiz Sergio Moro,
Quando eu estava aí, minhas cartas eram longas. Esta será curta. O senhor disse que o encontro dos advogados das empreiteiras com o ministro da Justiça é "intolerável". Não é. Falta o senhor provar que eles trataram de assuntos impróprios. Fui de um tempo em que advogados iam para a cadeia porque defendiam comunistas. Na minha conta devem ter sido uma dezena, alguns deles sequestrados. Meteram-me numa enxovia em Goiás. Veja só: nós sabíamos que nossos clientes eram comunistas, mas nosso papel era defendê-los. Eu nada cobrava a eles. Como magistrado, o senhor tem duas obrigações: encarcerar os delinquentes e assegurar-lhes a defesa.
Acredite, jovem, mas até hoje o general Ernesto Geisel fecha a cara quando passa por mim. Não faz isso porque eu defendia subversivos durante a ditadura, mas porque em 1924, aos 31 anos, durante o governo de Artur Bernardes, eu era procurador criminal e tinha sob a minha exclusiva responsabilidade a direção da repressão legal aos criminosos políticos civis e militares que haviam atentado contra a ordem constitucional. Processei conspiradores e fui o iniciador no país da campanha eficiente contra o comunismo. Geisel fecha a cara porque entre os presos da época estavam os famosos "tenentes" que, como ele, viriam a ser os corifeus da ditadura de 1964. Como procurador, processei sediciosos e comunistas. Como advogado, defendi sediciosos e comunistas. Servi sempre ao direito. Não gosto de falar de colegas, mas guardo lembranças amargas de magistrados que se encantaram com o poder dos palácios ou com as vozes da rua.
Até hoje não vi na vossa conduta sinais de arbitrariedade. Não posso dizer se as prisões que o senhor decretou alongam-se em demasia, mas como procurador eu também não gostava de soltar presos.
Respeitosamente
Heráclito Sobral Pinto, advogado
Independência em xeque - JOÃO BOSCO RABELO
O ESTADO DE S. PAULO - 22/02
O iminente pedido de abertura de inquérito contra parlamentares denunciados na Operação Lava Jato deverá impor uma reavaliação na relação de forças entre os poderes Legislativo e Executivo.
A partir de amanhã, o pedido poderá ser encaminhado pelo Procurador-Geral, Rodrigo Janot, a qualquer momento. Já passado o carnaval, a gravidade das denúncias prometem fazer o ano começar para valer.
Beneficiária do esquema, a base do governo terá sua rebeldia testada nesse capítulo da Operação Lava Jato. Não há por que duvidar do abalo sobre os partidos que o protagonizam, com efeito sobre a supremacia recente em relação ao Planalto, liderada pelo PMDB.
O governo aguarda esse momento para tentar reequilibrar a relação de forças, embora o PT esteja no Titanic e isso possa significar a isonomia de náufragos em busca da sobrevivência.
Essa rearrumação de forças começa pelo preenchimento dos cargos de segundo escalão, com os quais o Planalto avalia compensar os partidos da base queixosos do tratamento diferenciado dado ao PT, já com o expurgo determinado pelos inquéritos no STF.
Não há sinais de envolvimento da oposição, embora pontualmente possam surgir nomes seus.
Não obstante, o Planalto pretende explorar esse eventual varejo para reforçar o discurso de que do mal da corrupção padecem todos, igualando desiguais e nivelando os partidos por baixo.
Nesse contexto, se insere a provocação da presidente Dilma Rousseff ao afirmar que a corrupção na Petrobrás, se investigada no governo do PSDB, na década de 1990, teria evitado o escândalo atual. Afora a desfaçatez do argumento, no campo judicial nada muda com isso e é cedo para um governo no segundo mês do mandato agir eleitoralmente.
Como já dito, seguir o caminho da corrupção levará a Pedro Álvares Cabral, o que não tirado PT o ineditismo de adotá-la como método dentro do governo para financiamento de campanhas e outros interesses exclusivos. A corrupção sistêmica, com evidências de projeto gerenciado de desvio de recursos públicos com fins hegemônicos, é made in PT.
O iminente pedido de abertura de inquérito contra parlamentares denunciados na Operação Lava Jato deverá impor uma reavaliação na relação de forças entre os poderes Legislativo e Executivo.
A partir de amanhã, o pedido poderá ser encaminhado pelo Procurador-Geral, Rodrigo Janot, a qualquer momento. Já passado o carnaval, a gravidade das denúncias prometem fazer o ano começar para valer.
Beneficiária do esquema, a base do governo terá sua rebeldia testada nesse capítulo da Operação Lava Jato. Não há por que duvidar do abalo sobre os partidos que o protagonizam, com efeito sobre a supremacia recente em relação ao Planalto, liderada pelo PMDB.
O governo aguarda esse momento para tentar reequilibrar a relação de forças, embora o PT esteja no Titanic e isso possa significar a isonomia de náufragos em busca da sobrevivência.
Essa rearrumação de forças começa pelo preenchimento dos cargos de segundo escalão, com os quais o Planalto avalia compensar os partidos da base queixosos do tratamento diferenciado dado ao PT, já com o expurgo determinado pelos inquéritos no STF.
Não há sinais de envolvimento da oposição, embora pontualmente possam surgir nomes seus.
Não obstante, o Planalto pretende explorar esse eventual varejo para reforçar o discurso de que do mal da corrupção padecem todos, igualando desiguais e nivelando os partidos por baixo.
Nesse contexto, se insere a provocação da presidente Dilma Rousseff ao afirmar que a corrupção na Petrobrás, se investigada no governo do PSDB, na década de 1990, teria evitado o escândalo atual. Afora a desfaçatez do argumento, no campo judicial nada muda com isso e é cedo para um governo no segundo mês do mandato agir eleitoralmente.
Como já dito, seguir o caminho da corrupção levará a Pedro Álvares Cabral, o que não tirado PT o ineditismo de adotá-la como método dentro do governo para financiamento de campanhas e outros interesses exclusivos. A corrupção sistêmica, com evidências de projeto gerenciado de desvio de recursos públicos com fins hegemônicos, é made in PT.
Trégua e pressa
O bloqueio dos bens do ex-governador Agnelo Queiroz determinada pela Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal, legitima o discurso de herança maldita do sucessor, Rodrigo Rollemberg(PSB), e produz uma trégua na cobrança do partido por menos discurso e mais soluções. O efeito político da decisão judicial, porém, deverá ser efêmero, e seu fim exigirá de Rollemberg mais empenho na regularização das contas do governo. O PSB não disfarça o incômodo com a visibilidade do chefe da Casa Civil, Helio Doyle, justificada como forma de poupar o governador do desgaste com o caos no DF
O exemplo da chefe - BERNARDO MELLO FRANCO
FOLHA DE SP - 22/02
BRASÍLIA - Como diz um experiente observador da cena política, Brasília é uma cidade pequena e de muros baixos. Por isso se estranha que o ministro da Justiça tenha tentado negar à revista "Veja" que recebeu o defensor de uma empreiteira acusada de envolvimento no petrolão.
A mudança de versões não ajudou José Eduardo Cardozo, que depois confirmaria esse e outros encontros com representantes das construtoras investigadas na Operação Lava Jato.
A alegação de que é seu dever receber advogados também não resolveu a questão. A Polícia Federal prendeu mais de 20 mil pessoas desde 2003, e a grande maioria não teve o privilégio de reclamar com o ministro.
Cardozo ainda precisou explicar por que sua agenda omitiu compromissos em 80 dias úteis desde o início do escândalo, como revelou o repórter Gabriel Mascarenhas. Questionado, atribuiu o fato a uma mera "falha no sistema de registro".
Como não se saberá tudo o que o ministro conversou com os visitantes, o que interessa agora é usar o episódio para exigir mais transparência das autoridades federais.
A lei 11.813, sancionada em 2013, obriga ministros, dirigentes de estatais e assessores mais graduados a divulgarem suas agendas diariamente na internet. Uma cartilha da Controladoria-Geral da República acrescenta que as agendas devem informar participantes, assuntos, objetivos e resultados de cada reunião.
Se as regras são ignoradas sistematicamente na Esplanada, cabe lembrar que o mau exemplo vem do Planalto. Desde que tomou posse, a presidente Dilma Rousseff trata sua agenda como peça de ficção, como se ainda vivesse na clandestinidade.
A prática de omitir compromissos oficiais está tão banalizada que leva a situações absurdas. Uma delas ocorreu no último dia 5, quando Dilma recebeu os presidentes da Câmara e do Senado em seu gabinete. A assessoria do palácio divulgou fotos do encontro, mas até hoje não o registrou na agenda de Dilma.
BRASÍLIA - Como diz um experiente observador da cena política, Brasília é uma cidade pequena e de muros baixos. Por isso se estranha que o ministro da Justiça tenha tentado negar à revista "Veja" que recebeu o defensor de uma empreiteira acusada de envolvimento no petrolão.
A mudança de versões não ajudou José Eduardo Cardozo, que depois confirmaria esse e outros encontros com representantes das construtoras investigadas na Operação Lava Jato.
A alegação de que é seu dever receber advogados também não resolveu a questão. A Polícia Federal prendeu mais de 20 mil pessoas desde 2003, e a grande maioria não teve o privilégio de reclamar com o ministro.
Cardozo ainda precisou explicar por que sua agenda omitiu compromissos em 80 dias úteis desde o início do escândalo, como revelou o repórter Gabriel Mascarenhas. Questionado, atribuiu o fato a uma mera "falha no sistema de registro".
Como não se saberá tudo o que o ministro conversou com os visitantes, o que interessa agora é usar o episódio para exigir mais transparência das autoridades federais.
A lei 11.813, sancionada em 2013, obriga ministros, dirigentes de estatais e assessores mais graduados a divulgarem suas agendas diariamente na internet. Uma cartilha da Controladoria-Geral da República acrescenta que as agendas devem informar participantes, assuntos, objetivos e resultados de cada reunião.
Se as regras são ignoradas sistematicamente na Esplanada, cabe lembrar que o mau exemplo vem do Planalto. Desde que tomou posse, a presidente Dilma Rousseff trata sua agenda como peça de ficção, como se ainda vivesse na clandestinidade.
A prática de omitir compromissos oficiais está tão banalizada que leva a situações absurdas. Uma delas ocorreu no último dia 5, quando Dilma recebeu os presidentes da Câmara e do Senado em seu gabinete. A assessoria do palácio divulgou fotos do encontro, mas até hoje não o registrou na agenda de Dilma.
Lula e seus bons amigos - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 22/02
Conforme foi amplamente noticiado, advogados de empreiteiras sob investigação no escândalo da Petrobrás tentaram obter a interferência política de Luiz Inácio Lula da Silva a favor de seus clientes. Essa informação foi confirmada pelo amigo e sócio do ex-presidente Paulo Okamotto, que preside o Instituto Lula. Por outro lado, a presidente Dilma Rousseff, questionada sobre o episódio pelos jornalistas no Palácio do Planalto, garantiu: "Nós iremos tratar as empresas tentando principalmente considerar que é necessário criar emprego e gerar renda no Brasil. Isso não significa de maneira alguma ser conivente ou apoiar ou impedir qualquer investigação ou qualquer punição a quem quer que seja. Doa a quem doer". A presidente fez ainda uma clara distinção entre as empresas, seus gestores e seus acionistas.
É compreensível que as empreiteiras acusadas de alimentar o propinoduto do petrolão estejam empenhadas em minimizar as consequências da lambança em que se meteram. Mas a consciência cívica do País jamais admitirá que interesses políticos predominem sobre o império da lei. O julgamento do mensalão, em 2012, foi um marco histórico do qual é impossível retroceder sem provocar uma grave fratura institucional. E Dilma Rousseff parece se dar conta disso.
Dessa perspectiva, é essencial que todos os fatos fora da esfera policial e judicial relacionados a esse processo sejam tratados com transparência por autoridades ou figuras públicas. As repercussões políticas negativas das trapalhadas do ministro da Justiça na frustrada tentativa de manter em sigilo a audiência que concedeu a advogados da Odebrecht teriam sido evitadas se tivesse havido transparência, em vez de uma deliberada e, como se viu, inútil omissão na agenda do ministro do nome da empreiteira e do assunto a ser tratado na audiência.
Pois é exatamente diante dessa demanda democraticamente irrecusável - a de agir com transparência quando se trata de assunto de interesse público - que Lula se encontra depois da firme manifestação da presidente da República e de Paulo Okamotto ter feito sua parte e admitido o assédio por parte das empreiteiras. É claro que nenhum empresário procura Okamotto para elogiar seu belo trabalho na presidência do instituto que leva o nome do ex-presidente. Na maior parte dos casos, aliás, Okamotto recebe as pessoas a pedido do próprio Lula. E é de imaginar que, dependendo do assunto a ser tratado, Lula prefira receber com maior discrição, fora de sua base oficial, as pessoas que lhe solicitam "um particular". O ex-presidente é muito bem relacionado nos altos escalões da iniciativa privada, onde cultiva muitos e bons amigos e chega a privar da intimidade de alguns deles.
Por esse motivo conviria ao próprio Lula vir a público para esclarecer como se posiciona diante do assédio de alguns bons amigos cujos interesses estão ameaçados pelo escândalo da estatal petroleira. É claro que semelhante postura contraria frontalmente a prática por ele consagrada de se fechar em copas e fingir-se de morto quando o perigo ronda. E deve-se levar em conta também que, se vier a público para declarar-se indignado com o escândalo e defender a "rigorosa punição de todos os culpados", Lula estará correndo o risco de, como aconteceu no caso do mensalão, ser levado a desdizer-se mais adiante e proclamar que tudo não passou de "uma farsa" que ele próprio, com seus superpoderes, se encarregará de desmontar.
De qualquer modo, o próprio Lula há de convir - especialmente depois das declarações da presidente Dilma Rousseff - que hoje a situação é muito mais complicada e grave do que no caso do mensalão, do qual saiu ileso. E é exatamente a gravidade da situação, principalmente quando considerada do ponto de vista do lulopetismo e de seu projeto de poder, que pode levar a suspeitas de que se tente armar um grande esquema político destinado a tirar do forno o que seria a maior pizza da história da República.
Afinal, muitos dos empreiteiros do País estão sendo levados, uns, ao desespero, e outros, à desesperança pelas provas já colhidas dos delitos que praticaram e pelas ameaças implícitas nas negociações em curso para mais delações premiadas. E a tanto desalento se juntará, dentro de mais alguns dias, o de políticos também corruptos, que serão denunciados no Supremo Tribunal Federal.
Conforme foi amplamente noticiado, advogados de empreiteiras sob investigação no escândalo da Petrobrás tentaram obter a interferência política de Luiz Inácio Lula da Silva a favor de seus clientes. Essa informação foi confirmada pelo amigo e sócio do ex-presidente Paulo Okamotto, que preside o Instituto Lula. Por outro lado, a presidente Dilma Rousseff, questionada sobre o episódio pelos jornalistas no Palácio do Planalto, garantiu: "Nós iremos tratar as empresas tentando principalmente considerar que é necessário criar emprego e gerar renda no Brasil. Isso não significa de maneira alguma ser conivente ou apoiar ou impedir qualquer investigação ou qualquer punição a quem quer que seja. Doa a quem doer". A presidente fez ainda uma clara distinção entre as empresas, seus gestores e seus acionistas.
É compreensível que as empreiteiras acusadas de alimentar o propinoduto do petrolão estejam empenhadas em minimizar as consequências da lambança em que se meteram. Mas a consciência cívica do País jamais admitirá que interesses políticos predominem sobre o império da lei. O julgamento do mensalão, em 2012, foi um marco histórico do qual é impossível retroceder sem provocar uma grave fratura institucional. E Dilma Rousseff parece se dar conta disso.
Dessa perspectiva, é essencial que todos os fatos fora da esfera policial e judicial relacionados a esse processo sejam tratados com transparência por autoridades ou figuras públicas. As repercussões políticas negativas das trapalhadas do ministro da Justiça na frustrada tentativa de manter em sigilo a audiência que concedeu a advogados da Odebrecht teriam sido evitadas se tivesse havido transparência, em vez de uma deliberada e, como se viu, inútil omissão na agenda do ministro do nome da empreiteira e do assunto a ser tratado na audiência.
Pois é exatamente diante dessa demanda democraticamente irrecusável - a de agir com transparência quando se trata de assunto de interesse público - que Lula se encontra depois da firme manifestação da presidente da República e de Paulo Okamotto ter feito sua parte e admitido o assédio por parte das empreiteiras. É claro que nenhum empresário procura Okamotto para elogiar seu belo trabalho na presidência do instituto que leva o nome do ex-presidente. Na maior parte dos casos, aliás, Okamotto recebe as pessoas a pedido do próprio Lula. E é de imaginar que, dependendo do assunto a ser tratado, Lula prefira receber com maior discrição, fora de sua base oficial, as pessoas que lhe solicitam "um particular". O ex-presidente é muito bem relacionado nos altos escalões da iniciativa privada, onde cultiva muitos e bons amigos e chega a privar da intimidade de alguns deles.
Por esse motivo conviria ao próprio Lula vir a público para esclarecer como se posiciona diante do assédio de alguns bons amigos cujos interesses estão ameaçados pelo escândalo da estatal petroleira. É claro que semelhante postura contraria frontalmente a prática por ele consagrada de se fechar em copas e fingir-se de morto quando o perigo ronda. E deve-se levar em conta também que, se vier a público para declarar-se indignado com o escândalo e defender a "rigorosa punição de todos os culpados", Lula estará correndo o risco de, como aconteceu no caso do mensalão, ser levado a desdizer-se mais adiante e proclamar que tudo não passou de "uma farsa" que ele próprio, com seus superpoderes, se encarregará de desmontar.
De qualquer modo, o próprio Lula há de convir - especialmente depois das declarações da presidente Dilma Rousseff - que hoje a situação é muito mais complicada e grave do que no caso do mensalão, do qual saiu ileso. E é exatamente a gravidade da situação, principalmente quando considerada do ponto de vista do lulopetismo e de seu projeto de poder, que pode levar a suspeitas de que se tente armar um grande esquema político destinado a tirar do forno o que seria a maior pizza da história da República.
Afinal, muitos dos empreiteiros do País estão sendo levados, uns, ao desespero, e outros, à desesperança pelas provas já colhidas dos delitos que praticaram e pelas ameaças implícitas nas negociações em curso para mais delações premiadas. E a tanto desalento se juntará, dentro de mais alguns dias, o de políticos também corruptos, que serão denunciados no Supremo Tribunal Federal.
A novela do Fies - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 22/02
Um dos programas mais conhecidos do governo, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), converteu-se em problema financeiro e político. Os gastos cresceram muito nos últimos quatro anos e as autoridades econômicas, obrigadas a equilibrar as contas do governo, tiveram de rever o programa, o que gerou críticas das universidades privadas.
O problema financeiro está no desenho institucional do Fies, que concede empréstimos para que os estudantes das universidades particulares possam pagar as mensalidades. O dinheiro é repassado automaticamente às instituições, sem exigência de avalista dos financiados, sem critérios claros para a concessão de empréstimos e sem fiscalização do desempenho escolar dos beneficiados. O excesso de liberalidade e a falta de controle levaram a uma explosão de pedidos de financiamento, o que estimulou as instituições privadas de ensino superior a abrir o capital para obter na Bolsa de Valores os recursos necessários para se expandir. Cerca de 70% dos alunos das universidades particulares são financiados pelo Fies.
Em dezembro, um mês após a reeleição da presidente Dilma Rousseff, o governo mudou abruptamente as regras do Fies, exigindo dos estudantes um mínimo de 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio como condição para a obtenção de financiamento. Foi aí que começou o problema político. Além de proibir a renovação dos contratos cuja mensalidade tinha sido reajustada acima de 4,5%, menos do que a inflação de 2014, as autoridades educacionais fecharam o acesso ao site do Fies para os quase 2 milhões de alunos que dependem de financiamento para continuar estudando. Nos primeiros 40 dias de 2015, apenas 280 mil estudantes conseguiram renovar os contratos.
Com quedas expressivas de suas ações, as universidades privadas reclamaram das alterações no fluxo de repasses do Fies e criticaram a introdução de novas regras a dois meses do início das aulas. Em resposta, as autoridades educacionais ameaçaram ampliar a intervenção governamental no setor, sob o pretexto de melhorar a qualidade do ensino. "Ao longo de sua história, o Brasil deu poucas oportunidades para estudantes pobres e carentes cursarem uma universidade. Agora a gente quer regularizar o fluxo de repasses, pautando a qualidade como princípio fundamental. Estamos financiando oportunidades, não dando dinheiro sem critérios", disse o ministro Cid Gomes.
Ele também afirmou que, por causa do alto custo dos empréstimos para os cofres públicos, o governo tinha o direito de impor os níveis de reajuste das mensalidades. Anunciou que a política de financiamento estudantil se privilegiaria os "cursos estratégicos para o Brasil". E manifestou a disposição de centralizar a concessão de bolsas, obrigando as universidades particulares a cadastrar suas vagas numa plataforma digital, com base na qual o MEC - e não as instituições de ensino - selecionariam os alunos.
A restrição ao repasse da inflação no valor das mensalidades criou mais problemas para os estudantes e para as universidades. Para não perder o financiamento, as escolas reduziram o reajuste para 4,5%, mas enviaram boletos com aumento de 7% para os universitários que não precisam do Fies, o que abriu caminho para uma enxurrada de ações judiciais. Alegando que contrataram professores e programaram despesas antes da mudança das regras do Fies e que não era justo terem de arcar com os prejuízos daí decorrentes, as universidades privadas recorreram aos tribunais e ameaçaram adiar o início das aulas.
Com medo da judicialização do ensino superior privado, da oposição do movimento estudantil e do comprometimento do calendário escolar de 2015, o governo recuou. Aceitou um reajuste das mensalidades em 6,5%. Adiou a entrada em vigor da exigência de pontuação mínima. Reabriu o site do Fies e voltou a aceitar novos alunos. Por fim, anunciou que os novos contratos de financiamento estudantil poderão ser firmados até o dia 30 de abril.
É assim que o ensino superior vem sendo gerido na Pátria educadora.
Um dos programas mais conhecidos do governo, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), converteu-se em problema financeiro e político. Os gastos cresceram muito nos últimos quatro anos e as autoridades econômicas, obrigadas a equilibrar as contas do governo, tiveram de rever o programa, o que gerou críticas das universidades privadas.
O problema financeiro está no desenho institucional do Fies, que concede empréstimos para que os estudantes das universidades particulares possam pagar as mensalidades. O dinheiro é repassado automaticamente às instituições, sem exigência de avalista dos financiados, sem critérios claros para a concessão de empréstimos e sem fiscalização do desempenho escolar dos beneficiados. O excesso de liberalidade e a falta de controle levaram a uma explosão de pedidos de financiamento, o que estimulou as instituições privadas de ensino superior a abrir o capital para obter na Bolsa de Valores os recursos necessários para se expandir. Cerca de 70% dos alunos das universidades particulares são financiados pelo Fies.
Em dezembro, um mês após a reeleição da presidente Dilma Rousseff, o governo mudou abruptamente as regras do Fies, exigindo dos estudantes um mínimo de 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio como condição para a obtenção de financiamento. Foi aí que começou o problema político. Além de proibir a renovação dos contratos cuja mensalidade tinha sido reajustada acima de 4,5%, menos do que a inflação de 2014, as autoridades educacionais fecharam o acesso ao site do Fies para os quase 2 milhões de alunos que dependem de financiamento para continuar estudando. Nos primeiros 40 dias de 2015, apenas 280 mil estudantes conseguiram renovar os contratos.
Com quedas expressivas de suas ações, as universidades privadas reclamaram das alterações no fluxo de repasses do Fies e criticaram a introdução de novas regras a dois meses do início das aulas. Em resposta, as autoridades educacionais ameaçaram ampliar a intervenção governamental no setor, sob o pretexto de melhorar a qualidade do ensino. "Ao longo de sua história, o Brasil deu poucas oportunidades para estudantes pobres e carentes cursarem uma universidade. Agora a gente quer regularizar o fluxo de repasses, pautando a qualidade como princípio fundamental. Estamos financiando oportunidades, não dando dinheiro sem critérios", disse o ministro Cid Gomes.
Ele também afirmou que, por causa do alto custo dos empréstimos para os cofres públicos, o governo tinha o direito de impor os níveis de reajuste das mensalidades. Anunciou que a política de financiamento estudantil se privilegiaria os "cursos estratégicos para o Brasil". E manifestou a disposição de centralizar a concessão de bolsas, obrigando as universidades particulares a cadastrar suas vagas numa plataforma digital, com base na qual o MEC - e não as instituições de ensino - selecionariam os alunos.
A restrição ao repasse da inflação no valor das mensalidades criou mais problemas para os estudantes e para as universidades. Para não perder o financiamento, as escolas reduziram o reajuste para 4,5%, mas enviaram boletos com aumento de 7% para os universitários que não precisam do Fies, o que abriu caminho para uma enxurrada de ações judiciais. Alegando que contrataram professores e programaram despesas antes da mudança das regras do Fies e que não era justo terem de arcar com os prejuízos daí decorrentes, as universidades privadas recorreram aos tribunais e ameaçaram adiar o início das aulas.
Com medo da judicialização do ensino superior privado, da oposição do movimento estudantil e do comprometimento do calendário escolar de 2015, o governo recuou. Aceitou um reajuste das mensalidades em 6,5%. Adiou a entrada em vigor da exigência de pontuação mínima. Reabriu o site do Fies e voltou a aceitar novos alunos. Por fim, anunciou que os novos contratos de financiamento estudantil poderão ser firmados até o dia 30 de abril.
É assim que o ensino superior vem sendo gerido na Pátria educadora.
Do silêncio ao vazio - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 22/02
Declarações da presidente sobre o caso Petrobras preocupam pela fraqueza argumentativa e pelo descompasso com a realidade
Poderiam ter sido apenas patéticas, mas são preocupantes as declarações da presidente Dilma Rousseff (PT), após várias semanas de silêncio, sobre o caso Petrobras.
Repetiram-se, na sua entrevista de sexta-feira (20) --a primeira desde que começou seu novo mandato--, considerações já conhecidas de quem se recorda dos debates travados na campanha eleitoral.
Dilma voltou a insistir na tecla de que os casos de corrupção agora são investigados com mais rigor, dada a independência do Ministério Público e da Polícia Federal.
Ao reproduzir essa tática argumentativa na atual conjuntura, todavia, a presidente agrava a impressão de que nunca teve nada de efetivo para apresentar à sociedade diante da crise na Petrobras; nada, a não ser a quase envergonhada demissão de Graça Foster e a indicação de Aldemir Bendine para o comando da estatal.
Nessa troca de nomes, feita como que a contragosto, sem nenhuma afirmação verbal de liderança, sem nenhum sinal de que tomasse a condução política dos fatos, Dilma colocara-se como espectadora, reagindo diante do inevitável.
Esse seria o lado patético de sua entrevista: a falta de outro discurso além daquele, pífio, proposto pelos publicitários nas últimas eleições e a permanência de uma atitude inerte, passiva, diante do episódio.
O lado preocupante, todavia, chama mais a atenção. Transparece, na entrevista de Dilma, a expectativa de que ainda possa estar convencendo alguém quando projeta para 1996 ou 1997 a raiz da atual crise na Petrobras (talvez nem mesmo nos ambientes do petismo a tese ganhe credibilidade).
Se houvesse investigações sobre corrupção naquela época, "nós não teríamos o caso desse funcionário da Petrobras que ficou durante quase 20 anos [atuando no esquema]", disse a presidente.
Como se, depois de transcorrida a gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), não tivesse havido o primeiro e o segundo mandatos de Lula, seguidos dos anos de governo da própria Dilma.
Pode-se, sem dúvida, discutir quando começou a corrupção na Petrobras. Mas o espantoso no raciocínio presidencial está em sugerir que Lula, Dilma e toda a camarilha são vítimas de irregularidades cometidas 20 anos atrás. Assim, PT, PMDB e PP, partidos que delatores apontaram como beneficiários de bilhões desviados, seriam meros bodes expiatórios.
Levando adiante o que sustentou a presidente, se Lula tivesse ganho as eleições em 1994, levando Dilma ao conselho da Petrobras, a rapinagem nunca teria chegado ao ponto a que chegou.
O cinismo, às vezes, confunde-se com a estultice; entre a falta de sensibilidade política, a fraqueza argumentativa e o desgaste de sua liderança, a presidente Dilma Rousseff rompe o silêncio para criar somente uma sensação de vazio ainda maior à sua volta.
Declarações da presidente sobre o caso Petrobras preocupam pela fraqueza argumentativa e pelo descompasso com a realidade
Poderiam ter sido apenas patéticas, mas são preocupantes as declarações da presidente Dilma Rousseff (PT), após várias semanas de silêncio, sobre o caso Petrobras.
Repetiram-se, na sua entrevista de sexta-feira (20) --a primeira desde que começou seu novo mandato--, considerações já conhecidas de quem se recorda dos debates travados na campanha eleitoral.
Dilma voltou a insistir na tecla de que os casos de corrupção agora são investigados com mais rigor, dada a independência do Ministério Público e da Polícia Federal.
Ao reproduzir essa tática argumentativa na atual conjuntura, todavia, a presidente agrava a impressão de que nunca teve nada de efetivo para apresentar à sociedade diante da crise na Petrobras; nada, a não ser a quase envergonhada demissão de Graça Foster e a indicação de Aldemir Bendine para o comando da estatal.
Nessa troca de nomes, feita como que a contragosto, sem nenhuma afirmação verbal de liderança, sem nenhum sinal de que tomasse a condução política dos fatos, Dilma colocara-se como espectadora, reagindo diante do inevitável.
Esse seria o lado patético de sua entrevista: a falta de outro discurso além daquele, pífio, proposto pelos publicitários nas últimas eleições e a permanência de uma atitude inerte, passiva, diante do episódio.
O lado preocupante, todavia, chama mais a atenção. Transparece, na entrevista de Dilma, a expectativa de que ainda possa estar convencendo alguém quando projeta para 1996 ou 1997 a raiz da atual crise na Petrobras (talvez nem mesmo nos ambientes do petismo a tese ganhe credibilidade).
Se houvesse investigações sobre corrupção naquela época, "nós não teríamos o caso desse funcionário da Petrobras que ficou durante quase 20 anos [atuando no esquema]", disse a presidente.
Como se, depois de transcorrida a gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), não tivesse havido o primeiro e o segundo mandatos de Lula, seguidos dos anos de governo da própria Dilma.
Pode-se, sem dúvida, discutir quando começou a corrupção na Petrobras. Mas o espantoso no raciocínio presidencial está em sugerir que Lula, Dilma e toda a camarilha são vítimas de irregularidades cometidas 20 anos atrás. Assim, PT, PMDB e PP, partidos que delatores apontaram como beneficiários de bilhões desviados, seriam meros bodes expiatórios.
Levando adiante o que sustentou a presidente, se Lula tivesse ganho as eleições em 1994, levando Dilma ao conselho da Petrobras, a rapinagem nunca teria chegado ao ponto a que chegou.
O cinismo, às vezes, confunde-se com a estultice; entre a falta de sensibilidade política, a fraqueza argumentativa e o desgaste de sua liderança, a presidente Dilma Rousseff rompe o silêncio para criar somente uma sensação de vazio ainda maior à sua volta.
Acordos entre Argentina e China prejudicam Brasil - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 22/02
Buenos Aires dá lição a Brasília ao transformar chineses em importantes parceiros, sem se preocupar com as normas e os interesses do Mercosul
É conhecida a paralisia que contaminou a política externa brasileira com a chegada de Lula e PT ao Planalto, em janeiro de 2003. Subordinada aos compadrios ideológicos do novo grupo no poder — alianças sempre com viés antiamericanista, terceiro-mundista, à moda da esquerda de durante a Guerra Fria —, a diplomacia companheira acumula, nesses 12 anos de lulopetismo, um extenso inventário de prejuízos ao país.
As perdas são mais visíveis no comércio internacional, em que oportunidades de ampliação de mercados são perdidas porque o Brasil não assina acordos bilaterais e se mantém preso a um Mercosul em crise, apenas devido a afinidades com bolivarianos e assemelhados, como a Argentina kirchnerista.
Mas, por suprema ironia, esta mesma Argentina acaba de dar um passo diplomático, em defesa dos próprios interesses, numa clara lição ao Brasil. Sem se preocupar com qualquer reciprocidade a Brasília, nem com o Mercosul, a Casa Rosada firmou com a China uma série de acordos que deverão reduzir ainda mais os espaços do mercado argentino para produtos manufaturados brasileiros, entre outros.
Sob o cerco de grave crise econômica, alijada do mercado mundial de crédito, a Argentina decidiu assinar 15 acordos com os chineses — construção de hidrelétricas, no setor agrícola, nas telecomunicações etc. — para, em troca, conseguir divisas.
Os chineses são especialistas nesses tipos de operações, em que socorrem países em dificuldades, para obter algo em troca: mercado para suas exportações e/ou o suprimento de energia (petróleo, carvão etc.).
O temor é que os chineses tenham tratamento tarifário especial na Argentina. Se já são bastante competitivos em condições normais, imagine-se com incentivos.
O Brasil já há algum tempo perde mercado para produtos chineses no vizinho. Até pelo protecionismo argentino contra as exportações brasileiras de manufaturados, uma agressão ao próprio acordo de união aduaneira do Mercosul, e isso sem que o governo brasileiro reaja à altura. Devido ao tal compadrio.
Em máquinas e equipamentos, por exemplo, a Argentina foi o principal mercado importador do Mercosul até 2013. Já no ano passado, o posto foi ocupado pela China. Com os acordos recém-assinados por Cristina Kirchner em Pequim, esta liderança deve se consolidar.
O lado positivo de tudo isso é que a Argentina mostra ao Brasil que caminho se deve trilhar: sem deixar de preservar o comércio no Mercosul, abrir-se a acordos com grandes mercados importadores.
Há mais de uma década, por exemplo, tenta-se assinar um entre o Mercosul e a União Europeia. Por resistência argentina, o tratado não sai. Pois a própria Argentina acaba de indicar a saída para o impasse.
Buenos Aires dá lição a Brasília ao transformar chineses em importantes parceiros, sem se preocupar com as normas e os interesses do Mercosul
É conhecida a paralisia que contaminou a política externa brasileira com a chegada de Lula e PT ao Planalto, em janeiro de 2003. Subordinada aos compadrios ideológicos do novo grupo no poder — alianças sempre com viés antiamericanista, terceiro-mundista, à moda da esquerda de durante a Guerra Fria —, a diplomacia companheira acumula, nesses 12 anos de lulopetismo, um extenso inventário de prejuízos ao país.
As perdas são mais visíveis no comércio internacional, em que oportunidades de ampliação de mercados são perdidas porque o Brasil não assina acordos bilaterais e se mantém preso a um Mercosul em crise, apenas devido a afinidades com bolivarianos e assemelhados, como a Argentina kirchnerista.
Mas, por suprema ironia, esta mesma Argentina acaba de dar um passo diplomático, em defesa dos próprios interesses, numa clara lição ao Brasil. Sem se preocupar com qualquer reciprocidade a Brasília, nem com o Mercosul, a Casa Rosada firmou com a China uma série de acordos que deverão reduzir ainda mais os espaços do mercado argentino para produtos manufaturados brasileiros, entre outros.
Sob o cerco de grave crise econômica, alijada do mercado mundial de crédito, a Argentina decidiu assinar 15 acordos com os chineses — construção de hidrelétricas, no setor agrícola, nas telecomunicações etc. — para, em troca, conseguir divisas.
Os chineses são especialistas nesses tipos de operações, em que socorrem países em dificuldades, para obter algo em troca: mercado para suas exportações e/ou o suprimento de energia (petróleo, carvão etc.).
O temor é que os chineses tenham tratamento tarifário especial na Argentina. Se já são bastante competitivos em condições normais, imagine-se com incentivos.
O Brasil já há algum tempo perde mercado para produtos chineses no vizinho. Até pelo protecionismo argentino contra as exportações brasileiras de manufaturados, uma agressão ao próprio acordo de união aduaneira do Mercosul, e isso sem que o governo brasileiro reaja à altura. Devido ao tal compadrio.
Em máquinas e equipamentos, por exemplo, a Argentina foi o principal mercado importador do Mercosul até 2013. Já no ano passado, o posto foi ocupado pela China. Com os acordos recém-assinados por Cristina Kirchner em Pequim, esta liderança deve se consolidar.
O lado positivo de tudo isso é que a Argentina mostra ao Brasil que caminho se deve trilhar: sem deixar de preservar o comércio no Mercosul, abrir-se a acordos com grandes mercados importadores.
Há mais de uma década, por exemplo, tenta-se assinar um entre o Mercosul e a União Europeia. Por resistência argentina, o tratado não sai. Pois a própria Argentina acaba de indicar a saída para o impasse.
O Velho Oeste de Haddad - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 22/02
Talvez o prefeito Fernando Haddad nunca se tenha revelado tão fiel à maneira de pensar e sentir de seu partido, o PT, quanto em entrevista concedida à TV Estadão a respeito dos meios de transporte na capital ou da mobilidade urbana. Apelando para palavras pesadas que contrastam com o ar de bom moço que cultiva, ele se mostrou à altura de seus companheiros, ao tratar os que criticam suas iniciativas naquela área, não como quem assim procede com a intenção de apontar o que consideram erros a serem evitados ou corrigidos, mas como inimigos que querem destruir o que classifica de projeto de modernização da cidade.
Numa linguagem mais terra a terra, é a técnica do "nós", os mocinhos, contra "eles", os bandidos, como se estivéssemos no Velho Oeste. "Tem uma campanha, que eu acho sórdida, contra o projeto de modernização da cidade, pelo qual passaram Buenos Aires, Nova York, Frankfurt, São Francisco", disse ele se referindo à oposição entre os transportes individual (salvo bicicleta) e coletivo. Sórdido é algo imundo, repugnante ou, em sentido figurado, indica o emprego de meios baixos para alcançar um fim. Ou o prefeito não prestou bem atenção ao sentido da palavra ou agiu friamente. Nos dois casos, é grave.
Sordidez à parte, a argumentação de Haddad em favor de seus projetos deixa muito a desejar, sem falar em sua mania de grandeza. Cada parte merece comentário. "A gente fica falando do túnel não sei de onde, do viaduto não sei de onde. Está tudo errado. O certo é investir no transporte público e no transporte individual não motorizado", diz ele. E em outro trecho: "Vamos dar marcha à ré na cidade de São Paulo? Vamos voltar a asfaltar a cidade, fazer faixa de rolamento para carro, acabar com a área verde da Marginal?".
Em primeiro lugar, salta aos olhos que sem túneis e viadutos - os existentes e outros que se fizerem necessários - e obras como a de ampliação da Marginal do Tietê, também criticada duramente, São Paulo para. O mesmo vale para novas ruas asfaltadas. O prefeito, que gosta de citar o exemplo de grandes cidades de países desenvolvidos, esqueceu-se de que nelas tudo isso continua a ser feito, quando preciso, porque lá como cá existe e continuará existindo um bom número de pessoas que preferem usar carro e que também precisam ser atendidas. E que isso não exclui investimentos em transporte público, ao contrário, conjuga-se com eles.
Opor o transporte público, cuja prioridade não se discute, ao transporte individual é uma esperteza para enganar os incautos, não é coisa séria. Só o transporte coletivo de boa qualidade, rápido e confortável, leva a maior parte dos proprietários de carros a não usá-los para ir ao trabalho, às escolas ou às compras, como ocorre em Nova York, Londres, Berlim, Paris, Tóquio e outras cidades.
O que tem feito Haddad para ajudar São Paulo a ser como elas, afora seus polêmicos e estabanados projetos - se se pode chamá-los assim - de faixas exclusivas para ônibus e ciclovias? Faixas que, além de não serem a panaceia alardeada, em breve terão problemas com o piso, se forem intensamente utilizadas, já que não receberam o reforço indispensável. Quanto às ciclovias e às críticas de que estão quase sempre vazias, ele bem que poderia ter se poupado do ridículo desse argumento: "Tem calçada que não é usada. Tem rua que não é usada". Só faltava essa.
Haddad falou também em investir em Metrô. Deveria estar se referindo ao governo do Estado, que tem arcado com quase tudo que é investido em sua expansão, pois a colaboração da Prefeitura é muito pequena, quando existe.
Outro aspecto preocupante na entrevista são os sinais de que Haddad se dá uma importância desmedida: "O que me espanta é que pessoas esclarecidas, que viajam para o exterior, não compreendem que temos que mudar o paradigma. A cidade não vai funcionar mais como funcionava antigamente. Esse mundo acabou". Com o que, então, Haddad pensa mesmo que, com seu pífio desempenho, está fazendo uma revolução na cidade. Durma-se com um barulho desse.
Talvez o prefeito Fernando Haddad nunca se tenha revelado tão fiel à maneira de pensar e sentir de seu partido, o PT, quanto em entrevista concedida à TV Estadão a respeito dos meios de transporte na capital ou da mobilidade urbana. Apelando para palavras pesadas que contrastam com o ar de bom moço que cultiva, ele se mostrou à altura de seus companheiros, ao tratar os que criticam suas iniciativas naquela área, não como quem assim procede com a intenção de apontar o que consideram erros a serem evitados ou corrigidos, mas como inimigos que querem destruir o que classifica de projeto de modernização da cidade.
Numa linguagem mais terra a terra, é a técnica do "nós", os mocinhos, contra "eles", os bandidos, como se estivéssemos no Velho Oeste. "Tem uma campanha, que eu acho sórdida, contra o projeto de modernização da cidade, pelo qual passaram Buenos Aires, Nova York, Frankfurt, São Francisco", disse ele se referindo à oposição entre os transportes individual (salvo bicicleta) e coletivo. Sórdido é algo imundo, repugnante ou, em sentido figurado, indica o emprego de meios baixos para alcançar um fim. Ou o prefeito não prestou bem atenção ao sentido da palavra ou agiu friamente. Nos dois casos, é grave.
Sordidez à parte, a argumentação de Haddad em favor de seus projetos deixa muito a desejar, sem falar em sua mania de grandeza. Cada parte merece comentário. "A gente fica falando do túnel não sei de onde, do viaduto não sei de onde. Está tudo errado. O certo é investir no transporte público e no transporte individual não motorizado", diz ele. E em outro trecho: "Vamos dar marcha à ré na cidade de São Paulo? Vamos voltar a asfaltar a cidade, fazer faixa de rolamento para carro, acabar com a área verde da Marginal?".
Em primeiro lugar, salta aos olhos que sem túneis e viadutos - os existentes e outros que se fizerem necessários - e obras como a de ampliação da Marginal do Tietê, também criticada duramente, São Paulo para. O mesmo vale para novas ruas asfaltadas. O prefeito, que gosta de citar o exemplo de grandes cidades de países desenvolvidos, esqueceu-se de que nelas tudo isso continua a ser feito, quando preciso, porque lá como cá existe e continuará existindo um bom número de pessoas que preferem usar carro e que também precisam ser atendidas. E que isso não exclui investimentos em transporte público, ao contrário, conjuga-se com eles.
Opor o transporte público, cuja prioridade não se discute, ao transporte individual é uma esperteza para enganar os incautos, não é coisa séria. Só o transporte coletivo de boa qualidade, rápido e confortável, leva a maior parte dos proprietários de carros a não usá-los para ir ao trabalho, às escolas ou às compras, como ocorre em Nova York, Londres, Berlim, Paris, Tóquio e outras cidades.
O que tem feito Haddad para ajudar São Paulo a ser como elas, afora seus polêmicos e estabanados projetos - se se pode chamá-los assim - de faixas exclusivas para ônibus e ciclovias? Faixas que, além de não serem a panaceia alardeada, em breve terão problemas com o piso, se forem intensamente utilizadas, já que não receberam o reforço indispensável. Quanto às ciclovias e às críticas de que estão quase sempre vazias, ele bem que poderia ter se poupado do ridículo desse argumento: "Tem calçada que não é usada. Tem rua que não é usada". Só faltava essa.
Haddad falou também em investir em Metrô. Deveria estar se referindo ao governo do Estado, que tem arcado com quase tudo que é investido em sua expansão, pois a colaboração da Prefeitura é muito pequena, quando existe.
Outro aspecto preocupante na entrevista são os sinais de que Haddad se dá uma importância desmedida: "O que me espanta é que pessoas esclarecidas, que viajam para o exterior, não compreendem que temos que mudar o paradigma. A cidade não vai funcionar mais como funcionava antigamente. Esse mundo acabou". Com o que, então, Haddad pensa mesmo que, com seu pífio desempenho, está fazendo uma revolução na cidade. Durma-se com um barulho desse.