Revista Época
Com todas as tormentas que rodeiam o governo Dilma, nada poderia ser mais grave e ameaçador do que o que se passou na primeira reunião ministerial do segundo mandato. Pior que a inflação, a recessão, o apagão e o petrolão: o TelePrompTer travou. E, sem TelePrompTer, a República prendeu a respiração.
O Brasil é um país irresponsável. Está cansado de saber que, quando Dilma começa a mentir muito, ela trava. Foi assim na campanha eleitoral, quando após um debate na TV ela teve de ser socorrida. Numa entrevista ao vivo, a mente presidencial mergulhara numa tal ciranda desconexa que o equipamento enguiçou. Nem João Santana, com uma junta de mecânicos e eletricistas de última geração, poderia evitar que aquele fusível queimasse. Daí a importância vital do TelePrompTer para os rumos da nação. É a segurança dos brasileiros que está em jogo.
Ainda assim, não obstante todos os alertas e advertências, o pior aconteceu. Dilma abria solenemente a primeira reunião com seu novo ministério de notáveis, no clima de esperança e euforia que cerca seu segundo mandato, quando tudo ruiu. O TelePrompTer, pilar da democracia companheira, que garante que a presidente diga coisa com coisa, começou a ralentar. Sinais de angústia tomaram as feições presidenciais, enquanto o discurso ia se enchendo de pausas, numa tentativa de adaptação ao ritmo defeituoso do equipamento golpista. Mas não adiantou.
O TelePrompTer foi então abandonado pela chefe da nação. Ela ainda tentara fazê-lo pegar no tranco, esculhambando ao vivo seu operador - em mais uma cena típica do instinto maternal da "presidenta" mulher. O teor de mentira do discurso de Dilma estava [altíssimo naquele momento, e quem sabe pode ter sido essa a causa do apagão no TelePrompTer, porque as máquinas também têm lá sua dignidade. Nem é preciso entrar muito em detalhes sobre o que Dilma estava pregando diante de seu novo e virtuoso ministério. Basta dizer que ela estava defendendo a... Petrobras. E o nacionalismo. Quando se deu o apagão, a presidente estava dizendo algo como "toda vez que tentaram desprestigiar o capital nacional, estavam tentando na verdade..." Aí travou. Nem o TelePrompTer aguenta mais tamanha carga de cara de pau. Só o cidadão brasileiro ainda tem estômago para isso.
Quase ao mesmo tempo que Dilma denunciava os que tentam desprestigiar o capital nacional, a Operação Lava [ato comprovava como o PT fez para prestigiar o assalto à Petrobras. O consultor Julio Camargo confirmou à Justiça que o pagamento de propinas a Renato Duque, fantoche da turminha de Dilma na Diretoria de Serviços da estatal, era a "regra do jogo" Em seguida, a informação que num país com um pouco de juízo teria derrubado imediatamente o governo: o empresário Augusto Ribeiro Mendonça Meto, do grupo Toyo Setal, confirmou ter sido orientado a pagar parte da propina por negócios com a Petrobras em forma de doação oficial ao PT.
É preciso repetir, porque muitos leitores a esta altura estão certos de que houve erro de redação na frase acima. O que está escrito lá não faz o menor sentido. Vamos à repetição: está confirmado que o PT inventou a propina legal. Para ganhar contrato com a Petrobras, o fornecedor não tinha de pagar "um por fora" ao diretor da estatal, mas "um por dentro" ao PT. Corrupção transformada em doação oficial ao Partido dos Trabalhadores. Aquele do mensalão, sabe?
O que mais o Brasil quer ver? O que mais você está esperando, prezado cidadão brasileiro, para sair às ruas e enxotar esses cordeirinhos socialistas que estão arrancando as calças da nação? Está esperando a quadrilha dizer a você que só chegará luz a sua casa se você der "um por dentro" ao PT?
Contando, ninguém acredita. Numa tarde quente de domingo, a base parlamentar irrigada pelo petrolão tomava posse alegremente no Congresso Nacional, com direito a selfies sorridentes com seus familiares. Assistindo na TV ao domingo feliz no jardim zoológico, o brasileiro comum bancava a farra com o aumento de impostos decretado pelo governo popular. Pelo visto, essa é a regra do jogo.
Você acha que não? Então mova se, prezado contribuinte. Até o TelePrompTer do Palácio já se rebelou contra a farsa companheira.
terça-feira, fevereiro 10, 2015
A palavra "I" - J. R. GUZZO
Revista Veja
Uma das complicações da política brasileira de hoje é que a poeira não baixa. Deveria baixar, pela lei da gravidade; "se subiu tem de descer", dizia Raul Seixas numa de suas muitas observações notáveis. Mas no Brasil da presidente Dilma Rousseff a lei da gravidade parece não estar funcionando. Seria mais uma dessas leis que não pegam?
O fato concreto é que a poeira em volta do governo, quase sempre levantada por ele mesmo, continua subindo — e o inconveniente disso é que deixou de existir a opção de esperar que a poeira baixe antes de tomar decisões, como recomenda a sempre tão prudente sabedoria popular. Esperar como? Antes de se desmanchar uma nuvem já vem outra, e se alguém ficar esperando o ambiente clarear corre o risco de passar a vida sem fazer nada. No momento, com a catástrofe que o Palácio do Planalto criou ao se deixar moer como picadinho na eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados, subiu um poeirão de estrada de terra em Mato Grosso em tempo de seca. Vai ficar aí por tempo indeterminado — e o resultado é que a vida pública brasileira continuará no voo cego que vem fazendo nos últimos quatro anos.
Sempre há a esperança de que bata um vento capaz de limpar a atmosfera, mas a experiência informa que está rodando no governo Dilma um programa pelo qual os ventos, caprichosamente, não têm tido a bondade de produzir os efeitos esperados deles — a cada vez que venta, ao contrário, tudo o que se tem é mais poeira. Mal começou o ano de 2015, e mal começou o segundo mandato da presidente, e já estamos em pleno breu. Para ficar numa lista resumida, continua em perfeita forma a tempestade de areia levantada no ano passado pelo assalto sem precedentes, e sem limites, aos cofres da Petrobras — só possível, na vida real, pela colaboração prestada aos assaltantes durante doze anos seguidos por parte dos dois governos do PT; no melhor dos casos, é um espetáculo de inépcia, negligência e imperícia que respeitados juristas já acham vizinho da cumplicidade. Do fim do ano para cá, a coisa só fez piorar. Seguiu-se, logo de cara, a nuvem de pó desse incompreensível novo ministério. Logo depois veio a revelação de que o Brasil corre o risco de um desastre no fornecimento de energia elétrica — ao contrário da afirmação pública da presidente, um ano atrás, de que graças ao seu governo o país tinha energia de sobra, barata e eterna. As contas públicas de 2014 fecharam com um rombo inédito na história: o governo federal arrecadou por volta de 1,2 trilhão de reais, mas conseguiu gastar quase 350 bilhões de reais a mais do que isso. Enfim, na eleição da Câmara, Dilma e seus grandes estrategistas políticos lançaram-se a uma aventura desesperada. Inventaram de declarar guerra a Eduardo Cunha, embora ele comande uma porção decisiva do PMDB, partido que há doze anos é o principal aliado do próprio governo, perderam e criaram uma nova liderança para a oposição, mais perigosa que todas as que já estavam aí.
A vitória de Cunha parece um desses casos clássicos em que a malícia é superada pela burrice. Dilma queria derrotar o PMDB para pagar menos por seu apoio. Vai pagar mais, e não pode fazer nada contra a bizarra espécie de aliado-adversário que criou. Não pode, é claro, expulsar o PMDB do governo, como não podia desde o começo da briga; não pode retaliar nem os partidos anões que comprou com cargos e que a traíram votando em Cunha. Quem iria colocar em seus lugares? Para piorar, o candidato da presidente ficou com pouco mais de 25% dos votos na eleição — uma soma ridícula, francamente, para quem pretende a "hegemonia" na vida política brasileira, como está escrito nos documentos oficiais do PT. A torcida do governo, agora, tenta se animar com a ajuda que imagina receber de gigantes do movimento de massas como Gilberto Kassab e Renan Calheiros — é a isso que está reduzida.
Mais que tudo, Dilma pôs em circulação, inteiramente de graça, a palavra "impeachment". É um despropósito, levando-se em conta que não está provada até agora nenhuma conduta criminal em relação a ela. Só está provado que faz um governo horrível, mas a Constituição não diz que o governo tem de ser bom; diz apenas que tem de ser eleito. Se é ruim, o remédio prescrito pela lei são eleições de quatro em quatro anos. Ao mesmo tempo, o Congresso não é obrigado a esperar decisões da Justiça para depor presidente algum; fez exatamente isso, por sinal, com Fernando Collor. Eis aí o que pode acabar sendo, para Dilma Rousseff, a mãe de todas as poeiras.
Uma das complicações da política brasileira de hoje é que a poeira não baixa. Deveria baixar, pela lei da gravidade; "se subiu tem de descer", dizia Raul Seixas numa de suas muitas observações notáveis. Mas no Brasil da presidente Dilma Rousseff a lei da gravidade parece não estar funcionando. Seria mais uma dessas leis que não pegam?
O fato concreto é que a poeira em volta do governo, quase sempre levantada por ele mesmo, continua subindo — e o inconveniente disso é que deixou de existir a opção de esperar que a poeira baixe antes de tomar decisões, como recomenda a sempre tão prudente sabedoria popular. Esperar como? Antes de se desmanchar uma nuvem já vem outra, e se alguém ficar esperando o ambiente clarear corre o risco de passar a vida sem fazer nada. No momento, com a catástrofe que o Palácio do Planalto criou ao se deixar moer como picadinho na eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados, subiu um poeirão de estrada de terra em Mato Grosso em tempo de seca. Vai ficar aí por tempo indeterminado — e o resultado é que a vida pública brasileira continuará no voo cego que vem fazendo nos últimos quatro anos.
Sempre há a esperança de que bata um vento capaz de limpar a atmosfera, mas a experiência informa que está rodando no governo Dilma um programa pelo qual os ventos, caprichosamente, não têm tido a bondade de produzir os efeitos esperados deles — a cada vez que venta, ao contrário, tudo o que se tem é mais poeira. Mal começou o ano de 2015, e mal começou o segundo mandato da presidente, e já estamos em pleno breu. Para ficar numa lista resumida, continua em perfeita forma a tempestade de areia levantada no ano passado pelo assalto sem precedentes, e sem limites, aos cofres da Petrobras — só possível, na vida real, pela colaboração prestada aos assaltantes durante doze anos seguidos por parte dos dois governos do PT; no melhor dos casos, é um espetáculo de inépcia, negligência e imperícia que respeitados juristas já acham vizinho da cumplicidade. Do fim do ano para cá, a coisa só fez piorar. Seguiu-se, logo de cara, a nuvem de pó desse incompreensível novo ministério. Logo depois veio a revelação de que o Brasil corre o risco de um desastre no fornecimento de energia elétrica — ao contrário da afirmação pública da presidente, um ano atrás, de que graças ao seu governo o país tinha energia de sobra, barata e eterna. As contas públicas de 2014 fecharam com um rombo inédito na história: o governo federal arrecadou por volta de 1,2 trilhão de reais, mas conseguiu gastar quase 350 bilhões de reais a mais do que isso. Enfim, na eleição da Câmara, Dilma e seus grandes estrategistas políticos lançaram-se a uma aventura desesperada. Inventaram de declarar guerra a Eduardo Cunha, embora ele comande uma porção decisiva do PMDB, partido que há doze anos é o principal aliado do próprio governo, perderam e criaram uma nova liderança para a oposição, mais perigosa que todas as que já estavam aí.
A vitória de Cunha parece um desses casos clássicos em que a malícia é superada pela burrice. Dilma queria derrotar o PMDB para pagar menos por seu apoio. Vai pagar mais, e não pode fazer nada contra a bizarra espécie de aliado-adversário que criou. Não pode, é claro, expulsar o PMDB do governo, como não podia desde o começo da briga; não pode retaliar nem os partidos anões que comprou com cargos e que a traíram votando em Cunha. Quem iria colocar em seus lugares? Para piorar, o candidato da presidente ficou com pouco mais de 25% dos votos na eleição — uma soma ridícula, francamente, para quem pretende a "hegemonia" na vida política brasileira, como está escrito nos documentos oficiais do PT. A torcida do governo, agora, tenta se animar com a ajuda que imagina receber de gigantes do movimento de massas como Gilberto Kassab e Renan Calheiros — é a isso que está reduzida.
Mais que tudo, Dilma pôs em circulação, inteiramente de graça, a palavra "impeachment". É um despropósito, levando-se em conta que não está provada até agora nenhuma conduta criminal em relação a ela. Só está provado que faz um governo horrível, mas a Constituição não diz que o governo tem de ser bom; diz apenas que tem de ser eleito. Se é ruim, o remédio prescrito pela lei são eleições de quatro em quatro anos. Ao mesmo tempo, o Congresso não é obrigado a esperar decisões da Justiça para depor presidente algum; fez exatamente isso, por sinal, com Fernando Collor. Eis aí o que pode acabar sendo, para Dilma Rousseff, a mãe de todas as poeiras.
O que é isso, companheiros? - RUTH DE AQUINO
Revista Época
Os 35 anos do Partido dos Trabalhadores não poderiam ser comemorados sob nuvens mais negras (leia o artigo de Fernando Schüler à página 46). O número do PT é 13 e também são 13 os anos no Poder. Fundado no auditório de um colégio de freiras em 1980, o PT parece a bela adormecida. Alheio ao caos a sua volta, num sono profundo, enfeitiçado pela bruxa e à espera de um príncipe encantado que resgate sua vida, sua moral, seus valores, seus súditos e seus sonhos. O príncipe não aparecerá. Ele já abandonou o castelo e se juntou aos aliados amotinados, que sentiram algo de podre no reino.
O tesoureiro foi recolhido em casa por policiais que precisaram pular o muro. Ele não explica como o PT tesourou o Brasil em cerca de US$ 200 milhões em propinas para entregar tudo ao rei e à rainha - caso sejam verdadeiras as denúncias do delator. Como erguer com orgulho, no aniversário, o punho e a estrela vermelha de cinco pontas? Em outros tempos, punho erguido era símbolo de luta, de dignidade. Foi vulgarizado pelos condenados por improbidade. Hoje, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, não convence ao afirmar: "Não aceitamos o estigma da corrupção, somos um partido honesto, que cumpre as leis". Palavras de pomba ou de falcão?
Não há alegria na constatação de que um partido de esquerda traiu de forma tão desavergonhada seus ideais de ética e transparência. O deputado federal Chico Alencar, um dos fundadores do PT, chorou em 2005 quando soube do caixa dois pago pelo operador Marcos Valério e pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, ao marqueteiro Duda Mendonça - para eleger Lula. O cartaz no Congresso, rabiscado por petistas desiludidos, dizia: "Não em nosso nome".
Mal sabíamos que era um episódio cândido, diante das perversidades com o dinheiro público que o PT, em vez de frear, aprofundou. Em 2005, Lula disse: "Estou com o peito doendo. A gente não precisava estar vivendo isso. Nunca participei de arrecadação de campanha". Agora, uma década depois, Chico Alencar lembra versos de Chico Buarque que o emocionaram durante anos após sair do PT. São da canção "Meia-noite": Seu navio carregado de ideais/ que foram escorrendo feito grãos/as estrelas que não voltam nunca mais/e um oceano para lavar as mãos.
"Durante um bom tempo eu chorava quando ouvia essa música. Mas esses grãos nem existem mais. A nau do PT é um navio pirata que não escolhe porto, saqueia o que vê pela frente", disse o deputado federal do PSOL do Rio de Janeiro, formado em história. "No início do século passado, o sociólogo Robert Michels já falava da degeneração dos partidos operários quando chegavam ao Poder, com suas burocracias, nomenclaturas, oligarquias. O PT é mais um."
Em 2002, Lula, pela quarta vez candidato a presidente, disse aos companheiros: "Cansei de disputar eleição só para marcar posição. Que o partido se vire. Quero vencer". Duda Mendonça era conhecido como "o bruxo das campanhas", um marqueteiro capaz de fazer o Maluf parecer honesto. Petistas éticos pediram a Delúbio que publicasse os gastos da campanha com transparência. "Transparência demais é burrice", respondeu Delúbio numa reunião do diretório.
Burrice foi, depois do mensalão, continuar a tesourar o país usando sua maior estatal, a Petrobras, em conluio com empreiteiras. "Nem o mais desvairado dos privatistas conseguiria fazer com a Petrobras o que o PT fez", diz Chico Alencar. Os programas podais do Brasil não rivalizam nem de longe com os desfalques que vêm à tona na Operação Lava Jato. É constrangedor para o PT comemorar aniversário como se fosse uma vítima das circunstâncias.
Aniversário deve servir para rever a vida, mudar atitudes nefastas, posturas egoístas, descuidos com a saúde. Em seus 35 anos, o PT deveria retomar uma tradição esquecida da esquerda e fazer profunda autocrítica. Se continuar nessa de celebração, desagravo público e chororô de perseguido pela mídia, aprofundará a decadência. Não adianta culpar antecessores e tucanos. O pecado do pregador choca muito mais que o pecado do pecador. O PT traiu suas promessas. Entre sua eleição e a posse, Lula disse: "Não temos o direito de errar". Abusou do erro. Hoje, o PT é engolido até por aliados.
Uma multidão de militantes interpreta as críticas a Dilma como "golpe". Isso é "falta de assunto", como disse Zé Dirceu em J999 ao pedir o impeachment de Fernando Henrique Cardoso por manobrar o câmbio em seu favor. Sem Graça Foster de para-raios, Dilma está mais vulnerável sim. O que não é nada bom para o Brasil. O petrolão é péssimo não só para os partidos e a economia, mas para a deterioração de nosso cotidiano e nossa autoestima. A bandidagem de cima estimula a bandidagem de baixo. O desencanto com o Brasil é ruim para a saúde.
Os 35 anos do Partido dos Trabalhadores não poderiam ser comemorados sob nuvens mais negras (leia o artigo de Fernando Schüler à página 46). O número do PT é 13 e também são 13 os anos no Poder. Fundado no auditório de um colégio de freiras em 1980, o PT parece a bela adormecida. Alheio ao caos a sua volta, num sono profundo, enfeitiçado pela bruxa e à espera de um príncipe encantado que resgate sua vida, sua moral, seus valores, seus súditos e seus sonhos. O príncipe não aparecerá. Ele já abandonou o castelo e se juntou aos aliados amotinados, que sentiram algo de podre no reino.
O tesoureiro foi recolhido em casa por policiais que precisaram pular o muro. Ele não explica como o PT tesourou o Brasil em cerca de US$ 200 milhões em propinas para entregar tudo ao rei e à rainha - caso sejam verdadeiras as denúncias do delator. Como erguer com orgulho, no aniversário, o punho e a estrela vermelha de cinco pontas? Em outros tempos, punho erguido era símbolo de luta, de dignidade. Foi vulgarizado pelos condenados por improbidade. Hoje, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, não convence ao afirmar: "Não aceitamos o estigma da corrupção, somos um partido honesto, que cumpre as leis". Palavras de pomba ou de falcão?
Não há alegria na constatação de que um partido de esquerda traiu de forma tão desavergonhada seus ideais de ética e transparência. O deputado federal Chico Alencar, um dos fundadores do PT, chorou em 2005 quando soube do caixa dois pago pelo operador Marcos Valério e pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, ao marqueteiro Duda Mendonça - para eleger Lula. O cartaz no Congresso, rabiscado por petistas desiludidos, dizia: "Não em nosso nome".
Mal sabíamos que era um episódio cândido, diante das perversidades com o dinheiro público que o PT, em vez de frear, aprofundou. Em 2005, Lula disse: "Estou com o peito doendo. A gente não precisava estar vivendo isso. Nunca participei de arrecadação de campanha". Agora, uma década depois, Chico Alencar lembra versos de Chico Buarque que o emocionaram durante anos após sair do PT. São da canção "Meia-noite": Seu navio carregado de ideais/ que foram escorrendo feito grãos/as estrelas que não voltam nunca mais/e um oceano para lavar as mãos.
"Durante um bom tempo eu chorava quando ouvia essa música. Mas esses grãos nem existem mais. A nau do PT é um navio pirata que não escolhe porto, saqueia o que vê pela frente", disse o deputado federal do PSOL do Rio de Janeiro, formado em história. "No início do século passado, o sociólogo Robert Michels já falava da degeneração dos partidos operários quando chegavam ao Poder, com suas burocracias, nomenclaturas, oligarquias. O PT é mais um."
Em 2002, Lula, pela quarta vez candidato a presidente, disse aos companheiros: "Cansei de disputar eleição só para marcar posição. Que o partido se vire. Quero vencer". Duda Mendonça era conhecido como "o bruxo das campanhas", um marqueteiro capaz de fazer o Maluf parecer honesto. Petistas éticos pediram a Delúbio que publicasse os gastos da campanha com transparência. "Transparência demais é burrice", respondeu Delúbio numa reunião do diretório.
Burrice foi, depois do mensalão, continuar a tesourar o país usando sua maior estatal, a Petrobras, em conluio com empreiteiras. "Nem o mais desvairado dos privatistas conseguiria fazer com a Petrobras o que o PT fez", diz Chico Alencar. Os programas podais do Brasil não rivalizam nem de longe com os desfalques que vêm à tona na Operação Lava Jato. É constrangedor para o PT comemorar aniversário como se fosse uma vítima das circunstâncias.
Aniversário deve servir para rever a vida, mudar atitudes nefastas, posturas egoístas, descuidos com a saúde. Em seus 35 anos, o PT deveria retomar uma tradição esquecida da esquerda e fazer profunda autocrítica. Se continuar nessa de celebração, desagravo público e chororô de perseguido pela mídia, aprofundará a decadência. Não adianta culpar antecessores e tucanos. O pecado do pregador choca muito mais que o pecado do pecador. O PT traiu suas promessas. Entre sua eleição e a posse, Lula disse: "Não temos o direito de errar". Abusou do erro. Hoje, o PT é engolido até por aliados.
Uma multidão de militantes interpreta as críticas a Dilma como "golpe". Isso é "falta de assunto", como disse Zé Dirceu em J999 ao pedir o impeachment de Fernando Henrique Cardoso por manobrar o câmbio em seu favor. Sem Graça Foster de para-raios, Dilma está mais vulnerável sim. O que não é nada bom para o Brasil. O petrolão é péssimo não só para os partidos e a economia, mas para a deterioração de nosso cotidiano e nossa autoestima. A bandidagem de cima estimula a bandidagem de baixo. O desencanto com o Brasil é ruim para a saúde.
A Petrobras pode ser privatizada? - MAILSON DA NÓBREGA
Revista Veja
Diante dos notórios desmandos na Petrobras, muitos defendem a privatização da estatal. Sob o prisma da racionalidade econômica, a medida geraria enormes benefícios para a empresa, seus funcionários e o país.
As privatizações da Vale e da Embraer demonstraram que mesmo estatais bem geridas podem colher gigantescos ganhos de eficiência depois de privatizadas. Elas se livram das amarras do controle do governo — nomeações políticas, regras de licitação, descontinuidade administrativa, gastos de propaganda de interesse do governo e por aí afora. Mas a privatização da Petrobras dificilmente teria o apoio da sociedade.
A ação empresarial do Estado se acentuou a partir do século XIX na Europa. Países que não reuniam as condições que enriqueceram o Reino Unido buscaram criá-las via empresas estatais — como bancos e ferrovias — para fomentar a industrialização, A teoria econômica, desde Adam Smith, justifica a criação de estatais quando o setor privado não é capaz de prover bens e serviços essenciais ao desenvolvimento. São as "falhas de mercado".
A partir da primeira metade do século XX, a esquerda viu outras razões para criar estatais ou estatizar empresas privadas: atividades-chave deveriam ser guiadas pelo interesse nacional, e não pelo objetivo único do lucro. O mesmo se dizia de setores "estratégicos", como o de petróleo e o de ferrovias, e dos associados à defesa, caso das áreas espacial e nuclear.
No intervalo das duas grandes guerras, partidos socialistas abraçaram essas ideias. O Partido Trabalhista britânico, vencedor das eleições de 1945, as adotou sob a liderança do primeiro-ministro Clement Attlee. Foram estatizados a indústria do carvão, as ferrovias, os telégrafos, a siderurgia, a energia elétrica, a aviação civil e o Banco da Inglaterra (o atual banco central), que fora controlado por capitais privados desde sua fundação (1694). Já estavam sob o controle do governo o petróleo e a BBC.
No início, a impressão foi de melhoria na operação das empresas, mas depois se percebeu, em especial nos anos 70, que nem as premissas da estatização eram corretas nem as estatais eram eficientes. Passados 34 anos da aprovação da plataforma de Attlee, o eleitorado britânico elegeu o Partido Conservador e aprovou a privatização, afinal implementada, com firmeza, pela primeira- ministra Margaret Thatcher. Na volta ao poder como primeiro-ministro Tony Blair (1997), os trabalhistas mantiveram as privatizações.
No Brasil, as ideias da esquerda europeia se acentuaram pelas crenças antiliberais de nossas origens culturais. As primeiras estatais surgiram no princípio do século XX e se alastraram no pós-guerra. O apoio à privatização nos anos 1980 se inspirou no exemplo britânico e nas ineficiências das estatais. O processo iniciou-se com a devolução, ao setor privado, de empresas antes estatizadas. Acelerou-se na década de 90 com a venda de empresas industriais e das estatais das áreas de telecomunicações e energia, além da Vale, da Embraer e de bancos estaduais. Contrário a tudo isso, Lula, à la Tony Blair, manteve as privatizações depois que se elegeu.
O apoio à privatização nunca se estendeu a estatais como o Banco do Brasil e a Petrobras. Tende a continuar assim por muito tempo, pois elas são símbolos venerados por uma maioria favorável a esse tipo de ação do Estado. Como disse Edmar Bacha, símbolos existem também em países avançados, como os aeroportos nos Estados Unidos, que são estatais. O mesmo se dirá da BBC no Reino Unido e do petróleo na Noruega.
A diferença em relação ao Brasil é a forma como as estatais são administradas. Lá, seus gestores são profissionais gabaritados, escolhidos de forma impessoal, geralmente por head-hunters. Adotam-se princípios de governança corporativa típicos das empresas privadas de capital aberto.
Sem ambiente nem apoio para privatizar a Petrobras, uma forma de coibir a repetição do escândalo do petrolão é guiar-se pelo exemplo de países ricos, incorporando suas regras de escolha dos dirigentes e de gestão das estatais. Os ganhos de eficiência não seriam tão espetaculares quanto na privatização, mas a operação e a produtividade de uma empresa seriam bem melhores
Diante dos notórios desmandos na Petrobras, muitos defendem a privatização da estatal. Sob o prisma da racionalidade econômica, a medida geraria enormes benefícios para a empresa, seus funcionários e o país.
As privatizações da Vale e da Embraer demonstraram que mesmo estatais bem geridas podem colher gigantescos ganhos de eficiência depois de privatizadas. Elas se livram das amarras do controle do governo — nomeações políticas, regras de licitação, descontinuidade administrativa, gastos de propaganda de interesse do governo e por aí afora. Mas a privatização da Petrobras dificilmente teria o apoio da sociedade.
A ação empresarial do Estado se acentuou a partir do século XIX na Europa. Países que não reuniam as condições que enriqueceram o Reino Unido buscaram criá-las via empresas estatais — como bancos e ferrovias — para fomentar a industrialização, A teoria econômica, desde Adam Smith, justifica a criação de estatais quando o setor privado não é capaz de prover bens e serviços essenciais ao desenvolvimento. São as "falhas de mercado".
A partir da primeira metade do século XX, a esquerda viu outras razões para criar estatais ou estatizar empresas privadas: atividades-chave deveriam ser guiadas pelo interesse nacional, e não pelo objetivo único do lucro. O mesmo se dizia de setores "estratégicos", como o de petróleo e o de ferrovias, e dos associados à defesa, caso das áreas espacial e nuclear.
No intervalo das duas grandes guerras, partidos socialistas abraçaram essas ideias. O Partido Trabalhista britânico, vencedor das eleições de 1945, as adotou sob a liderança do primeiro-ministro Clement Attlee. Foram estatizados a indústria do carvão, as ferrovias, os telégrafos, a siderurgia, a energia elétrica, a aviação civil e o Banco da Inglaterra (o atual banco central), que fora controlado por capitais privados desde sua fundação (1694). Já estavam sob o controle do governo o petróleo e a BBC.
No início, a impressão foi de melhoria na operação das empresas, mas depois se percebeu, em especial nos anos 70, que nem as premissas da estatização eram corretas nem as estatais eram eficientes. Passados 34 anos da aprovação da plataforma de Attlee, o eleitorado britânico elegeu o Partido Conservador e aprovou a privatização, afinal implementada, com firmeza, pela primeira- ministra Margaret Thatcher. Na volta ao poder como primeiro-ministro Tony Blair (1997), os trabalhistas mantiveram as privatizações.
No Brasil, as ideias da esquerda europeia se acentuaram pelas crenças antiliberais de nossas origens culturais. As primeiras estatais surgiram no princípio do século XX e se alastraram no pós-guerra. O apoio à privatização nos anos 1980 se inspirou no exemplo britânico e nas ineficiências das estatais. O processo iniciou-se com a devolução, ao setor privado, de empresas antes estatizadas. Acelerou-se na década de 90 com a venda de empresas industriais e das estatais das áreas de telecomunicações e energia, além da Vale, da Embraer e de bancos estaduais. Contrário a tudo isso, Lula, à la Tony Blair, manteve as privatizações depois que se elegeu.
O apoio à privatização nunca se estendeu a estatais como o Banco do Brasil e a Petrobras. Tende a continuar assim por muito tempo, pois elas são símbolos venerados por uma maioria favorável a esse tipo de ação do Estado. Como disse Edmar Bacha, símbolos existem também em países avançados, como os aeroportos nos Estados Unidos, que são estatais. O mesmo se dirá da BBC no Reino Unido e do petróleo na Noruega.
A diferença em relação ao Brasil é a forma como as estatais são administradas. Lá, seus gestores são profissionais gabaritados, escolhidos de forma impessoal, geralmente por head-hunters. Adotam-se princípios de governança corporativa típicos das empresas privadas de capital aberto.
Sem ambiente nem apoio para privatizar a Petrobras, uma forma de coibir a repetição do escândalo do petrolão é guiar-se pelo exemplo de países ricos, incorporando suas regras de escolha dos dirigentes e de gestão das estatais. Os ganhos de eficiência não seriam tão espetaculares quanto na privatização, mas a operação e a produtividade de uma empresa seriam bem melhores
Lula, a missão - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 10//02
Em recente conversa, o ex-presidente Lula disse a um interlocutor o seguinte: "Vamos ter que passar dois anos comendo merda, para depois tentar sair da crise. Mas nesse período tem que fazer política, e a Dilma não faz".
Confirmado o diagnóstico com a recente pesquisa Datafolha mostrando a popularidade da presidente Dilma no chão, Lula resolveu trazer para si a tarefa de "fazer política", e a primeira providência foi liberar a informação de que, sim, será candidato a presidente da República em 2018.
Menos de dois meses do segundo mandato de Dilma, e a candidatura de Lula já está na rua para alimentar os militantes com uma expectativa de poder que a cada dia fica mais escassa diante das diversas crises que envolvem o governo, da economia à política.
Lula em campanha, viajando pelo país revivendo a Caravana da Cidadania dos velhos tempos, é uma barreira política formidável a movimentos de descontentamento na sociedade e a manobras políticas que possam levar ao impeachment da presidente Dilma.
Com o decorrer do processo, veremos se a insatisfação popular crescerá a ponto de inviabilizar a campanha de rua de Lula ou se ele terá força suficiente para neutralizar as previsíveis manifestações contrárias ao governo, nesses dois anos em que os governistas terão que "comer merda".
Assim como fez no mensalão, Lula começa sua campanha sobre o petrolão pregando "humildade e coragem" no discurso em Belo Horizonte no aniversário de 35 anos do PT. E, assim como em 2005, ele fala em reconstruir o partido, voltar às suas origens. Na célebre reunião na Granja do Torto em que ele se disse "traído", Lula lembrou a fundação do PT em 1980: "(...) no início da redemocratização decidi criar um partido novo que viesse para mudar as práticas políticas, moralizá-las e tornar cada vez mais limpa a disputa eleitoral no nosso país. (...) Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia, e que chocam o país. (...) eu não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas".
Pois bem. Em 2015, Lula assume a mesma postura diante do petrolão: "Temos a oportunidade histórica de elaborar um novo Manifesto do PT, capaz de traduzir nossos compromissos para os dias de hoje e para os próximos 35 anos".
Ele propôs "o desafio" de resgatar os ideais dos anos de fundação do partido, em 1980. "O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do país para transformála. (...) O PT nasceu para mudar".
Mais uma vez Lula falou em traição: "Se alguém tiver traído a nossa confiança, que seja julgado e punido, dentro da lei, porque o PT, ao contrário dos nossos adversários, não compactua com a impunidade".
Para Lula, o problema do PT é que ele "se tornou um partido igual aos outros. Deixou de ser um partido das bases para se tornar um partido de gabinetes. Há muito mais preocupação em vencer eleições, em manter e reproduzir mandatos, do que em vitalizar o partido".
Lula citou a "militância paga", sempre criticado pelo PT na "política tradicional". "(...) É nesse ambiente que alguns, individualmente, cometem desvios que nos envergonham diante da sociedade e perante a história do PT. (...) Penso que esse processo chegou ao limite no PT", decretou Lula.
Estaria tudo certo se, a partir do mensalão, Lula tivesse comandado uma refundação do PT, e o partido mudasse de atitudes. Como se vê agora no petrolão, enquanto Lula discursava quase chorando no mensalão, estava em curso um escândalo muito maior dentro da Petrobras, e sabe-se lá onde mais.
No intervalo entre o julgamento do mensalão, com a condenação das principais lideranças petistas, e o surgimento do petrolão, Lula mudou o discurso e chegou a afirmar que o mensalão nunca existira. Prometeu até mesmo se dedicar a demonstrar ao povo brasileiro que tudo não passou de uma farsa, coisa que nunca fez.
Agora, ele encurtou o caminho: ao mesmo tempo em que fala em reencontrar as raízes fundadoras do PT, Lula sugere que o caso do petrolão está sendo utilizado politicamente para criminalizar seu partido. Essa atitude dúbia faz parte do seu show, com o qual pretende neutralizar os efeitos das crises política e econômica que envolvem o segundo mandato de Dilma.
Em recente conversa, o ex-presidente Lula disse a um interlocutor o seguinte: "Vamos ter que passar dois anos comendo merda, para depois tentar sair da crise. Mas nesse período tem que fazer política, e a Dilma não faz".
Confirmado o diagnóstico com a recente pesquisa Datafolha mostrando a popularidade da presidente Dilma no chão, Lula resolveu trazer para si a tarefa de "fazer política", e a primeira providência foi liberar a informação de que, sim, será candidato a presidente da República em 2018.
Menos de dois meses do segundo mandato de Dilma, e a candidatura de Lula já está na rua para alimentar os militantes com uma expectativa de poder que a cada dia fica mais escassa diante das diversas crises que envolvem o governo, da economia à política.
Lula em campanha, viajando pelo país revivendo a Caravana da Cidadania dos velhos tempos, é uma barreira política formidável a movimentos de descontentamento na sociedade e a manobras políticas que possam levar ao impeachment da presidente Dilma.
Com o decorrer do processo, veremos se a insatisfação popular crescerá a ponto de inviabilizar a campanha de rua de Lula ou se ele terá força suficiente para neutralizar as previsíveis manifestações contrárias ao governo, nesses dois anos em que os governistas terão que "comer merda".
Assim como fez no mensalão, Lula começa sua campanha sobre o petrolão pregando "humildade e coragem" no discurso em Belo Horizonte no aniversário de 35 anos do PT. E, assim como em 2005, ele fala em reconstruir o partido, voltar às suas origens. Na célebre reunião na Granja do Torto em que ele se disse "traído", Lula lembrou a fundação do PT em 1980: "(...) no início da redemocratização decidi criar um partido novo que viesse para mudar as práticas políticas, moralizá-las e tornar cada vez mais limpa a disputa eleitoral no nosso país. (...) Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia, e que chocam o país. (...) eu não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas".
Pois bem. Em 2015, Lula assume a mesma postura diante do petrolão: "Temos a oportunidade histórica de elaborar um novo Manifesto do PT, capaz de traduzir nossos compromissos para os dias de hoje e para os próximos 35 anos".
Ele propôs "o desafio" de resgatar os ideais dos anos de fundação do partido, em 1980. "O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do país para transformála. (...) O PT nasceu para mudar".
Mais uma vez Lula falou em traição: "Se alguém tiver traído a nossa confiança, que seja julgado e punido, dentro da lei, porque o PT, ao contrário dos nossos adversários, não compactua com a impunidade".
Para Lula, o problema do PT é que ele "se tornou um partido igual aos outros. Deixou de ser um partido das bases para se tornar um partido de gabinetes. Há muito mais preocupação em vencer eleições, em manter e reproduzir mandatos, do que em vitalizar o partido".
Lula citou a "militância paga", sempre criticado pelo PT na "política tradicional". "(...) É nesse ambiente que alguns, individualmente, cometem desvios que nos envergonham diante da sociedade e perante a história do PT. (...) Penso que esse processo chegou ao limite no PT", decretou Lula.
Estaria tudo certo se, a partir do mensalão, Lula tivesse comandado uma refundação do PT, e o partido mudasse de atitudes. Como se vê agora no petrolão, enquanto Lula discursava quase chorando no mensalão, estava em curso um escândalo muito maior dentro da Petrobras, e sabe-se lá onde mais.
No intervalo entre o julgamento do mensalão, com a condenação das principais lideranças petistas, e o surgimento do petrolão, Lula mudou o discurso e chegou a afirmar que o mensalão nunca existira. Prometeu até mesmo se dedicar a demonstrar ao povo brasileiro que tudo não passou de uma farsa, coisa que nunca fez.
Agora, ele encurtou o caminho: ao mesmo tempo em que fala em reencontrar as raízes fundadoras do PT, Lula sugere que o caso do petrolão está sendo utilizado politicamente para criminalizar seu partido. Essa atitude dúbia faz parte do seu show, com o qual pretende neutralizar os efeitos das crises política e econômica que envolvem o segundo mandato de Dilma.
Com ferro foi ferida - DORA KRAMER
O Estado de S. Paulo - 10/02
A notícia de que a perplexidade tomou conta do Palácio do Planalto com a derrocada dos índices de popularidade e confiabilidade da presidente da República é prima-irmã daquela irritabilidade que recai sobre a pessoa de Dilma Rousseff quando algum fato tem repercussão negativa na opinião pública.
Ambas são versões oficiais destinadas a criar um espaço de prudente (embora falsa) distância entre ela e a má nova. Ou velha, tanto faz. Algum ato de governo pegou mal? "Dilma ficou muito irritada", avisa a assessoria.
O brasileiro não gostou de constatar que Dilma mentiu na campanha eleitoral a respeito de rigorosamente todos os principais temas em debate com os oponentes? Mais que depressa o departamento de propaganda do governo informa que foi um choque para ela saber disso.
Ora por quem sois. A pesquisa do Instituto Datafolha explicitou em números uma realidade que os fatos estavam contando por si todos os dias. Ou alguém no Palácio do Planalto poderia esperar algo de diferente quando uma presidente da República recentemente reeleita simplesmente some de cena enquanto são anunciadas medidas que, segundo a candidata a conquistar votos, não seriam tomadas em hipótese alguma?
Ou, por outra, seriam impostas cruelmente ao País caso o eleitorado optasse por escolher um de seus adversários. Qualquer um dos dois, Marina Silva ou Aécio Neves, seriam os culpados por graves agruras. Ela, Dilma Rousseff, seria o caminho das soluções. Note-se o silêncio pós-posse que contrariou até o discurso da noite da vitória em que ela conclamava a Nação à união e ao "diálogo".
Daí em diante não explicou mais nada. Quando falou, limitou-se a monólogos fantasiosos seguindo a mesma toada da agenda ilusória montada para a campanha eleitoral. A roubalheira na Petrobrás era culpa de um ou outro funcionário; a crise econômica, decorrência da situação internacional;, a inflação, inexistente e o que mais não vá bem, produto de pessimismo.
Deixou o ponto crucial que era o ajuste na economia ao encargo do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, como quem tenta se preservar e - aqui de novo, se distanciar - da má notícia. Deu a seguinte impressão: se sair errado, a culpa é dele.
A se acreditar que a presidente da República e seu grupo fechado de conselheiros foram realmente pegos de surpresa com o efeito dessa conjunção de desastres - nem todos citados, pois de conhecimento geral -, é de se concluir pela gravidade da situação de isolamento total do núcleo governante.
Não há no tão competente departamento de comunicação governamental um acompanhamento permanente de pesquisas? E aquela consulta que o PT anunciou que contrataria para detectar as razões do claudicante desempenho eleitoral? Dela nunca mais se ouviu falar.
A julgar pela reação improvisada e repetitiva do anúncio da montagem de uma "agenda positiva" como se a agenda negativa não fosse fruto do choque de ações do governo com a agenda ilusória da campanha, há um apagão de sensatez no Palácio do Planalto. Ou um surto de ingênua credulidade no poder eterno do ilusionismo.
E ausência de noção de limite. João Santana, o marqueteiro, extrapolou, exagerou e ganhou a eleição. Entregou a mercadoria. O dia seguinte é serviço de quem ganhou. Há um dado terrível para a presidente na pesquisa do Datafolha: 47%, 54% e 50% dos consultados consideram que ela é desonesta, falsa ou indecisa.
Produto de quê? Da exacerbada contradição entre o discurso de campanha e as ações logo depois. Portanto, talvez não seja um exagero concluir que, se não tivessem sido tantas e tão flagrantes as mentiras, se a campanha de Dilma não tivesse procurado colocar na boca dos opositores palavras que nunca disseram, possivelmente a crise não atingiria tão gravemente a imagem da presidente.
A notícia de que a perplexidade tomou conta do Palácio do Planalto com a derrocada dos índices de popularidade e confiabilidade da presidente da República é prima-irmã daquela irritabilidade que recai sobre a pessoa de Dilma Rousseff quando algum fato tem repercussão negativa na opinião pública.
Ambas são versões oficiais destinadas a criar um espaço de prudente (embora falsa) distância entre ela e a má nova. Ou velha, tanto faz. Algum ato de governo pegou mal? "Dilma ficou muito irritada", avisa a assessoria.
O brasileiro não gostou de constatar que Dilma mentiu na campanha eleitoral a respeito de rigorosamente todos os principais temas em debate com os oponentes? Mais que depressa o departamento de propaganda do governo informa que foi um choque para ela saber disso.
Ora por quem sois. A pesquisa do Instituto Datafolha explicitou em números uma realidade que os fatos estavam contando por si todos os dias. Ou alguém no Palácio do Planalto poderia esperar algo de diferente quando uma presidente da República recentemente reeleita simplesmente some de cena enquanto são anunciadas medidas que, segundo a candidata a conquistar votos, não seriam tomadas em hipótese alguma?
Ou, por outra, seriam impostas cruelmente ao País caso o eleitorado optasse por escolher um de seus adversários. Qualquer um dos dois, Marina Silva ou Aécio Neves, seriam os culpados por graves agruras. Ela, Dilma Rousseff, seria o caminho das soluções. Note-se o silêncio pós-posse que contrariou até o discurso da noite da vitória em que ela conclamava a Nação à união e ao "diálogo".
Daí em diante não explicou mais nada. Quando falou, limitou-se a monólogos fantasiosos seguindo a mesma toada da agenda ilusória montada para a campanha eleitoral. A roubalheira na Petrobrás era culpa de um ou outro funcionário; a crise econômica, decorrência da situação internacional;, a inflação, inexistente e o que mais não vá bem, produto de pessimismo.
Deixou o ponto crucial que era o ajuste na economia ao encargo do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, como quem tenta se preservar e - aqui de novo, se distanciar - da má notícia. Deu a seguinte impressão: se sair errado, a culpa é dele.
A se acreditar que a presidente da República e seu grupo fechado de conselheiros foram realmente pegos de surpresa com o efeito dessa conjunção de desastres - nem todos citados, pois de conhecimento geral -, é de se concluir pela gravidade da situação de isolamento total do núcleo governante.
Não há no tão competente departamento de comunicação governamental um acompanhamento permanente de pesquisas? E aquela consulta que o PT anunciou que contrataria para detectar as razões do claudicante desempenho eleitoral? Dela nunca mais se ouviu falar.
A julgar pela reação improvisada e repetitiva do anúncio da montagem de uma "agenda positiva" como se a agenda negativa não fosse fruto do choque de ações do governo com a agenda ilusória da campanha, há um apagão de sensatez no Palácio do Planalto. Ou um surto de ingênua credulidade no poder eterno do ilusionismo.
E ausência de noção de limite. João Santana, o marqueteiro, extrapolou, exagerou e ganhou a eleição. Entregou a mercadoria. O dia seguinte é serviço de quem ganhou. Há um dado terrível para a presidente na pesquisa do Datafolha: 47%, 54% e 50% dos consultados consideram que ela é desonesta, falsa ou indecisa.
Produto de quê? Da exacerbada contradição entre o discurso de campanha e as ações logo depois. Portanto, talvez não seja um exagero concluir que, se não tivessem sido tantas e tão flagrantes as mentiras, se a campanha de Dilma não tivesse procurado colocar na boca dos opositores palavras que nunca disseram, possivelmente a crise não atingiria tão gravemente a imagem da presidente.
Recessão encomendada - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 10/02
O Brasil caminha para a recessão porque o governo cometeu sucessivos erros. Aumentou os gastos e produziu um enorme déficit; reprimiu tarifas; ignorou os alertas sobre a crise elétrica, permitindo que as empresas pegassem empréstimos para repassar aos preços. Agora é a hora do ajuste: a inflação subiu, a crise elétrica se agravou e os gastos têm que ser cortados.
Os problemas que o país enfrentará este ano não foram culpa do mundo. São crises feitas aqui mesmo. Para piorar, os governos estaduais, principalmente o de São Paulo, cometeram o mesmo erro de adiar as medidas que tinham que ter tomadas para mitigar os efeitos da seca. Agora, a economia já enfraquecida terá que enfrentar dois racionamentos: de água e energia.
A política industrial falhou completamente no primeiro mandato da presidente Dilma. E falhou porque estava errada e desatualizada. No ano em que o governo gastou R$ 104 bilhões em desoneração, a indústria teve um tombo de 3,2%. Só é comparável com o ano da crise de 2009. A queda é tal que contamina o ano de 2015, em que a indústria já começa lá em baixo, tendo que refazer o caminho da volta.
A queda não foi um fato isolado. A situação da indústria é dramática há bastante tempo. Nos últimos seis anos, foram três períodos de queda e três de alta. Em 2011, houve um raquítico crescimento de 0,4%, seguido de um tombo de 2,3%, em 2012. Em 2013, alta de 2,1%, e agora a retração de 3,2%. A produção está num nível 8% menor do que em setembro de 2008 quando começou a crise financeira internacional.
O governo apostou nos subsídios e redução de impostos. As medidas não funcionaram e causaram distorções como os rombos nas contas públicas. O setor de veículos automotores, reboques e carrocerias - tão beneficiado pelo governo, com redução de impostos, restrição a importados e estímulo ao crédito - terminou o ano com uma retração de 16,8% no ano passado, pelos números do IBGE. Foi o que mais caiu.
O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) acha que há "risco de colapso nos investimentos". A retração nos investimentos ocorre há três trimestres seguidos na indústria, como mostram os números da produção de bens de capital.
Os dados da Abimaq, entidade que representa a indústria que produz máquinas e equipamentos, já mostravam que o ano havia sido ruim para o investimento. Houve queda de 15% no consumo aparente de máquinas (consumo da produção interna mais as importações) e fechamento de 12 mil postos de trabalho de janeiro da dezembro.
Pelas contas da consultoria Rosenberg Associados, caso a indústria não encolha mais e mantenha o mesmo nível de produção de dezembro ao longo de todos os meses deste ano, ela fecharia 2015 com retração de 4,1%. É o chamado carregamento estatístico, que este ano será negativo.
Os bancos e consultorias ouvidos pelo Banco Central projetaram ontem crescimento zero para o PIB este ano. E várias instituições estão prevendo queda de 0,5%. A MB Associados está com a previsão de um PIB negativo de 1%, a mesma calculada por Alexandre de Ázara, sócio e economista-chefe do Banco Modal, que ainda estima inflação de 7,9%. Na produção industrial, os números estão sendo revistos para baixo há cinco semanas seguidas pelo mercado financeiro, com a ameaça cada vez maior do tarifaço e do racionamento de energia. Há um mês, a projeção era de alta de 1%.
Ao mesmo tempo em que o consumo interno perde força, o crescimento industrial pela exportação é pouco provável, mesmo com a desvalorização do real. O país não fez acordos comerciais nos últimos anos e ficou dependente da venda de produtos manufaturados para o Mercosul. Os argentinos são os principais compradores e estão em crise cambial, subindo barreiras comerciais e atrasando pagamentos a seus fornecedores.
O governo colhe agora o que plantou. O problema é que quem paga pela má colheita somos nós. A alta da inflação, o tarifaço de energia, a alta dos juros vão retirar renda das famílias. A administração errática da presidente Dilma produziu queda de confiança em todos os segmentos empresariais. E agora pesa sobre as famílias e as firmas o risco do racionamento de energia.
O Brasil caminha para a recessão porque o governo cometeu sucessivos erros. Aumentou os gastos e produziu um enorme déficit; reprimiu tarifas; ignorou os alertas sobre a crise elétrica, permitindo que as empresas pegassem empréstimos para repassar aos preços. Agora é a hora do ajuste: a inflação subiu, a crise elétrica se agravou e os gastos têm que ser cortados.
Os problemas que o país enfrentará este ano não foram culpa do mundo. São crises feitas aqui mesmo. Para piorar, os governos estaduais, principalmente o de São Paulo, cometeram o mesmo erro de adiar as medidas que tinham que ter tomadas para mitigar os efeitos da seca. Agora, a economia já enfraquecida terá que enfrentar dois racionamentos: de água e energia.
A política industrial falhou completamente no primeiro mandato da presidente Dilma. E falhou porque estava errada e desatualizada. No ano em que o governo gastou R$ 104 bilhões em desoneração, a indústria teve um tombo de 3,2%. Só é comparável com o ano da crise de 2009. A queda é tal que contamina o ano de 2015, em que a indústria já começa lá em baixo, tendo que refazer o caminho da volta.
A queda não foi um fato isolado. A situação da indústria é dramática há bastante tempo. Nos últimos seis anos, foram três períodos de queda e três de alta. Em 2011, houve um raquítico crescimento de 0,4%, seguido de um tombo de 2,3%, em 2012. Em 2013, alta de 2,1%, e agora a retração de 3,2%. A produção está num nível 8% menor do que em setembro de 2008 quando começou a crise financeira internacional.
O governo apostou nos subsídios e redução de impostos. As medidas não funcionaram e causaram distorções como os rombos nas contas públicas. O setor de veículos automotores, reboques e carrocerias - tão beneficiado pelo governo, com redução de impostos, restrição a importados e estímulo ao crédito - terminou o ano com uma retração de 16,8% no ano passado, pelos números do IBGE. Foi o que mais caiu.
O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) acha que há "risco de colapso nos investimentos". A retração nos investimentos ocorre há três trimestres seguidos na indústria, como mostram os números da produção de bens de capital.
Os dados da Abimaq, entidade que representa a indústria que produz máquinas e equipamentos, já mostravam que o ano havia sido ruim para o investimento. Houve queda de 15% no consumo aparente de máquinas (consumo da produção interna mais as importações) e fechamento de 12 mil postos de trabalho de janeiro da dezembro.
Pelas contas da consultoria Rosenberg Associados, caso a indústria não encolha mais e mantenha o mesmo nível de produção de dezembro ao longo de todos os meses deste ano, ela fecharia 2015 com retração de 4,1%. É o chamado carregamento estatístico, que este ano será negativo.
Os bancos e consultorias ouvidos pelo Banco Central projetaram ontem crescimento zero para o PIB este ano. E várias instituições estão prevendo queda de 0,5%. A MB Associados está com a previsão de um PIB negativo de 1%, a mesma calculada por Alexandre de Ázara, sócio e economista-chefe do Banco Modal, que ainda estima inflação de 7,9%. Na produção industrial, os números estão sendo revistos para baixo há cinco semanas seguidas pelo mercado financeiro, com a ameaça cada vez maior do tarifaço e do racionamento de energia. Há um mês, a projeção era de alta de 1%.
Ao mesmo tempo em que o consumo interno perde força, o crescimento industrial pela exportação é pouco provável, mesmo com a desvalorização do real. O país não fez acordos comerciais nos últimos anos e ficou dependente da venda de produtos manufaturados para o Mercosul. Os argentinos são os principais compradores e estão em crise cambial, subindo barreiras comerciais e atrasando pagamentos a seus fornecedores.
O governo colhe agora o que plantou. O problema é que quem paga pela má colheita somos nós. A alta da inflação, o tarifaço de energia, a alta dos juros vão retirar renda das famílias. A administração errática da presidente Dilma produziu queda de confiança em todos os segmentos empresariais. E agora pesa sobre as famílias e as firmas o risco do racionamento de energia.
Europa que ri, Brasil que chora - GILLES LAPOUGE
O Estado de S. Paulo - 10/02
Há alguns anos nos habituamos a ter pena da "pobre Europa", com todos os seus motores engripados. E sempre oferecíamos como exemplo o Brasil, que liderava a corrida, registrando altos crescimentos, ano após ano. A Europa estava imóvel, ou recuava, ao passo que o Brasil seguia seu caminho e havia encontrado enfim o seu "famoso futuro" que Stefan Zweig, desde 1940, lhe havia prometido.
Hoje perguntamos se não é caso de atualizar o software. Tudo se passa como se uma mudança de orientação estivesse em curso. Brasil e Europa dão a impressão de que mudaram seus papéis: a "lata velha" europeia se enfurece e acelera, enquanto o motor do Brasil engasga e seu acelerador quebra.
Os europeus mal acreditam nessa fadiga brasileira. Estavam tão habituados a ver o país de Lula crescer em espiral, lançar-se no zênite em companhia da China e se recusam a crer que a era Dilma não é a era Lula.
No jornal Figaro, um economista de renome, Nicolas Baverez, definiu a situação como "o crash do Brasil". E apresenta uma série de cifras e dados estatísticos que os brasileiros conhecem bem, infelizmente, mas que a Europa recusa-se a levar a sério. Ele evoca o escândalo e o desastre da Petrobrás, consequência, símbolo e acelerador do "mal brasileiro".
"Dilma não cessou de negar a crise, cedendo a uma deriva demagógica e nacionalista, buscando 'bodes expiatórios nos predadores internos e inimigos do estrangeiro'. O restabelecimento das finanças públicas e da política de oferta indispensável para a recuperação vão no sentido contrário da campanha de Dilma e validam o programa de seu opositor Aécio Neves."
Ele conclui seu artigo com um conselho: "É vital que o Brasil, com base nos seus trunfos formidáveis, coloque fim à deriva autoritária, nacionalista e populista, para escolher o campo do Estado de Direito e da reforma econômica".
Despertar. Como num jogo de equilíbrio, à medida que o Brasil afunda, a Europa desperta. Não é um despertar de sobressalto, estilo americano. Mas, depois de sete anos de vacas magras e cada vez mais magras, o mínimo progresso é um milagre.
Em novembro, Bruxelas previa para 2015 um crescimento de 1,5% na União Europeia e de 1,1% na zona do euro. Hoje, eis as novas previsões: 1,7% para a União Europeia e 1,3% para a zona do euro. Em 2016 essas porcentagens aumentarão para 1,9% e 2,1%. Claro que são saltos muito pequenos, mas, depois de sete anos de aflição, o efeito é de um salto de atleta.
A causa dessa melhora é conhecida: o esforço de todos os países da zona do euro. E a ele se adicionam dois eventos fortuitos: o recuo da moeda comum, o euro, que reanimou as exportações, e a queda dos preços do petróleo, que desafoga as contas das nações e das famílias.
É preciso que o comboio europeu não tropece numa grande pedra, por exemplo, na crise grega, já que Atenas decidiu atacar de frente Bruxelas, Berlim e alguns outros alvos, com o objetivo de por fim à "mania de austeridade" imposta por Angela Merkel aos países do sul da Europa.
Mas, se Bruxelas, como os gregos, os alemães e todos os outros, administrar prudentemente a cólera grega, ela poderá ter um efeito positivo sobre toda a Europa. Se Atenas, estimulada pelo desespero, conseguir soltar as amarras colocadas por Merkel e por Bruxelas no crescimento, o "acesso de cólera" dos gregos não terá sido inútil: países que fraquejam há anos sob o peso da "austeridade" poderão recobrar o gosto pela vida, o crescimento, e comunicar seu bom humor para toda a zona, a países como a Grécia, em primeiro lugar, mas também Itália, Portugal, Espanha. E mesmo a França. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
Há alguns anos nos habituamos a ter pena da "pobre Europa", com todos os seus motores engripados. E sempre oferecíamos como exemplo o Brasil, que liderava a corrida, registrando altos crescimentos, ano após ano. A Europa estava imóvel, ou recuava, ao passo que o Brasil seguia seu caminho e havia encontrado enfim o seu "famoso futuro" que Stefan Zweig, desde 1940, lhe havia prometido.
Hoje perguntamos se não é caso de atualizar o software. Tudo se passa como se uma mudança de orientação estivesse em curso. Brasil e Europa dão a impressão de que mudaram seus papéis: a "lata velha" europeia se enfurece e acelera, enquanto o motor do Brasil engasga e seu acelerador quebra.
Os europeus mal acreditam nessa fadiga brasileira. Estavam tão habituados a ver o país de Lula crescer em espiral, lançar-se no zênite em companhia da China e se recusam a crer que a era Dilma não é a era Lula.
No jornal Figaro, um economista de renome, Nicolas Baverez, definiu a situação como "o crash do Brasil". E apresenta uma série de cifras e dados estatísticos que os brasileiros conhecem bem, infelizmente, mas que a Europa recusa-se a levar a sério. Ele evoca o escândalo e o desastre da Petrobrás, consequência, símbolo e acelerador do "mal brasileiro".
"Dilma não cessou de negar a crise, cedendo a uma deriva demagógica e nacionalista, buscando 'bodes expiatórios nos predadores internos e inimigos do estrangeiro'. O restabelecimento das finanças públicas e da política de oferta indispensável para a recuperação vão no sentido contrário da campanha de Dilma e validam o programa de seu opositor Aécio Neves."
Ele conclui seu artigo com um conselho: "É vital que o Brasil, com base nos seus trunfos formidáveis, coloque fim à deriva autoritária, nacionalista e populista, para escolher o campo do Estado de Direito e da reforma econômica".
Despertar. Como num jogo de equilíbrio, à medida que o Brasil afunda, a Europa desperta. Não é um despertar de sobressalto, estilo americano. Mas, depois de sete anos de vacas magras e cada vez mais magras, o mínimo progresso é um milagre.
Em novembro, Bruxelas previa para 2015 um crescimento de 1,5% na União Europeia e de 1,1% na zona do euro. Hoje, eis as novas previsões: 1,7% para a União Europeia e 1,3% para a zona do euro. Em 2016 essas porcentagens aumentarão para 1,9% e 2,1%. Claro que são saltos muito pequenos, mas, depois de sete anos de aflição, o efeito é de um salto de atleta.
A causa dessa melhora é conhecida: o esforço de todos os países da zona do euro. E a ele se adicionam dois eventos fortuitos: o recuo da moeda comum, o euro, que reanimou as exportações, e a queda dos preços do petróleo, que desafoga as contas das nações e das famílias.
É preciso que o comboio europeu não tropece numa grande pedra, por exemplo, na crise grega, já que Atenas decidiu atacar de frente Bruxelas, Berlim e alguns outros alvos, com o objetivo de por fim à "mania de austeridade" imposta por Angela Merkel aos países do sul da Europa.
Mas, se Bruxelas, como os gregos, os alemães e todos os outros, administrar prudentemente a cólera grega, ela poderá ter um efeito positivo sobre toda a Europa. Se Atenas, estimulada pelo desespero, conseguir soltar as amarras colocadas por Merkel e por Bruxelas no crescimento, o "acesso de cólera" dos gregos não terá sido inútil: países que fraquejam há anos sob o peso da "austeridade" poderão recobrar o gosto pela vida, o crescimento, e comunicar seu bom humor para toda a zona, a países como a Grécia, em primeiro lugar, mas também Itália, Portugal, Espanha. E mesmo a França. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
Cartel à brasileira - GIL CASTELLO BRANCO
O GLOBO - 10/02
É de vital importância que as investigações avancem. A cadeia é pedagógica. Para os empresários e para os políticos
Cartel não é como jabuticaba, que só existe no Brasil. Entre 2010 e 2014, a Comunidade Europeia aplicou multas equivalentes a R$ 27,2 bilhões por práticas de cartel. Os valores quase triplicaram em relação ao período de 2000 a 2004, quando as penalidades totalizaram R$ 10 bilhões. Em 2012, por exemplo, a LG Electronics e a Philips receberam, cada uma, multas de aproximadamente R$ 2,2 bilhões.
No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem adotado rigor semelhante. No ano passado, o chamado cartel do cimento foi multado em R$ 3,1 bilhões. O Cade ainda determinou a venda de fábricas e proibiu operações no ramo de cimento e de concreto até 2019.
No caso da Petrobras, no entanto, a situação vai além de empresas que combinam preços e dominam mercados. O fio da meada foi puxado por investigação da Polícia Federal em uma casa de câmbio, localizada num posto de gasolina de Brasília, por coincidência a quatro quilômetros da Praça dos Três Poderes. A partir daí, surgiram, em conluio, doleiros, contadores, executivos de empreiteiras, diretores e funcionários da estatal, empresas-laranjas, partidos e políticos da base governista. Se for comprovado o que dizem os delatores, só o PT arrecadou cerca de R$ 500 milhões, de 2003 a 2013. Associado ao mensalão, trata-se de ambicioso projeto de perpetuação no poder, gestado por corruptos reunidos em uma organização criminosa, verdadeira roda da fortuna ilícita institucionalizada à custa do Erário.
Como algumas empresas investigadas mantêm relações com políticos e são tradicionais financiadoras de campanhas eleitorais — em 2014 doaram R$ 386 milhões —, vários “pizzaioilos” tentam desmobilizar as apurações com argumentos esfarrapados. Uma das falácias é afirmar que caso as empresas envolvidas sejam decretadas inidôneas o país vai parar. Balela.
Estudo realizado pela Associação Contas Abertas nos investimentos dos Três Poderes no âmbito federal revela que, no ano passado, as empreiteiras investigadas na Lava-Jato foram responsáveis por apenas 6,3% dos valores pagos pela administração direta. O percentual irrelevante é explicado pelos investimentos abrangerem não somente obras, mas também a aquisição de máquinas e equipamentos. Como é óbvio, as empreiteiras investigadas não têm qualquer relação com a compra de tratores, aviões, caminhões etc. Os cálculos não incluem os consórcios, estados e municípios.
Quando se considera apenas a rubrica “obras e instalações” — dentro do montante dos investimentos federais, cujo valor total em 2014 alcançou R$ 57,2 bilhões —, a participação das empreiteiras cresce. Do total de R$ 15,8 bilhões investidos pela União em obras e instalações, as empreiteiras ficaram com 23%. Nesse item estão incluídas as despesas com os projetos e a execução das obras até sua conclusão. Essa participação das empreiteiras em um quinto dos investimentos em obras e instalações não é pequena, mas está longe de ser enorme como se sugere. Além disso, convenhamos, a impunidade não pode estar relacionada ao tamanho das empresas.
Na Controladoria-Geral da União, há oito processos administrativos que podem resultar em declarações de inidoneidade e em impedimentos de empresas celebrarem novos contratos com a União. Essas sanções não necessariamente acarretam a interrupção dos contratos em andamento, avaliados caso a caso, segundo o interesse da administração pública. Exemplo de que a inidoneidade não é o fim do mundo é a Delta Construções, que continua a tocar obras públicas, tendo recebido, inclusive, R$ 134 milhões da União em 2014.
De fato, tanto as empreiteiras quanto o governo — com desaprovação crescente —, não veem a hora de esse inferno terminar, se possível sem inidoneidades e provas cabais de envolvimento da cúpula do PT. Nesse contexto, eventuais acordos de leniência não podem se transformar em acordos de conveniência política. Para que não pairem quaisquer dúvidas, entendo que as condições para a celebração desses acordos devem ser previamente avaliadas pelo TCU e, se for o caso, questionadas pelo Ministério Público no Judiciário.
É de vital importância para o país que as investigações avancem, com a identificação dos responsáveis pelos delitos, sejam pessoas físicas, jurídicas ou ambos. Sobre a punição dos cartéis, é conhecida a frase de um funcionário do governo dos EUA: “Já vi muitos empresários dispostos a trocar o aumento da multa por menos dias na prisão, mas nunca o contrário.” Em outras palavras, a cadeia é pedagógica. Para os empresários e para os políticos.
É de vital importância que as investigações avancem. A cadeia é pedagógica. Para os empresários e para os políticos
Cartel não é como jabuticaba, que só existe no Brasil. Entre 2010 e 2014, a Comunidade Europeia aplicou multas equivalentes a R$ 27,2 bilhões por práticas de cartel. Os valores quase triplicaram em relação ao período de 2000 a 2004, quando as penalidades totalizaram R$ 10 bilhões. Em 2012, por exemplo, a LG Electronics e a Philips receberam, cada uma, multas de aproximadamente R$ 2,2 bilhões.
No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem adotado rigor semelhante. No ano passado, o chamado cartel do cimento foi multado em R$ 3,1 bilhões. O Cade ainda determinou a venda de fábricas e proibiu operações no ramo de cimento e de concreto até 2019.
No caso da Petrobras, no entanto, a situação vai além de empresas que combinam preços e dominam mercados. O fio da meada foi puxado por investigação da Polícia Federal em uma casa de câmbio, localizada num posto de gasolina de Brasília, por coincidência a quatro quilômetros da Praça dos Três Poderes. A partir daí, surgiram, em conluio, doleiros, contadores, executivos de empreiteiras, diretores e funcionários da estatal, empresas-laranjas, partidos e políticos da base governista. Se for comprovado o que dizem os delatores, só o PT arrecadou cerca de R$ 500 milhões, de 2003 a 2013. Associado ao mensalão, trata-se de ambicioso projeto de perpetuação no poder, gestado por corruptos reunidos em uma organização criminosa, verdadeira roda da fortuna ilícita institucionalizada à custa do Erário.
Como algumas empresas investigadas mantêm relações com políticos e são tradicionais financiadoras de campanhas eleitorais — em 2014 doaram R$ 386 milhões —, vários “pizzaioilos” tentam desmobilizar as apurações com argumentos esfarrapados. Uma das falácias é afirmar que caso as empresas envolvidas sejam decretadas inidôneas o país vai parar. Balela.
Estudo realizado pela Associação Contas Abertas nos investimentos dos Três Poderes no âmbito federal revela que, no ano passado, as empreiteiras investigadas na Lava-Jato foram responsáveis por apenas 6,3% dos valores pagos pela administração direta. O percentual irrelevante é explicado pelos investimentos abrangerem não somente obras, mas também a aquisição de máquinas e equipamentos. Como é óbvio, as empreiteiras investigadas não têm qualquer relação com a compra de tratores, aviões, caminhões etc. Os cálculos não incluem os consórcios, estados e municípios.
Quando se considera apenas a rubrica “obras e instalações” — dentro do montante dos investimentos federais, cujo valor total em 2014 alcançou R$ 57,2 bilhões —, a participação das empreiteiras cresce. Do total de R$ 15,8 bilhões investidos pela União em obras e instalações, as empreiteiras ficaram com 23%. Nesse item estão incluídas as despesas com os projetos e a execução das obras até sua conclusão. Essa participação das empreiteiras em um quinto dos investimentos em obras e instalações não é pequena, mas está longe de ser enorme como se sugere. Além disso, convenhamos, a impunidade não pode estar relacionada ao tamanho das empresas.
Na Controladoria-Geral da União, há oito processos administrativos que podem resultar em declarações de inidoneidade e em impedimentos de empresas celebrarem novos contratos com a União. Essas sanções não necessariamente acarretam a interrupção dos contratos em andamento, avaliados caso a caso, segundo o interesse da administração pública. Exemplo de que a inidoneidade não é o fim do mundo é a Delta Construções, que continua a tocar obras públicas, tendo recebido, inclusive, R$ 134 milhões da União em 2014.
De fato, tanto as empreiteiras quanto o governo — com desaprovação crescente —, não veem a hora de esse inferno terminar, se possível sem inidoneidades e provas cabais de envolvimento da cúpula do PT. Nesse contexto, eventuais acordos de leniência não podem se transformar em acordos de conveniência política. Para que não pairem quaisquer dúvidas, entendo que as condições para a celebração desses acordos devem ser previamente avaliadas pelo TCU e, se for o caso, questionadas pelo Ministério Público no Judiciário.
É de vital importância para o país que as investigações avancem, com a identificação dos responsáveis pelos delitos, sejam pessoas físicas, jurídicas ou ambos. Sobre a punição dos cartéis, é conhecida a frase de um funcionário do governo dos EUA: “Já vi muitos empresários dispostos a trocar o aumento da multa por menos dias na prisão, mas nunca o contrário.” Em outras palavras, a cadeia é pedagógica. Para os empresários e para os políticos.
A impopularidade que Dilma construiu - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 10/02
Surpresos e alarmados com a forte queda nos índices de avaliação da presidente Dilma Rousseff, o governo e o PT se articulam, não necessariamente entre si, para recolher os cacos da desastrada atuação da criatura de Lula em todas as frentes, da política à econômica, obra que em seu conjunto é tida como a mais grave ameaça concreta, em 12 anos, ao projeto de poder do lulopetismo.
Em apenas dois meses, como revelou pesquisa Datafolha, despencou quase à metade, de 42% para 23%, o número de brasileiros que consideram ótimo/bom o governo de Dilma, enquanto aumentou de 24% para 44% o daqueles que o julgam ruim/péssimo. É o reflexo do choque de realidade pós-eleitoral para o qual a chefe do governo contribui decisivamente com a soberba e a teimosia que inspiram suas decisões quase sempre balizadas por uma bitola ideológica estreita e arcaica. A escalação da equipe econômica foi, pelo menos até aqui, uma surpreendente exceção a essa regra.
Ganhar a Presidência por estreita margem de votos nas urnas em outubro havia sido uma dificuldade desconhecida pelo PT nos três pleitos anteriores. Pesaram decisivamente no resultado eleitoral a raspa do tacho da credibilidade do lulopetismo nas camadas mais populares do eleitorado e também, talvez decisivamente, o despudor com que o marketing da campanha submeteu os brasileiros ao terrorismo eleitoral, lançando na conta dos adversários o espectro da fome e do desemprego.
O pior, contudo, vê-se agora, foi a falta de escrúpulos com a qual a campanha petista mentiu sobre a intocabilidade dos benefícios trabalhistas, acusando os adversários de planejar o retorno à estabilidade econômica à custa de conquistas sociais, para no dia seguinte à posse o governo anunciar "correções" de algumas "distorções" daqueles benefícios. Hoje, ministros e dirigentes petistas enfatizam a necessidade de "explicar as medidas do governo". Mas o que compromete a credibilidade de Dilma é, menos do que o efeito dessas medidas, o fato de a então candidata ter mentido sobre elas. Uma grande mentira que se explicitou no momento em que Dilma cedeu à imposição dos fatos e contrariou suas próprias convicções ao nomear uma equipe "neoliberal", sob o comando de Joaquim Levy, para enfrentar o desafio de, desde logo, botar as contas do governo em ordem. Acresce a isso, decisivamente, o escândalo da Petrobrás, que macula indelevelmente personagens favorecidos por frequentadores e aliados do Planalto e respinga na chapa vencedora do pleito de 2014, beneficiados por dinheiro de procedência mais do que duvidosa. Compromete Dilma sua incapacidade de dialogar e de se articular com os demais protagonistas da cena política - consequência do voluntarismo de quem se julga onisciente. É conhecida a falta de disposição de Dilma para o chamado jogo político. Isso até poderia ser visto como mérito, quando se leva em conta o nível de fisiologismo a que o jogo político foi rebaixado durante os oito anos de Lula, a pretexto de garantir a "governabilidade". Mas Dilma nada fez para sanear o pântano moral criado por seu mentor. Ao contrário, serviu-se dele quando conveniente e não será torcendo o nariz, fingindo que resolve tudo sozinha e deixando o jogo correr que a presidente conseguirá governar.
A aversão da presidente ao diálogo é tão profunda que nem mesmo com seu partido ela conversa. Reduziu o núcleo duro do poder a um punhado de políticos com os quais tem afinidades ideológicas - ou que trocam a fidelidade à chefe pela possibilidade de desenvolver projetos políticos ou pessoais próprios. Assim, alijou do seu círculo próximo a corrente majoritária do PT e aquele que é ainda seu maior símbolo e liderança.
Nesse cenário ameaçador para seu projeto de poder, o PT, Lula à frente, vai ter de encontrar seu caminho apesar do governo. O escândalo da Petrobrás, que entra agora na fase mais polêmica, a do indiciamento dos políticos; a vigorosa reação do maior aliado, o PMDB, à frustrada tentativa de Dilma de minar seu poder no Congresso; as previsões pessimistas sobre a recuperação da economia no curto prazo; a corrosão do apoio popular à presidente e a possível volta das manifestações de rua - tudo isso anuncia dias difíceis para o País. Piores ainda para o PT, e que se tornarão intoleráveis se, finalmente, a oposição decidir desempenhar o papel para o qual foi eleita.
Surpresos e alarmados com a forte queda nos índices de avaliação da presidente Dilma Rousseff, o governo e o PT se articulam, não necessariamente entre si, para recolher os cacos da desastrada atuação da criatura de Lula em todas as frentes, da política à econômica, obra que em seu conjunto é tida como a mais grave ameaça concreta, em 12 anos, ao projeto de poder do lulopetismo.
Em apenas dois meses, como revelou pesquisa Datafolha, despencou quase à metade, de 42% para 23%, o número de brasileiros que consideram ótimo/bom o governo de Dilma, enquanto aumentou de 24% para 44% o daqueles que o julgam ruim/péssimo. É o reflexo do choque de realidade pós-eleitoral para o qual a chefe do governo contribui decisivamente com a soberba e a teimosia que inspiram suas decisões quase sempre balizadas por uma bitola ideológica estreita e arcaica. A escalação da equipe econômica foi, pelo menos até aqui, uma surpreendente exceção a essa regra.
Ganhar a Presidência por estreita margem de votos nas urnas em outubro havia sido uma dificuldade desconhecida pelo PT nos três pleitos anteriores. Pesaram decisivamente no resultado eleitoral a raspa do tacho da credibilidade do lulopetismo nas camadas mais populares do eleitorado e também, talvez decisivamente, o despudor com que o marketing da campanha submeteu os brasileiros ao terrorismo eleitoral, lançando na conta dos adversários o espectro da fome e do desemprego.
O pior, contudo, vê-se agora, foi a falta de escrúpulos com a qual a campanha petista mentiu sobre a intocabilidade dos benefícios trabalhistas, acusando os adversários de planejar o retorno à estabilidade econômica à custa de conquistas sociais, para no dia seguinte à posse o governo anunciar "correções" de algumas "distorções" daqueles benefícios. Hoje, ministros e dirigentes petistas enfatizam a necessidade de "explicar as medidas do governo". Mas o que compromete a credibilidade de Dilma é, menos do que o efeito dessas medidas, o fato de a então candidata ter mentido sobre elas. Uma grande mentira que se explicitou no momento em que Dilma cedeu à imposição dos fatos e contrariou suas próprias convicções ao nomear uma equipe "neoliberal", sob o comando de Joaquim Levy, para enfrentar o desafio de, desde logo, botar as contas do governo em ordem. Acresce a isso, decisivamente, o escândalo da Petrobrás, que macula indelevelmente personagens favorecidos por frequentadores e aliados do Planalto e respinga na chapa vencedora do pleito de 2014, beneficiados por dinheiro de procedência mais do que duvidosa. Compromete Dilma sua incapacidade de dialogar e de se articular com os demais protagonistas da cena política - consequência do voluntarismo de quem se julga onisciente. É conhecida a falta de disposição de Dilma para o chamado jogo político. Isso até poderia ser visto como mérito, quando se leva em conta o nível de fisiologismo a que o jogo político foi rebaixado durante os oito anos de Lula, a pretexto de garantir a "governabilidade". Mas Dilma nada fez para sanear o pântano moral criado por seu mentor. Ao contrário, serviu-se dele quando conveniente e não será torcendo o nariz, fingindo que resolve tudo sozinha e deixando o jogo correr que a presidente conseguirá governar.
A aversão da presidente ao diálogo é tão profunda que nem mesmo com seu partido ela conversa. Reduziu o núcleo duro do poder a um punhado de políticos com os quais tem afinidades ideológicas - ou que trocam a fidelidade à chefe pela possibilidade de desenvolver projetos políticos ou pessoais próprios. Assim, alijou do seu círculo próximo a corrente majoritária do PT e aquele que é ainda seu maior símbolo e liderança.
Nesse cenário ameaçador para seu projeto de poder, o PT, Lula à frente, vai ter de encontrar seu caminho apesar do governo. O escândalo da Petrobrás, que entra agora na fase mais polêmica, a do indiciamento dos políticos; a vigorosa reação do maior aliado, o PMDB, à frustrada tentativa de Dilma de minar seu poder no Congresso; as previsões pessimistas sobre a recuperação da economia no curto prazo; a corrosão do apoio popular à presidente e a possível volta das manifestações de rua - tudo isso anuncia dias difíceis para o País. Piores ainda para o PT, e que se tornarão intoleráveis se, finalmente, a oposição decidir desempenhar o papel para o qual foi eleita.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Não se pode falar em golpismo quando se fala em impeachment”
Senador Cristovam Buarque (PDT-DF), ex-ministro da Educação do governo Lula
‘OPERADOR’ PODE CONTAR QUEM RECEBIA COMISSÕES
Já recolhido à carceragem da Polícia Federal em Curitiba, o “operador” Mario Goes, que atua na Petrobras há décadas, pode revelar quem na estatal recebia o bônus pago, por todos os estaleiros, aos executivos das empresas que encomendam navios e plataformas. É praxe, em estaleiros, o pagamento de “owner discount” correspondente a 5% do valor do navio ou plataforma, que pode custar mais de US$ 1 bilhão.
A PRAXE
O “bônus” ou “owner discount” de 5% do valor do navio ou plataforma é pago “por fora” ao executivo que decidiu a encomenda, onde ele quiser.
ARQUIVO VIVO
A prisão de Mário Goes é relevante porque ele intermediou a maioria dos grandes negócios da Petrobras no exterior, nas últimas décadas.
ESPECIALISTAS
Para formular ao “operador” Mário Goes as perguntas certas, a força-tarefa da Lava Jato deveria recorrer a quem atua no comércio marítimo.
CADEIA FAZ PENSAR
Aos 73 anos e bilionário, Mário Goes certamente reflete na cadeia se é isso mesmo – cadeia – o que ele deseja para o próprio futuro.
PT ‘CRESCE O OLHO’ E QUER TIRAR PORTOS DO PMDB
Pupilo do vice Michel Temer, o ministro Edinho Araújo (Portos) corre risco de ser engolido pelo PT, que ganhou poder de influência na sua repartição. O PT se aproveita da ignorância do novo ministro em relação ao sistema portuário para aprovar medidas e preencher cargos no gabinete, por meio do secretario-executivo Guilherme Penin, petista que é fiel escudeiro do ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil).
MANDA E DESMANDA
Guilherme Penin foi assessor especial de Aloizio Mercadante na Casa Civil, e nomeado secretário-executivo de Portos em novembro de 2014.
APARELHOU GERAL
Conhecido no setor portuário, o secretario-executivo já preencheu este ano pelo menos quatro cargos de confiança no gabinete do ministro.
CUIDADOS
Inspira cuidados o estado de saúde de José Eduardo Dutra, ex-presidente da Petrobras e da BR, ex-senador e ex-presidente do PT.
SÓ UM TROMBADINHA
Comparado ao “operador” Mário Goes, preso desde domingo, o lobista do PMDB, Fernando Baiano, também no xilindró, seria no máximo um office-boy de luxo, responsável pelo transporte de malas de dinheiro.
OUTRO ESTELIONATO
A energia que abastece as residências ficará no mínimo 41% mais cara em 2015, segundo especialistas, sem contar o impacto da vigarice das “bandeiras tarifárias”. Há um ano Dilma prometia “reduzir” a tarifa.
ARTHUR NA CCJ
A mais importante comissão da Câmara, Constituição e Justiça, será presidida por Arthur Lira (AL), primeiro deputado do PP conquistar essa posição. O último alagoano no cargo foi José Thomaz Nonô, em 1994.
VOU DE TÁXI
Moradores da pequena rua J.J. Seabra, no Rio, perderam uma de suas melhores atrações: o agora confiscado Lamborghini de Eike Batista, que até dias atrás saía dele como o Batman, para jantar na região.
O TROCO
O presidente reeleito do Senado, Renan Calheiros, já mandou avisar ao PSDB para “botar a bola no chão”, nos embates de plenário, sob o risco de também ficar fora das presidências de comissões de mérito.
VALA COMUM
Certo de que a criação da CPI da Petrobras é um caminho sem volta, o PT agora vai trabalhar para estender as investigações dos governos Lula e Dilma para a gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso.
CPMI, O RETORNO
Líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), acredita que conseguirá de 29 a 32 assinaturas para criação da CPMI da Petrobras. Além da oposição, o tucano negocia com quatro senadores da base do governo.
CORTES NO DF
O chefe da Casa Civil do governo do Distrito Federal, Hélio Doyle, garante que até 29 de janeiro foram reduzidos de 7.887 para 1.428 os cargos “de confiança”, de livre provimento, além do corte de 507 cargos com vínculo. Segundo ele, a economia foi de R$ 21,5 milhões em um mês.
PENSANDO BEM...
...o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró agora alega que é maluco, mas nunca será acusado de haver rasgado dinheiro.
PODER SEM PUDOR
PARENTE E PARCEIRO
O deputado Manuel Gilberto fazia oposição sem tréguas ao governador Moura Cavalcanti ("no Nordeste, quem não é Cavalcanti é cavalgado", dizia), em Pernambuco, e sempre dava um jeito de mostrar intimidade com a obra de Eça de Queiroz. Certa vez, ao responder a aparte do colega Maviel Cavalcanti, primo do governador, ele ironizou:
- Vossa Excelência tem mesmo que defender esse governo, porque, tal qual um personagem de Eça, o deputado é parente, patrício e parceiro.
Senador Cristovam Buarque (PDT-DF), ex-ministro da Educação do governo Lula
‘OPERADOR’ PODE CONTAR QUEM RECEBIA COMISSÕES
Já recolhido à carceragem da Polícia Federal em Curitiba, o “operador” Mario Goes, que atua na Petrobras há décadas, pode revelar quem na estatal recebia o bônus pago, por todos os estaleiros, aos executivos das empresas que encomendam navios e plataformas. É praxe, em estaleiros, o pagamento de “owner discount” correspondente a 5% do valor do navio ou plataforma, que pode custar mais de US$ 1 bilhão.
A PRAXE
O “bônus” ou “owner discount” de 5% do valor do navio ou plataforma é pago “por fora” ao executivo que decidiu a encomenda, onde ele quiser.
ARQUIVO VIVO
A prisão de Mário Goes é relevante porque ele intermediou a maioria dos grandes negócios da Petrobras no exterior, nas últimas décadas.
ESPECIALISTAS
Para formular ao “operador” Mário Goes as perguntas certas, a força-tarefa da Lava Jato deveria recorrer a quem atua no comércio marítimo.
CADEIA FAZ PENSAR
Aos 73 anos e bilionário, Mário Goes certamente reflete na cadeia se é isso mesmo – cadeia – o que ele deseja para o próprio futuro.
PT ‘CRESCE O OLHO’ E QUER TIRAR PORTOS DO PMDB
Pupilo do vice Michel Temer, o ministro Edinho Araújo (Portos) corre risco de ser engolido pelo PT, que ganhou poder de influência na sua repartição. O PT se aproveita da ignorância do novo ministro em relação ao sistema portuário para aprovar medidas e preencher cargos no gabinete, por meio do secretario-executivo Guilherme Penin, petista que é fiel escudeiro do ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil).
MANDA E DESMANDA
Guilherme Penin foi assessor especial de Aloizio Mercadante na Casa Civil, e nomeado secretário-executivo de Portos em novembro de 2014.
APARELHOU GERAL
Conhecido no setor portuário, o secretario-executivo já preencheu este ano pelo menos quatro cargos de confiança no gabinete do ministro.
CUIDADOS
Inspira cuidados o estado de saúde de José Eduardo Dutra, ex-presidente da Petrobras e da BR, ex-senador e ex-presidente do PT.
SÓ UM TROMBADINHA
Comparado ao “operador” Mário Goes, preso desde domingo, o lobista do PMDB, Fernando Baiano, também no xilindró, seria no máximo um office-boy de luxo, responsável pelo transporte de malas de dinheiro.
OUTRO ESTELIONATO
A energia que abastece as residências ficará no mínimo 41% mais cara em 2015, segundo especialistas, sem contar o impacto da vigarice das “bandeiras tarifárias”. Há um ano Dilma prometia “reduzir” a tarifa.
ARTHUR NA CCJ
A mais importante comissão da Câmara, Constituição e Justiça, será presidida por Arthur Lira (AL), primeiro deputado do PP conquistar essa posição. O último alagoano no cargo foi José Thomaz Nonô, em 1994.
VOU DE TÁXI
Moradores da pequena rua J.J. Seabra, no Rio, perderam uma de suas melhores atrações: o agora confiscado Lamborghini de Eike Batista, que até dias atrás saía dele como o Batman, para jantar na região.
O TROCO
O presidente reeleito do Senado, Renan Calheiros, já mandou avisar ao PSDB para “botar a bola no chão”, nos embates de plenário, sob o risco de também ficar fora das presidências de comissões de mérito.
VALA COMUM
Certo de que a criação da CPI da Petrobras é um caminho sem volta, o PT agora vai trabalhar para estender as investigações dos governos Lula e Dilma para a gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso.
CPMI, O RETORNO
Líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), acredita que conseguirá de 29 a 32 assinaturas para criação da CPMI da Petrobras. Além da oposição, o tucano negocia com quatro senadores da base do governo.
CORTES NO DF
O chefe da Casa Civil do governo do Distrito Federal, Hélio Doyle, garante que até 29 de janeiro foram reduzidos de 7.887 para 1.428 os cargos “de confiança”, de livre provimento, além do corte de 507 cargos com vínculo. Segundo ele, a economia foi de R$ 21,5 milhões em um mês.
PENSANDO BEM...
...o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró agora alega que é maluco, mas nunca será acusado de haver rasgado dinheiro.
PODER SEM PUDOR
PARENTE E PARCEIRO
O deputado Manuel Gilberto fazia oposição sem tréguas ao governador Moura Cavalcanti ("no Nordeste, quem não é Cavalcanti é cavalgado", dizia), em Pernambuco, e sempre dava um jeito de mostrar intimidade com a obra de Eça de Queiroz. Certa vez, ao responder a aparte do colega Maviel Cavalcanti, primo do governador, ele ironizou:
- Vossa Excelência tem mesmo que defender esse governo, porque, tal qual um personagem de Eça, o deputado é parente, patrício e parceiro.