O GLOBO - 25/01
A questão política, mais que a econômica, é a preocupação do novo ministro da Fazenda Joaquim Levy. Na economia, ele sabe o que tem que fazer para recuperar a credibilidade do país junto aos investidores, e disso sua passagem por Davos, no Fórum Econômico Mundial, é exemplo claro.
Já classificado como um típico "Homem de Davos"," Levy não poderia estar mais à vontade entre os que pensam como ele. Parecia feliz como pinto no lixo, na definição popular do grande Jamelão sobre como o então presidente americano Bill Clinton se sentiu quando visitou a Mangueira.
Davos é um lugar perfeito para técnicos como ele, que falam a língua ortodoxa dos investidores e praticam tudo o que dizem. Já trabalhou no Fundo Monetário Internacional (FMI), e nada mais natural que tenha recebido elogios da presidente Christine Lagarde.
Levy é um típico "servidor público"," dizem os que trabalharam com ele, e a única experiência no mundo privado foi no Bradesco, de onde saiu paia assumir a Fazenda depois que o presidente do banco, Luiz Carlos Trabuco, recusou o convite. Já atuara em governo petista, como Secretário do Tesouro na gestão de Antonio Palocci na Fazenda, e era um dos alvos preferidos do PT já naquela altura, 110 início do primeiro governo Lula.
A diferença é que a política econômica ortodoxa era conduzida por um petista de alta estirpe, e o presidente era Lula, que controlava politicamente o PT e os movimentos sociais. Desta vez, Levy é o responsável principal pela condução da economia, decidido a levá-la a caminhos ortodoxos conhecidos. Mas exatamente por esse comportamento previsível sua escolha deveria ter sido negociada, pelo menos na base aliada, para evitar o tiroteio de que ele tem sido vítima.
Como isso não aconteceu, e nem a presidente Dilma se dignou a tirar uma foto com a equipe econômica para explicitar seu aval, Levy vai lidando com as críticas políticas da maneira que sabe, ou seja, desajeitadamente. A cada declaração ou entrevista, tem que soltai" uma nota explicando melhor o que quis dizer (como 110 caso da recessão na economia) ou esclarecendo o que o "Financial Times" distorceu de suas declarações sobre os programas sociais, tema com o qual faz questão de ser cuidadoso, pois sabe a importância que tem no projeto petista.
Levy está incomodado com as críticas, particularmente com os ataques do PSDB. Afinal, esses são da sua grei. Até poucos dias antes da eleição, Levy fazia parte da assessoria econômica do candidato tucano Aécio Neves e muito provavelmente estaria na equipe de um ministério da Fazenda comandado por Armínio Fraga.
Por isso, Levy parece decepcionado com a atuação dos tucanos que, ao contrário de quando Lula assumiu, em 2003, não parecem dispostos a apoiar as medidas restritivas que o governo tem anunciado.
Levy diz que este não é momento para populismos, pois a situação é grave.
Quanto aos tiros que recebe da base aliada, Levy evita comentários, mas sempre que pode diz que não há alternativa. No ar, a advertência implícita é de que qualquer descuido pode levar o Brasil a ser rebaixado pelas agências de risco. Abril parece ser um mês decisivo para os destinos do país. Os técnicos consideram que, com o fim do período de chuvas, haverá uma ideia clara da situação dos reservatórios e da necessidade ou não de racionamento, cada dia mais provável.
Mas é em abril também que o novo Congresso votará as medidas de contenção lançadas pelo governo corno medidas provisórias, depois de eleger os novos presidentes da Câmara e do Senado. Na economia e na política, serão dias conturbados.
Levy se escora no entendimento que a presidente tem de que é preciso mudar o rumo da economia. E lembra que a palavra "mudança" orientou os debates da campanha presidencial. O que o povo nas ruas pediu, naquele junho histórico de 2013, foi um governo mais eficiente e não um governo maior, assegura Levy.
A seu lado, num almoço para investidores promovido pelo banco Itaú, estava o ministro da Fazenda da Colômbia Mauricio Cardenas, com um histórico de crescimento da economia nos últimos anos, e disposto a abrir o mercado para investimentos em infraestrutura no país. Sem mudanças, adverte Levy, o país não estará preparado para voltar a ser um dos importantes players 110 mundo atual, onde vários emergentes disputam os investimentos internacionais
domingo, janeiro 25, 2015
Elogio à ambiguidade (o dom de iludir) - GUSTAVO FRANCO
O Estado de S. Paulo - 25/01
O grande acontecimento a desafiar explicações no início deste ano já tão repleto de temores chama-se Joaquim Levy.
Ninguém poderia antecipar que a presidente reeleita, sabidamente teimosa, irascível e centralizadora, além de (supostamente) adepta de teorias econômicas de pé quebrado, traria para o Ministério da Fazenda um Ph.D pela Universidade de Chicago, recrutado em um dos grandes bancos e de persuasão econômica contrária à sua. Parece um gabinete de coalizão, onde a Fazenda, o principal ministério, foi entregue à oposição, e sem contrapartida, um absurdo.
Enquanto Joaquim Levy circula no Fórum Econômico Mundial arrancando elogios e suspiros, inclusive de alívio - Christine Lagarde, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) o definiu, em tons românticos, como um "Davos Man" (como se tivesse nascido para aquilo) -, Dilma Rousseff foi à posse de Evo Morales e posou para uma foto com o braço erguido e punho cerrado, ela e outros líderes bolivarianos, sob a manchete (uma fala de Evo) "Aqui os Chicago Boys não mandam".
Não é possível imaginar sinais mais confusos. O que quer Dilma Rousseff?
Depois de duríssima campanha, infinitos debates, programas e exposições, onde todas as dúvidas deveriam ter sido eliminadas, verifica-se que não sabemos coisa alguma sobre o que quer a presidente reeleita.
Como confiar em líderes que fazem o contrário do que prometem?
Enquanto a perplexidade domina os corações do empresariado, em pouco mais de 20 dias de mandato, Joaquim Levy já melhorou as contas públicas em algo perto de R$ 40 bilhões, cerca de metade da estimativa de esforço fiscal necessário para alcançar a meta de superávit primário anunciada para 2015, e sem maior esforço. Não é uma meta ambiciosa (1,2% do Produto Interno Bruto), talvez mesmo dentro da zona de conforto, como é conveniente para quem precisa fazer previsões (orçamentos) e não quer falhar. Mas, em compensação, a equipe anterior deixou bombas escondidas em todos os cantos, ou seja, a herança maldita desses últimos anos de heterodoxia irresponsável era pior do que se imaginava.
Joaquim Levy prossegue arrumando a casa com surpreendente desenvoltura, plenamente atestada pela irritação que provoca nos apoiadores do ex-ministro Guido Mantega e do choque heterodoxo que impingiu ao Brasil nos últimos anos. É reconfortante ver agastados os amigos da inflação e acusando a presidente de "submissão ao mercado".
'Mercado'. Os amigos da inflação adoram implicar com o "mercado", pois assim imaginam antagonizar o "capital financeiro" e os bancos, quando na verdade estão tentando desautorizar "o que se diz por aí", ou a "rádio corredor", vozes que não se pode calar. Já estamos fartos de saber que o "mercado" é uma manifestação da opinião pública especializada, e uma expressão bem razoável do sentimento empresarial e das expectativas dos agentes econômicos numa economia de mercado moderna como o Brasil. E o mercado tomou horror de Guido Mantega e seus apoiadores, e por bons motivos.
A ideia de um antagonismo entre o "mercado" e o bem comum é uma das múltiplas arapucas retóricas de que se servem os marqueteiros para iludir. Foi com esse espírito que a presidente acusou a oposição de querer entregar o Banco Central aos bancos, do que resultaria subtrair comida da mesa do trabalhador.
Depois de vários aumentos nos juros, nos impostos, nas passagens de ônibus e na luz, não há como afastar o ilusionismo, bem capturado nesses versos de Caetano Veloso:
"Você diz a verdade
A verdade é seu dom de iludir
Como pode querer
Que a mulher vá viver sem mentir".
Antes que alguém se aborreça, não há uma questão de gênero aqui, trata-se de notar que no terreno eleitoral, como no do amor, a mentira pode ser, usando a observação de Quincas Borba, tão natural quanto a transpiração. Nesse terreno do emocional, onde prevalecem as ambiguidades, a manipulação de versões é quase um imperativo. Visto que talvez nem tudo seja falso, diz Fernando Pessoa, que nada nos cure do prazer de mentir.
Mas, dito isso, o que quer afinal Dilma Rousseff?
Só é possível refletir sobre o conforto proporcionado pela ambiguidade. É como se Dilma Rousseff vivesse uma variante da trama de Kagemusha, premiado filme homônimo de Akira Kurosawa de 1980.
O velho e respeitado líder guerreiro Shingen sabia que o poder do mito podia ser maior do que as habilidades reais de uma líder; ele já tinha chegado a essa categoria antes mesmo de encontrar seu destino, numa noite calma, quando foi discretamente ao campo de batalha ouvir uma misteriosa flauta e foi ferido mortalmente por um franco atirador. Enquanto agonizava, determinou que sua morte fosse mantida em segredo por três anos ao longo dos quais um sósia fingiria estar desempenhando suas funções, inclusive com mais pompa do que o habitual.
Mudança na direção. É claro que a ideia serve perfeitamente para um líder constrangido a reconhecer que fez tudo errado e teve de mudar a direção das coisas em seu segundo mandato. O esforço de iludir consiste em não reconhecer os erros, e assim, tornar-se uma sósia de si mesma, e manter oculta a original, a presidente heterodoxa e intervencionista que, todavia, não sabemos se continua viva.
Para evitar explicações embaraçosas, a sósia, na verdade uma figura heterônima, terá de se esforçar para permanecer todo o tempo que puder no terreno do simbólico, ou das abobrinhas, enquanto os técnicos tocam os assuntos da economia de forma completamente diferente do que antes. Como se nada tivesse acontecido.
Em algum momento posterior, com a economia andando bem, um roteirista experiente seria chamado para completar o enredo de forma positiva e engenhosa, a depender de se deslindar o mistério da economia. É cedo para especular. Só é claro que a ambiguidade é o melhor caminho, pois o silêncio contrito, acompanhado de um ar inteligente, diante de um interlocutor angustiado por uma resposta, é uma receita infalível para a consagração. Em silêncio, mesmo sem saber o que fazer, a liderança terá sempre o benefício de ver interpretações sobre suas ações que pressupõem uma inteligência muito maior do que a que realmente existe.
Não é preciso pensar muito, como indicam os versos de um outro heterônimo, Alberto Caeiro, o guardador de rebanhos:
"O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso".
O grande acontecimento a desafiar explicações no início deste ano já tão repleto de temores chama-se Joaquim Levy.
Ninguém poderia antecipar que a presidente reeleita, sabidamente teimosa, irascível e centralizadora, além de (supostamente) adepta de teorias econômicas de pé quebrado, traria para o Ministério da Fazenda um Ph.D pela Universidade de Chicago, recrutado em um dos grandes bancos e de persuasão econômica contrária à sua. Parece um gabinete de coalizão, onde a Fazenda, o principal ministério, foi entregue à oposição, e sem contrapartida, um absurdo.
Enquanto Joaquim Levy circula no Fórum Econômico Mundial arrancando elogios e suspiros, inclusive de alívio - Christine Lagarde, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) o definiu, em tons românticos, como um "Davos Man" (como se tivesse nascido para aquilo) -, Dilma Rousseff foi à posse de Evo Morales e posou para uma foto com o braço erguido e punho cerrado, ela e outros líderes bolivarianos, sob a manchete (uma fala de Evo) "Aqui os Chicago Boys não mandam".
Não é possível imaginar sinais mais confusos. O que quer Dilma Rousseff?
Depois de duríssima campanha, infinitos debates, programas e exposições, onde todas as dúvidas deveriam ter sido eliminadas, verifica-se que não sabemos coisa alguma sobre o que quer a presidente reeleita.
Como confiar em líderes que fazem o contrário do que prometem?
Enquanto a perplexidade domina os corações do empresariado, em pouco mais de 20 dias de mandato, Joaquim Levy já melhorou as contas públicas em algo perto de R$ 40 bilhões, cerca de metade da estimativa de esforço fiscal necessário para alcançar a meta de superávit primário anunciada para 2015, e sem maior esforço. Não é uma meta ambiciosa (1,2% do Produto Interno Bruto), talvez mesmo dentro da zona de conforto, como é conveniente para quem precisa fazer previsões (orçamentos) e não quer falhar. Mas, em compensação, a equipe anterior deixou bombas escondidas em todos os cantos, ou seja, a herança maldita desses últimos anos de heterodoxia irresponsável era pior do que se imaginava.
Joaquim Levy prossegue arrumando a casa com surpreendente desenvoltura, plenamente atestada pela irritação que provoca nos apoiadores do ex-ministro Guido Mantega e do choque heterodoxo que impingiu ao Brasil nos últimos anos. É reconfortante ver agastados os amigos da inflação e acusando a presidente de "submissão ao mercado".
'Mercado'. Os amigos da inflação adoram implicar com o "mercado", pois assim imaginam antagonizar o "capital financeiro" e os bancos, quando na verdade estão tentando desautorizar "o que se diz por aí", ou a "rádio corredor", vozes que não se pode calar. Já estamos fartos de saber que o "mercado" é uma manifestação da opinião pública especializada, e uma expressão bem razoável do sentimento empresarial e das expectativas dos agentes econômicos numa economia de mercado moderna como o Brasil. E o mercado tomou horror de Guido Mantega e seus apoiadores, e por bons motivos.
A ideia de um antagonismo entre o "mercado" e o bem comum é uma das múltiplas arapucas retóricas de que se servem os marqueteiros para iludir. Foi com esse espírito que a presidente acusou a oposição de querer entregar o Banco Central aos bancos, do que resultaria subtrair comida da mesa do trabalhador.
Depois de vários aumentos nos juros, nos impostos, nas passagens de ônibus e na luz, não há como afastar o ilusionismo, bem capturado nesses versos de Caetano Veloso:
"Você diz a verdade
A verdade é seu dom de iludir
Como pode querer
Que a mulher vá viver sem mentir".
Antes que alguém se aborreça, não há uma questão de gênero aqui, trata-se de notar que no terreno eleitoral, como no do amor, a mentira pode ser, usando a observação de Quincas Borba, tão natural quanto a transpiração. Nesse terreno do emocional, onde prevalecem as ambiguidades, a manipulação de versões é quase um imperativo. Visto que talvez nem tudo seja falso, diz Fernando Pessoa, que nada nos cure do prazer de mentir.
Mas, dito isso, o que quer afinal Dilma Rousseff?
Só é possível refletir sobre o conforto proporcionado pela ambiguidade. É como se Dilma Rousseff vivesse uma variante da trama de Kagemusha, premiado filme homônimo de Akira Kurosawa de 1980.
O velho e respeitado líder guerreiro Shingen sabia que o poder do mito podia ser maior do que as habilidades reais de uma líder; ele já tinha chegado a essa categoria antes mesmo de encontrar seu destino, numa noite calma, quando foi discretamente ao campo de batalha ouvir uma misteriosa flauta e foi ferido mortalmente por um franco atirador. Enquanto agonizava, determinou que sua morte fosse mantida em segredo por três anos ao longo dos quais um sósia fingiria estar desempenhando suas funções, inclusive com mais pompa do que o habitual.
Mudança na direção. É claro que a ideia serve perfeitamente para um líder constrangido a reconhecer que fez tudo errado e teve de mudar a direção das coisas em seu segundo mandato. O esforço de iludir consiste em não reconhecer os erros, e assim, tornar-se uma sósia de si mesma, e manter oculta a original, a presidente heterodoxa e intervencionista que, todavia, não sabemos se continua viva.
Para evitar explicações embaraçosas, a sósia, na verdade uma figura heterônima, terá de se esforçar para permanecer todo o tempo que puder no terreno do simbólico, ou das abobrinhas, enquanto os técnicos tocam os assuntos da economia de forma completamente diferente do que antes. Como se nada tivesse acontecido.
Em algum momento posterior, com a economia andando bem, um roteirista experiente seria chamado para completar o enredo de forma positiva e engenhosa, a depender de se deslindar o mistério da economia. É cedo para especular. Só é claro que a ambiguidade é o melhor caminho, pois o silêncio contrito, acompanhado de um ar inteligente, diante de um interlocutor angustiado por uma resposta, é uma receita infalível para a consagração. Em silêncio, mesmo sem saber o que fazer, a liderança terá sempre o benefício de ver interpretações sobre suas ações que pressupõem uma inteligência muito maior do que a que realmente existe.
Não é preciso pensar muito, como indicam os versos de um outro heterônimo, Alberto Caeiro, o guardador de rebanhos:
"O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso".