CORREIO BRAZILIENSE - 28/02
O verbo malufar está definitivamente desmoralizado. Foi reduzido a pó. Perto do megaesquema de corrupção montado para roubar a Petrobras, as maracutaias atribuídas ao neocompanheiro, e que deram origem ao termo, parecem hoje café pequeno. Nunca antes na história deste país, políticos inescrupulosos zombaram tanto da inteligência alheia.
Imagine o ladrão cara de pau que rouba o leite das crianças e depois convoca a própria quadrilha para uma manifestação em defesa da creche assaltada? Ou o cinismo do bandido que, uma vez descoberto, invoca, em defesa própria, a existência da corrupção no Brasil desde o descobrimento? "Ora, a elite já rouba faz mais de 500 anos", argumenta.
Logo, a saída não pode ser a prisão dos "guerreiros do povo brasileiro". Pôr na cadeia a turma "que rouba, mas distribui" é coisa da "mídia golpista". Como a "esquerda" de Dilma, Lula, Temer, Renan e Maluf tem maioria no Congresso, a ordem é investigar tudo desde a chegada das caravelas e passar o Brasil a limpo. Igual ao que o PT pregava (e nunca fez) antes de chegar ao poder. Bons tempos aqueles em que malufar ainda era crime.
Hoje, crime é ser contra a sangria da companheirada aos cofres públicos. Afinal, na literatura que faz a cabeça dos "progressistas" reza que, para alcançar a "revolução" redentora, "os fins justificam os meios". Não à toa, boa parte dessa gente idolatra o obscurantismo jihadista do Estado Islâmico. Principalmente quando fuzila, incinera ou corta cabeças de defensores da tal liberdade de expressão, esse mi-mi-mi "pequeno burguês" que é um dos pilares da democracia.
sábado, fevereiro 28, 2015
A hora e a história - DEMÉTRIO MAGNOLI
FOLHA DE SP - 28/02
A história não é a hora. Dilma vai passar, cedo ou tarde. Ela não vale o preço da redução do Brasil a um Paraguai
O governo Dilma 2 acabou antes de começar. Batida pelo turbilhão da crise que ela mesma engendrou, a presidente perdeu, de fato, o poder, que é exercido por dois primeiros-ministros informais: Joaquim Levy comanda a economia; Eduardo Cunha controla as rédeas da política. Na oposição, entre setores da base aliada e, sobretudo, nas ruas, a palavra impeachment elevou-se, de murmúrio, à condição de grito ainda abafado. É melhor pensar de novo, para não transformar o Brasil num imenso Paraguai.
Nos sistemas parlamentares, um voto de desconfiança do Parlamento derruba o gabinete, provocando eleições antecipadas. No presidencialismo paraguaio, regras vagas de impeachment conferem aos congressistas a prerrogativa de depor um chefe de Estado que não enfrenta acusações criminais. Um parecer de Ives Gandra Martins sustenta a hipótese de impedimento presidencial por improbidade administrativa, mesmo sem dolo. Na prática, equivale a sugerir que Dilma poderia ser apeada com a facilidade com que se abreviou o mandato de Fernando Lugo. A adesão a essa tese faria o Brasil retroceder do estatuto de moderna democracia de massas ao de uma democracia oligárquica latino-americana.
Não são golpistas os cidadãos que fazem circular o grito abafado. Dilma Rousseff tornou-se um fardo pesado demais. Lula deu o beijo da morte no segundo mandato da presidente ao lançar sua candidatura para 2018 antes ainda da posse. No ato farsesco de "defesa da Petrobras", o criador da criatura emitiu sinais evidentes de que, em nome de sua campanha plurianual, prepara-se para assumir o papel um tanto ridículo de crítico do governo. Diante de uma presidente envolta na mortalha da solidão, os partidos oposicionistas parecem aguardar uma decisão das ruas. Fariam melhor oferecendo um rumo político para a indignação popular.
Antes de tudo, seria preciso dizer que, na nossa democracia, a hipótese de impeachment só se aplica quando há culpa e dolo. O complemento honesto da sentença é a explicação de que, salvo novas, dramáticas, informações da Lava Jato, inexiste uma base política e jurídica sólida para abrir um processo de impedimento da presidente. Contudo, só isso não basta, pois o país não suportará mais quatro anos de "dilmismo", essa mistura exótica de arrogância ideológica, incompetência e inoperância.
"Governe para todos --ou renuncie!". No atual estágio de deterioração de seu governo, a saída realista para Dilma é extrair as consequências do fracasso, desligando-se do lulopetismo e convidando a parcela responsável do Congresso a compor um governo transitório de união nacional. O Brasil precisa enfrentar a crise econômica, definir a moldura de regras para um novo ciclo de investimentos, restaurar a credibilidade da Petrobras, resgatar a administração pública das quadrilhas político-empresariais que a sequestraram. É um programa e tanto, mas também a plataforma de um consenso possível.
"Governe para todos --ou renuncie!". O repto é um exercício de pedagogia política, não uma aventura no reino encantado da ingenuidade. As probabilidades de Dilma romper com o lulopetismo são menores que as de despoluição da baía da Guanabara até a Olimpíada. Isso, porém, não forma uma justificativa suficiente para flertar com o atalho do impeachment. Se a presidente, cega e surda, prefere persistir no erro, resta apontar-lhe, e a seu vice, a alternativa da renúncia, o que abriria as portas à antecipação das eleições.
Dilma diz que a culpa é de FHC. Lula diz que é da imprensa, enquanto reúne-se com o cartel das empreiteiras. A inflação fará o ajuste fiscal. Por aqui, os camisas negras usam camisas vermelhas. A justa indignação da hora faz do impeachment uma solução sedutora. Mas a história não é a hora. Dilma vai passar, cedo ou tarde. Ela não vale o preço da redução do Brasil a um Paraguai.
A história não é a hora. Dilma vai passar, cedo ou tarde. Ela não vale o preço da redução do Brasil a um Paraguai
O governo Dilma 2 acabou antes de começar. Batida pelo turbilhão da crise que ela mesma engendrou, a presidente perdeu, de fato, o poder, que é exercido por dois primeiros-ministros informais: Joaquim Levy comanda a economia; Eduardo Cunha controla as rédeas da política. Na oposição, entre setores da base aliada e, sobretudo, nas ruas, a palavra impeachment elevou-se, de murmúrio, à condição de grito ainda abafado. É melhor pensar de novo, para não transformar o Brasil num imenso Paraguai.
Nos sistemas parlamentares, um voto de desconfiança do Parlamento derruba o gabinete, provocando eleições antecipadas. No presidencialismo paraguaio, regras vagas de impeachment conferem aos congressistas a prerrogativa de depor um chefe de Estado que não enfrenta acusações criminais. Um parecer de Ives Gandra Martins sustenta a hipótese de impedimento presidencial por improbidade administrativa, mesmo sem dolo. Na prática, equivale a sugerir que Dilma poderia ser apeada com a facilidade com que se abreviou o mandato de Fernando Lugo. A adesão a essa tese faria o Brasil retroceder do estatuto de moderna democracia de massas ao de uma democracia oligárquica latino-americana.
Não são golpistas os cidadãos que fazem circular o grito abafado. Dilma Rousseff tornou-se um fardo pesado demais. Lula deu o beijo da morte no segundo mandato da presidente ao lançar sua candidatura para 2018 antes ainda da posse. No ato farsesco de "defesa da Petrobras", o criador da criatura emitiu sinais evidentes de que, em nome de sua campanha plurianual, prepara-se para assumir o papel um tanto ridículo de crítico do governo. Diante de uma presidente envolta na mortalha da solidão, os partidos oposicionistas parecem aguardar uma decisão das ruas. Fariam melhor oferecendo um rumo político para a indignação popular.
Antes de tudo, seria preciso dizer que, na nossa democracia, a hipótese de impeachment só se aplica quando há culpa e dolo. O complemento honesto da sentença é a explicação de que, salvo novas, dramáticas, informações da Lava Jato, inexiste uma base política e jurídica sólida para abrir um processo de impedimento da presidente. Contudo, só isso não basta, pois o país não suportará mais quatro anos de "dilmismo", essa mistura exótica de arrogância ideológica, incompetência e inoperância.
"Governe para todos --ou renuncie!". No atual estágio de deterioração de seu governo, a saída realista para Dilma é extrair as consequências do fracasso, desligando-se do lulopetismo e convidando a parcela responsável do Congresso a compor um governo transitório de união nacional. O Brasil precisa enfrentar a crise econômica, definir a moldura de regras para um novo ciclo de investimentos, restaurar a credibilidade da Petrobras, resgatar a administração pública das quadrilhas político-empresariais que a sequestraram. É um programa e tanto, mas também a plataforma de um consenso possível.
"Governe para todos --ou renuncie!". O repto é um exercício de pedagogia política, não uma aventura no reino encantado da ingenuidade. As probabilidades de Dilma romper com o lulopetismo são menores que as de despoluição da baía da Guanabara até a Olimpíada. Isso, porém, não forma uma justificativa suficiente para flertar com o atalho do impeachment. Se a presidente, cega e surda, prefere persistir no erro, resta apontar-lhe, e a seu vice, a alternativa da renúncia, o que abriria as portas à antecipação das eleições.
Dilma diz que a culpa é de FHC. Lula diz que é da imprensa, enquanto reúne-se com o cartel das empreiteiras. A inflação fará o ajuste fiscal. Por aqui, os camisas negras usam camisas vermelhas. A justa indignação da hora faz do impeachment uma solução sedutora. Mas a história não é a hora. Dilma vai passar, cedo ou tarde. Ela não vale o preço da redução do Brasil a um Paraguai.
Golpe de jiu-jítsu - FERNÃO LARA MESQUITA
O ESTADO DE S.PAULO - 28/02
Não há explosões nem rupturas. Não há socos nem chutes fulminantes, à Anderson Silva. Golpe, hoje, é de jiu-jítsu. A luta é no chão, lenta e sufocante como aperto de cobra. Nada de muito espetacular acontece. Persistente, insidiosa e inexoravelmente, os braços e pernas da cidadania no Legislativo e no Judiciário vão sendo agarrados, torcidos, imobilizados; o País vai parando, exausto, e o estrangulamento econômico é que leva aos três tapinhas no final...
É esse o script bolivariano. Depois vem o caos... Mas em países da pujança e da complexidade do Brasil o buraco é mais embaixo. Tiroteio no morro é sempre emocionante, mas diz pouco sobre o que rola no alto comando do crime organizado. Com o "petrolão" acontece coisa parecida. Se quiser saber onde é que essas guerras realmente são decididas, siga o dinheiro.
A "caixa-preta" do BNDES e dos fundos de pensão estatais está para o "petrolão" como o armamento nuclear está para as armas convencionais na guerra pela construção do "Reich de Mil Anos" do PT. Luciano Coutinho é a Dilma competente. O "true believer" que sabe o que faz. Mas por trás de tudo e por cima de todos paira Luiz Inácio Lula da Silva, o que não acredita em nada. A este, com seu instinto e seu faro fulminantes para o poder, não custou um átimo entender o potencial que tinha o fascínio do doutor Coutinho pelo sistema coreano dos Chaebol. "Aparelhar" esse fascínio foi brincadeira para o nosso insuperável virtuose na arte de servir doses cavalares de dinheiro aos ricos e de mentiras aos pobres enquanto atiça uns contra os outros e é amado por ambos, arte em que se iniciou, já lá vão 40 anos, frequentando a ponta da ponta do capitalismo cínico de seu tempo, aquele sem pátria das multinacionais automobilísticas do ABC paulista. Foi ali que ele aprendeu a comprar pequenos privilégios para a clientela dos metalúrgicos que o mantinha na linha de frente do jogo do poder à custa de garantir lucro fácil às multinacionais pondo o resto do Brasil andando de carroça paga a preço de Rolls-Royce. Foi ali que ele entendeu a força que o dinheiro tem, a resiliência dos laços que ele cria e a conveniente característica de moto-contínuo que os esquemas amarrados com ele engendram, realimentados pela corrupção e pela miséria que eles próprios fabricam.
Do esquema coreano de "empresas-mãe" recheadas de dinheiro do Estado entregues a um indivíduo ou a uma família, cercadas de pequenas "empresas-satélites" amarradas a elas pelo elo pétreo da sobrevivência econômica nasceu a versão macunaímica dos "campeões nacionais" do BNDES e dos fundos de pensão estatais, dos quais hoje dependem cada vez mais o fornecimento de todos os insumos e a absorção de toda a produção - e, portanto, todos os empregos - da vasta periferia da economia que orbita esses ungidos do Estado petista.
A diferença está em que, se na Coreia a explosão da corrupção e a instrumentalização política da relação de dependência inerente aos monopólios de que até hoje, apesar do nível de educação conquistado por seu povo, aquele país não consegue se livrar foram o corolário indesejável de uma vasta operação para criar a partir do zero um país e uma economia devastados pela guerra, aqui a trajetória foi exatamente a inversa. O PT não pensa no Brasil, o PT pensa no PT. Aqui, tudo começou para dotar um partido político de condições de impor sua hegemonia com o recurso à corrupção elevada à categoria de moeda institucionalizada de compra de poder e à criação de elos de completa dependência a monopólios politicamente manipuláveis de vastas áreas de uma economia pujante, mas diversificada demais para o gosto de quem sonha com sociedades inteiras dizendo amém a um chefe incontestável que não desce nunca do trono.
É essa segunda parte que decide o jogo e o resultado parcial está aí. Com pouquíssimas exceções, não há mais força econômica de qualquer relevância fora do "esquema". Só um rei e seus barões; tanto mais "relativos" estes quanto mais aquele se tornar "absoluto". E se o agronegócio, calcanhar de Aquiles dos totalitários do passado, foi exceção por algum tempo, esse tempo passou. O universo da proteína animal, "chaebolizado", tornou-se galático; o da bioenergia, garroteado pelo golpe da "gasolina barata", ou se multinacionalizou, ou não vive mais sem as veias pinçadas na UTI do governo. Eficiência empresarial? Essa "commodity" hoje se compra. Os grandes "tycoons" do "setor privado" brasileiro que continuam voando em seus jatões cada vez mais obscenos são só os CEOs a soldo de uma economia estatizada, ainda que vestindo roupas civis, e não mais a farda militar de outrora.
Dilma Rousseff é um acidente de percurso. O "poste" plantado para ocupar o buraco que começou a acreditar que era ela que tinha sido eleita e quase pôs tudo a perder. Talvez ainda consiga, a prosseguir o patológico desemparelhamento entre seu discurso e a realidade. Mas já não é só nisso que se constitui o "pântano brasileiro" descrito pela Economist. O que está paralisando o Brasil é o PT real sem a anestesia chinesa, apenas acrescentado de extensas áreas de grave irritação cutânea provocada pela irrefreável pesporrência de madame.
Para que os brasileiros enxerguem com clareza de onde é que isso tudo vem vindo e disponham do mínimo necessário para opinar sobre o destino que lhes querem impor, antes que seja tarde a imprensa terá de tirar o bisturi da gaveta, lancetar com suas próprias mãos o abcesso que corrói o País por baixo dos "campeões nacionais" e fazer muito barulho para chamar a atenção de todos para ele. Os membros do exclusivíssimo clube dos "campeões" do BNDES, balofos e engurgitados de dinheiro público, almoçam e jantam diariamente em Palácio onde todos se dão tapinhas amistosos nas costas. Ali ninguém vai atirar em ninguém, não haverá prisões nem delações premiadas e jamais nos será "dado acesso" ao câncer que há por baixo da ferida que, com todo mundo hipnotizado pelo tiroteio do "petrolão", o País ainda mal vê.
Não há explosões nem rupturas. Não há socos nem chutes fulminantes, à Anderson Silva. Golpe, hoje, é de jiu-jítsu. A luta é no chão, lenta e sufocante como aperto de cobra. Nada de muito espetacular acontece. Persistente, insidiosa e inexoravelmente, os braços e pernas da cidadania no Legislativo e no Judiciário vão sendo agarrados, torcidos, imobilizados; o País vai parando, exausto, e o estrangulamento econômico é que leva aos três tapinhas no final...
É esse o script bolivariano. Depois vem o caos... Mas em países da pujança e da complexidade do Brasil o buraco é mais embaixo. Tiroteio no morro é sempre emocionante, mas diz pouco sobre o que rola no alto comando do crime organizado. Com o "petrolão" acontece coisa parecida. Se quiser saber onde é que essas guerras realmente são decididas, siga o dinheiro.
A "caixa-preta" do BNDES e dos fundos de pensão estatais está para o "petrolão" como o armamento nuclear está para as armas convencionais na guerra pela construção do "Reich de Mil Anos" do PT. Luciano Coutinho é a Dilma competente. O "true believer" que sabe o que faz. Mas por trás de tudo e por cima de todos paira Luiz Inácio Lula da Silva, o que não acredita em nada. A este, com seu instinto e seu faro fulminantes para o poder, não custou um átimo entender o potencial que tinha o fascínio do doutor Coutinho pelo sistema coreano dos Chaebol. "Aparelhar" esse fascínio foi brincadeira para o nosso insuperável virtuose na arte de servir doses cavalares de dinheiro aos ricos e de mentiras aos pobres enquanto atiça uns contra os outros e é amado por ambos, arte em que se iniciou, já lá vão 40 anos, frequentando a ponta da ponta do capitalismo cínico de seu tempo, aquele sem pátria das multinacionais automobilísticas do ABC paulista. Foi ali que ele aprendeu a comprar pequenos privilégios para a clientela dos metalúrgicos que o mantinha na linha de frente do jogo do poder à custa de garantir lucro fácil às multinacionais pondo o resto do Brasil andando de carroça paga a preço de Rolls-Royce. Foi ali que ele entendeu a força que o dinheiro tem, a resiliência dos laços que ele cria e a conveniente característica de moto-contínuo que os esquemas amarrados com ele engendram, realimentados pela corrupção e pela miséria que eles próprios fabricam.
Do esquema coreano de "empresas-mãe" recheadas de dinheiro do Estado entregues a um indivíduo ou a uma família, cercadas de pequenas "empresas-satélites" amarradas a elas pelo elo pétreo da sobrevivência econômica nasceu a versão macunaímica dos "campeões nacionais" do BNDES e dos fundos de pensão estatais, dos quais hoje dependem cada vez mais o fornecimento de todos os insumos e a absorção de toda a produção - e, portanto, todos os empregos - da vasta periferia da economia que orbita esses ungidos do Estado petista.
A diferença está em que, se na Coreia a explosão da corrupção e a instrumentalização política da relação de dependência inerente aos monopólios de que até hoje, apesar do nível de educação conquistado por seu povo, aquele país não consegue se livrar foram o corolário indesejável de uma vasta operação para criar a partir do zero um país e uma economia devastados pela guerra, aqui a trajetória foi exatamente a inversa. O PT não pensa no Brasil, o PT pensa no PT. Aqui, tudo começou para dotar um partido político de condições de impor sua hegemonia com o recurso à corrupção elevada à categoria de moeda institucionalizada de compra de poder e à criação de elos de completa dependência a monopólios politicamente manipuláveis de vastas áreas de uma economia pujante, mas diversificada demais para o gosto de quem sonha com sociedades inteiras dizendo amém a um chefe incontestável que não desce nunca do trono.
É essa segunda parte que decide o jogo e o resultado parcial está aí. Com pouquíssimas exceções, não há mais força econômica de qualquer relevância fora do "esquema". Só um rei e seus barões; tanto mais "relativos" estes quanto mais aquele se tornar "absoluto". E se o agronegócio, calcanhar de Aquiles dos totalitários do passado, foi exceção por algum tempo, esse tempo passou. O universo da proteína animal, "chaebolizado", tornou-se galático; o da bioenergia, garroteado pelo golpe da "gasolina barata", ou se multinacionalizou, ou não vive mais sem as veias pinçadas na UTI do governo. Eficiência empresarial? Essa "commodity" hoje se compra. Os grandes "tycoons" do "setor privado" brasileiro que continuam voando em seus jatões cada vez mais obscenos são só os CEOs a soldo de uma economia estatizada, ainda que vestindo roupas civis, e não mais a farda militar de outrora.
Dilma Rousseff é um acidente de percurso. O "poste" plantado para ocupar o buraco que começou a acreditar que era ela que tinha sido eleita e quase pôs tudo a perder. Talvez ainda consiga, a prosseguir o patológico desemparelhamento entre seu discurso e a realidade. Mas já não é só nisso que se constitui o "pântano brasileiro" descrito pela Economist. O que está paralisando o Brasil é o PT real sem a anestesia chinesa, apenas acrescentado de extensas áreas de grave irritação cutânea provocada pela irrefreável pesporrência de madame.
Para que os brasileiros enxerguem com clareza de onde é que isso tudo vem vindo e disponham do mínimo necessário para opinar sobre o destino que lhes querem impor, antes que seja tarde a imprensa terá de tirar o bisturi da gaveta, lancetar com suas próprias mãos o abcesso que corrói o País por baixo dos "campeões nacionais" e fazer muito barulho para chamar a atenção de todos para ele. Os membros do exclusivíssimo clube dos "campeões" do BNDES, balofos e engurgitados de dinheiro público, almoçam e jantam diariamente em Palácio onde todos se dão tapinhas amistosos nas costas. Ali ninguém vai atirar em ninguém, não haverá prisões nem delações premiadas e jamais nos será "dado acesso" ao câncer que há por baixo da ferida que, com todo mundo hipnotizado pelo tiroteio do "petrolão", o País ainda mal vê.
Uma longa Quaresma - IGOR GIELOW
FOLHA DE SP - 28/02
BRASÍLIA - Nos tempos de outrora, católicos observavam a Quaresma na qual estamos com sentido de penitência pelos pecados cometidos, visando a redenção na Páscoa.
Hoje o governo Dilma passa por algo semelhante, coincidentemente no mesmo período de vigília religiosa. Tenta purgar seu pecados, mais ou menos admitidos em forma de um arrocho fiscal, embora sempre haja na praça um bufão de um Carnaval que teima em não acabar.
Hoje esta figura atende pelo nome de Lula, ao incitar as células dormentes do MST e da CUT a ir às ruas contra a "elite golpista" que, claro, inventou o formidável esquema de drenagem financeira da Petrobras em favor de partidos e empreiteiros.
Tudo o que o governo não precisa agora é disso. Se é do jogo e algo vazio ver a presidente criticar a mesma agência de classificação de risco que antes causava sorrisos ao conceder graus de investimento, a cada vociferação de Lula sobre o "exército do Stédile" ou para "irmos à guerra" o Planalto é pressionado ainda mais sobre o fio de uma lâmina.
Doze anos de guerra cultural promovida pelo petismo cobram um preço. Os espectros aparecem de lado a lado, como o ruinoso Guido Mantega percebeu no triste episódio em que foi hostilizado em um hospital.
Em princípio, os protestos contra Dilma em 15 de março se mostravam mais como um espasmo da rejeição ao PT em São Paulo e outros centros. A greve de caminhoneiros e a crise tucana no Paraná mostram, porém, que talvez haja um germe em desenvolvimento nas tais "ruas".
A conjuntura econômica tenebrosa, com o aumento do desemprego minando o último bastião do governo na área, insinua fermento para uma reação em cadeia que ainda não foi detectada --com um cenário institucional desfavorável, vide o Congresso sob o PMDB. Neste caso, a Quaresma que o governo espera ver superada em 2016 ou 2017 poderá mostrar-se ainda mais prolongada.
BRASÍLIA - Nos tempos de outrora, católicos observavam a Quaresma na qual estamos com sentido de penitência pelos pecados cometidos, visando a redenção na Páscoa.
Hoje o governo Dilma passa por algo semelhante, coincidentemente no mesmo período de vigília religiosa. Tenta purgar seu pecados, mais ou menos admitidos em forma de um arrocho fiscal, embora sempre haja na praça um bufão de um Carnaval que teima em não acabar.
Hoje esta figura atende pelo nome de Lula, ao incitar as células dormentes do MST e da CUT a ir às ruas contra a "elite golpista" que, claro, inventou o formidável esquema de drenagem financeira da Petrobras em favor de partidos e empreiteiros.
Tudo o que o governo não precisa agora é disso. Se é do jogo e algo vazio ver a presidente criticar a mesma agência de classificação de risco que antes causava sorrisos ao conceder graus de investimento, a cada vociferação de Lula sobre o "exército do Stédile" ou para "irmos à guerra" o Planalto é pressionado ainda mais sobre o fio de uma lâmina.
Doze anos de guerra cultural promovida pelo petismo cobram um preço. Os espectros aparecem de lado a lado, como o ruinoso Guido Mantega percebeu no triste episódio em que foi hostilizado em um hospital.
Em princípio, os protestos contra Dilma em 15 de março se mostravam mais como um espasmo da rejeição ao PT em São Paulo e outros centros. A greve de caminhoneiros e a crise tucana no Paraná mostram, porém, que talvez haja um germe em desenvolvimento nas tais "ruas".
A conjuntura econômica tenebrosa, com o aumento do desemprego minando o último bastião do governo na área, insinua fermento para uma reação em cadeia que ainda não foi detectada --com um cenário institucional desfavorável, vide o Congresso sob o PMDB. Neste caso, a Quaresma que o governo espera ver superada em 2016 ou 2017 poderá mostrar-se ainda mais prolongada.
Tesoura afiada - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 28/02
De todas as medidas de redução de imposto, a que era menos "brincadeira" era a desoneração sobre a folha, porque enfrentava um problema realmente existente. Mas as isenções ou reduções de IPI para carros merecem a definição do ministro Joaquim Levy. A tesoura afiada da dupla Levy-Barbosa é a única forma de o país sair do atoleiro em que foi jogado por erro, displicência e esperteza.
Há um longo caminho para se sair do buraco de um déficit nominal de 6,7% do PIB. Não é brincadeira não. Será preciso tomar medidas seriais, como os ministros da área econômica fizeram esta semana, e enfrentar o conjunto equivocado de crenças do partido do governo. Sozinha, a equipe nada fará. Se o governo como um todo não entender o tamanho do buraco, no primeiro número ruim o PT vai querer acabar com a brincadeira da equipe. E aí a crise que se seguirá não será nada engraçada.
Se o país escapar de um rebaixamento da dívida será em função da persistência com que os ministros estão tentando pôr ordem na casa, que foi deixada em grande desordem pela dupla anterior, Mantega-Belchior. Aliás, trio, porque o impagável Arno Augustin era o maior inventor dos brinquedos contábeis que ainda estão sendo pagos.
O forte superávit primário de janeiro teve grande participação de governos estaduais, municípios e empresas estatais. Eles economizaram R$ 11 bilhões, pouco mais da metade do primário de R$ 21,1 bi do mês. Ao Tesouro, coube a economia da outra parte, que veio abaixo da média para meses de janeiro dos últimos quatro anos.
"Levando em conta a sazonalidade favorável para meses de janeiro, o número não foi tão positivo. Nos últimos quatro anos, o superávit primário do Tesouro Nacional teve média de R$ 18 bilhões em janeiro", escreveu o Itaú Unibanco em relatório.
Parte do problema está no fato de a nova equipe econômica ainda ter que lidar com as alquimias e pedaladas fiscais da equipe anterior. Para evitar um déficit primário ainda maior em 2014, Augustin só autorizou o gasto de R$ 1,25 bilhão com a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) no último dia do mês de dezembro. Dessa forma, o desembolso aconteceu em janeiro, contaminando as estatísticas deste ano. Brincadeira! O tamanho da dificuldade de ajustar as contas públicas pode ser visto no superávit primário acumulado em 12 meses. Mesmo com esse número forte de janeiro, a estatística pouco mudou. Ao sair o dado de janeiro de 2014 e entrar o de janeiro de 2015, o déficit caiu de R$ 32,5 bilhões para R$ 31,4 bi, ou de 0,64%para 0,61% do PIB. Há um longo caminho até se chegar à meta positiva de R$ 66 bilhões ou 1,2% do PIB em dezembro deste ano.
O raciocínio é o mesmo para o resultado nominal. Apesar do superávit de R$ 3 bilhões em janeiro, o déficit em 12 meses caiu apenas de 6,71% do PIB para 6,42%. A dívida bruta continuou subindo e chegou a 64,4% do PIB, alta de 0,9 ponto sobre dezembro.
Há duas dificuldades para o ajuste fiscal. Primeiro, o aumento de impostos e o corte de gastos são medidas recessivas e vão agravar a situação de uma economia que está estagnada. A segunda é política. Parte do ajuste precisa ser aprovada pelo Congresso, e o governo tem tido enorme dificuldade para conseguir o apoio de sua própria base, principalmente o PT.
O que torna mais difícil convencer a base é exatamente a incoerência entre o discurso da candidata e as ações da presidente. Mas, se alguém não tinha entendido isso no partido da presidente, fica agora explicado pelos fatos que, durante a campanha, o governo mentiu para ter mais um mandato.
Nos últimos dois dias, o governo cortou despesas e agora suspendeu parte dos benefícios fiscais que havia concedido aos empresários. De todos os da lista de bondades com os cofres públicos, a desoneração da folha era o único defensável, porque o sistema de recolhimento patronal à Previdência sempre puniu quem emprega muito. Os setores intensivos em mão de obra sempre pagaram proporcionalmente mais do que as outras empresas. A medida foi parcialmente suspensa exatamente quando o aumento do desemprego já começou a acontecer. De novo, é culpa do passado, mas o partido do governo culpará a nova política econômica.
De todas as medidas de redução de imposto, a que era menos "brincadeira" era a desoneração sobre a folha, porque enfrentava um problema realmente existente. Mas as isenções ou reduções de IPI para carros merecem a definição do ministro Joaquim Levy. A tesoura afiada da dupla Levy-Barbosa é a única forma de o país sair do atoleiro em que foi jogado por erro, displicência e esperteza.
Há um longo caminho para se sair do buraco de um déficit nominal de 6,7% do PIB. Não é brincadeira não. Será preciso tomar medidas seriais, como os ministros da área econômica fizeram esta semana, e enfrentar o conjunto equivocado de crenças do partido do governo. Sozinha, a equipe nada fará. Se o governo como um todo não entender o tamanho do buraco, no primeiro número ruim o PT vai querer acabar com a brincadeira da equipe. E aí a crise que se seguirá não será nada engraçada.
Se o país escapar de um rebaixamento da dívida será em função da persistência com que os ministros estão tentando pôr ordem na casa, que foi deixada em grande desordem pela dupla anterior, Mantega-Belchior. Aliás, trio, porque o impagável Arno Augustin era o maior inventor dos brinquedos contábeis que ainda estão sendo pagos.
O forte superávit primário de janeiro teve grande participação de governos estaduais, municípios e empresas estatais. Eles economizaram R$ 11 bilhões, pouco mais da metade do primário de R$ 21,1 bi do mês. Ao Tesouro, coube a economia da outra parte, que veio abaixo da média para meses de janeiro dos últimos quatro anos.
"Levando em conta a sazonalidade favorável para meses de janeiro, o número não foi tão positivo. Nos últimos quatro anos, o superávit primário do Tesouro Nacional teve média de R$ 18 bilhões em janeiro", escreveu o Itaú Unibanco em relatório.
Parte do problema está no fato de a nova equipe econômica ainda ter que lidar com as alquimias e pedaladas fiscais da equipe anterior. Para evitar um déficit primário ainda maior em 2014, Augustin só autorizou o gasto de R$ 1,25 bilhão com a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) no último dia do mês de dezembro. Dessa forma, o desembolso aconteceu em janeiro, contaminando as estatísticas deste ano. Brincadeira! O tamanho da dificuldade de ajustar as contas públicas pode ser visto no superávit primário acumulado em 12 meses. Mesmo com esse número forte de janeiro, a estatística pouco mudou. Ao sair o dado de janeiro de 2014 e entrar o de janeiro de 2015, o déficit caiu de R$ 32,5 bilhões para R$ 31,4 bi, ou de 0,64%para 0,61% do PIB. Há um longo caminho até se chegar à meta positiva de R$ 66 bilhões ou 1,2% do PIB em dezembro deste ano.
O raciocínio é o mesmo para o resultado nominal. Apesar do superávit de R$ 3 bilhões em janeiro, o déficit em 12 meses caiu apenas de 6,71% do PIB para 6,42%. A dívida bruta continuou subindo e chegou a 64,4% do PIB, alta de 0,9 ponto sobre dezembro.
Há duas dificuldades para o ajuste fiscal. Primeiro, o aumento de impostos e o corte de gastos são medidas recessivas e vão agravar a situação de uma economia que está estagnada. A segunda é política. Parte do ajuste precisa ser aprovada pelo Congresso, e o governo tem tido enorme dificuldade para conseguir o apoio de sua própria base, principalmente o PT.
O que torna mais difícil convencer a base é exatamente a incoerência entre o discurso da candidata e as ações da presidente. Mas, se alguém não tinha entendido isso no partido da presidente, fica agora explicado pelos fatos que, durante a campanha, o governo mentiu para ter mais um mandato.
Nos últimos dois dias, o governo cortou despesas e agora suspendeu parte dos benefícios fiscais que havia concedido aos empresários. De todos os da lista de bondades com os cofres públicos, a desoneração da folha era o único defensável, porque o sistema de recolhimento patronal à Previdência sempre puniu quem emprega muito. Os setores intensivos em mão de obra sempre pagaram proporcionalmente mais do que as outras empresas. A medida foi parcialmente suspensa exatamente quando o aumento do desemprego já começou a acontecer. De novo, é culpa do passado, mas o partido do governo culpará a nova política econômica.
Esperando Janot - ALBERTO DINES
GAZETA DO POVO - PR - 28/02
No país da piada pronta, angústias e aflições são crimes de lesa-pátria, daí as gozações em torno do suspense armado antes da divulgação da lista de parlamentares e políticos citados na Operação Lava Jato e prometida há semanas por Rodrigo Janot, procurador-geral da República.
Paráfrase óbvia, quase obrigatória e quase homônima, relaciona-se com o título da peça Esperando Godot (1952), do irlandês francófono Samuel Beckett, marco do teatro do absurdo que poucos viram, menos ainda entenderam e todos usam abundantemente.
Godot promete e não chega, a espera é, em si, o não evento central, acionador de contrassensos, ilógica e disparates. Janot, ao contrário, está sempre presente, atento, figura de proa na arquitetura republicana, cargo máximo do Ministério Público, hoje considerado em muitas partes do mundo como o verdadeiro Quarto Poder.
Justifica-se a demora: denota cuidado, zelo, senso de responsabilidade. A lista é transcendental mesmo antes de conhecidos os nomes que a integram, todos aptos a serem denunciados e depois julgados pelo STF. As pressões são enormes; apesar do segredo que envolve a seleção dos implicados nos processos investigados pela Polícia Federal, alguns nomes escaparam para o noticiário.
A nominata é naturalmente explosiva: pode alterar a composição do governo, seu esquema de apoio, a escolha dos candidatos à sucessão presidencial e, sobretudo, inúmeras biografias. Algumas armazenadas em sites de busca, outras já publicadas.
A residência de Janot foi arrombada em janeiro, o governo preocupa-se com a sua segurança e a tensão da campanha eleitoral, longe de arrefecer com a posse dos eleitos, aumentou assustadoramente. Sucedem-se brigas entre militantes, o jogo sujo oriundo das torcidas organizadas começa a comprometer o sagrado direito de expressão, a convivência entre contrários e a paz social.
Em represália a um estúpido ato de hostilidade contra o ex-ministro Guido Mantega no lobby de um hospital paulistano onde a sua mulher se trata de um câncer, o ex-presidente Lula convocou a militância a reagir às provocações: pretendia baixar a fervura, só a aumentou. Essa fervura não baixará com veemências dirigidas a ativistas políticos; o momento pede atos de estadistas voltados para sossegar uma sociedade ressentida e perplexa.
A espera por Janot serve para desativar animosidades num ambiente perigosamente volátil, onde tudo funciona como pretexto para radicalizações. Mas serve igualmente para exacerbá-las. Não foi prudente a ideia de convocar um grandioso ato público em defesa da Petrobras para a sexta-feira, 13 de março – exatos 51 anos depois do comício na Central do Brasil, fatídico gatilho para a quartelada que empurrou o país para a trágica ditadura militar.
A estatal brasileira não está ameaçada pelos trustes internacionais nem pelo imperialismo ianque; seus algozes são gente nossa, partidos e prepostos brasileiros que “tascaram” (para usar a linguagem de João Pedro Stédile) um patrimônio nacional que conseguiu sobreviver e prosperar ao longo de 63 anos a despeito das drásticas mudanças de governo.
Esperando Godot é uma vivência pessimista sobre impasses, dolorosas expectativas, desesperança, filha dos horrores da 2.ª Guerra Mundial e da pérfida Guerra Fria que a sucedeu.
Esperando Janot pode ser uma aposta no aperfeiçoamento das instituições democráticas. Sobretudo, na nossa capacidade de julgar e punir com isenção.
No país da piada pronta, angústias e aflições são crimes de lesa-pátria, daí as gozações em torno do suspense armado antes da divulgação da lista de parlamentares e políticos citados na Operação Lava Jato e prometida há semanas por Rodrigo Janot, procurador-geral da República.
Paráfrase óbvia, quase obrigatória e quase homônima, relaciona-se com o título da peça Esperando Godot (1952), do irlandês francófono Samuel Beckett, marco do teatro do absurdo que poucos viram, menos ainda entenderam e todos usam abundantemente.
Godot promete e não chega, a espera é, em si, o não evento central, acionador de contrassensos, ilógica e disparates. Janot, ao contrário, está sempre presente, atento, figura de proa na arquitetura republicana, cargo máximo do Ministério Público, hoje considerado em muitas partes do mundo como o verdadeiro Quarto Poder.
Justifica-se a demora: denota cuidado, zelo, senso de responsabilidade. A lista é transcendental mesmo antes de conhecidos os nomes que a integram, todos aptos a serem denunciados e depois julgados pelo STF. As pressões são enormes; apesar do segredo que envolve a seleção dos implicados nos processos investigados pela Polícia Federal, alguns nomes escaparam para o noticiário.
A nominata é naturalmente explosiva: pode alterar a composição do governo, seu esquema de apoio, a escolha dos candidatos à sucessão presidencial e, sobretudo, inúmeras biografias. Algumas armazenadas em sites de busca, outras já publicadas.
A residência de Janot foi arrombada em janeiro, o governo preocupa-se com a sua segurança e a tensão da campanha eleitoral, longe de arrefecer com a posse dos eleitos, aumentou assustadoramente. Sucedem-se brigas entre militantes, o jogo sujo oriundo das torcidas organizadas começa a comprometer o sagrado direito de expressão, a convivência entre contrários e a paz social.
Em represália a um estúpido ato de hostilidade contra o ex-ministro Guido Mantega no lobby de um hospital paulistano onde a sua mulher se trata de um câncer, o ex-presidente Lula convocou a militância a reagir às provocações: pretendia baixar a fervura, só a aumentou. Essa fervura não baixará com veemências dirigidas a ativistas políticos; o momento pede atos de estadistas voltados para sossegar uma sociedade ressentida e perplexa.
A espera por Janot serve para desativar animosidades num ambiente perigosamente volátil, onde tudo funciona como pretexto para radicalizações. Mas serve igualmente para exacerbá-las. Não foi prudente a ideia de convocar um grandioso ato público em defesa da Petrobras para a sexta-feira, 13 de março – exatos 51 anos depois do comício na Central do Brasil, fatídico gatilho para a quartelada que empurrou o país para a trágica ditadura militar.
A estatal brasileira não está ameaçada pelos trustes internacionais nem pelo imperialismo ianque; seus algozes são gente nossa, partidos e prepostos brasileiros que “tascaram” (para usar a linguagem de João Pedro Stédile) um patrimônio nacional que conseguiu sobreviver e prosperar ao longo de 63 anos a despeito das drásticas mudanças de governo.
Esperando Godot é uma vivência pessimista sobre impasses, dolorosas expectativas, desesperança, filha dos horrores da 2.ª Guerra Mundial e da pérfida Guerra Fria que a sucedeu.
Esperando Janot pode ser uma aposta no aperfeiçoamento das instituições democráticas. Sobretudo, na nossa capacidade de julgar e punir com isenção.
Apelou, perdeu - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 28/02
A frágil democracia brasileira vive momentos de tensão. Às dores do ajuste fiscal, que já provocam reações de insatisfação entre os políticos (Orçamento) e consumidores (inflação), soma-se a crescente indignação com as revelações do escandaloso esquema de corrupção na Petrobras. Nessas horas de pressão, em que o governo e seus apoiadores se sentem acuados pelos fatos que eles mesmos produziram, deve a cidadania ficar atenta e reagir às demonstrações de truculência e antidemocracia observadas nos últimos dias.
A temperatura subiu às vésperas de se tornarem conhecidos os políticos envolvidos no petrolão, o megaesquema de corrupção na Petrobras investigado pela Operação Lava-Jato da Polícia Federal. O nome deles deve ser levado na próxima semana ao supremo tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Enquanto isso, os brasileiros acompanham com perplexidade manifestações de destempero e comportamentos questionáveis de autoridades do governo, de seu principal partido e até de seu maior líder. Não bastasse a preocupante demonstração de inércia da presidente Dilma Rousseff ante o gravíssimo rebaixamento da Petrobras à condição de pagadora sob suspeição por importante agência internacional de risco de crédito, com efeitos negativos no mercado financeiro, a recepção não divulgada pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de advogados de empresários presos pela Operação Lava-Jato disseminou a suspeita de que o governo estaria empenhado em encontrar meios de livrar as empreiteiras acusadas.
Cardozo voltou às manchetes na sexta-feira. Tão mal como tratou a bem-sucedida manifestação de caminhoneiros contra os preços dos combustíveis e o aumento dos pedágios, o ministro foi ao procurador-geral comunicar que a inteligência do Estado descobriu que Janot corria risco de sofrer atentado. O ministro não fez declarações públicas, mas a ampla divulgação do encontro soou como algo a intimidar eventual pedido de autorização ao STF para abertura de inquérito contra parlamentares por Janot.
Mas isso não é tudo. Claramente preocupado com o andamento das investigações da Lava-Jato, o ex-presidente Lula mergulhou de cabeça no esforço marqueteiro de promover manifestações em "defesa" da Petrobras, na tentativa de empurrar para a opinião pública a miragem de que tudo não passa de trama para desvalorizar a estatal e facilitar sua privatização.
Foi num dos eventos dessa campanha, na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio, que a presença de Lula atraiu opositores dispostos a vaiá-lo. Do lado de fora, a mídia registrou cenas que fizeram lembrar a pobre Venezuela de Nicolás Maduro, com enfrentamentos físicos patrocinados pela direção do PT fluminense. Eram militantes que seguiam a preocupante orientação do ex-presidente. Lula incitou os militantes a responder às agressões com atos de força e ameaçou os opositores com a convocação do que chamou de "exército do Stedile", líder do movimento em favor da reforma agrária.
Não é disso que o Brasil precisa. Pelo contrário. É nos momentos difíceis que as nações democráticas têm de contar com líderes à altura do povo. Eles transmitem a serenidade que impede que o aquecimento dos ânimos leve as coisas na direção oposta à do entendimento. Mais do que nunca, Lula deveria conhecer a máxima popular: apelou, perdeu.
A frágil democracia brasileira vive momentos de tensão. Às dores do ajuste fiscal, que já provocam reações de insatisfação entre os políticos (Orçamento) e consumidores (inflação), soma-se a crescente indignação com as revelações do escandaloso esquema de corrupção na Petrobras. Nessas horas de pressão, em que o governo e seus apoiadores se sentem acuados pelos fatos que eles mesmos produziram, deve a cidadania ficar atenta e reagir às demonstrações de truculência e antidemocracia observadas nos últimos dias.
A temperatura subiu às vésperas de se tornarem conhecidos os políticos envolvidos no petrolão, o megaesquema de corrupção na Petrobras investigado pela Operação Lava-Jato da Polícia Federal. O nome deles deve ser levado na próxima semana ao supremo tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Enquanto isso, os brasileiros acompanham com perplexidade manifestações de destempero e comportamentos questionáveis de autoridades do governo, de seu principal partido e até de seu maior líder. Não bastasse a preocupante demonstração de inércia da presidente Dilma Rousseff ante o gravíssimo rebaixamento da Petrobras à condição de pagadora sob suspeição por importante agência internacional de risco de crédito, com efeitos negativos no mercado financeiro, a recepção não divulgada pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de advogados de empresários presos pela Operação Lava-Jato disseminou a suspeita de que o governo estaria empenhado em encontrar meios de livrar as empreiteiras acusadas.
Cardozo voltou às manchetes na sexta-feira. Tão mal como tratou a bem-sucedida manifestação de caminhoneiros contra os preços dos combustíveis e o aumento dos pedágios, o ministro foi ao procurador-geral comunicar que a inteligência do Estado descobriu que Janot corria risco de sofrer atentado. O ministro não fez declarações públicas, mas a ampla divulgação do encontro soou como algo a intimidar eventual pedido de autorização ao STF para abertura de inquérito contra parlamentares por Janot.
Mas isso não é tudo. Claramente preocupado com o andamento das investigações da Lava-Jato, o ex-presidente Lula mergulhou de cabeça no esforço marqueteiro de promover manifestações em "defesa" da Petrobras, na tentativa de empurrar para a opinião pública a miragem de que tudo não passa de trama para desvalorizar a estatal e facilitar sua privatização.
Foi num dos eventos dessa campanha, na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio, que a presença de Lula atraiu opositores dispostos a vaiá-lo. Do lado de fora, a mídia registrou cenas que fizeram lembrar a pobre Venezuela de Nicolás Maduro, com enfrentamentos físicos patrocinados pela direção do PT fluminense. Eram militantes que seguiam a preocupante orientação do ex-presidente. Lula incitou os militantes a responder às agressões com atos de força e ameaçou os opositores com a convocação do que chamou de "exército do Stedile", líder do movimento em favor da reforma agrária.
Não é disso que o Brasil precisa. Pelo contrário. É nos momentos difíceis que as nações democráticas têm de contar com líderes à altura do povo. Eles transmitem a serenidade que impede que o aquecimento dos ânimos leve as coisas na direção oposta à do entendimento. Mais do que nunca, Lula deveria conhecer a máxima popular: apelou, perdeu.
Dose errada - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 28/02
Pecando pelo exagero, medidas anunciadas pela equipe econômica estrangulam ainda mais empresários e trabalhadores
A equipe econômica da presidente Dilma Rousseff (PT) anunciou mais contenções de despesas e aumentos de impostos para mostrar que o governo cumprirá a meta de redução de seu deficit, sejam quais forem os meios necessários.
O caráter vago e brutal da sucessão de medidas causa, porém, insegurança que pode ter efeitos contraproducentes, um abalo adicional na já escassa confiança de empresários e consumidores.
Os ministérios da Fazenda e do Planejamento pretenderam atenuar dúvidas crescentes sobre a viabilidade do ajuste nas contas públicas e, assim, evitar o aumento do descrédito das finanças federais e mais degradação econômica.
Mas não há estimativa realista de receita e despesa que oriente os cortes de gastos e aumentos de impostos. É por demais escassa a informação disponível para debater a dosagem do ajuste e dos meios mais eficientes e justos de implementá-lo. É incerta a distribuição de sacrifícios pela sociedade.
Compreende-se que a equipe econômica esteja sobrecarregada. Ainda tenta dar conta das despesas deixadas pelo primeiro governo Dilma. Não sabe quão frustrante será a arrecadação deste ano.
Vislumbra, além disso, as dificuldades políticas de aprovar as medidas de arrocho no Congresso e, agora, dentro do próprio governo, pois o ministério da Fazenda decretou limitação draconiana, talvez inédita, de despesas.
A equipe econômica ainda terá de lidar com a oposição de diversos setores sociais às medidas de ajuste. Entre as mais controversas, haverá corte de certos benefícios trabalhistas e será cancelada ao menos metade das desonerações da folha de pagamento concedidas a empresas, o que terá efeitos negativos no emprego e nos preços.
Ministrado nas doses exageradas ora propostas, o remédio adotado pelo governo estrangulará ainda mais o setor produtivo do país, com consequências que se farão sentir pelo conjunto da sociedade --um típico caso em que se mata o doente para curar a doença.
Fazenda e Planejamento precisam ser mais transparentes, de modo a permitir soluções pactuadas, mais eficientes e socialmente justas. Foi por obscurecer a real situação das contas públicas que Dilma Rousseff, em seu primeiro mandato, conduziu o país à lamentável situação que enfrenta agora.
Não será possível corrigir um erro --a ruína das contas públicas-- insistindo em outros. A imprevisibilidade e a insegurança criada pelos decretos fiscais podem produzir efeitos daninhos nos ânimos econômicos, suscitar demasiado conflito social e político e até minar a confiança em um programa que parece promissor.
Pecando pelo exagero, medidas anunciadas pela equipe econômica estrangulam ainda mais empresários e trabalhadores
A equipe econômica da presidente Dilma Rousseff (PT) anunciou mais contenções de despesas e aumentos de impostos para mostrar que o governo cumprirá a meta de redução de seu deficit, sejam quais forem os meios necessários.
O caráter vago e brutal da sucessão de medidas causa, porém, insegurança que pode ter efeitos contraproducentes, um abalo adicional na já escassa confiança de empresários e consumidores.
Os ministérios da Fazenda e do Planejamento pretenderam atenuar dúvidas crescentes sobre a viabilidade do ajuste nas contas públicas e, assim, evitar o aumento do descrédito das finanças federais e mais degradação econômica.
Mas não há estimativa realista de receita e despesa que oriente os cortes de gastos e aumentos de impostos. É por demais escassa a informação disponível para debater a dosagem do ajuste e dos meios mais eficientes e justos de implementá-lo. É incerta a distribuição de sacrifícios pela sociedade.
Compreende-se que a equipe econômica esteja sobrecarregada. Ainda tenta dar conta das despesas deixadas pelo primeiro governo Dilma. Não sabe quão frustrante será a arrecadação deste ano.
Vislumbra, além disso, as dificuldades políticas de aprovar as medidas de arrocho no Congresso e, agora, dentro do próprio governo, pois o ministério da Fazenda decretou limitação draconiana, talvez inédita, de despesas.
A equipe econômica ainda terá de lidar com a oposição de diversos setores sociais às medidas de ajuste. Entre as mais controversas, haverá corte de certos benefícios trabalhistas e será cancelada ao menos metade das desonerações da folha de pagamento concedidas a empresas, o que terá efeitos negativos no emprego e nos preços.
Ministrado nas doses exageradas ora propostas, o remédio adotado pelo governo estrangulará ainda mais o setor produtivo do país, com consequências que se farão sentir pelo conjunto da sociedade --um típico caso em que se mata o doente para curar a doença.
Fazenda e Planejamento precisam ser mais transparentes, de modo a permitir soluções pactuadas, mais eficientes e socialmente justas. Foi por obscurecer a real situação das contas públicas que Dilma Rousseff, em seu primeiro mandato, conduziu o país à lamentável situação que enfrenta agora.
Não será possível corrigir um erro --a ruína das contas públicas-- insistindo em outros. A imprevisibilidade e a insegurança criada pelos decretos fiscais podem produzir efeitos daninhos nos ânimos econômicos, suscitar demasiado conflito social e político e até minar a confiança em um programa que parece promissor.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Parece que aumentou um pouco o risco”
Rodrigo Janot, procurador-geral da República, sobre ameaças à sua segurança
Pode ter sido ‘plantada’ escuta na casa de Janot
O arrombamento da casa do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, divulgado ontem no site DiáriodoPoder.com.br, pode ter sido obra de espiões para “plantar” escutas ambientais ilegais. A suspeita surgiu após a constatação de que os invasores nada levaram, nem mesmo uma pistola do dono da casa, com três pentes de bala. Apenas foi levado, estranhamente, o controle remoto do portão da garagem.
Tempo suficiente
O arrombamento foi há um mês. Janot estava com a filha na Disney. A invasão durou 8 minutos, suficientes para ocultar micro escutas.
Arapongagem
No começo, o procurador atribuiu o arrombamento a bandidos comuns, mas agora há a suspeita de ação ligada a investigados da Lava Jato.
Agentes privados
Suspeita-se que tanto as supostas ameaças quanto a invasão da casa de Janot são obra de “agentes privados” interessados na investigação.
Novo patamar
Rodrigo Janot foi desaconselhado a usar aviões de carreira, e ontem, já sob forte proteção, viajou ara Minas em um jatinho da FAB.
Multa por bloqueio pode ser aplicável ao MST
O Ministério da Justiça abre a possibilidade de ser estendido a outros casos de obstrução de rodovias, como aqueles patrocinados pelo MST e entidades do gênero, as pesadas multas de até R$ 10 mil aplicadas por hora nos caminhoneiros que há dias protestam contra o governo. O ministério lembra, no entanto, que o caso dos motoristas de caminhão é específico e que a multa aplicada decorre de decisões judiciais.
Leis existem
A legislação penal e o código de trânsito preveem outras punições que podem ser aplicadas pela polícia, em caso de obstrução de estradas.
Nem me fale
Dilma continua reagindo com irritação sempre que alguém menciona o desejo do ex-deputado Henrique Eduardo Alves de virar ministro.
Santo Eduardo
O presidente da câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), fascina tanto os políticos de Brasília que os fez esquecer, digamos, sua folha corrida.
Só na primeira instância
O assédio para que Joaquim Barbosa assumisse a defesa de empreiteiros rolados no roubo à Petrobras, não ignorava a quarentena a que ele está submetido, sem poder atuar junto do Supremo Tribunal Federal. Eles o queriam atuando em juizados de primeira instância.
Reforma no Senado
Enquanto a reforma politica não vem, outra ampla e movimentada reforma começou, nesta sexta, no gabinete de Renan Calheiros na presidência do Senado: a de móveis, cadeiras, portas e armários.
Pisou na bola
Deve se complicar na Lava Jato a situação do deputado Paulinho da Força (SD-SP), após ter sido arrolado como testemunha de defesa do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC e coordenador do esquema.
Fatura
O Palácio do Planalto pressiona líderes aliados para aprovação das medidas provisórias 664 e 665, que alteram benefícios previdenciários. Quer que os textos sejam aprovados sem alteração.
Ministros a postos
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-SP), garantiu que todos os ministros vão comparecer à Casa para dar explicações nas audiências provocadas pelo presidente, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Só encrenca
A cúpula do PMDB não gostou de saber que Leonardo Picciani (RJ) teria feito acordo para apoiar Leonardo Quintão (MG) à sua sucessão na liderança, em 2016. O mineiro é malvisto no Planalto.
Cara Autoridade
O general Fernando Azevedo e Silva, presidente da Autoridade Pública Olímpica, subjugada à Presidência, recebe por mês pouco mais de R$ 21 mil. Mas nos meses de dezembro ganha mais de R$ 36 mil.
Consumidor que se dane
A Claro enxuga pessoal e não avisa: após 22h, cliente que pede socorro só ouve musiquinha irritante para qualquer serviço digitado. Já o Credicard nem atende mais depois desse horário.
Olho que tudo vê
Quem digitar no Google “o maior mentiroso do mundo” vê Lula no topo dos resultados. E a busca por “olho baixo” aponta Nestor Cerveró.
PODER SEM PUDOR
Latindo por votos
Na campanha de Tancredo Neves ao governo de Minas, em 1982, o deputado Ronan Tito espalmava a mão e perguntava que número era aquele. O povão respondia "Cachorro!", numa alusão ao jogo do bicho.
- Pois Tancredo será o cachorro que vai expulsar os ladrões do Palácio da Liberdade! - exclamava Tito.
A estratégia de gosto duvidoso preocupava os amigos de Tancredo, que provocaram uma reunião sobre o assunto. O vice Hélio Garcia discordou:
- Se for para ganhar a eleição, tem até que latir...
Rodrigo Janot, procurador-geral da República, sobre ameaças à sua segurança
Pode ter sido ‘plantada’ escuta na casa de Janot
O arrombamento da casa do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, divulgado ontem no site DiáriodoPoder.com.br, pode ter sido obra de espiões para “plantar” escutas ambientais ilegais. A suspeita surgiu após a constatação de que os invasores nada levaram, nem mesmo uma pistola do dono da casa, com três pentes de bala. Apenas foi levado, estranhamente, o controle remoto do portão da garagem.
Tempo suficiente
O arrombamento foi há um mês. Janot estava com a filha na Disney. A invasão durou 8 minutos, suficientes para ocultar micro escutas.
Arapongagem
No começo, o procurador atribuiu o arrombamento a bandidos comuns, mas agora há a suspeita de ação ligada a investigados da Lava Jato.
Agentes privados
Suspeita-se que tanto as supostas ameaças quanto a invasão da casa de Janot são obra de “agentes privados” interessados na investigação.
Novo patamar
Rodrigo Janot foi desaconselhado a usar aviões de carreira, e ontem, já sob forte proteção, viajou ara Minas em um jatinho da FAB.
Multa por bloqueio pode ser aplicável ao MST
O Ministério da Justiça abre a possibilidade de ser estendido a outros casos de obstrução de rodovias, como aqueles patrocinados pelo MST e entidades do gênero, as pesadas multas de até R$ 10 mil aplicadas por hora nos caminhoneiros que há dias protestam contra o governo. O ministério lembra, no entanto, que o caso dos motoristas de caminhão é específico e que a multa aplicada decorre de decisões judiciais.
Leis existem
A legislação penal e o código de trânsito preveem outras punições que podem ser aplicadas pela polícia, em caso de obstrução de estradas.
Nem me fale
Dilma continua reagindo com irritação sempre que alguém menciona o desejo do ex-deputado Henrique Eduardo Alves de virar ministro.
Santo Eduardo
O presidente da câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), fascina tanto os políticos de Brasília que os fez esquecer, digamos, sua folha corrida.
Só na primeira instância
O assédio para que Joaquim Barbosa assumisse a defesa de empreiteiros rolados no roubo à Petrobras, não ignorava a quarentena a que ele está submetido, sem poder atuar junto do Supremo Tribunal Federal. Eles o queriam atuando em juizados de primeira instância.
Reforma no Senado
Enquanto a reforma politica não vem, outra ampla e movimentada reforma começou, nesta sexta, no gabinete de Renan Calheiros na presidência do Senado: a de móveis, cadeiras, portas e armários.
Pisou na bola
Deve se complicar na Lava Jato a situação do deputado Paulinho da Força (SD-SP), após ter sido arrolado como testemunha de defesa do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC e coordenador do esquema.
Fatura
O Palácio do Planalto pressiona líderes aliados para aprovação das medidas provisórias 664 e 665, que alteram benefícios previdenciários. Quer que os textos sejam aprovados sem alteração.
Ministros a postos
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-SP), garantiu que todos os ministros vão comparecer à Casa para dar explicações nas audiências provocadas pelo presidente, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Só encrenca
A cúpula do PMDB não gostou de saber que Leonardo Picciani (RJ) teria feito acordo para apoiar Leonardo Quintão (MG) à sua sucessão na liderança, em 2016. O mineiro é malvisto no Planalto.
Cara Autoridade
O general Fernando Azevedo e Silva, presidente da Autoridade Pública Olímpica, subjugada à Presidência, recebe por mês pouco mais de R$ 21 mil. Mas nos meses de dezembro ganha mais de R$ 36 mil.
Consumidor que se dane
A Claro enxuga pessoal e não avisa: após 22h, cliente que pede socorro só ouve musiquinha irritante para qualquer serviço digitado. Já o Credicard nem atende mais depois desse horário.
Olho que tudo vê
Quem digitar no Google “o maior mentiroso do mundo” vê Lula no topo dos resultados. E a busca por “olho baixo” aponta Nestor Cerveró.
PODER SEM PUDOR
Latindo por votos
Na campanha de Tancredo Neves ao governo de Minas, em 1982, o deputado Ronan Tito espalmava a mão e perguntava que número era aquele. O povão respondia "Cachorro!", numa alusão ao jogo do bicho.
- Pois Tancredo será o cachorro que vai expulsar os ladrões do Palácio da Liberdade! - exclamava Tito.
A estratégia de gosto duvidoso preocupava os amigos de Tancredo, que provocaram uma reunião sobre o assunto. O vice Hélio Garcia discordou:
- Se for para ganhar a eleição, tem até que latir...
quinta-feira, fevereiro 26, 2015
Risco Petrobras, risco Brasil - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 26/02
Todo o mercado de petróleo está em retração. Com a queda de preços,companhias desistem dos investimentos mais caros
A inflação já estourou o teto da meta e vai continuar assim ao longo deste ano. Produção e consumo vão devagar, quase parando. Contas externas continuam no vermelho. Contas públicas são arrumadas a custo de corte de gastos, inclusive em benefícios sociais, e carga tributária.
O brasileiro já entendeu tudo. Pesquisa do Instituto Datapopular mostra que as pessoas esperam para este ano mais inflação, menos emprego, mais impostos e nada de aumento de salário.
Mas não há expectativa de desastre ou de uma crise aguda, não por causa do cenário econômico.
Por exemplo: a inflação em 12 meses, medida pelo IPCA-15 de fevereiro, bateu em 7,36%. Qual a previsão consensual entre os especialistas para o final do ano? A mesma coisa, 7,33%, tal como se vê no Relatório Focus, veiculado toda segunda-feira no site do Banco Central e que resume a opinião de fora do governo (consultorias, instituições financeiras, institutos de estudo e pesquisa).
O dólar tem oscilado entre R$ 2,80 e R$ 2,90. Expectativa para dezembro? R$ 2,90, e se chegar a R$ 3, pouca gente vai estranhar. Bate na inflação, encarece o importado, mas o BC agora parece mais sério no esforço de alcançar a meta de 4,5%, ainda que lá na frente. A taxa de juros vai subir de novo na próxima reunião.
Por outro lado, o dólar caro o ano todo deve ajudar a reduzir o déficit das contas externas, barateando exportações e encarecendo as viagens internacionais.
Também ninguém espera um desastre nas contas públicas. Ao contrário, é certo que estarão bem melhor do que ano passado só com a eliminação, já em prática, das lambanças do ex-ministro Mantega. Será difícil para o atual ministro Joaquim Levy cumprir a meta de economizar R$ 55 bilhões líquidos este ano, mas ninguém vai achar que é o fim do mundo se economizar uns 40 bi ou até menos que isso. Interromper a trajetória desastrosa dos últimos anos já é um baita avanço.
O país não escapa de uma recessão este ano, também conforme um amplo entendimento entre analistas aqui e lá fora. Logo, o desemprego deve aumentar — e as pessoas já perceberam que está mais difícil arranjar ou trocar de trabalho. Mas quando se estende o cenário para 2016, a coisa melhora no geral. A expectativa é de mais crescimento, com menos inflação e maior equilíbrio nas contas do governo.
Resumindo, 2015 é um ano ruim, pior que 2014, mas será também um período de arrumação. Dia desses, o ministro Joaquim Levy disse que não há tarefa de política econômica que não possa ser feita neste momento. Quis dizer que os problemas estão identificados, as receitas são conhecidas e já foram aplicadas em outras ocasiões. Há também amplo entendimento nisso.
Então, qual o problema, além do desconforto de cruzar este ano?
A Petrobras.
Considerem os investimentos em infraestrutura, por meio das concessões de estradas, portos, aeroportos, transportes a empresas privada — aqui está a única chance de intensificar a atividade econômica. Mas isso não pode deslanchar enquanto as empresas que se ocupam disso, todas clientes e fornecedoras da Petrobras, estiverem mais preocupadas em se livrar da Lava-Jato e vender ativos.
A própria estatal está cancelando obras e devolvendo sondas, plataformas etc. Estaleiros nacionais e estrangeiros que se instalaram por aqui perdem encomendas, sobram com capacidade ociosa. E não são competitivos no mercado externo porque, protegidos aqui, têm preços maiores e tecnologia menos atual.
Além disso, todo o mercado mundial de petróleo está em retração. Com a queda de preços, companhias pelo mundo todo desistem dos investimentos mais caros e, com isso, sobram equipamentos e navios. Aliás, ficaram mais baratos, o que poderia ser uma oportunidade para a Petrobras — que, entretanto, não pode aproveitá-la por causa da política de comprar máquinas com alto componente nacional.
Não foi só roubalheira — com o perdão desse “só”.
Além de limpar os balanços do que foi roubado, será preciso mudar toda a política para o setor e eliminar os desastres causados por uma gestão tão equivocada que está merecendo a atenção de especialistas internacionais como um exemplo acabado do que não se deve fazer.
Vai ser difícil, porque depende de circunstâncias internacionais fora de controle e porque a presidente Dilma acha que está tudo indo bem na estatal. Disse, por exemplo, que a agência Moddy’s rebaixou a nota da Petrobras por falta de conhecimento do que se faz na companhia. Ora, todo mundo sabe o que se passa lá — e ninguém acha que vai bem.
Acrescente a isso a lista de Janot — a relação de políticos investigados ou denunciados na Lava-jato, que está para sair, e se vê o potencial de impacto na vida política.
Quem mesmo queria acabar com a Petrobras? Ou com o país?
Todo o mercado de petróleo está em retração. Com a queda de preços,companhias desistem dos investimentos mais caros
A inflação já estourou o teto da meta e vai continuar assim ao longo deste ano. Produção e consumo vão devagar, quase parando. Contas externas continuam no vermelho. Contas públicas são arrumadas a custo de corte de gastos, inclusive em benefícios sociais, e carga tributária.
O brasileiro já entendeu tudo. Pesquisa do Instituto Datapopular mostra que as pessoas esperam para este ano mais inflação, menos emprego, mais impostos e nada de aumento de salário.
Mas não há expectativa de desastre ou de uma crise aguda, não por causa do cenário econômico.
Por exemplo: a inflação em 12 meses, medida pelo IPCA-15 de fevereiro, bateu em 7,36%. Qual a previsão consensual entre os especialistas para o final do ano? A mesma coisa, 7,33%, tal como se vê no Relatório Focus, veiculado toda segunda-feira no site do Banco Central e que resume a opinião de fora do governo (consultorias, instituições financeiras, institutos de estudo e pesquisa).
O dólar tem oscilado entre R$ 2,80 e R$ 2,90. Expectativa para dezembro? R$ 2,90, e se chegar a R$ 3, pouca gente vai estranhar. Bate na inflação, encarece o importado, mas o BC agora parece mais sério no esforço de alcançar a meta de 4,5%, ainda que lá na frente. A taxa de juros vai subir de novo na próxima reunião.
Por outro lado, o dólar caro o ano todo deve ajudar a reduzir o déficit das contas externas, barateando exportações e encarecendo as viagens internacionais.
Também ninguém espera um desastre nas contas públicas. Ao contrário, é certo que estarão bem melhor do que ano passado só com a eliminação, já em prática, das lambanças do ex-ministro Mantega. Será difícil para o atual ministro Joaquim Levy cumprir a meta de economizar R$ 55 bilhões líquidos este ano, mas ninguém vai achar que é o fim do mundo se economizar uns 40 bi ou até menos que isso. Interromper a trajetória desastrosa dos últimos anos já é um baita avanço.
O país não escapa de uma recessão este ano, também conforme um amplo entendimento entre analistas aqui e lá fora. Logo, o desemprego deve aumentar — e as pessoas já perceberam que está mais difícil arranjar ou trocar de trabalho. Mas quando se estende o cenário para 2016, a coisa melhora no geral. A expectativa é de mais crescimento, com menos inflação e maior equilíbrio nas contas do governo.
Resumindo, 2015 é um ano ruim, pior que 2014, mas será também um período de arrumação. Dia desses, o ministro Joaquim Levy disse que não há tarefa de política econômica que não possa ser feita neste momento. Quis dizer que os problemas estão identificados, as receitas são conhecidas e já foram aplicadas em outras ocasiões. Há também amplo entendimento nisso.
Então, qual o problema, além do desconforto de cruzar este ano?
A Petrobras.
Considerem os investimentos em infraestrutura, por meio das concessões de estradas, portos, aeroportos, transportes a empresas privada — aqui está a única chance de intensificar a atividade econômica. Mas isso não pode deslanchar enquanto as empresas que se ocupam disso, todas clientes e fornecedoras da Petrobras, estiverem mais preocupadas em se livrar da Lava-Jato e vender ativos.
A própria estatal está cancelando obras e devolvendo sondas, plataformas etc. Estaleiros nacionais e estrangeiros que se instalaram por aqui perdem encomendas, sobram com capacidade ociosa. E não são competitivos no mercado externo porque, protegidos aqui, têm preços maiores e tecnologia menos atual.
Além disso, todo o mercado mundial de petróleo está em retração. Com a queda de preços, companhias pelo mundo todo desistem dos investimentos mais caros e, com isso, sobram equipamentos e navios. Aliás, ficaram mais baratos, o que poderia ser uma oportunidade para a Petrobras — que, entretanto, não pode aproveitá-la por causa da política de comprar máquinas com alto componente nacional.
Não foi só roubalheira — com o perdão desse “só”.
Além de limpar os balanços do que foi roubado, será preciso mudar toda a política para o setor e eliminar os desastres causados por uma gestão tão equivocada que está merecendo a atenção de especialistas internacionais como um exemplo acabado do que não se deve fazer.
Vai ser difícil, porque depende de circunstâncias internacionais fora de controle e porque a presidente Dilma acha que está tudo indo bem na estatal. Disse, por exemplo, que a agência Moddy’s rebaixou a nota da Petrobras por falta de conhecimento do que se faz na companhia. Ora, todo mundo sabe o que se passa lá — e ninguém acha que vai bem.
Acrescente a isso a lista de Janot — a relação de políticos investigados ou denunciados na Lava-jato, que está para sair, e se vê o potencial de impacto na vida política.
Quem mesmo queria acabar com a Petrobras? Ou com o país?
Lenta desconstrução - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 26/02
Não foi um evento isolado, nem um engano. A Petrobras começou há muito tempo a caminhada para a perda do grau de investimento. Foi o resultado de vários erros cometidos pelo governo. Investimentos impostos pelo Planalto, nomeações políticas, preços populistas, propinas, descuidos. O PT achou que a empresa era dele. Ainda acha. A empresa é do Brasil.
O governo agora pode culpar o mensageiro. É bem do seu feitio. As agências erram muito, já erraram no passado, e, se forem criticadas, há razões. Mas uma análise sincera encontrará o quanto o governo foi insensato na condução da empresa.
Abriu inúmeras frentes de trabalho pelas exigências mais disparatadas. Uma refinaria no Maranhão, outra no Ceará. Mais uma no Rio. E a de Pernambuco? Melhor ainda, porque seria par a que o "companheiro" Hugo Chávez tivesse alternativa para vender seu petróleo.
O fluxo de caixa não é problema. A Petrobras pode comprar gasolina e diesel a um preço e vender mais baixo. Quantas vezes ouvimos José Sérgio Gabrielli dizer que não repassaria a "volatilidade" Lorota. Era uma forma de manipular o preço, evitar" que a inflação, sempre no teto, estourasse a meta. Era a certeza de que o caixa da empresa era elástico. Quando Graça Foster assumiu, ela deixou claro inúmeras vezes que o preço estava errado, mas foi obrigada a engolir a sandice de subsidiar combustível fóssil. Se tivesse tido uma política realista de preços, a empresa teria o indicador melhor na comparação entre endividamento e geração de caixa. Se tivesse sido realista nos vários anos em que ficou artificialmente baixo, agora os preços poderiam cair. Isso daria um alívio à inflação, ao país, aos caminhoneiros que estão parando a estrada.
Os fúncionários alertaram que acima de um determinado custo a refinaria Abreu e Lima seria inviável, jamais se pagaria. Fizeram relatórios internos. Nada foi olhado. E os custos dispararam de US$ 2,5 par a US$ 18 bilhões. Os companheiros venezuelanos roeram a corda e deixaram o mico com o Brasil. A obra continuou.
Rodadas de licitação de petróleo foram suspensas porque tinham que mudar o modelo de exploração para que a Petrobras fosse dona de 30% de cada campo de petróleo. E para tudo isso a empresa foi se endividando. Houve alertas. Mas eram coisa de pessimistas, disseram. Chegou ao ponto em que a ANP terá que adiar a próxima rodada, porque a Petrobras não cumpre a exigência do balanço auditado.
E, além de tudo, houve o roubo. Em larga escala, disseminado pelos vários negócios. E isso colocou a empresa na pior era de incerteza da sua vida. A Petrobras ficou endividada, sem balanço, com projetos excessivos e de rentabilidade duvidosa. Perdeu valor de mercado. A dívida cresceu exponencialmente e passou a frequentar as páginas dos escândalos político-policiais.
O rebaixamento tem efeito concreto. A empresa sai do portfólio dos melhores investidores, os fundos de pensão do mundo inteiro. Os reguladores dos países impedem que os fundos invistam em empresas de grau especulativo. O crédito será mais caro, se for captado. A empresa terá que cortar mais investimento porque precisará financiá-los com seu caixa.
E inúmeros efeitos começam a se espalhar pela economia. Falando só de um: a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) ontem deu entrevista em que calculou que a paralisia da Petrobras pode levar a uma redução de investimentos da ordem de R$ 80 bilhões este ano. Há projetos cancelados, como as duas refinarias, e os efeitos da operação Lava-Jato, que têm travado contratos de empreiteiras não só com a Petrobras, mas também em empréstimos com o BNDES, afetando o fluxo de caixa das empresas e, consequentemente, as encomendas.
- Aí a empresa vai ao banco e encontra também urna conjuntura ruim. Com crédito mais restrito e juros mais altos. Quem tem grande participação do setor de óleo e gás na sua carteira pode acabar cancelando encomendas e projetos de outros setores, por ficar sem caixa. Há um efeito cascata - explicou o diretor de competitividade da Abimaq, Mário Bernardini.
A Abimaq projeta queda da taxa de investimento de 18% para 16% do PIB este ano, e uma retração da economia entre 1% e 2%.
Diante dessa coleção de incertezas e efeitos negativos de decisões insensatas do governo, o rebaixamento era esperado. Mas, quando chegou, doeu.
Não foi um evento isolado, nem um engano. A Petrobras começou há muito tempo a caminhada para a perda do grau de investimento. Foi o resultado de vários erros cometidos pelo governo. Investimentos impostos pelo Planalto, nomeações políticas, preços populistas, propinas, descuidos. O PT achou que a empresa era dele. Ainda acha. A empresa é do Brasil.
O governo agora pode culpar o mensageiro. É bem do seu feitio. As agências erram muito, já erraram no passado, e, se forem criticadas, há razões. Mas uma análise sincera encontrará o quanto o governo foi insensato na condução da empresa.
Abriu inúmeras frentes de trabalho pelas exigências mais disparatadas. Uma refinaria no Maranhão, outra no Ceará. Mais uma no Rio. E a de Pernambuco? Melhor ainda, porque seria par a que o "companheiro" Hugo Chávez tivesse alternativa para vender seu petróleo.
O fluxo de caixa não é problema. A Petrobras pode comprar gasolina e diesel a um preço e vender mais baixo. Quantas vezes ouvimos José Sérgio Gabrielli dizer que não repassaria a "volatilidade" Lorota. Era uma forma de manipular o preço, evitar" que a inflação, sempre no teto, estourasse a meta. Era a certeza de que o caixa da empresa era elástico. Quando Graça Foster assumiu, ela deixou claro inúmeras vezes que o preço estava errado, mas foi obrigada a engolir a sandice de subsidiar combustível fóssil. Se tivesse tido uma política realista de preços, a empresa teria o indicador melhor na comparação entre endividamento e geração de caixa. Se tivesse sido realista nos vários anos em que ficou artificialmente baixo, agora os preços poderiam cair. Isso daria um alívio à inflação, ao país, aos caminhoneiros que estão parando a estrada.
Os fúncionários alertaram que acima de um determinado custo a refinaria Abreu e Lima seria inviável, jamais se pagaria. Fizeram relatórios internos. Nada foi olhado. E os custos dispararam de US$ 2,5 par a US$ 18 bilhões. Os companheiros venezuelanos roeram a corda e deixaram o mico com o Brasil. A obra continuou.
Rodadas de licitação de petróleo foram suspensas porque tinham que mudar o modelo de exploração para que a Petrobras fosse dona de 30% de cada campo de petróleo. E para tudo isso a empresa foi se endividando. Houve alertas. Mas eram coisa de pessimistas, disseram. Chegou ao ponto em que a ANP terá que adiar a próxima rodada, porque a Petrobras não cumpre a exigência do balanço auditado.
E, além de tudo, houve o roubo. Em larga escala, disseminado pelos vários negócios. E isso colocou a empresa na pior era de incerteza da sua vida. A Petrobras ficou endividada, sem balanço, com projetos excessivos e de rentabilidade duvidosa. Perdeu valor de mercado. A dívida cresceu exponencialmente e passou a frequentar as páginas dos escândalos político-policiais.
O rebaixamento tem efeito concreto. A empresa sai do portfólio dos melhores investidores, os fundos de pensão do mundo inteiro. Os reguladores dos países impedem que os fundos invistam em empresas de grau especulativo. O crédito será mais caro, se for captado. A empresa terá que cortar mais investimento porque precisará financiá-los com seu caixa.
E inúmeros efeitos começam a se espalhar pela economia. Falando só de um: a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) ontem deu entrevista em que calculou que a paralisia da Petrobras pode levar a uma redução de investimentos da ordem de R$ 80 bilhões este ano. Há projetos cancelados, como as duas refinarias, e os efeitos da operação Lava-Jato, que têm travado contratos de empreiteiras não só com a Petrobras, mas também em empréstimos com o BNDES, afetando o fluxo de caixa das empresas e, consequentemente, as encomendas.
- Aí a empresa vai ao banco e encontra também urna conjuntura ruim. Com crédito mais restrito e juros mais altos. Quem tem grande participação do setor de óleo e gás na sua carteira pode acabar cancelando encomendas e projetos de outros setores, por ficar sem caixa. Há um efeito cascata - explicou o diretor de competitividade da Abimaq, Mário Bernardini.
A Abimaq projeta queda da taxa de investimento de 18% para 16% do PIB este ano, e uma retração da economia entre 1% e 2%.
Diante dessa coleção de incertezas e efeitos negativos de decisões insensatas do governo, o rebaixamento era esperado. Mas, quando chegou, doeu.
Começar de novo - VERA MAGALHÃES
FOLHA DE SP - 26/02
SÃO PAULO - O PT pode evocar FHC, as elites, a imprensa ou uma combinação desses inimigos de sempre, mas o lamentável ataque de que foi vítima o ex-ministro Guido Mantega (Fazenda) na cafeteria de um hospital particular em São Paulo deveria ser compreendido pelo partido como um sinal inequívoco de seu divórcio com o eleitorado na maior cidade e no mais rico Estado do país.
Já existe numa ala do comando petista essa percepção. Um dirigente, questionado por esta colunista na última segunda-feira sobre qual o caminho a seguir, admitiu não ter a menor ideia. "Em São Paulo o jeito será recomeçar do zero", vaticinou.
Um caminho seria tentar entender sem o manto diáfano da fantasia conspiratória e da vitimação o que levou a popularidade do prefeito Fernando Haddad e da presidente Dilma Rousseff a níveis inferiores ao do sistema Cantareira.
A resposta não estará só no humor da elite mal-educada dos Jardins. O quadro é similar nas "franjas" da cidade, território que costumava se pintar de vermelho nas eleições muito antes das ciclofaixas de Haddad.
Ao minimizar a importância de repetidos escândalos de corrupção ligados ao partido, Lula ajudou a corroer a imagem do PT em seu berço.
Em vez de ironizar e tachar de "neofascista" a real preocupação de uma parcela cada vez mais ampla da sociedade com a ética, o partido deveria reconhecer o fato e apresentar uma agenda para vencer o estigma de legenda associada a desvios.
Mas o PT perdeu mais tempo negando o mensalão, fazendo vaquinha para os condenados e traçando paralelos com o PSDB do que agindo para fazer as pazes com um setor da sociedade --os formadores de opinião-- que ajudou a fundar a sigla.
A grosseria contra Mantega foi a explosão de um antipetismo que vai virando ódio. Nesse ritmo, o próximo dia 15 pode ser uma data funesta para a presidente no maior colégio eleitoral do país. E ninguém sabe o que fazer para evitar o cortejo.
SÃO PAULO - O PT pode evocar FHC, as elites, a imprensa ou uma combinação desses inimigos de sempre, mas o lamentável ataque de que foi vítima o ex-ministro Guido Mantega (Fazenda) na cafeteria de um hospital particular em São Paulo deveria ser compreendido pelo partido como um sinal inequívoco de seu divórcio com o eleitorado na maior cidade e no mais rico Estado do país.
Já existe numa ala do comando petista essa percepção. Um dirigente, questionado por esta colunista na última segunda-feira sobre qual o caminho a seguir, admitiu não ter a menor ideia. "Em São Paulo o jeito será recomeçar do zero", vaticinou.
Um caminho seria tentar entender sem o manto diáfano da fantasia conspiratória e da vitimação o que levou a popularidade do prefeito Fernando Haddad e da presidente Dilma Rousseff a níveis inferiores ao do sistema Cantareira.
A resposta não estará só no humor da elite mal-educada dos Jardins. O quadro é similar nas "franjas" da cidade, território que costumava se pintar de vermelho nas eleições muito antes das ciclofaixas de Haddad.
Ao minimizar a importância de repetidos escândalos de corrupção ligados ao partido, Lula ajudou a corroer a imagem do PT em seu berço.
Em vez de ironizar e tachar de "neofascista" a real preocupação de uma parcela cada vez mais ampla da sociedade com a ética, o partido deveria reconhecer o fato e apresentar uma agenda para vencer o estigma de legenda associada a desvios.
Mas o PT perdeu mais tempo negando o mensalão, fazendo vaquinha para os condenados e traçando paralelos com o PSDB do que agindo para fazer as pazes com um setor da sociedade --os formadores de opinião-- que ajudou a fundar a sigla.
A grosseria contra Mantega foi a explosão de um antipetismo que vai virando ódio. Nesse ritmo, o próximo dia 15 pode ser uma data funesta para a presidente no maior colégio eleitoral do país. E ninguém sabe o que fazer para evitar o cortejo.
Voz do Brasil - DEMÉTRIO MAGNOLI
O GLOBO - 26/02
O ofício intelectual não combina bem com manifestos
Eu sabia que eles assinariam um manifesto. Ingênuo, imaginei que, desta vez, seria um texto contra o pacote fiscal de Dilma Rousseff (culpando, bem entendido, o mordomo, que se chama Joaquim). Contudo, eles desistiram de fingir: o inevitável manifesto, intitulado “O que está em jogo agora”, é tão oficialista como “A voz do Brasil” dos velhos tempos. Num lance vulgar de prestidigitação, o texto dos “intelectuais de esquerda”, assinado por figuras como Marilena Chaui, Celso Amorim, Emir Sader, Fabio Comparato, Leonardo Boff, Maria da Conceição Tavares e Samuel Pinheiro Guimarães, apresenta-se como uma defesa da Petrobras — mas, de fato, é outra coisa.
O ofício intelectual não combina bem com manifestos. Dos intelectuais, espera-se o pensamento criativo, a crítica do consenso, a dissonância — não o chavão, a palavra de ordem ou o grito coletivo. Por isso, eles deveriam produzir manifestos apenas em circunstâncias excepcionais. Os “intelectuais de esquerda”, porém, cultivam o estranho hábito de assinar manifestos. Vale tudo: crismar um crítico literário como inimigo da humanidade, condenar a palavra equivocada no editorial de um jornal, tomar o partido de algum ditador antiamericano, denunciar a opinião desviante de um parlamentar. O manifesto sobre a Petrobras é parte da série — mas, num sentido preciso, distingue-se negativamente dos demais.
A fabricação em série de manifestos é um negócio inscrito na lógica do marketing. De fato, pouco importa a substância do texto, desde que ele ganhe suficiente publicidade, promovendo a circulação do nome dos signatários. Como os demais, o manifesto da Petrobras é uma iniciativa em proveito próprio. Mas, nesse caso, o proveito tem dupla face: além do marketing da marca, busca-se ocultar o fracasso de uma ideologia. Por isso — e só por isso! — ele merece a crítica de quem não quer contribuir, involuntariamente, com a operação mercantil dos “intelectuais de esquerda”.
Segundo o manifesto, a Operação Lava-Jato desencadeou uma campanha da mídia malvada para entregar a Petrobras, junto com nosso petróleo verde-amarelo, aos ambiciosos imperialistas. A meta imediata da conspiração dos agentes estrangeiros infiltrados seria restabelecer o regime de concessão. Sua meta final seria remeter-nos “uma vez mais a uma condição subalterna e colonial”. A fábula, dirigida a mentes infantis, esbarra numa dificuldade óbvia: sem o aval do governo, é impossível alterar o regime de partilha.
A Petrobras não foi derrubada à lona pelo escândalo revelado por meio da Lava-Jato, que apenas acelerou o nocaute. Os golpes decisivos foram assestados ao longo de anos, pela política conduzida nos governos lulopetistas, sob os aplausos extasiados dos “intelectuais de esquerda”. No desesperador cenário atual, a direção da Petrobras anuncia uma redução brutal de investimentos na prospecção e extração, precisamente os setores em que a estatal opera com eficiência. O regime de partilha obriga a empresa a investir em todos os campos do pré-sal. A troca pelo regime de concessão será, provavelmente, a saída adotada pelo governo Dilma. Os “intelectuais de esquerda”, móveis e utensílios do Planalto, escreveram o manifesto para, preventivamente, atribuir a mudança de rumo aos “conspiradores da mídia”. Por meio dessa trapaça, conciliam a fidelidade ao “governo popular” com seus discursos ideológicos anacrônicos. Ficam com o pirulito e a roupa limpa.
Há uma diferença de escala, de zeros à direita, entre as perdas decorrentes da corrupção e as geradas pelo neonacionalismo reacionário. A Petrobras é vítima, antes de tudo, do investimento excessivo movido a dívida, da diversificação ineficiente e do controle de preços de combustíveis. Numa vida inteira de falcatruas, Paulo Roberto Costa, o “Paulinho”, e Renato Duque, o “My Way”, seriam incapazes de causar danos remotamente comparáveis aos provocados pelos devaneios ideológicos do lulopetismo — que são os dos signatários do manifesto. “A História dirá!”: os “intelectuais de esquerda” invocam, ritualmente, o veredito de um futuro sempre adiável. O manifesto é uma manobra diversionista. Ele existe para desviar a atenção pública de um singelo, mas preciso, veredito histórico: a falência da Petrobras é obra de uma visão de mundo.
Franklin Martins, o verdadeiro autor do manifesto, cometeu um erro tático ao colocar seu nome entre os signatários. Ao fazê-lo, o ex-ministro descerra o diáfano véu de independência que cobriria a nudez do texto. O manifesto não é a “voz da sociedade”, nem mesmo de uma parte dela, mas a Voz do Brasil. Nasceu no Instituto Lula, como elemento de uma operação de limitação dos efeitos da Lava-Jato. Enquanto os “intelectuais de esquerda” assinavam uma folha de papel, Lula reunia-se com representantes do cartel das empreiteiras e Dilma preparava o “acordo de leniência” destinado a restaurar os laços de solidariedade entre as empresas e os políticos.
Sem surpresa, no último parágrafo, o manifesto menciona o ano mágico. A conspiração “antinacional” e “antidemocrática” dos inimigos da Petrobras almejaria provocar uma “comoção nacional” e, finalmente, a “repetição” do golpe militar de 1964. Na Venezuela, que deixou de ser uma democracia, o regime aprisiona líderes opositores sob acusações fantasiosas de conspiração golpista. No Brasil, que é uma democracia, acusações similares partem dos “intelectuais de esquerda”. Os signatários do manifesto, sempre encantados por regimes nos quais a divergência política equivale à traição da pátria, sonham com o dia em que falariam sozinhos, como porta-vozes de um poder incontestável.
O manifesto é uma peça de corrupção intelectual. Ele contamina a praça do debate público com os resíduos de um discurso farsesco. A Petrobras é um pretexto. Os “intelectuais de esquerda” enrolam-se no pendão auriverde para fingir que não estão pelados.
O ofício intelectual não combina bem com manifestos
Eu sabia que eles assinariam um manifesto. Ingênuo, imaginei que, desta vez, seria um texto contra o pacote fiscal de Dilma Rousseff (culpando, bem entendido, o mordomo, que se chama Joaquim). Contudo, eles desistiram de fingir: o inevitável manifesto, intitulado “O que está em jogo agora”, é tão oficialista como “A voz do Brasil” dos velhos tempos. Num lance vulgar de prestidigitação, o texto dos “intelectuais de esquerda”, assinado por figuras como Marilena Chaui, Celso Amorim, Emir Sader, Fabio Comparato, Leonardo Boff, Maria da Conceição Tavares e Samuel Pinheiro Guimarães, apresenta-se como uma defesa da Petrobras — mas, de fato, é outra coisa.
O ofício intelectual não combina bem com manifestos. Dos intelectuais, espera-se o pensamento criativo, a crítica do consenso, a dissonância — não o chavão, a palavra de ordem ou o grito coletivo. Por isso, eles deveriam produzir manifestos apenas em circunstâncias excepcionais. Os “intelectuais de esquerda”, porém, cultivam o estranho hábito de assinar manifestos. Vale tudo: crismar um crítico literário como inimigo da humanidade, condenar a palavra equivocada no editorial de um jornal, tomar o partido de algum ditador antiamericano, denunciar a opinião desviante de um parlamentar. O manifesto sobre a Petrobras é parte da série — mas, num sentido preciso, distingue-se negativamente dos demais.
A fabricação em série de manifestos é um negócio inscrito na lógica do marketing. De fato, pouco importa a substância do texto, desde que ele ganhe suficiente publicidade, promovendo a circulação do nome dos signatários. Como os demais, o manifesto da Petrobras é uma iniciativa em proveito próprio. Mas, nesse caso, o proveito tem dupla face: além do marketing da marca, busca-se ocultar o fracasso de uma ideologia. Por isso — e só por isso! — ele merece a crítica de quem não quer contribuir, involuntariamente, com a operação mercantil dos “intelectuais de esquerda”.
Segundo o manifesto, a Operação Lava-Jato desencadeou uma campanha da mídia malvada para entregar a Petrobras, junto com nosso petróleo verde-amarelo, aos ambiciosos imperialistas. A meta imediata da conspiração dos agentes estrangeiros infiltrados seria restabelecer o regime de concessão. Sua meta final seria remeter-nos “uma vez mais a uma condição subalterna e colonial”. A fábula, dirigida a mentes infantis, esbarra numa dificuldade óbvia: sem o aval do governo, é impossível alterar o regime de partilha.
A Petrobras não foi derrubada à lona pelo escândalo revelado por meio da Lava-Jato, que apenas acelerou o nocaute. Os golpes decisivos foram assestados ao longo de anos, pela política conduzida nos governos lulopetistas, sob os aplausos extasiados dos “intelectuais de esquerda”. No desesperador cenário atual, a direção da Petrobras anuncia uma redução brutal de investimentos na prospecção e extração, precisamente os setores em que a estatal opera com eficiência. O regime de partilha obriga a empresa a investir em todos os campos do pré-sal. A troca pelo regime de concessão será, provavelmente, a saída adotada pelo governo Dilma. Os “intelectuais de esquerda”, móveis e utensílios do Planalto, escreveram o manifesto para, preventivamente, atribuir a mudança de rumo aos “conspiradores da mídia”. Por meio dessa trapaça, conciliam a fidelidade ao “governo popular” com seus discursos ideológicos anacrônicos. Ficam com o pirulito e a roupa limpa.
Há uma diferença de escala, de zeros à direita, entre as perdas decorrentes da corrupção e as geradas pelo neonacionalismo reacionário. A Petrobras é vítima, antes de tudo, do investimento excessivo movido a dívida, da diversificação ineficiente e do controle de preços de combustíveis. Numa vida inteira de falcatruas, Paulo Roberto Costa, o “Paulinho”, e Renato Duque, o “My Way”, seriam incapazes de causar danos remotamente comparáveis aos provocados pelos devaneios ideológicos do lulopetismo — que são os dos signatários do manifesto. “A História dirá!”: os “intelectuais de esquerda” invocam, ritualmente, o veredito de um futuro sempre adiável. O manifesto é uma manobra diversionista. Ele existe para desviar a atenção pública de um singelo, mas preciso, veredito histórico: a falência da Petrobras é obra de uma visão de mundo.
Franklin Martins, o verdadeiro autor do manifesto, cometeu um erro tático ao colocar seu nome entre os signatários. Ao fazê-lo, o ex-ministro descerra o diáfano véu de independência que cobriria a nudez do texto. O manifesto não é a “voz da sociedade”, nem mesmo de uma parte dela, mas a Voz do Brasil. Nasceu no Instituto Lula, como elemento de uma operação de limitação dos efeitos da Lava-Jato. Enquanto os “intelectuais de esquerda” assinavam uma folha de papel, Lula reunia-se com representantes do cartel das empreiteiras e Dilma preparava o “acordo de leniência” destinado a restaurar os laços de solidariedade entre as empresas e os políticos.
Sem surpresa, no último parágrafo, o manifesto menciona o ano mágico. A conspiração “antinacional” e “antidemocrática” dos inimigos da Petrobras almejaria provocar uma “comoção nacional” e, finalmente, a “repetição” do golpe militar de 1964. Na Venezuela, que deixou de ser uma democracia, o regime aprisiona líderes opositores sob acusações fantasiosas de conspiração golpista. No Brasil, que é uma democracia, acusações similares partem dos “intelectuais de esquerda”. Os signatários do manifesto, sempre encantados por regimes nos quais a divergência política equivale à traição da pátria, sonham com o dia em que falariam sozinhos, como porta-vozes de um poder incontestável.
O manifesto é uma peça de corrupção intelectual. Ele contamina a praça do debate público com os resíduos de um discurso farsesco. A Petrobras é um pretexto. Os “intelectuais de esquerda” enrolam-se no pendão auriverde para fingir que não estão pelados.
Lula estimula o conflito social - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 26/02
No desespero para salvar o PT de um desastre que a incompetência do governo de Dilma Rousseff torna a cada dia mais grave, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ameaça incendiar as ruas com "o exército do Stédile", a massa de manobra do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Lula acenou com essa ameaça em evento "em defesa da Petrobrás" promovido na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, pelo braço sindical do PT, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Federação Única dos Petroleiros (FUP).
Basta abrir as páginas dos jornais ou assistir ao noticiário da televisão para perceber que a radicalização política começa a levar a violência às ruas das principais cidades do País. De um lado, militantes de organizações sindicais e movimentos sociais, quase sempre manipulados pelo PT, aliados a radicais de esquerda; do outro lado, sectários antigovernistas engajados na inoportuna campanha de impeachment da presidente da República. Esses grupos antagônicos se agrediram mutuamente diante da ABI, pouco antes do evento protagonizado por Lula.
Diante do sintoma claro de que o agravamento da crise política em que o País está mergulhado pode acender o rastilho da instabilidade social, o que se espera das lideranças políticas é que ajam com responsabilidade para evitar o pior. Mas Lula, assustado com a possibilidade crescente do naufrágio de seu projeto de poder, parece disposto, em último recurso, a correr o risco de virar a mesa. Não há outra interpretação para sua atitude no evento.
Em seu discurso, o coordenador do MST, João Pedro Stédile, como de hábito botou lenha na fogueira: "Ganhamos as eleições nas urnas, mas nos derrotaram no Congresso e na mídia. Só temos uma forma de derrotá-los agora: é nas ruas". É o caso de perguntar o que Stédile quer dizer com "derrotá-los nas ruas". Mas Lula parece saber a resposta. E aproveitou a deixa, ao falar no encerramento do ato: "Quero paz e democracia. Mas eles não querem. E nós sabemos brigar também, sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele na rua". Uma declaração de guerra?
A atitude irresponsavelmente incendiária do ex-presidente é coerente com a estratégia por ele traçada e transmitida à militância petista com o objetivo de reverter a repercussão extremamente negativa para a imagem do PT provocada pelo desgoverno Dilma e, em particular, pelo escândalo da Petrobrás. A ideia é, como sempre, transformar o PT em vítima da "elite", os temíveis "eles" que só querem fazer mal ao povo brasileiro.
Do mesmo modo que para Lula o escândalo do mensalão foi uma "farsa" que resultou na condenação injusta dos "guerreiros do povo brasileiro", o petrolão é coisa de "meia dúzia de pessoas" para a qual Dilma Rousseff "não pode ficar dando trela": "O que estamos vendo é a criminalização da ascensão de uma classe social neste país. As pessoas subiram um degrau e isso incomoda a elite", disse Lula.
Ou seja, o que abala o Brasil não é a ação da quadrilha que, há 12 anos, pilha a Petrobrás e ocupa, para proveito próprio ou do PT, cada escaninho possível da administração pública. Muito menos é a incompetência administrativa demonstrada pelos petralhas que sugam o Tesouro. É - no entender de Lula e companhia bela - a reação dos brasileiros honestos e indignados com a roubalheira e a desfaçatez.
Esse discurso populista pode fazer vibrar a militância partidária manipulada e paga pela nomenklatura petista, mas é inútil para garantir ao PT e ao governo o apoio de que necessitam para tirar o País do buraco em que Dilma Rousseff o meteu ao longo de quatro anos de persistentes equívocos.
O principal aliado do PT, o PMDB do vice-presidente Michel Temer, agora decidiu exigir o papel que lhe cabe como corresponsável pela condução dos destinos do País. Não aceita mais, por exemplo, que o núcleo duro do poder de decisão no Planalto seja integrado exclusivamente por petistas. O PMDB tampouco aceita que os petistas continuem se fazendo passar por bonzinhos na votação das medidas de ajuste fiscal, posicionando-se na defesa dos "interesses dos trabalhadores" e deixando o ônus da aprovação do pacote para os aliados.
Os arreganhos de Lula e do agitador Stédile mostram que a tigrada está cada vez mais isolada - e feroz - na aventura em que se meteu de arruinar o Brasil.
No desespero para salvar o PT de um desastre que a incompetência do governo de Dilma Rousseff torna a cada dia mais grave, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ameaça incendiar as ruas com "o exército do Stédile", a massa de manobra do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Lula acenou com essa ameaça em evento "em defesa da Petrobrás" promovido na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, pelo braço sindical do PT, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Federação Única dos Petroleiros (FUP).
Basta abrir as páginas dos jornais ou assistir ao noticiário da televisão para perceber que a radicalização política começa a levar a violência às ruas das principais cidades do País. De um lado, militantes de organizações sindicais e movimentos sociais, quase sempre manipulados pelo PT, aliados a radicais de esquerda; do outro lado, sectários antigovernistas engajados na inoportuna campanha de impeachment da presidente da República. Esses grupos antagônicos se agrediram mutuamente diante da ABI, pouco antes do evento protagonizado por Lula.
Diante do sintoma claro de que o agravamento da crise política em que o País está mergulhado pode acender o rastilho da instabilidade social, o que se espera das lideranças políticas é que ajam com responsabilidade para evitar o pior. Mas Lula, assustado com a possibilidade crescente do naufrágio de seu projeto de poder, parece disposto, em último recurso, a correr o risco de virar a mesa. Não há outra interpretação para sua atitude no evento.
Em seu discurso, o coordenador do MST, João Pedro Stédile, como de hábito botou lenha na fogueira: "Ganhamos as eleições nas urnas, mas nos derrotaram no Congresso e na mídia. Só temos uma forma de derrotá-los agora: é nas ruas". É o caso de perguntar o que Stédile quer dizer com "derrotá-los nas ruas". Mas Lula parece saber a resposta. E aproveitou a deixa, ao falar no encerramento do ato: "Quero paz e democracia. Mas eles não querem. E nós sabemos brigar também, sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele na rua". Uma declaração de guerra?
A atitude irresponsavelmente incendiária do ex-presidente é coerente com a estratégia por ele traçada e transmitida à militância petista com o objetivo de reverter a repercussão extremamente negativa para a imagem do PT provocada pelo desgoverno Dilma e, em particular, pelo escândalo da Petrobrás. A ideia é, como sempre, transformar o PT em vítima da "elite", os temíveis "eles" que só querem fazer mal ao povo brasileiro.
Do mesmo modo que para Lula o escândalo do mensalão foi uma "farsa" que resultou na condenação injusta dos "guerreiros do povo brasileiro", o petrolão é coisa de "meia dúzia de pessoas" para a qual Dilma Rousseff "não pode ficar dando trela": "O que estamos vendo é a criminalização da ascensão de uma classe social neste país. As pessoas subiram um degrau e isso incomoda a elite", disse Lula.
Ou seja, o que abala o Brasil não é a ação da quadrilha que, há 12 anos, pilha a Petrobrás e ocupa, para proveito próprio ou do PT, cada escaninho possível da administração pública. Muito menos é a incompetência administrativa demonstrada pelos petralhas que sugam o Tesouro. É - no entender de Lula e companhia bela - a reação dos brasileiros honestos e indignados com a roubalheira e a desfaçatez.
Esse discurso populista pode fazer vibrar a militância partidária manipulada e paga pela nomenklatura petista, mas é inútil para garantir ao PT e ao governo o apoio de que necessitam para tirar o País do buraco em que Dilma Rousseff o meteu ao longo de quatro anos de persistentes equívocos.
O principal aliado do PT, o PMDB do vice-presidente Michel Temer, agora decidiu exigir o papel que lhe cabe como corresponsável pela condução dos destinos do País. Não aceita mais, por exemplo, que o núcleo duro do poder de decisão no Planalto seja integrado exclusivamente por petistas. O PMDB tampouco aceita que os petistas continuem se fazendo passar por bonzinhos na votação das medidas de ajuste fiscal, posicionando-se na defesa dos "interesses dos trabalhadores" e deixando o ônus da aprovação do pacote para os aliados.
Os arreganhos de Lula e do agitador Stédile mostram que a tigrada está cada vez mais isolada - e feroz - na aventura em que se meteu de arruinar o Brasil.
À beira do despenhadeiro - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 26/02
A crise da Petrobras não arrefece. A cada revelação da Operação Lava-Jato, que investiga o bilionário esquema de corrupção, a maior empresa brasileira derrete um pouco mais. Na terça-feira, a agência norte-americana de classificação de risco Moody"s - uma das três mais importantes do mundo - rebaixou, pela segunda vez, as notas de crédito (rating) da estatal, agora, para grau especulativo.
Detentora da maior dívida corporativa do mundo (R$ 261,45 bilhões), a companhia se aproxima da beira do despenhadeiro, e o Brasil aprofunda a fragilidade externa. A decisão da Moody"s poderá levar agências como a Standard & Poor"s e a Fitch a revisarem para baixo o grau de risco da petroleira. A reclassificação por outra instituição desencadeará movimento de venda de títulos e ações, sobretudo pelos fundos de pensão. Na maioria deles, a regra é clara no sentido de se desfazerem dos papéis de empresas com nota de crédito negativa.
A Petrobras perderá capacidade de recorrer ao mercado a fim de buscar dinheiro e honrar compromissos com acionistas, investidores e credores. É dado como certo que a empresa não conseguirá a chancela de duas agências para novas transações. Hoje, cerca de 80% da dívida estão no exterior. O trágico cenário que se constrói, a partir da decisão da Moody"s, não ficará restrito à petrolífera. A falta de credibilidade contaminará outras estatais, como Eletronorte, Eletrobras, Banco do Brasil, que buscam nas fontes internacionais recursos para incrementar as atividades.
Mais: a irresponsabilidade na gestão da petrolífera repercute em toda a economia nacional. Apesar das falcatruas, que lhe corroeram as finanças, a Petrobras movimenta 13% do Produto Interno Bruto do Brasil. A área de abrangência vai muito além da atividade-fim, que é a extração de petróleo. A empresa cumpre papel social e econômico importantíssimo para o desenvolvimento do país no campo da pesquisa científica, da produção tecnológica, da geração de empregos.
Aos 61 anos, é um dos maiores patrimônios da nação, não de grupos que se aboletam no poder para gestões efêmeras, mas com alta capacidade destrutiva. Historicamente se tornou instituição âncora da economia nacional. Nos governos do general João Figueiredo - o último do ciclo da ditadura - e de José Sarney, o primeiro da redemocratização, o Brasil apelou para a moratória. Entre o fim dos anos 1980 e início da década de 1990, o calote colocou o país à margem dos recursos estrangeiros.
A Petrobras, compradora de petróleo no mercado externo, tinha crédito na praça internacional e, assim, conseguia internalizar dólares necessários para abastecer o país. O governo Lula conseguiu levar o país a conquistar status de bom pagador e obter grau de investimento. Hoje, a conquista se esvai pelo ralo.
Confirmado o prognóstico de especialistas, a Petrobras não derreterá sozinha. O Brasil corre sério risco de reprovação global e perda de investidores. Para fugir do cenário catastrófico, não existe plano B. Impõe-se choque de realismo e de austeridade como o sugerido pelo pacote fiscal do governo. A receita é amarga. Mas precisa ser aviada.
A crise da Petrobras não arrefece. A cada revelação da Operação Lava-Jato, que investiga o bilionário esquema de corrupção, a maior empresa brasileira derrete um pouco mais. Na terça-feira, a agência norte-americana de classificação de risco Moody"s - uma das três mais importantes do mundo - rebaixou, pela segunda vez, as notas de crédito (rating) da estatal, agora, para grau especulativo.
Detentora da maior dívida corporativa do mundo (R$ 261,45 bilhões), a companhia se aproxima da beira do despenhadeiro, e o Brasil aprofunda a fragilidade externa. A decisão da Moody"s poderá levar agências como a Standard & Poor"s e a Fitch a revisarem para baixo o grau de risco da petroleira. A reclassificação por outra instituição desencadeará movimento de venda de títulos e ações, sobretudo pelos fundos de pensão. Na maioria deles, a regra é clara no sentido de se desfazerem dos papéis de empresas com nota de crédito negativa.
A Petrobras perderá capacidade de recorrer ao mercado a fim de buscar dinheiro e honrar compromissos com acionistas, investidores e credores. É dado como certo que a empresa não conseguirá a chancela de duas agências para novas transações. Hoje, cerca de 80% da dívida estão no exterior. O trágico cenário que se constrói, a partir da decisão da Moody"s, não ficará restrito à petrolífera. A falta de credibilidade contaminará outras estatais, como Eletronorte, Eletrobras, Banco do Brasil, que buscam nas fontes internacionais recursos para incrementar as atividades.
Mais: a irresponsabilidade na gestão da petrolífera repercute em toda a economia nacional. Apesar das falcatruas, que lhe corroeram as finanças, a Petrobras movimenta 13% do Produto Interno Bruto do Brasil. A área de abrangência vai muito além da atividade-fim, que é a extração de petróleo. A empresa cumpre papel social e econômico importantíssimo para o desenvolvimento do país no campo da pesquisa científica, da produção tecnológica, da geração de empregos.
Aos 61 anos, é um dos maiores patrimônios da nação, não de grupos que se aboletam no poder para gestões efêmeras, mas com alta capacidade destrutiva. Historicamente se tornou instituição âncora da economia nacional. Nos governos do general João Figueiredo - o último do ciclo da ditadura - e de José Sarney, o primeiro da redemocratização, o Brasil apelou para a moratória. Entre o fim dos anos 1980 e início da década de 1990, o calote colocou o país à margem dos recursos estrangeiros.
A Petrobras, compradora de petróleo no mercado externo, tinha crédito na praça internacional e, assim, conseguia internalizar dólares necessários para abastecer o país. O governo Lula conseguiu levar o país a conquistar status de bom pagador e obter grau de investimento. Hoje, a conquista se esvai pelo ralo.
Confirmado o prognóstico de especialistas, a Petrobras não derreterá sozinha. O Brasil corre sério risco de reprovação global e perda de investidores. Para fugir do cenário catastrófico, não existe plano B. Impõe-se choque de realismo e de austeridade como o sugerido pelo pacote fiscal do governo. A receita é amarga. Mas precisa ser aviada.
"Que país é esse?" - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 26/02
Foi o que perguntou o ex-diretor da Petrobras Renato Duque ao ser preso em sua casa no início da Operação Lava-Jato, ecoando, talvez inconscientemente, a música de Renato Russo que, embora escrita em 1978 e só gravada em 1986, continuou atualíssima naquela ocasião e agora, explicitando a decadência moral do país.
Inclusive pela indignação autêntica que Duque, identificado nos autos como o atravessador de propinas para o PT na Petrobras, exibiu para seu advogado mesmo na hora de ir preso.
"Nas favelas, /no Senado/ Sujeira pra todo lado/ Ninguém respeita a Constituição / Mas todos acreditam no futuro da nação". É o caso dos Duque, dos Paulo Roberto Costa, dos Cerveró, e de toda a lista de políticos, com ou sem mandato, que brevemente será revelada.
Um estrangeiro que chegasse ao Brasil por esses dias se sentiria mais próximo de uma Venezuela, de uma Argentina, do que gostaríamos. O velho dito popular "eu sou você, amanhã", o chamado "efeito Orloff" em relação à Argentina, cada vez ganha mais força com a sequência de acontecimentos ruins que não têm data para terminar, pois a "presidenta" parece cada vez mais longe da realidade, enquanto o "presidente" flerta abertamente com o "exército" do Movimento dos Sem Terra (MST) para enfrentar os críticos do petismo.
Um ato para "defender" a Petrobras, transforma-se em ato para atacar os que denunciam a corrupção e defender os corruptos. Um manifesto de intelectuais denuncia uma pseudo tentativa de "debilitar a Petrobras", tendo como consequência a dizimação de empresas "responsáveis por mais de 500.000 empregos qualificados, remetendo-nos uma vez mais a uma condição subalterna e colonial". Fingindo desconhecer que quem debilitou a Petrobras foram os ladrões instalados nas diretorias da estatal pelos governos petistas.
Só de propina para o PT ao longo dos anos calcula o gerente Pedro Barusco que foram entre US$ 150 e 200 milhões. As brigas de rua, com milicianos de camisas vermelhas agredindo manifestantes a favor do impeachment da presidente Dilma, dão uma tênue ideia do que poderá vir a ser uma praça de guerra que vemos todos os dias ultimamente no noticiário sobre a Venezuela ou a Argentina. Os caminhoneiros bloqueando estradas em 12 estados por causa da alta do preço do diesel é uma visão que parece deslocada no tempo, trazendo de volta antigas campanhas políticas na região.
Para um olhar estrangeiro, o que diferencia Brasil de seus vizinhos bolivarianos é muito pouco, e nossas instituições precisarão ser muito firmes, e ter uma visão democrática profunda, para não serem atropeladas pelas manobras governamentais, que não desistem de atuar para atrapalhar o trabalho do Ministério Público.
Estamos aos poucos regredindo para o estágio de uma República Bananeira, onde tudo está à venda, época que parecia ter sido superada nos anos de democracia. Mas a utilização de instrumentos democráticos para enfraquecer a própria democracia é uma história antiga dos movimentos autoritários, onde uns são mais iguais que outros, como na "Revolução dos Bichos", de George Orwell, que tão bem desvelou as entranhas dos regimes autoritários.
Ontem, o "Financial Times" publicou uma reportagem dando 10 razões que podem levar ao impeachment de Dilma, e sintomaticamente o jornal inglês seleciona os perigos da economia como detonadores do processo político de impedimento da presidente: escândalo da Petrobras; queda na confiança do consumidor; aumento da inflação; aumento do desemprego; queda na confiança do investidor; déficit orçamentário; problemas econômicos no geral; falta d"água; possíveis apagões elétricos.
Todos esses problemas puramente econômicos levariam, como consequência, à perda da maioria no Congresso, abrindo caminho para um processo político de impeachment. O importante a notar é que o impeachment já se tornou um tema inevitável nas análises sobre o futuro do país, e seria hipocrisia tratá-lo como algo de que não se deve falar. O país está convulsionado, e sem uma liderança com grandeza que possa levar a acordos políticos indispensáveis para a superação do impasse que se avizinha.
A agressão ao ex-ministro Guido Mantega no Hospital Einstein, por todas as formas inaceitável, é um sintoma dos ânimos exaltados, mas também reflexo do estilo agressivo de fazer política que o PT levou adiante no país nos últimos 12 anos. Quem não é amigo é inimigo, e qualquer um pode ser amigo, desde que aceite a hegemonia petista. Uns mais iguais que os outros.
Foi o que perguntou o ex-diretor da Petrobras Renato Duque ao ser preso em sua casa no início da Operação Lava-Jato, ecoando, talvez inconscientemente, a música de Renato Russo que, embora escrita em 1978 e só gravada em 1986, continuou atualíssima naquela ocasião e agora, explicitando a decadência moral do país.
Inclusive pela indignação autêntica que Duque, identificado nos autos como o atravessador de propinas para o PT na Petrobras, exibiu para seu advogado mesmo na hora de ir preso.
"Nas favelas, /no Senado/ Sujeira pra todo lado/ Ninguém respeita a Constituição / Mas todos acreditam no futuro da nação". É o caso dos Duque, dos Paulo Roberto Costa, dos Cerveró, e de toda a lista de políticos, com ou sem mandato, que brevemente será revelada.
Um estrangeiro que chegasse ao Brasil por esses dias se sentiria mais próximo de uma Venezuela, de uma Argentina, do que gostaríamos. O velho dito popular "eu sou você, amanhã", o chamado "efeito Orloff" em relação à Argentina, cada vez ganha mais força com a sequência de acontecimentos ruins que não têm data para terminar, pois a "presidenta" parece cada vez mais longe da realidade, enquanto o "presidente" flerta abertamente com o "exército" do Movimento dos Sem Terra (MST) para enfrentar os críticos do petismo.
Um ato para "defender" a Petrobras, transforma-se em ato para atacar os que denunciam a corrupção e defender os corruptos. Um manifesto de intelectuais denuncia uma pseudo tentativa de "debilitar a Petrobras", tendo como consequência a dizimação de empresas "responsáveis por mais de 500.000 empregos qualificados, remetendo-nos uma vez mais a uma condição subalterna e colonial". Fingindo desconhecer que quem debilitou a Petrobras foram os ladrões instalados nas diretorias da estatal pelos governos petistas.
Só de propina para o PT ao longo dos anos calcula o gerente Pedro Barusco que foram entre US$ 150 e 200 milhões. As brigas de rua, com milicianos de camisas vermelhas agredindo manifestantes a favor do impeachment da presidente Dilma, dão uma tênue ideia do que poderá vir a ser uma praça de guerra que vemos todos os dias ultimamente no noticiário sobre a Venezuela ou a Argentina. Os caminhoneiros bloqueando estradas em 12 estados por causa da alta do preço do diesel é uma visão que parece deslocada no tempo, trazendo de volta antigas campanhas políticas na região.
Para um olhar estrangeiro, o que diferencia Brasil de seus vizinhos bolivarianos é muito pouco, e nossas instituições precisarão ser muito firmes, e ter uma visão democrática profunda, para não serem atropeladas pelas manobras governamentais, que não desistem de atuar para atrapalhar o trabalho do Ministério Público.
Estamos aos poucos regredindo para o estágio de uma República Bananeira, onde tudo está à venda, época que parecia ter sido superada nos anos de democracia. Mas a utilização de instrumentos democráticos para enfraquecer a própria democracia é uma história antiga dos movimentos autoritários, onde uns são mais iguais que outros, como na "Revolução dos Bichos", de George Orwell, que tão bem desvelou as entranhas dos regimes autoritários.
Ontem, o "Financial Times" publicou uma reportagem dando 10 razões que podem levar ao impeachment de Dilma, e sintomaticamente o jornal inglês seleciona os perigos da economia como detonadores do processo político de impedimento da presidente: escândalo da Petrobras; queda na confiança do consumidor; aumento da inflação; aumento do desemprego; queda na confiança do investidor; déficit orçamentário; problemas econômicos no geral; falta d"água; possíveis apagões elétricos.
Todos esses problemas puramente econômicos levariam, como consequência, à perda da maioria no Congresso, abrindo caminho para um processo político de impeachment. O importante a notar é que o impeachment já se tornou um tema inevitável nas análises sobre o futuro do país, e seria hipocrisia tratá-lo como algo de que não se deve falar. O país está convulsionado, e sem uma liderança com grandeza que possa levar a acordos políticos indispensáveis para a superação do impasse que se avizinha.
A agressão ao ex-ministro Guido Mantega no Hospital Einstein, por todas as formas inaceitável, é um sintoma dos ânimos exaltados, mas também reflexo do estilo agressivo de fazer política que o PT levou adiante no país nos últimos 12 anos. Quem não é amigo é inimigo, e qualquer um pode ser amigo, desde que aceite a hegemonia petista. Uns mais iguais que os outros.
quarta-feira, fevereiro 25, 2015
A bolha assassina - RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 25/02
RIO DE JANEIRO - A presidente Dilma emagreceu 13 quilos em menos de dois meses. Puxados pelos índices econômicos, seu governo, sua força no Congresso e sua popularidade também emagreceram em escala equivalente. Essas quedas bruscas podem ser enganadoras, mas os observadores mais independentes consideram que Dilma já não tem muita gordura para queimar e garantem que seus índices continuarão caindo. Ainda mais agora, por ter contra si um partido capaz de tudo quando se encontra na oposição: o PT.
E é isto que torna a coisa intrigante. Dilma foi criação exclusiva de Lula --fundador, perpétuo inspirador e sinônimo do PT. Feita de barro e posta a andar com um sopro, ocupou cargos-chave nas duas administrações do criador e, por sua identificação com os princípios, programas e posturas do PT, foi duas vezes escolhida candidata à Presidência pelo partido. Em ambas as campanhas, e nos dois turnos de cada, foi solidamente instrumentalizada pelos ideólogos e marquetólogos petistas --nenhuma frase, palavra ou ideia lhe saiu pela boca sem aprovação oficial.
Instrumentalização esta que atravessou seu primeiro governo e se materializou na chuva de benesses populistas, redução de taxas, estímulo ao consumo, vivas ao desperdício e bolsas a cair do céu para tantas categorias. Tudo proposto e aprovado triunfalmente pelo PT, e executado por milhares de militantes ocupando cada espaço da administração e reafirmando ser aquilo apenas uma fiel continuação do governo Lula.
Se, de repente, descobre-se que tal triunfalismo não passava de uma bolha, que a bolha estourou e é preciso conter o pus, por que espremer somente Dilma se, em quatro anos, ela só fez o que os companheiros achavam justo e certo?
Só falta agora que, abandonada por Lula, desprezada pelos companheiros e odiada pelo povo, Dilma engorde tudo de volta.
RIO DE JANEIRO - A presidente Dilma emagreceu 13 quilos em menos de dois meses. Puxados pelos índices econômicos, seu governo, sua força no Congresso e sua popularidade também emagreceram em escala equivalente. Essas quedas bruscas podem ser enganadoras, mas os observadores mais independentes consideram que Dilma já não tem muita gordura para queimar e garantem que seus índices continuarão caindo. Ainda mais agora, por ter contra si um partido capaz de tudo quando se encontra na oposição: o PT.
E é isto que torna a coisa intrigante. Dilma foi criação exclusiva de Lula --fundador, perpétuo inspirador e sinônimo do PT. Feita de barro e posta a andar com um sopro, ocupou cargos-chave nas duas administrações do criador e, por sua identificação com os princípios, programas e posturas do PT, foi duas vezes escolhida candidata à Presidência pelo partido. Em ambas as campanhas, e nos dois turnos de cada, foi solidamente instrumentalizada pelos ideólogos e marquetólogos petistas --nenhuma frase, palavra ou ideia lhe saiu pela boca sem aprovação oficial.
Instrumentalização esta que atravessou seu primeiro governo e se materializou na chuva de benesses populistas, redução de taxas, estímulo ao consumo, vivas ao desperdício e bolsas a cair do céu para tantas categorias. Tudo proposto e aprovado triunfalmente pelo PT, e executado por milhares de militantes ocupando cada espaço da administração e reafirmando ser aquilo apenas uma fiel continuação do governo Lula.
Se, de repente, descobre-se que tal triunfalismo não passava de uma bolha, que a bolha estourou e é preciso conter o pus, por que espremer somente Dilma se, em quatro anos, ela só fez o que os companheiros achavam justo e certo?
Só falta agora que, abandonada por Lula, desprezada pelos companheiros e odiada pelo povo, Dilma engorde tudo de volta.
Depende... - ROBERTO DAMATTA
O GLOBO - 25/02
Quando uma escola de samba tradicional é financiada por uma ditadura estrangeira, chegamos ao fundo do poço
“O Brasil está na idade da tramela!”, dizia um grande intelectual. Tendo estudado nos Estados Unidos e lá, como dizia Monteiro Lobato, fora lapidado, pois jamais rejeitara o seu lado brasileiro (o qual foi, ironicamente, intensificado na convivência por contraste com o que, àquela época, chamava-se de “países adiantados”), ele era capaz de enxergar o que todo mundo simplesmente via como as nossas arqueológicas tramelas.
Quem saiu do Brasil para as “Europa” ou “América” até os anos 60 (como foi o meu caso), ficou espantado com a ausência das “tramelas” e das gigantescas chaves de ferro; esses instrumentos dos superiores que permitiam abrir ou fechar portas, cadeias, porões, dispensas e gavetas. Esses compartimentos que até hoje são vedados a quem continua a ser tratado como “povo”, pois jamais foi lapidado ou visto como cidadão.
Quando visitei os Estados Unidos pela primeira vez, recebi a chave não só do meu modesto escritório mas — eis o susto — a do prédio do famoso Departamento de Relações Sociais de Harvard!
No Brasil, receber essas máquinas “depende”.
O ministro tem a chave de todos os prédios e somente ele abre a sua porta. Nas democracias, todos têm precisamente a chave da porta dos que governam, já que presidentes, ministros, governadores, senadores e deputados servem ao povo. É, pois, do povo a propriedade das chaves!
Não há, nenhum “depende...” a condicionar a transparência. Não existe o famoso, lamentável e onipresente “eu não sabia” ou a divisão permanente entre “público interno e externo”, rotineiros na ditadura militar e no lulopetismo.
O roubo público, o assalto irresponsável em escala bíblica e pornográfica aos bens coletivos e à Petrobras — símbolo de independência econômica que suicidou quem teve honra e foi incestuosamente agredida por quem não sabe o significado dessa palavra — continuam sujeito ao “depende...”
Depende de quem. Se foi do tempo deles vale, se foi nessa nossa década de poder, não vale. Na Alemanha nazista, todos os males eram atribuídos aos judeus vistos como agentes de impureza diante da superioridade indiscutível da raça germânica. Os judeus eram o veneno ao lado dos homossexuais, dos ciganos e dos deficientes. Eles conspurcavam a “raça superior” — emblemática de uma integração perfeita porque seria biológica, entre o indivíduo e a coletividade. Esse problema de todas as nossas antropologias e sociologias que, em geral, leem o individuo como algo separado do grupo quando de, fato, seja nas suas formas mais ativas (como na América sem tramelas) ou brandas, como no Brasil relacional das trancas e frestas, o individuo é a expressão de uma cosmologia ou ideologia. A redução individualista é dominante na vida moderna que, conforme sabem alguns, não é, como o jazz, tão moderna assim.
Sem o “depende” não se entende a hipocrisia política dominante. Ela é a chave que abre ou fecha os baús de escândalos que, de tão rotineiros, chegaram ao carnaval, uma celebração aberta a tudo, mas hoje manchada pelo financiamento questionável.
Todos nós admitíamos cinicamente o financiamento carnavalesco de estabelecidos “contraventores”. Notem que não usamos a palavra “bandido” para os que se legitimavam como mecenas das escolas de samba. Por meio do carnaval e do até hoje não legalizado jogo do bicho, eles eram nossos “heróis-bandidos” ou simplesmente malandros, dentro da ética de ambiguidade que proíbe ou torna reacionário dizer isso “não pode!” ou, o muito mais sério, “isso eu não faço!” Mas quando uma escola de samba tradicional é financiada por uma ditadura estrangeira, chegamos ao fundo do poço porque o “depende” tem desculpa: afinal é (ou era) carnaval.
Ao se despedir, o professor Richard Moneygrand riu de sua profecia segundo a qual o fim do carnaval, conforme revelei na semana passada, assinalava o fim da ordem brasileira. Mas até mesmo a ordem, para vocês, disse ele, depende...
O “depende”, em paralelo ao “desculpável”, é parte do nosso Direito fundado no purgatório. Se os extremos e os limites são evitados, como não aceder a filosófica admoestação de batedor de carteira da presidenta Dilma, quando afirma que se a Petrobras tivesse sido investigada no governo Fernando Henrique Cardoso, toda essa roubalheira teria sido evitada?
E por que não nesses 12 anos de PT? Mas isso seria o questionamento do cronista reacionário que publica mas não é ouvido porque a preferência “depende” de quem fala e não do que é dito.
Quando uma escola de samba tradicional é financiada por uma ditadura estrangeira, chegamos ao fundo do poço
“O Brasil está na idade da tramela!”, dizia um grande intelectual. Tendo estudado nos Estados Unidos e lá, como dizia Monteiro Lobato, fora lapidado, pois jamais rejeitara o seu lado brasileiro (o qual foi, ironicamente, intensificado na convivência por contraste com o que, àquela época, chamava-se de “países adiantados”), ele era capaz de enxergar o que todo mundo simplesmente via como as nossas arqueológicas tramelas.
Quem saiu do Brasil para as “Europa” ou “América” até os anos 60 (como foi o meu caso), ficou espantado com a ausência das “tramelas” e das gigantescas chaves de ferro; esses instrumentos dos superiores que permitiam abrir ou fechar portas, cadeias, porões, dispensas e gavetas. Esses compartimentos que até hoje são vedados a quem continua a ser tratado como “povo”, pois jamais foi lapidado ou visto como cidadão.
Quando visitei os Estados Unidos pela primeira vez, recebi a chave não só do meu modesto escritório mas — eis o susto — a do prédio do famoso Departamento de Relações Sociais de Harvard!
No Brasil, receber essas máquinas “depende”.
O ministro tem a chave de todos os prédios e somente ele abre a sua porta. Nas democracias, todos têm precisamente a chave da porta dos que governam, já que presidentes, ministros, governadores, senadores e deputados servem ao povo. É, pois, do povo a propriedade das chaves!
Não há, nenhum “depende...” a condicionar a transparência. Não existe o famoso, lamentável e onipresente “eu não sabia” ou a divisão permanente entre “público interno e externo”, rotineiros na ditadura militar e no lulopetismo.
O roubo público, o assalto irresponsável em escala bíblica e pornográfica aos bens coletivos e à Petrobras — símbolo de independência econômica que suicidou quem teve honra e foi incestuosamente agredida por quem não sabe o significado dessa palavra — continuam sujeito ao “depende...”
Depende de quem. Se foi do tempo deles vale, se foi nessa nossa década de poder, não vale. Na Alemanha nazista, todos os males eram atribuídos aos judeus vistos como agentes de impureza diante da superioridade indiscutível da raça germânica. Os judeus eram o veneno ao lado dos homossexuais, dos ciganos e dos deficientes. Eles conspurcavam a “raça superior” — emblemática de uma integração perfeita porque seria biológica, entre o indivíduo e a coletividade. Esse problema de todas as nossas antropologias e sociologias que, em geral, leem o individuo como algo separado do grupo quando de, fato, seja nas suas formas mais ativas (como na América sem tramelas) ou brandas, como no Brasil relacional das trancas e frestas, o individuo é a expressão de uma cosmologia ou ideologia. A redução individualista é dominante na vida moderna que, conforme sabem alguns, não é, como o jazz, tão moderna assim.
Sem o “depende” não se entende a hipocrisia política dominante. Ela é a chave que abre ou fecha os baús de escândalos que, de tão rotineiros, chegaram ao carnaval, uma celebração aberta a tudo, mas hoje manchada pelo financiamento questionável.
Todos nós admitíamos cinicamente o financiamento carnavalesco de estabelecidos “contraventores”. Notem que não usamos a palavra “bandido” para os que se legitimavam como mecenas das escolas de samba. Por meio do carnaval e do até hoje não legalizado jogo do bicho, eles eram nossos “heróis-bandidos” ou simplesmente malandros, dentro da ética de ambiguidade que proíbe ou torna reacionário dizer isso “não pode!” ou, o muito mais sério, “isso eu não faço!” Mas quando uma escola de samba tradicional é financiada por uma ditadura estrangeira, chegamos ao fundo do poço porque o “depende” tem desculpa: afinal é (ou era) carnaval.
Ao se despedir, o professor Richard Moneygrand riu de sua profecia segundo a qual o fim do carnaval, conforme revelei na semana passada, assinalava o fim da ordem brasileira. Mas até mesmo a ordem, para vocês, disse ele, depende...
O “depende”, em paralelo ao “desculpável”, é parte do nosso Direito fundado no purgatório. Se os extremos e os limites são evitados, como não aceder a filosófica admoestação de batedor de carteira da presidenta Dilma, quando afirma que se a Petrobras tivesse sido investigada no governo Fernando Henrique Cardoso, toda essa roubalheira teria sido evitada?
E por que não nesses 12 anos de PT? Mas isso seria o questionamento do cronista reacionário que publica mas não é ouvido porque a preferência “depende” de quem fala e não do que é dito.
Público pagante - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 25/02
A inflação chegou a 7,36% com a economia estagnada. Foi o dado do IPCA-15 divulgado ontem. Em dois meses, a taxa acumulada é metade da meta do ano. O aumento da energia elétrica em 12 meses é de quase 30%. Dez de 11 capitais pesquisadas pelo IBGE têm inflação acima do teto da meta. O IPCA-15 de 1,33% deve ser confirmado no IPCA do mês de fevereiro.
Até recentemente os economistas brasileiros achavam muito altas as taxas de inflação da Índia, que oscilaram de 7% a 11% entre 2006 e 2012. Os indianos eram o patinho feio inflacionário dos Brics, ao lado da Rússia, pois tinham taxas mais altas quando comparadas às da China, Brasil, e África do Sul. Hoje, a inflação no Brasil é maior que a da Índia, que tem se beneficiado muito da queda dos preços do petróleo, dos alimentos e da energia. O BC indiano está cortando juros.
Nas 11 capitais pesquisadas, apenas Salvador não está com a inflação acima do teto da meta, com 6,19%. As outras 10 estão com índices acima de 6,5%. O Rio de Janeiro é quem sofre mais com a alta dos preços, que dispararam 8,84% em um ano. O Rio passou quase todo 2014 com a inflação acima do teto, e agora se aproxima de 9%. Goiânia e Porto Alegre também têm índices na casa dos 8%. Recife, Brasília, Belém, Curitiba e São Paulo marcam inflação na casa de 7%.
A inflação é mais um caso de Dilma versus Dilma. Ela errou no governo passado, e a conta chegou no atual mandato. Os preços administrados foram contidos artificialmente e agora estão sendo corrigidos. Têm subido muito os grupos transporte e habitação.
Nos transportes, é o efeito da alta da gasolina e da volta da Cide, mas, em fevereiro, foi principalmente aumento de ônibus em todas as cidades pesquisadas. Há dois anos, o então ministro da Fazenda Guido Mantega ligou para prefeitos e governadores pedindo para que eles não reajustassem as tarifas de transporte público. Queria evitar que a inflação do mês de janeiro fosse alta demais. Em junho de 2013, no meio dos protestos, o governo segurou os pedágios nas rodovias federais.
Preço que é contido em um momento aparece em outro. A gasolina e o diesel foram mantidos com preços abaixo do que a Petrobras pagava no mercado internacional. Agora, quando cai a cotação lá fora, os combustíveis sobem aqui dentro. A consequência se viu ontem nas estradas: os caminhoneiros pararam rodovias em oito estados protestando contra o aumento do diesel e a alta dos pedágios. Além disso, o frete, o que eles recebem, não subiu. A paralisação em si já provoca efeitos econômicos. Há cidades desabastecidas e preços subindo. Isso produzirá mais inflação.
Há aumentos que acontecem num período do ano, como o do item educação, o que mais subiu no IPCA-15 de fevereiro. Há outros que vão incomodar o ano inteiro, como a energia. Além dos 29,5% de alta nos últimos 12 meses, o item vai continuar subindo pelos reajustes nas datas de cada concessionária e elevações extraordinárias que estão previstas. Vão subir porque o governo derrubou o preço artificialmente, desequilibrou as empresas financeiramente, deixou que elas pegassem empréstimos para serem cobrados do consumidor. É isso que fará o item habitação ficar alto o ano inteiro.
As projeções para a inflação de 2015 estão se distanciando do teto da meta de 6,5%. O economista chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal, estima que a inflação vá terminar o ano entre 7,5% e8%. O Itaú Unibanco estima alta de 7,4%, a mesma projeção da consultoria Rosenberg Associados.
O IPCA-15 é uma espécie de prévia. Pega a metade de um mês e a metade do outro. E subiu em relação ao IPCA de janeiro, que deu 1,24%. Mesmo se essa aceleração não continuar, o IPCA do mês de janeiro deve ficar acima de 1%, o que elevaria a taxa em 12 meses para 7,6%.
O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, já havia avisado que esse seria o pior bimestre do ano e que em março a inflação em 12 meses começaria a cair. Tomara que seja só um momento ruim. Há muita pressão de alta. Uma delas é a do dólar. Há dias de queda, como ontem, mas a tendência tem sido de fortalecimento da moeda americana. O aumento do dólar tem efeito em vários produtos, inclusive a tarifa da energia de Itaipu. Dilma recebeu de Dilma uma pesada herança. E o público pagante somos todos nós.
A inflação chegou a 7,36% com a economia estagnada. Foi o dado do IPCA-15 divulgado ontem. Em dois meses, a taxa acumulada é metade da meta do ano. O aumento da energia elétrica em 12 meses é de quase 30%. Dez de 11 capitais pesquisadas pelo IBGE têm inflação acima do teto da meta. O IPCA-15 de 1,33% deve ser confirmado no IPCA do mês de fevereiro.
Até recentemente os economistas brasileiros achavam muito altas as taxas de inflação da Índia, que oscilaram de 7% a 11% entre 2006 e 2012. Os indianos eram o patinho feio inflacionário dos Brics, ao lado da Rússia, pois tinham taxas mais altas quando comparadas às da China, Brasil, e África do Sul. Hoje, a inflação no Brasil é maior que a da Índia, que tem se beneficiado muito da queda dos preços do petróleo, dos alimentos e da energia. O BC indiano está cortando juros.
Nas 11 capitais pesquisadas, apenas Salvador não está com a inflação acima do teto da meta, com 6,19%. As outras 10 estão com índices acima de 6,5%. O Rio de Janeiro é quem sofre mais com a alta dos preços, que dispararam 8,84% em um ano. O Rio passou quase todo 2014 com a inflação acima do teto, e agora se aproxima de 9%. Goiânia e Porto Alegre também têm índices na casa dos 8%. Recife, Brasília, Belém, Curitiba e São Paulo marcam inflação na casa de 7%.
A inflação é mais um caso de Dilma versus Dilma. Ela errou no governo passado, e a conta chegou no atual mandato. Os preços administrados foram contidos artificialmente e agora estão sendo corrigidos. Têm subido muito os grupos transporte e habitação.
Nos transportes, é o efeito da alta da gasolina e da volta da Cide, mas, em fevereiro, foi principalmente aumento de ônibus em todas as cidades pesquisadas. Há dois anos, o então ministro da Fazenda Guido Mantega ligou para prefeitos e governadores pedindo para que eles não reajustassem as tarifas de transporte público. Queria evitar que a inflação do mês de janeiro fosse alta demais. Em junho de 2013, no meio dos protestos, o governo segurou os pedágios nas rodovias federais.
Preço que é contido em um momento aparece em outro. A gasolina e o diesel foram mantidos com preços abaixo do que a Petrobras pagava no mercado internacional. Agora, quando cai a cotação lá fora, os combustíveis sobem aqui dentro. A consequência se viu ontem nas estradas: os caminhoneiros pararam rodovias em oito estados protestando contra o aumento do diesel e a alta dos pedágios. Além disso, o frete, o que eles recebem, não subiu. A paralisação em si já provoca efeitos econômicos. Há cidades desabastecidas e preços subindo. Isso produzirá mais inflação.
Há aumentos que acontecem num período do ano, como o do item educação, o que mais subiu no IPCA-15 de fevereiro. Há outros que vão incomodar o ano inteiro, como a energia. Além dos 29,5% de alta nos últimos 12 meses, o item vai continuar subindo pelos reajustes nas datas de cada concessionária e elevações extraordinárias que estão previstas. Vão subir porque o governo derrubou o preço artificialmente, desequilibrou as empresas financeiramente, deixou que elas pegassem empréstimos para serem cobrados do consumidor. É isso que fará o item habitação ficar alto o ano inteiro.
As projeções para a inflação de 2015 estão se distanciando do teto da meta de 6,5%. O economista chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal, estima que a inflação vá terminar o ano entre 7,5% e8%. O Itaú Unibanco estima alta de 7,4%, a mesma projeção da consultoria Rosenberg Associados.
O IPCA-15 é uma espécie de prévia. Pega a metade de um mês e a metade do outro. E subiu em relação ao IPCA de janeiro, que deu 1,24%. Mesmo se essa aceleração não continuar, o IPCA do mês de janeiro deve ficar acima de 1%, o que elevaria a taxa em 12 meses para 7,6%.
O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, já havia avisado que esse seria o pior bimestre do ano e que em março a inflação em 12 meses começaria a cair. Tomara que seja só um momento ruim. Há muita pressão de alta. Uma delas é a do dólar. Há dias de queda, como ontem, mas a tendência tem sido de fortalecimento da moeda americana. O aumento do dólar tem efeito em vários produtos, inclusive a tarifa da energia de Itaipu. Dilma recebeu de Dilma uma pesada herança. E o público pagante somos todos nós.
Movimento contra a liberdade de imprensa - JOÃO RICARDO MODERNO
O GLOBO - 25/02
O 'crime' da mídia brasileira é publicar as maiores barbaridades perpetradas contra o nosso país
O desprezo pela liberdade de imprensa e de expressão cresce nos políticos radicais brasileiros; e, no Facebook, valendo-se da liberdade da internet, militantes engrossam a voz contra a mídia. O sonho totalitário é tornar a grande imprensa brasileira de timbre estatal, buscando a "harmonia" ditatorial. Assim, jamais teríamos reportagens estarrecedoras sobre a progressiva e interminável cultura da corrupção, do furto aberto ao dinheiro público e a desavergonhada sucessão de crimes, em uma escalada reconhecida por especialistas como talvez a maior da história da humanidade.
Contudo, nada parece abalar a convicção que a preservação e a expansão política e demográfica do homo corruptus depende da destruição da liberdade. Em latim, corrumpere significa destruir. Assim, corromper a liberdade é a garantia quase constitucional de expandir a corrupção do dinheiro público. O mantra liberticida faz alusão ao "controle social da mídia" ou "regulação da mídia", eufemismos para a repressão. Controle social da mídia faz o consumidor, que escolhe livremente seus veículos de comunicação. Os trabalhadores dos meios de comunicação de massa são oriundos dos mais diversos estados da federação, das mais diferentes origens sociais, econômicas, ideológicas, culturais e políticas.
A guerra de posição gramsciana contra a liberdade de imprensa já começou por meios econômicos, políticos, psicossociais e culturais. Quanto mais são divulgados os malfeitos criminosos, maior o movimento contra a imprensa livre. O "crime" da mídia brasileira é publicar as maiores barbaridades perpetradas contra o Brasil. A chamada revolução bolivariana na América Latina tem especial objetivo de calar a liberdade para implantar uma imprensa subserviente, obediente, corrupta, chapa- branca e autoritária. A liberdade de expressão é a pedra no sapato dos totalitarismos. Por isso, todos os países do eixo bolivariano formam um bloco unido contra a crítica da imprensa.
A guerra contra a mídia atinge diretamente a liberdade da arte, da cultura, da ciência, da religião, da economia, da política, do esporte e demais atividades humanas. O fanatismo ideológico associado ao furor da paixão pelo crime financeiro, o materialismo mais hediondo da adoração ao bezerro de ouro e uma vontade patológica de poder se associam para condenar os mais elevados valores e princípios do Estado Democrático de Direito. É nosso dever, pois, defender a liberdade de imprensa e de expressão de toda tentativa de repressão autoritária, e de todas as agressões explícitas ou dissimuladas. Mais vale corrigir alguns excessos inerentes à democracia que aprovar a exceção do fim da liberdade no Brasil. Democracia é contradição.
O 'crime' da mídia brasileira é publicar as maiores barbaridades perpetradas contra o nosso país
O desprezo pela liberdade de imprensa e de expressão cresce nos políticos radicais brasileiros; e, no Facebook, valendo-se da liberdade da internet, militantes engrossam a voz contra a mídia. O sonho totalitário é tornar a grande imprensa brasileira de timbre estatal, buscando a "harmonia" ditatorial. Assim, jamais teríamos reportagens estarrecedoras sobre a progressiva e interminável cultura da corrupção, do furto aberto ao dinheiro público e a desavergonhada sucessão de crimes, em uma escalada reconhecida por especialistas como talvez a maior da história da humanidade.
Contudo, nada parece abalar a convicção que a preservação e a expansão política e demográfica do homo corruptus depende da destruição da liberdade. Em latim, corrumpere significa destruir. Assim, corromper a liberdade é a garantia quase constitucional de expandir a corrupção do dinheiro público. O mantra liberticida faz alusão ao "controle social da mídia" ou "regulação da mídia", eufemismos para a repressão. Controle social da mídia faz o consumidor, que escolhe livremente seus veículos de comunicação. Os trabalhadores dos meios de comunicação de massa são oriundos dos mais diversos estados da federação, das mais diferentes origens sociais, econômicas, ideológicas, culturais e políticas.
A guerra de posição gramsciana contra a liberdade de imprensa já começou por meios econômicos, políticos, psicossociais e culturais. Quanto mais são divulgados os malfeitos criminosos, maior o movimento contra a imprensa livre. O "crime" da mídia brasileira é publicar as maiores barbaridades perpetradas contra o Brasil. A chamada revolução bolivariana na América Latina tem especial objetivo de calar a liberdade para implantar uma imprensa subserviente, obediente, corrupta, chapa- branca e autoritária. A liberdade de expressão é a pedra no sapato dos totalitarismos. Por isso, todos os países do eixo bolivariano formam um bloco unido contra a crítica da imprensa.
A guerra contra a mídia atinge diretamente a liberdade da arte, da cultura, da ciência, da religião, da economia, da política, do esporte e demais atividades humanas. O fanatismo ideológico associado ao furor da paixão pelo crime financeiro, o materialismo mais hediondo da adoração ao bezerro de ouro e uma vontade patológica de poder se associam para condenar os mais elevados valores e princípios do Estado Democrático de Direito. É nosso dever, pois, defender a liberdade de imprensa e de expressão de toda tentativa de repressão autoritária, e de todas as agressões explícitas ou dissimuladas. Mais vale corrigir alguns excessos inerentes à democracia que aprovar a exceção do fim da liberdade no Brasil. Democracia é contradição.
À espera de um milagre - ALEXANDRE SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 25/02
Não surpreende que ninguém esteja disposto a assumir o fracasso da 'nova matriz macroeconômica'
É sabido que a economia brasileira encolherá em 2015, se é que já não encolheu um tanto no ano passado.
Também não é segredo que a inflação persistirá alta e deverá superar a registrada em 2014, ultrapassando também o limite superior permitido pela sistemática de metas para a inflação.
Já o mercado de trabalho provavelmente registrará piora visível, liquidando com o último argumento em favor da política econômica prevalecente durante o primeiro mandato da presidente.
Trata-se, enfim, de uma combinação nada invejável. Não chega a ser surpreendente, pois, que ninguém esteja disposto a assumir o fracasso retumbante da "nova matriz macroeconômica". A vitória, já se disse, tem muitos pais; a derrota, porém, é órfã.
Não é outro o motivo para que economistas que apoiaram abertamente as políticas adotadas nos últimos anos venham a público agora afirmar terem feito "inúmeras críticas" a elas.
Contudo, no começo de 2014, quando meus 18 leitores já viam as inconsistências aqui apontadas, membros da mesma tropa não tiveram o menor problema em afirmar que acreditavam "em um crescimento do PIB em torno de 4% para 2014 (...), [pois] o investimento está acelerando neste ano, recuperando o ano passado". E projetavam uma taxa de inflação "entre 4% e 5%".
Como se pode ver, eram previsões que refletiam uma visão profundamente crítica da política econômica então vigente. Só que não...
Isto dito, eu seria injusto se não mencionasse as críticas que de fato foram feitas. A principal, de longe, é a acusação de "austericídio" fiscal, mesmo em face da maior expansão orçamentária em, pelo menos, 18 anos.
Como já notado neste espaço, o governo Dilma registrou simplesmente o maior avanço do gasto federal no Brasil desde que esses dados passaram a ser compilados (mais de R$ 200 bilhões a preços de hoje, ou 2,7% do PIB).
Nesse mesmo período o superavit primário veio em queda, registrando valores menores a cada ano desde 2011, culminando com o registro de um deficit primário em 2014, mesmo pelos números oficiais, que, como se sabe, têm sistematicamente puxado a brasa para a sardinha do Tesouro.
Apenas um habitante da Dimensão Z, alheio a tudo o que acontece neste quadrante da galáxia, poderia sugerir que o Brasil passou por qualquer processo que se assemelhasse a um aperto fiscal. Ao contrário do que afirmavam os "keynesianos de quermesse", foi a falta, não o excesso de rigor fiscal, que jogou nossa dívida pública a 63,4% do PIB em 2014, exatos dez pontos percentuais do PIB a mais do que o registrado em 2010.
Nesse contexto, jogar a culpa do mau desempenho da economia no suposto "austericídio" revela completo desconhecimento dos dados, ou diagnóstico preconcebido.
Trata-se de mais uma instância de desonestidade intelectual: ou porque a conclusão é mantida apesar dos fatos discordantes ou, ainda pior, porque se arrogam o direito de chegar a conclusões sem se preocupar em saber se Sua Excelência, o dado, se mostra minimamente coerente com o argumento.
A verdade é que esses economistas aplaudiram de pé a "nova matriz macroeconômica", no máximo opondo-se a um aperto fiscal que jamais existiu. Foram signatários de documentos que pediam a manutenção da política adotada no primeiro governo da presidente, apesar de sinais inequívocos de deterioração do crescimento econômico, da inflação e das contas externas.
Não se opuseram à maciça intervenção governamental no domínio econômico, que resultou em for- te queda do ritmo de expansão da produtividade e em desarticula- ção de setores importantes da economia, como o energético e o sucroalcooleiro.
Os custos dessas políticas estão expressos na lamentável combinação de crescimento e inflação de 2015. A honestidade intelectual requereria profunda autocrítica acerca dessas consequências, mas é melhor tocar a vida do que esperar por um milagre nessa área.
Não surpreende que ninguém esteja disposto a assumir o fracasso da 'nova matriz macroeconômica'
É sabido que a economia brasileira encolherá em 2015, se é que já não encolheu um tanto no ano passado.
Também não é segredo que a inflação persistirá alta e deverá superar a registrada em 2014, ultrapassando também o limite superior permitido pela sistemática de metas para a inflação.
Já o mercado de trabalho provavelmente registrará piora visível, liquidando com o último argumento em favor da política econômica prevalecente durante o primeiro mandato da presidente.
Trata-se, enfim, de uma combinação nada invejável. Não chega a ser surpreendente, pois, que ninguém esteja disposto a assumir o fracasso retumbante da "nova matriz macroeconômica". A vitória, já se disse, tem muitos pais; a derrota, porém, é órfã.
Não é outro o motivo para que economistas que apoiaram abertamente as políticas adotadas nos últimos anos venham a público agora afirmar terem feito "inúmeras críticas" a elas.
Contudo, no começo de 2014, quando meus 18 leitores já viam as inconsistências aqui apontadas, membros da mesma tropa não tiveram o menor problema em afirmar que acreditavam "em um crescimento do PIB em torno de 4% para 2014 (...), [pois] o investimento está acelerando neste ano, recuperando o ano passado". E projetavam uma taxa de inflação "entre 4% e 5%".
Como se pode ver, eram previsões que refletiam uma visão profundamente crítica da política econômica então vigente. Só que não...
Isto dito, eu seria injusto se não mencionasse as críticas que de fato foram feitas. A principal, de longe, é a acusação de "austericídio" fiscal, mesmo em face da maior expansão orçamentária em, pelo menos, 18 anos.
Como já notado neste espaço, o governo Dilma registrou simplesmente o maior avanço do gasto federal no Brasil desde que esses dados passaram a ser compilados (mais de R$ 200 bilhões a preços de hoje, ou 2,7% do PIB).
Nesse mesmo período o superavit primário veio em queda, registrando valores menores a cada ano desde 2011, culminando com o registro de um deficit primário em 2014, mesmo pelos números oficiais, que, como se sabe, têm sistematicamente puxado a brasa para a sardinha do Tesouro.
Apenas um habitante da Dimensão Z, alheio a tudo o que acontece neste quadrante da galáxia, poderia sugerir que o Brasil passou por qualquer processo que se assemelhasse a um aperto fiscal. Ao contrário do que afirmavam os "keynesianos de quermesse", foi a falta, não o excesso de rigor fiscal, que jogou nossa dívida pública a 63,4% do PIB em 2014, exatos dez pontos percentuais do PIB a mais do que o registrado em 2010.
Nesse contexto, jogar a culpa do mau desempenho da economia no suposto "austericídio" revela completo desconhecimento dos dados, ou diagnóstico preconcebido.
Trata-se de mais uma instância de desonestidade intelectual: ou porque a conclusão é mantida apesar dos fatos discordantes ou, ainda pior, porque se arrogam o direito de chegar a conclusões sem se preocupar em saber se Sua Excelência, o dado, se mostra minimamente coerente com o argumento.
A verdade é que esses economistas aplaudiram de pé a "nova matriz macroeconômica", no máximo opondo-se a um aperto fiscal que jamais existiu. Foram signatários de documentos que pediam a manutenção da política adotada no primeiro governo da presidente, apesar de sinais inequívocos de deterioração do crescimento econômico, da inflação e das contas externas.
Não se opuseram à maciça intervenção governamental no domínio econômico, que resultou em for- te queda do ritmo de expansão da produtividade e em desarticula- ção de setores importantes da economia, como o energético e o sucroalcooleiro.
Os custos dessas políticas estão expressos na lamentável combinação de crescimento e inflação de 2015. A honestidade intelectual requereria profunda autocrítica acerca dessas consequências, mas é melhor tocar a vida do que esperar por um milagre nessa área.
Dilma fraca e o PT medíocre - O ESTADO DE S.PAULO
O ESTADO DE S.PAULO - 25/02
Em meio à crise política provocada pela incompetência do governo Dilma, o Palácio do Planalto e o PT, não necessariamente articulados entre si, iniciaram esta semana uma ofensiva junto à chamada base aliada na tentativa de garantir um mínimo de apoio à adoção das medidas necessárias, algumas delas impopulares, para botar em ordem as contas públicas e retomar o caminho do equilíbrio fiscal e do desenvolvimento econômico, que são precondições para a manutenção e a ampliação das conquistas sociais.
O desafio que se coloca diante de Dilma Rousseff e do lulopetismo é enorme. Principalmente porque, antes de mais nada, Dilma precisa se entender com seu próprio partido e entrar em acordo com o lulopetismo sobre objetivos comuns que se estendam além de um obsessivo projeto de poder. E a maior dificuldade para esse entendimento parece ser a mediocridade dos quadros mais qualificados do partido, a incapacidade que revelam de enxergar um palmo além do nariz e de seus próprios interesses imediatos.
Essa espantosa mediocridade está estampada em manifestação, muito compreensivelmente off the record, de um senador petista colhida pelo jornal Valor em matéria que trata exatamente dos esforços do partido para rearticular sua base de apoio parlamentar. Incomodado com a posição incômoda e "ridícula" em que, em sua opinião, o governo colocou suas bancadas no Congresso em relação ao debate sobre as medidas de ajuste fiscal que estão sendo propostas pela equipe econômica, desabafou o senador: "Estamos agora com o PT defendendo a tese do patrão e os tucanos, a manutenção dos direitos trabalhistas".
Essa redução do problema a termos tão banais é a tradução mais fiel do maniqueísmo que inspira o discurso político de Lula, o defensor do Bem, do Reino da Luz, em luta contra os representantes do Mal, do Reino das Trevas.
Só pode ser daí que o ilustre senador petista tirou a brilhante ideia de que o grande problema do País é o conflito entre dois valores reciprocamente excludentes: "a tese do patrão" e "a manutenção dos direitos trabalhistas". Não ocorre nem por um instante ao parlamentar que seu papel, como membro de um órgão de representação, antes de defender a "tese do patrão" ou "os direitos trabalhistas" é o de defender prioritariamente os interesses do País. O acirramento do conflito entre os interesses naturais e legítimos dos vários segmentos sociais só leva à desagregação nacional, pois a expressão mais autêntica do espírito de nação consiste na conciliação democrática dos interesses divergentes abrigados no seio da comunidade.
É claro que os vários segmentos sociais, numa sociedade democraticamente institucionalizada, merecem sempre atenção e tratamentos diferentes por parte do governo que representa a todos e - por um imperativo de justiça, e sempre rigorosamente de acordo com a lei - tem a obrigação de estabelecer prioridades no campo social. Mas a prioridade maior será sempre a harmonização dos interesses conflitantes em benefício do bem comum.
Não é isso o que, por conveniência eleitoral, pregam os populistas que estão no poder. Não é isso que Lula e o PT querem para o Brasil quando reduzem os grandes problemas nacionais à opção sectária do "nós" ou "eles".
E é exatamente por isso que Dilma Rousseff está metida até o pescoço numa encrenca da qual procura se livrar mobilizando seus comandados e as (poucas) forças políticas que a ela se declaram fiéis. Não será fácil. A presidente passou quatro anos cometendo erros. Não os admite publicamente. Mas foi obrigada, por imposição dos fatos, a defender medidas que contrariam seu discurso eleitoral populista. Essa contradição está lhe custando a credibilidade. Já ao PT provoca enorme desconforto, pois um partido politicamente medíocre e moralmente carcomido não entende que, para garantir os "interesses do povo", é preciso a coragem de assumir, quando necessário, decisões impopulares.
Em 2002, o PT se desdisse, com a Carta aos Brasileiros. Mas nunca adotou um código ético nem adquiriu respeito pelo povo. Está, agora, com o petrolão seguindo-se ao mensalão e com a revelação da sua incompetência em todas as áreas do governo, pagando o preço da desídia. Lamentavelmente, os brasileiros arcam com o aval dado a pessoa que não merecia confiança.
Em meio à crise política provocada pela incompetência do governo Dilma, o Palácio do Planalto e o PT, não necessariamente articulados entre si, iniciaram esta semana uma ofensiva junto à chamada base aliada na tentativa de garantir um mínimo de apoio à adoção das medidas necessárias, algumas delas impopulares, para botar em ordem as contas públicas e retomar o caminho do equilíbrio fiscal e do desenvolvimento econômico, que são precondições para a manutenção e a ampliação das conquistas sociais.
O desafio que se coloca diante de Dilma Rousseff e do lulopetismo é enorme. Principalmente porque, antes de mais nada, Dilma precisa se entender com seu próprio partido e entrar em acordo com o lulopetismo sobre objetivos comuns que se estendam além de um obsessivo projeto de poder. E a maior dificuldade para esse entendimento parece ser a mediocridade dos quadros mais qualificados do partido, a incapacidade que revelam de enxergar um palmo além do nariz e de seus próprios interesses imediatos.
Essa espantosa mediocridade está estampada em manifestação, muito compreensivelmente off the record, de um senador petista colhida pelo jornal Valor em matéria que trata exatamente dos esforços do partido para rearticular sua base de apoio parlamentar. Incomodado com a posição incômoda e "ridícula" em que, em sua opinião, o governo colocou suas bancadas no Congresso em relação ao debate sobre as medidas de ajuste fiscal que estão sendo propostas pela equipe econômica, desabafou o senador: "Estamos agora com o PT defendendo a tese do patrão e os tucanos, a manutenção dos direitos trabalhistas".
Essa redução do problema a termos tão banais é a tradução mais fiel do maniqueísmo que inspira o discurso político de Lula, o defensor do Bem, do Reino da Luz, em luta contra os representantes do Mal, do Reino das Trevas.
Só pode ser daí que o ilustre senador petista tirou a brilhante ideia de que o grande problema do País é o conflito entre dois valores reciprocamente excludentes: "a tese do patrão" e "a manutenção dos direitos trabalhistas". Não ocorre nem por um instante ao parlamentar que seu papel, como membro de um órgão de representação, antes de defender a "tese do patrão" ou "os direitos trabalhistas" é o de defender prioritariamente os interesses do País. O acirramento do conflito entre os interesses naturais e legítimos dos vários segmentos sociais só leva à desagregação nacional, pois a expressão mais autêntica do espírito de nação consiste na conciliação democrática dos interesses divergentes abrigados no seio da comunidade.
É claro que os vários segmentos sociais, numa sociedade democraticamente institucionalizada, merecem sempre atenção e tratamentos diferentes por parte do governo que representa a todos e - por um imperativo de justiça, e sempre rigorosamente de acordo com a lei - tem a obrigação de estabelecer prioridades no campo social. Mas a prioridade maior será sempre a harmonização dos interesses conflitantes em benefício do bem comum.
Não é isso o que, por conveniência eleitoral, pregam os populistas que estão no poder. Não é isso que Lula e o PT querem para o Brasil quando reduzem os grandes problemas nacionais à opção sectária do "nós" ou "eles".
E é exatamente por isso que Dilma Rousseff está metida até o pescoço numa encrenca da qual procura se livrar mobilizando seus comandados e as (poucas) forças políticas que a ela se declaram fiéis. Não será fácil. A presidente passou quatro anos cometendo erros. Não os admite publicamente. Mas foi obrigada, por imposição dos fatos, a defender medidas que contrariam seu discurso eleitoral populista. Essa contradição está lhe custando a credibilidade. Já ao PT provoca enorme desconforto, pois um partido politicamente medíocre e moralmente carcomido não entende que, para garantir os "interesses do povo", é preciso a coragem de assumir, quando necessário, decisões impopulares.
Em 2002, o PT se desdisse, com a Carta aos Brasileiros. Mas nunca adotou um código ético nem adquiriu respeito pelo povo. Está, agora, com o petrolão seguindo-se ao mensalão e com a revelação da sua incompetência em todas as áreas do governo, pagando o preço da desídia. Lamentavelmente, os brasileiros arcam com o aval dado a pessoa que não merecia confiança.
Perigo externo para os implicados no petrolão - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 25/02
Se o réu de um processo sobre o escândalo for absolvido ou receber pena que a Justiça americana considere insuficiente, ele ainda poderá ser condenado nos EUA
No front interno do petrolão, aumentam as especulações em torno da lista de políticos envolvidos no escândalo, a ser liberada pelo Ministério Público Federal, enquanto se movimentam o Ministério da Justiça, a AGU e a CGU — Advocacia e Controladoria-Geral da União —, para livrar empreiteiras de punições, desejo expresso da presidente Dilma Rousseff.
Também transparece, em toda essa operação política, o temor do governo e do PT com a possibilidade de executivos e acionistas de empreiteiras assinarem acordos de delação premiada, pelos quais poderiam implicar algum poderoso de ocasião no esquema de roubalheira montado por PT e aliados (PP e PMDB) na estatal.
Mas os pesadelos de implicados no petrolão não se esgotam aqui, porque há também um front externo do escândalo, não fosse a Petrobras uma empresa globalizada, com ações na Bolsa de Nova York, títulos de crédito emitidos no exterior e uma enorme malha de fornecedores mundiais, alguns deles envolvidos no esquema de propinas.
Livrar-se de punições no Brasil — por debilidade da legislação, falhas judiciais, amizades em Brasília, o que seja — não significa que o participante do petrolão estará livre de dores de cabeça.
Ele pode, por exemplo, ser apanhado pela Justiça dos Estados Unidos, onde as reclamações formalizadas até há poucos dias somavam prejuízos alegados de meio bilhão de dólares, segundo informações da Bloomberg. A maior parcela dessa cifra é de investidores institucionais, entre eles fundos de pensão de funcionários públicos.
Reportagem do jornal inglês “Financial Times”, da edição de domingo, trouxe a opinião do advogado canadense Marin Kenney, especializado em recuperar dinheiro perdido em fraudes empresariais. Segundo ele, o caso Petrobras transita num “ambiente multijurisdicional". Ou seja, em diversas Justiças.
São citados dois exemplos: estão envolvidas nessa história a britânica Rolls-Royce e a holandesa SBM, citadas como pagadoras de propinas. No caso da SBM, há um processo específico contra a empresa em tramitação na Holanda, porque a companhia distribuiu dinheiro ilegal em escala planetária.
Nos Estados Unidos, transcorrem investigações na SEC (a CVM americana) e no próprio Departamento de Justiça (DoJ). De acordo com o “FT”, se o DoJ considerar as instituições brasileiras muito lenientes nas punições no petrolão, ele deve deflagar ações nos Estados Unidos contra os envolvidos no escândalo.
Cita-se o caso de corrupção ocorrido entre a norueguesa Statoil e o Irã, em 2006. O DoJ entrou no assunto porque a Statoil tem ações em Wall Street, como a Petrobras. Resultado: o Departamento de Justiça triplicou a multa recebida pela Statoil na Justiça do seu país, a Noruega.
Cabe repetir: o lulopetismo não teve visão estratégica ao conectar o caixa da Petrobras a seu projeto de poder.
Se o réu de um processo sobre o escândalo for absolvido ou receber pena que a Justiça americana considere insuficiente, ele ainda poderá ser condenado nos EUA
No front interno do petrolão, aumentam as especulações em torno da lista de políticos envolvidos no escândalo, a ser liberada pelo Ministério Público Federal, enquanto se movimentam o Ministério da Justiça, a AGU e a CGU — Advocacia e Controladoria-Geral da União —, para livrar empreiteiras de punições, desejo expresso da presidente Dilma Rousseff.
Também transparece, em toda essa operação política, o temor do governo e do PT com a possibilidade de executivos e acionistas de empreiteiras assinarem acordos de delação premiada, pelos quais poderiam implicar algum poderoso de ocasião no esquema de roubalheira montado por PT e aliados (PP e PMDB) na estatal.
Mas os pesadelos de implicados no petrolão não se esgotam aqui, porque há também um front externo do escândalo, não fosse a Petrobras uma empresa globalizada, com ações na Bolsa de Nova York, títulos de crédito emitidos no exterior e uma enorme malha de fornecedores mundiais, alguns deles envolvidos no esquema de propinas.
Livrar-se de punições no Brasil — por debilidade da legislação, falhas judiciais, amizades em Brasília, o que seja — não significa que o participante do petrolão estará livre de dores de cabeça.
Ele pode, por exemplo, ser apanhado pela Justiça dos Estados Unidos, onde as reclamações formalizadas até há poucos dias somavam prejuízos alegados de meio bilhão de dólares, segundo informações da Bloomberg. A maior parcela dessa cifra é de investidores institucionais, entre eles fundos de pensão de funcionários públicos.
Reportagem do jornal inglês “Financial Times”, da edição de domingo, trouxe a opinião do advogado canadense Marin Kenney, especializado em recuperar dinheiro perdido em fraudes empresariais. Segundo ele, o caso Petrobras transita num “ambiente multijurisdicional". Ou seja, em diversas Justiças.
São citados dois exemplos: estão envolvidas nessa história a britânica Rolls-Royce e a holandesa SBM, citadas como pagadoras de propinas. No caso da SBM, há um processo específico contra a empresa em tramitação na Holanda, porque a companhia distribuiu dinheiro ilegal em escala planetária.
Nos Estados Unidos, transcorrem investigações na SEC (a CVM americana) e no próprio Departamento de Justiça (DoJ). De acordo com o “FT”, se o DoJ considerar as instituições brasileiras muito lenientes nas punições no petrolão, ele deve deflagar ações nos Estados Unidos contra os envolvidos no escândalo.
Cita-se o caso de corrupção ocorrido entre a norueguesa Statoil e o Irã, em 2006. O DoJ entrou no assunto porque a Statoil tem ações em Wall Street, como a Petrobras. Resultado: o Departamento de Justiça triplicou a multa recebida pela Statoil na Justiça do seu país, a Noruega.
Cabe repetir: o lulopetismo não teve visão estratégica ao conectar o caixa da Petrobras a seu projeto de poder.
A conta para o consumidor - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 25/02
O incômodo e os prejuízos causados pelo protesto dos caminhoneiros, que paralisou rodovias em pelo menos sete estados do país nos últimos dias, não constituíram fato isolado. É mais uma das pontas da herança que a presidente Dilma Rousseff recebeu da antecessora, ou seja, dela mesma. O voluntarismo que marcou o primeiro governo abandonou regras elementares de política econômica, aumentou a intervenção do Estado no funcionamento de mercados, forçou a queda de alguns preços e adiou o reajuste de outros para evitar que os índices de inflação refletissem a realidade em ano eleitoral.
O preço dos combustíveis, incluindo o diesel, e o valor cobrado nos pedágios rodoviários fizeram parte do cardápio de analgésicos e panos quentes. Mas, como o dinheiro não aceita desaforos, a conta teria que ser paga mais dia menos dia. Neste começo de ano, ela foi espetada no peito de quem vive do transporte rodoviário, provocando difícil queda de braço entre o caminhoneiro e as empresas que pagam o frete.
Sabemos quem vai pagar o prejuízo: o consumidor da mercadoria transportada. Ou seja, o diesel, o caminhão e o pedágio são apenas elos de várias cadeias produtivas, que podem começar numa fazenda e acabar em um supermercado, nascer na mina de ferro e alimentar a montadora de automóveis. Quanto maior a cadeia, pior o efeito do ato de segurar artificialmente os preços de um dos elos.
Mesmo que o consumidor não perceba a ligação entre uma coisa e outra, a conta de igual trapalhada praticada em outros setores da economia está batendo forte no bolso. Ontem, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a prévia da inflação de fevereiro, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) 15. Trata-se da inflação oficial pesquisada entre os dias 15 de um mês e 14 do mês seguinte.
O resultado, alta de 1,33%, é preocupante, bem acima da apurada em janeiro, de 0,89%. Com isso, o índice acumulado em 12 meses pelo IPCA 15 soma 7,36%, muito longe da meta de 4,5% fixada pelo governo para este ano. Pior: significa que, em apenas dois meses, a disparada dos preços engoliu a metade da meta.
É certo que a inflação de fevereiro carrega a sazonalidade das matrículas e do material escolar. Este ano não foi diferente: o item teve alta no período de 5,98%. Mas esse é impacto localizado no tempo e nas famílias com esse tipo de gasto.
O verdadeiro vilão tem DNA parecido com o do diesel dos caminhoneiros: a energia elétrica, que reflete o resultado de uma maiores trapalhadas do primeiro governo Dilma. Em 2012, a presidente foi à tevê alardear heroica decisão de forçar inédita redução nas contas de luz. Inadequada e inoportuna, a medida não se sustentou mais que um ano, abalou o caixa das concessionárias e estimulou o consumo em meio aos avisos de que havia crise hídrica a caminho.
Resultado: somente entre a segunda quinzena de janeiro e a primeira de fevereiro, a energia subiu nada menos do que 7,7% na média nacional, segundo o IBGE, pesando na inflação do período e sinalizando que as cadeias produtivas que dependem da energia elétrica (a maioria) vão refletir o aumento de custos nos próximos meses. Ao fechar as estradas em protesto legítimo, os caminhoneiros punem a sociedade. Melhor fariam se levassem os caminhões para a grama do Planalto. Teriam, certamente, mais vítimas da alta do custo de vida a apoiá-los.
O incômodo e os prejuízos causados pelo protesto dos caminhoneiros, que paralisou rodovias em pelo menos sete estados do país nos últimos dias, não constituíram fato isolado. É mais uma das pontas da herança que a presidente Dilma Rousseff recebeu da antecessora, ou seja, dela mesma. O voluntarismo que marcou o primeiro governo abandonou regras elementares de política econômica, aumentou a intervenção do Estado no funcionamento de mercados, forçou a queda de alguns preços e adiou o reajuste de outros para evitar que os índices de inflação refletissem a realidade em ano eleitoral.
O preço dos combustíveis, incluindo o diesel, e o valor cobrado nos pedágios rodoviários fizeram parte do cardápio de analgésicos e panos quentes. Mas, como o dinheiro não aceita desaforos, a conta teria que ser paga mais dia menos dia. Neste começo de ano, ela foi espetada no peito de quem vive do transporte rodoviário, provocando difícil queda de braço entre o caminhoneiro e as empresas que pagam o frete.
Sabemos quem vai pagar o prejuízo: o consumidor da mercadoria transportada. Ou seja, o diesel, o caminhão e o pedágio são apenas elos de várias cadeias produtivas, que podem começar numa fazenda e acabar em um supermercado, nascer na mina de ferro e alimentar a montadora de automóveis. Quanto maior a cadeia, pior o efeito do ato de segurar artificialmente os preços de um dos elos.
Mesmo que o consumidor não perceba a ligação entre uma coisa e outra, a conta de igual trapalhada praticada em outros setores da economia está batendo forte no bolso. Ontem, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a prévia da inflação de fevereiro, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) 15. Trata-se da inflação oficial pesquisada entre os dias 15 de um mês e 14 do mês seguinte.
O resultado, alta de 1,33%, é preocupante, bem acima da apurada em janeiro, de 0,89%. Com isso, o índice acumulado em 12 meses pelo IPCA 15 soma 7,36%, muito longe da meta de 4,5% fixada pelo governo para este ano. Pior: significa que, em apenas dois meses, a disparada dos preços engoliu a metade da meta.
É certo que a inflação de fevereiro carrega a sazonalidade das matrículas e do material escolar. Este ano não foi diferente: o item teve alta no período de 5,98%. Mas esse é impacto localizado no tempo e nas famílias com esse tipo de gasto.
O verdadeiro vilão tem DNA parecido com o do diesel dos caminhoneiros: a energia elétrica, que reflete o resultado de uma maiores trapalhadas do primeiro governo Dilma. Em 2012, a presidente foi à tevê alardear heroica decisão de forçar inédita redução nas contas de luz. Inadequada e inoportuna, a medida não se sustentou mais que um ano, abalou o caixa das concessionárias e estimulou o consumo em meio aos avisos de que havia crise hídrica a caminho.
Resultado: somente entre a segunda quinzena de janeiro e a primeira de fevereiro, a energia subiu nada menos do que 7,7% na média nacional, segundo o IBGE, pesando na inflação do período e sinalizando que as cadeias produtivas que dependem da energia elétrica (a maioria) vão refletir o aumento de custos nos próximos meses. Ao fechar as estradas em protesto legítimo, os caminhoneiros punem a sociedade. Melhor fariam se levassem os caminhões para a grama do Planalto. Teriam, certamente, mais vítimas da alta do custo de vida a apoiá-los.
O governo na defesa dos gatos gordos - ELIO GASPARI
FOLHA DE SP - 25/02
A retórica do Planalto, do ministro da Justiça e da AGU embute uma ajuda às empreiteiras, driblando o MP
Quando o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, trata das malfeitorias das empreiteiras e diz que "é preciso separar as pessoas das empresas", pressupõe que milhões de dólares rolavam porque "pessoas" delinquiam. Ele acrescenta: "Temos que ter cuidado para não atentar contra a economia, contra o emprego e contra o bem-estar da sociedade".
É a doutrina Engevix. Em novembro, quando a Lava Jato começou a cercar as empreiteiras, um de seus maganos anotou: "Janot e Teori sabem que não podem tomar a decisão. Pode parar o país". Ou seja, o procurador-geral Rodrigo Janot e o ministro Teori Zavascki travariam o processo. Não travaram. Essa doutrina ecoa a tolerância com o tráfico de escravos no século 19. A lei o proibia, mas, se fosse cumprida, as fazendas de café quebrariam. Com uma diferença: d. Pedro 2º não recebia doações de negreiros.
Trazendo a doutrina Engevix para a vida real, o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, defendeu a tese segundo a qual as empreiteiras podem negociar acordos de leniência com a Controladoria-Geral da União, um órgão do aparelho do Executivo. Sua argumentação parte da constatação de que há no Brasil uma "especifidade", a "sobreposição" de órgãos e leis. De fato, para caçar larápios, há uma sopa de letras (CGU, TCU, CVM, Cade, MP) e de números de leis (2.864, 8.429, 8.433). Deu no que deu.
Na sua exposição, Adams ofendeu o fatos. Disse o seguinte: "No caso americano, quem faz os acordos é a SEC, que é o nosso correspondente à Comissão de Valores Mobiliários". Nem pensar. Os acordos que a SEC faz, como os da CVM, são pontuais, quando não há processo penal. O ex-diretor financeiro da Petrobras fechou sete acordos com a CVM, no valor de R$ 1,75 milhão, desembolsados pela seguradora da empresa. Num deles estava o "amigo Paulinho". Deu no que deu.
Adams ilustrou sua posição dizendo mais: "A Siemens fez no mundo, empresas americanas fizeram e fazem". Nem pensar.
A Siemens foi apanhada na Alemanha e nos Estados Unidos. Suas "pessoas", como diria o ministro Cardozo, haviam aspergido US$ 1,4 bilhão de dólares pelo mundo afora (inclusive no Brasil). A empresa não propagou a patranha do perigo de desemprego para 400 mil empregados em 190 países. Gastou US$ 1,3 bilhão para se investigar e achou mais US$ 1 bilhão de capilés. Negociou com o governo e propôs acordos ao juiz federal americano e ao Ministério Público alemão. Pagou US$ 1,6 bilhão em multas e chamou um ex-ministro das Finanças da Alemanha para fazer uma faxina em sua práticas. O acordo foi precedido pelas chancelas do juiz e do procurador. Nessas especificidades há lógica.
Como o pulo do sapo de Guimarães Rosa, a balbúrdia de leis e siglas brasileira não é produto da boniteza, mas da precisão. Elas tecem uma rede de atalhos úteis para o andar de cima, inacessíveis ao andar de baixo. Para que os paralelos mencionados por Adams tivessem solidez, as empreiteiras precisariam da chancela do juiz Sergio Moro ou do Ministério Público.
Adams mostrou que um acordo com a CGU não trava o processo penal. Era o que faltava. Ele disse que nesse processo "as provas que forem carreadas levarão à condenação ou absolvição dos culpados". Em seguida corrigiu-se: "dos acusados". Ainda bem.
A retórica do Planalto, do ministro da Justiça e da AGU embute uma ajuda às empreiteiras, driblando o MP
Quando o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, trata das malfeitorias das empreiteiras e diz que "é preciso separar as pessoas das empresas", pressupõe que milhões de dólares rolavam porque "pessoas" delinquiam. Ele acrescenta: "Temos que ter cuidado para não atentar contra a economia, contra o emprego e contra o bem-estar da sociedade".
É a doutrina Engevix. Em novembro, quando a Lava Jato começou a cercar as empreiteiras, um de seus maganos anotou: "Janot e Teori sabem que não podem tomar a decisão. Pode parar o país". Ou seja, o procurador-geral Rodrigo Janot e o ministro Teori Zavascki travariam o processo. Não travaram. Essa doutrina ecoa a tolerância com o tráfico de escravos no século 19. A lei o proibia, mas, se fosse cumprida, as fazendas de café quebrariam. Com uma diferença: d. Pedro 2º não recebia doações de negreiros.
Trazendo a doutrina Engevix para a vida real, o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, defendeu a tese segundo a qual as empreiteiras podem negociar acordos de leniência com a Controladoria-Geral da União, um órgão do aparelho do Executivo. Sua argumentação parte da constatação de que há no Brasil uma "especifidade", a "sobreposição" de órgãos e leis. De fato, para caçar larápios, há uma sopa de letras (CGU, TCU, CVM, Cade, MP) e de números de leis (2.864, 8.429, 8.433). Deu no que deu.
Na sua exposição, Adams ofendeu o fatos. Disse o seguinte: "No caso americano, quem faz os acordos é a SEC, que é o nosso correspondente à Comissão de Valores Mobiliários". Nem pensar. Os acordos que a SEC faz, como os da CVM, são pontuais, quando não há processo penal. O ex-diretor financeiro da Petrobras fechou sete acordos com a CVM, no valor de R$ 1,75 milhão, desembolsados pela seguradora da empresa. Num deles estava o "amigo Paulinho". Deu no que deu.
Adams ilustrou sua posição dizendo mais: "A Siemens fez no mundo, empresas americanas fizeram e fazem". Nem pensar.
A Siemens foi apanhada na Alemanha e nos Estados Unidos. Suas "pessoas", como diria o ministro Cardozo, haviam aspergido US$ 1,4 bilhão de dólares pelo mundo afora (inclusive no Brasil). A empresa não propagou a patranha do perigo de desemprego para 400 mil empregados em 190 países. Gastou US$ 1,3 bilhão para se investigar e achou mais US$ 1 bilhão de capilés. Negociou com o governo e propôs acordos ao juiz federal americano e ao Ministério Público alemão. Pagou US$ 1,6 bilhão em multas e chamou um ex-ministro das Finanças da Alemanha para fazer uma faxina em sua práticas. O acordo foi precedido pelas chancelas do juiz e do procurador. Nessas especificidades há lógica.
Como o pulo do sapo de Guimarães Rosa, a balbúrdia de leis e siglas brasileira não é produto da boniteza, mas da precisão. Elas tecem uma rede de atalhos úteis para o andar de cima, inacessíveis ao andar de baixo. Para que os paralelos mencionados por Adams tivessem solidez, as empreiteiras precisariam da chancela do juiz Sergio Moro ou do Ministério Público.
Adams mostrou que um acordo com a CGU não trava o processo penal. Era o que faltava. Ele disse que nesse processo "as provas que forem carreadas levarão à condenação ou absolvição dos culpados". Em seguida corrigiu-se: "dos acusados". Ainda bem.
O espaço do PMDB - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 25/02
Pela enésima vez, PMDB e PT buscam a reaproximação, mas não está fácil para ninguém. Tudo levava a crer que o jantar de segunda-feira com a equipe econômica havia selado um acordo para que o PMDB apoiasse a aprovação do pacote fiscal do governo, quando ficou claro que nem mesmo o PT está disposto a dar sua aprovação cegamente. E por que o PMDB o faria, ficando exposto às críticas da opinião pública, enquanto o PT sai de bonzinho?
O afastamento entre PMDB e PT, explicitado na campanha presidencial, é promessa de crise nos próximos anos, à medida que as forças políticas começarem a buscar seus espaços na reorganização do poder, que todos sentem que está prestes a acontecer, a partir deste que pode vir a ser o último dos governos petistas em sequência.
O desgaste partidário vem ficando evidente nas sucessivas crises políticas em que o PT se vê envolvido desde 2005, o que reduz a expectativa de poder, que é o combustível para a manutenção da base aliada. Mesmo sendo o principal partido da base aliada, o PMDB, descobre a cada dia que perde poder de fato, embora na aparência esteja mais forte, com 6 ministérios e a vice-presidência da República.
Mas os ministérios somados não têm a verba do ministério das Cidades, e quatro são meras secretarias com nível ministerial. E o vice Michel Temer não fala com a presidente sobre coisas concretas, como a ocupação do segundo escalão, há um mês. Quando o PMDB sentiu que o novo "núcleo duro" do Palácio do Planalto, do qual exige fazer parte, estava armando um esquema político para dar mais força a partidos aliados como o PSD de Gilberto Kassab, o PROS de Cid Gomes, o PP e o PTB, que receberam ministérios importantes e com verbas, decidiu partir para a disputa novamente das presidências da Câmara e do Senado, sendo que a eleição do deputado Eduardo Cunha para a presidência da Câmara deu-se derrotando diretamente o governo.
O senador Renan Calheiros, que continua na presidência do Senado, jogou água fria ontem na comemoração da reaproximação do PT quando disse que a coalizão estava "capenga", informando que os cortes serão da ordem de R$ 80 milhões, segundo a equipe econômica comunicou ao PMDB.
Mesmo com o Congresso fragilizado pelas constantes denúncias envolvendo seus membros, o PMDB, continuando a dominar as duas Casas, tem condições de barrar iniciativas do Executivo, de propor ações concretas, de não limitar sua ação ao fisiologismo, se quiser ter um peso decisivo nas próximas eleições.
O deputado Eduardo Cunha assumiu delimitando seus poderes claramente, dando demonstrações de que a independência da Câmara em relação ao Executivo será a base de sua administração. Sinais de ter boa vontade com o governo também cabem nesse figurino, quando defendeu por exemplo a aprovação do pacote fiscal alegando que é preciso ter responsabilidade nos momentos decisivos.
Embora tenha instalado a CPI da Petrobras, Cunha acabou dando a relatoria para o PT, mas guardou a presidência para um aliado de fé, o jovem deputado Hugo Motta, da Paraíba, que até o momento está mais preocupado em marcar sua independência em relação ao governo.
Essa preocupação não é só do PMDB, mas de todos os partidos aliados do governo que têm projetos políticos de mais longo prazo, como o PSB - que já anunciou que continuará independente. O PMDB começa a mudar de posição em relação à disputa presidencial, que não disputou nos últimos anos para se tornar parceiro preferencial de qualquer governo a ser eleito.
Com isso, ao longo dos anos, perdeu uma imagem política nacional, embora domine a política regional mantendo sua estrutura enraizada por todo o país. Há cada vez mais políticos dentro do PMDB que consideram que é chegado o momento de disputar com candidato próprio a eleição presidencial de 2018, para que o partido deixe de ser vítima de sua própria estratégia política, sem condições de governar, mas imprescindível a qualquer governo.
Pela enésima vez, PMDB e PT buscam a reaproximação, mas não está fácil para ninguém. Tudo levava a crer que o jantar de segunda-feira com a equipe econômica havia selado um acordo para que o PMDB apoiasse a aprovação do pacote fiscal do governo, quando ficou claro que nem mesmo o PT está disposto a dar sua aprovação cegamente. E por que o PMDB o faria, ficando exposto às críticas da opinião pública, enquanto o PT sai de bonzinho?
O afastamento entre PMDB e PT, explicitado na campanha presidencial, é promessa de crise nos próximos anos, à medida que as forças políticas começarem a buscar seus espaços na reorganização do poder, que todos sentem que está prestes a acontecer, a partir deste que pode vir a ser o último dos governos petistas em sequência.
O desgaste partidário vem ficando evidente nas sucessivas crises políticas em que o PT se vê envolvido desde 2005, o que reduz a expectativa de poder, que é o combustível para a manutenção da base aliada. Mesmo sendo o principal partido da base aliada, o PMDB, descobre a cada dia que perde poder de fato, embora na aparência esteja mais forte, com 6 ministérios e a vice-presidência da República.
Mas os ministérios somados não têm a verba do ministério das Cidades, e quatro são meras secretarias com nível ministerial. E o vice Michel Temer não fala com a presidente sobre coisas concretas, como a ocupação do segundo escalão, há um mês. Quando o PMDB sentiu que o novo "núcleo duro" do Palácio do Planalto, do qual exige fazer parte, estava armando um esquema político para dar mais força a partidos aliados como o PSD de Gilberto Kassab, o PROS de Cid Gomes, o PP e o PTB, que receberam ministérios importantes e com verbas, decidiu partir para a disputa novamente das presidências da Câmara e do Senado, sendo que a eleição do deputado Eduardo Cunha para a presidência da Câmara deu-se derrotando diretamente o governo.
O senador Renan Calheiros, que continua na presidência do Senado, jogou água fria ontem na comemoração da reaproximação do PT quando disse que a coalizão estava "capenga", informando que os cortes serão da ordem de R$ 80 milhões, segundo a equipe econômica comunicou ao PMDB.
Mesmo com o Congresso fragilizado pelas constantes denúncias envolvendo seus membros, o PMDB, continuando a dominar as duas Casas, tem condições de barrar iniciativas do Executivo, de propor ações concretas, de não limitar sua ação ao fisiologismo, se quiser ter um peso decisivo nas próximas eleições.
O deputado Eduardo Cunha assumiu delimitando seus poderes claramente, dando demonstrações de que a independência da Câmara em relação ao Executivo será a base de sua administração. Sinais de ter boa vontade com o governo também cabem nesse figurino, quando defendeu por exemplo a aprovação do pacote fiscal alegando que é preciso ter responsabilidade nos momentos decisivos.
Embora tenha instalado a CPI da Petrobras, Cunha acabou dando a relatoria para o PT, mas guardou a presidência para um aliado de fé, o jovem deputado Hugo Motta, da Paraíba, que até o momento está mais preocupado em marcar sua independência em relação ao governo.
Essa preocupação não é só do PMDB, mas de todos os partidos aliados do governo que têm projetos políticos de mais longo prazo, como o PSB - que já anunciou que continuará independente. O PMDB começa a mudar de posição em relação à disputa presidencial, que não disputou nos últimos anos para se tornar parceiro preferencial de qualquer governo a ser eleito.
Com isso, ao longo dos anos, perdeu uma imagem política nacional, embora domine a política regional mantendo sua estrutura enraizada por todo o país. Há cada vez mais políticos dentro do PMDB que consideram que é chegado o momento de disputar com candidato próprio a eleição presidencial de 2018, para que o partido deixe de ser vítima de sua própria estratégia política, sem condições de governar, mas imprescindível a qualquer governo.