domingo, agosto 17, 2014

O invariável - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 17/08


Outro dia escutei uma mulher separada decretar o fim da mesmice: resolveu se esbaldar na vida. Disse ela que não queria mais saber de relação fixa e que saía quase todas as noites a fim de se divertir apenas. Tem conhecido muitos caras diferentes, com alguns chega às vias de fato, e é isso aí, adeus à monotonia.

Mas o olhar dela não soltava faíscas, ao contrário, parecia bem opaco.

Naquele momento, lembrei uma frase do blog de um amigo paulista, o Eduardo Haak. Ele recentemente escreveu: “Nada é mais invariável do que as supostas variedades”. De primeira, quando li, me bateu uma estranheza, fiquei na dúvida se ele estava sendo irônico ou o quê, até que, ouvindo a moça baladeira contar de seus recordes de revezamento, me dei conta de que a situação dela era ilustrativa: toda variação que se torna sistemática também é mais do mesmo.

Ou seja, nada impede que a busca de um amor a cada sexta-feira se torne uma situação igualmente sujeita ao tédio. Virar refém da variedade pode ser uma atitude tão rotineira quanto dedicar-se a uma única pessoa por anos – arrisco até dizer que, ao dedicar-se a uma única pessoa, a chance de se ter uma vida mais dinâmica dispara.

Por quantas fases passa uma relação? O frio na barriga inicial, a paixão febril, as surpresas a cada nova revelação, as descobertas feitas a dois, a aproximação dos corpos, a intimidade cada vez maior, os amigos e a família agregando-se, cada viagem uma lua de mel, a troca de confidências, as diferenças aparecendo, os acordos feitos para manter a coisa funcionando, ajustes necessários, a paixão virando amor, a segurança da companhia um do outro, as fotografias se acumulando, planos sendo feitos a longo prazo, a primeira briga, as saudades, a consciência de que aquela pessoa é essencial, o reatamento, as juras, os cuidados para que não desande nunca mais, todos os cinemas, cafés da manhã, leituras compartilhadas, risadas, os comentários de fim de festa, as piadas internas, a confiança, os cafunés, os pedidos de conselho, a hora de ser amigo, a hora de ser bandido, o sexo evoluindo, o amor se fortalecendo, a passagem do tempo trazendo novos desafios, o orgulho pelo que está sendo construído, os estouros, os gritos, os beijos de novo... ufa, alguém aí me alcança um copo d’água?

Amar não é para amadores, e quando a relação é honesta, sólida e os protagonistas têm algum tutano, duvido que o enfado dê as caras.

É a variedade de parceiros que evita o aborrecimento? Nunca funcionou comigo. Nem no amor, nem fora dele. A alucinada atualização de notícias, a velocidade das redes sociais, os dias pulsando em ritmo supersônico, tudo o que não permite foco e entrega, hoje em dia, só me causa bocejos. Aprofundar-se é que é a verdadeira vertigem.

Excesso de Estado - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 17/08


SÃO PAULO - O papel do Estado como agente regulador é simplesmente inafastável. Imagine como seria viver em cidades de milhões de habitantes sem papel-moeda, pesos e medidas uniformes e convenções mínimas, como a de que se deve trafegar pela direita da via. Libertários têm minha simpatia, mas é tolice imaginar que o Estado possa um dia tornar-se dispensável.

Admitir esse truísmo não implica aceitar que o poder público deva se meter em tudo. Economistas são rápidos em sacar múltiplas explicações para o fato de o Brasil ser um país onde as coisas são caras, mas raramente lembram da hiper-regulação.

Por aqui, donos de cinema precisam fornecer meia-entrada a estudantes e idosos, companhias aéreas têm de pagar hospedagem de quem ficou sem voo por causa da chuva e planos de saúde são obrigados a custear psicólogos, psicoterapeutas, fonoaudiólogos etc. Não tenho nada contra essas comodidades, mas elas têm custos que só quem crê que leis têm poderes mágicos não percebe que são repassados ao consumidor.

E aí parece-me muito mais razoável deixar que o cliente escolha o que quer comprar. Se ele só quer cobertura para emergências médicas, deve poder escolher um plano sem muitos badulaques e por um preço mais em conta. Se confia em são Pedro, deve poder adquirir uma passagem sem seguro contra intempéries. Não entendo por que a venda casada é um ilícito quando praticada por particulares, mas um "direito" quando imposta pelo Estado.

Essa longa introdução serve para justificar minha posição contrária à norma que obriga o comércio a não diferenciar entre pagamentos à vista e com cartão. Se o custo da segunda modalidade é maior que o da primeira, não faz sentido estendê-lo a quem paga à vista. Se o temor é o de que a "ganância dos capitalistas" leve a preços maiores para usuários de cartão, então o remédio é mais concorrência e não mais normas.


Está ferrado: ela sabe de tudo - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 17/08


Homem finge que presta atenção, já a mulher finge que não presta atenção.

Ela grava tudo o que está acontecendo.

Não precisa de câmera pela casa se você está casado.

Sua companhia não depõe as armas, não descansa os ouvidos, não perde uma conversa.

Ela lhe cuida mesmo quando é indiferente, ela lhe observa mesmo quando vira as costas, ela lhe ama mesmo quando parece não amar.

Homem realiza uma tarefa de cada vez, mulher jamais se contenta com uma tarefa.

Na aula de yoga, ela estará se alongando perfeitamente, cantando o mantra, respirando como um monge e também conferindo o estado de suas unhas, qual brecha marcará a manicure, o que almoçará, o que falta entregar do trabalho. Homem preocupado não dá conta nem de sua cãibra.

Descobrirá sua onipotência auditiva na discussão de relacionamento.

Na briga, ela lembrará o que você jurava que passou em branco. Trará o que você tinha certeza de que ela não percebeu. Comentará o que você confiava que não tinha sido registrado.

Homem acredita na impunidade de seus atos. Se aquilo não foi dito no calor da hora, então está livre do julgamento. Que nada! Não existe prescrição de crime no mundo feminino. Ainda que demore meses, anos, décadas, um dia ela vai pedir explicações.

Toda esposa é a justiça encarnada.

Se ela não falou no ato não significa que não viu, somente não quis falar.

Guardará a cena para devolver no momento certo. Seu hábito não é desmascarar uma mentira, porém preparar o flagrante.

Pode suar frio, ela sabe. Pode treinar no espelho, ela sabe. Pode forjar álibis, ela sabe. Pode ensaiar com os amigos, ela sabe. Pode esperar que ela sabe.

Mulher controla os detalhes, as palavras, revisa as frases, testa coerência e continuidade do seu raciocínio em minutos, checa seus antecedentes, cruza dados e fotos, verifica suas pequenas mudanças de comportamento, compara situações e respostas do histórico da relação.

Ela vem com um aplicativo da Polícia Federal a mais no seu DNA.

Se está distraída, esteja convicto de que está disfarçando.

Homem simula que escuta, pega a última frase que escutou e improvisa. Mulher faz o maior dos esforços para se mostrar desinteressada. Sua sensibilidade não sossega um minuto. É uma capacidade monstruosa e maravilhosa de nunca se ausentar.

É pior do que escoteiro: sempre alerta. É evidente que sua concentração absoluta tem efeitos colaterais: o estresse, a irritabilidade, as longas enxaquecas. Mas são consequências naturais para quem fica ligada dia e noite nas movimentações do amor.

Não tem como enganar uma mulher. A única chance é ela se enganar por vontade própria.

Tribunais do faz de conta - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S.PAULO - 17/08


Instrumento que se tornou vital para o controle da gastança dos políticos, a Lei de Responsabilidade Fiscal entrou na adolescência (completa 15 anos em 2015) produzindo resultados positivos: desde sua criação, em 2000, obriga presidentes, governadores, prefeitos e quem mais tem poder de manejar dinheiro público a frear o ímpeto gastador e adequar suas despesas às receitas. Apesar disso, é uma lei que segue incompleta, porque a estrutura de fiscalização dos gastos públicos não acompanhou a lei e continua com os mesmos vícios e distorções de antes, deixando o caminho livre para contas reprováveis de políticos serem aprovadas (às vezes com louvor) e para a prática de corrupção de agentes que deveriam fiscalizar e punir.

Essa estrutura é formada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e mais 33 tribunais de contas de Estados (TCEs) e municípios (TCMs), responsáveis por fiscalizar, aprovar ou rejeitar a prestação de contas de presidentes, governadores, prefeitos, empresas estatais e órgãos sustentados com o dinheiro dos impostos. Quem não se lembra do ex-governador Paulo Maluf proclamando "minhas contas foram aprovadas com louvor pelo TCE de São Paulo", quando questionado sobre o dinheiro dos contribuintes paulistas que foi parar em 20 contas da família Maluf na Suíça e na Ilha Jersey? E os casos dos conselheiros Robson Marinho (TCE-SP) e Domingos Lamoglia (TCE-DF), que respondem na Justiça por crimes de corrupção? E tantos outros (para ficar só nos casos mais recentes) dos tribunais do Rio, Bahia, Mato Grosso, Espírito Santo, Rondônia e mais sete (quase o pleno inteiro) do pobre Amapá, acusados de desviar R$ 100 milhões do tribunal?

Os erros já começam pela lei: eles são parte do Poder Legislativo, quando deveriam pertencer ao Judiciário, já que sua função é fiscalizar e julgar a gestão financeira de deputados, senadores e vereadores que se tornaram governadores e prefeitos. E o erro continua com os critérios para escolha de ministros do TCU e de conselheiros dos TCEs. Pela lei, 1/3 é escolhido pelo presidente da República ou por governadores e 2/3, pelo Congresso Nacional e Assembleias dos Estados.

Com esse modelo, obviamente, a escolha dos felizardos candidatos a ganhar, em média, R$ 37 mil (entre salário, auxílios alimentação e moradia e abono de permanência) resulta de acordos político-partidários que, invariavelmente, indicam para as vagas parlamentares aposentados ou derrotados em eleições. E o acordo, claro, contempla a regra "aprova as minhas contas que eu aprovo as tuas", já que eles fiscalizam a si próprios. O critério, escrito na lei, de possuir conhecimento jurídico e reputação ilibada vira mera formalidade na decisão da escolha, vistos os inúmeros casos em que conselheiros são acusados de receber propina em troca de decisões favoráveis a envolvidos em processos. Ah, e tem mais: os cargos são vitalícios.

A mesma equipe que concebeu a Lei Fiscal preparou, em 2000, uma proposta de emenda constitucional (PEC) propondo as seguintes mudanças nos tribunais de contas: 1) como no Judiciário, os cargos de ministros e conselheiros seriam ocupados por técnicos de carreira concursados; 2) o mandato vitalício seria substituído por mandato fixo de seis anos; 3) criar um conselho nacional para controlar e fiscalizar os tribunais de contas; 4) vedar nomeações de funcionários sem concurso público (hoje o apadrinhamento inflaciona os tribunais); 5) extinção dos tribunais de contas dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo; e 6) definir com mais rigor os critérios de notório saber e reputação ilibada na escolha de conselheiros. Obviamente, o poder dos contrariados venceu e a PEC nem sequer tramitou no Congresso.

O presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Valdecir Pascoal, reconhece o problema: "Não ganhamos confiança da população se isso não mudar, mas não posso sair por aí chutando feito um black bloc", diz, referindo-se à resistência de parlamentares e de governadores. Recente encontro da Atricon recomendou mudanças, mas sem poder de implementá-las.


Lucidez de Campos - HENRIQUE MEIRELLES

FOLHA DE SP - 17/08


A morte de Eduardo Campos tem diferentes dimensões e impactos --da tragédia pessoal de um jovem de 49 anos e pai de cinco filhos à perda de uma liderança capaz de quebrar a polarização PT-PSDB e viabilizar uma terceira via na política brasileira.

Campos era um líder que sabia conjugar políticas de inclusão social com o estímulo ao investimento, ciente de que o aumento da arrecadação de tributos gerado pelo crescimento econômico possibilita a expansão dos programas sociais, que, junto com a criação de emprego pelo setor privado, é o caminho mais eficaz para melhorar o padrão de vida da população e a distribuição de renda.

Ele defendia mais eficiência da máquina pública e declarou repetidas vezes nesta campanha que via o setor privado como o grande produtor de riqueza nacional. Por isso, pregava a adoção de regras claras, políticas transparentes e postura fiscal conservadora, elementos que dão segurança para o setor privado investir no aumento da produção e da produtividade.

Sua postura é rara no Brasil. Infelizmente, persiste em setores do pensamento brasileiro, inclusive no seu próprio partido, a crença, já superada em países de maior sucesso econômico, de que um governo com preocupações sociais precisa ser antinegócios e antimercado, prevalecendo uma visão restritiva e dirigista em relação ao setor privado --uma herança da tradição marxista de que o lucro seria uma apropriação indébita da riqueza dos trabalhadores.

O colapso do bloco soviético mostrou de forma inapelável a falência desse sistema e as limitações do Estado produtor. E estimulou a busca da eficiência econômica e da capacidade do setor privado de gerar riqueza e lucros. São eles que propiciam recursos, via arrecadação, para sustentar programas sociais, a educação e a saúde pública. E ainda financiam os investimentos geradores de empregos, que são o grande distribuidor de renda.

Apesar das evidências históricas, ainda temos na América Latina grande dificuldade com essa abordagem.

São frequentes as intervenções que vão muito além do papel regulador do Estado, com expansão de estatais e interferência no sistema de preços, entre outros.

Na década passada, o Brasil teve estabilização econômica, políticas macroeconômicas saudáveis e liberdade de investir e empreender. Elas geraram crescimento, emprego e mais arrecadação, que por sua vez permitiram ao governo implementar políticas de inclusão social eficazes e abrangentes.

Apesar de seu sucesso, parte importante do pensamento brasileiro não se convenceu. Por isso a perda de Campos, para além da tragédia humana, é tão importante do ponto de vista político e econômico.

Natureza da política - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 17/08



A política tem a capacidade de embaralhar todas as peças e derrubar as certezas. A economia tem oscilações que influenciam o rumo político, às vezes. O papel da economia pode crescer, mas determinante é a política em si mesma. Estão agora todos os candidatos andando sobre gelo fino, e qualquer erro cobrará sua conta. A campanha ficou inesperadamente tensa e difícil.

Não faz muito tempo, o marqueteiro da presidente Dilma fez a previsão que já era temerária na época e agora revela amadorismo. Segundo João Santana, a presidente iria "ganhar no primeiro turno porque ocorrerá uma antropofagia de anões. Eles vão se comer lá embaixo e ela, sobranceira, vai planar no Olimpo". Quando foi dita, a frase era arrogante. Agora, é estúpida.

Os "anões" que se comeriam "lá embaixo" seriam Marina, Eduardo Campos e Aécio Neves. Eles não se atacaram e dois deles se uniram até que a morte os separou. A presidente teve uma queda súbita de popularidade com as passeatas de junho do ano passado. Seus índices de intenção de votos rodam num nível mais baixo e nada confortável para quem contava em liquidar a fatura no primeiro turno, ainda que permaneça na frente, nas pesquisas.

O acaso acaba de fazer ao Brasil uma dolorosa surpresa. De luto, brasileiros falaram intensamente da tragédia que nos levou um precioso quadro político no momento em que ele alçava seu voo nacional. A história da República brasileira é marcada por comoções que alteraram o rumo dos acontecimentos. Historiadores e cientistas políticos mostram que a coleção dessas cicatrizes é maior do que se imagina. "Mas o Brasil é bom nas crises", disse Maria Celina D'Araújo, professora da PUC-Rio. Defendeu a tese de que nesses momentos o país cresce e surpreende.

Na economia, é assim também. Nos distúrbios agudos foram tomadas decisões difíceis. Quando a crise é crônica, como agora, a tendência dos gestores e políticos é adiar as medidas impopulares. O volume de problemas que se acumula na economia é assustador. Falarei de um só, como exemplo, porque é impossível esgotar numa coluna a lista de bombas a desarmar.

Nos últimos tempos, o governo conseguiu refazer um perigoso embaralhamento dos balanços de entes públicos. A Eletrobrás, que deve à Petrobras, pegou dinheiro emprestado no Banco do Brasil e na Caixa, para pagar apenas uma parte, e pendurou o resto. O Tesouro não tem repassado à Caixa todos os valores devidos para o Bolsa Família e o seguro-desemprego. As distribuidoras de energia elétrica, privadas, receberam empréstimos de BB, Caixa, bancos estaduais, BNDES e bancos privados em operações financeiras intermediadas por uma câmara de empresários, por ordem do governo, e tendo como garantia o aumento futuro da tarifa. O Tesouro deve bilhões ao FGTS e ao FAT. O BNDES deve R$ 400 bilhões ao Tesouro. É um emaranhado de dívidas cruzadas. Isso já ocorreu no Brasil, e o saneamento das empresas e bancos deu muito trabalho ao governo Fernando Henrique.

Quem se sente flanar no Olimpo pode achar que nada disso chega ao eleitor comum. Mas esses e outros mal feitos gerenciais minam a confiança na economia, murchando investimentos em todos os níveis. Um taxista me disse dias atrás que adiou a compra do carro novo para trabalhar porque não sabe se terá clientes. Ele vê os consumidores perdendo fôlego. Os sinais da economia se propagam dos grandes aos pequenos.

Da economia, não virá o impulso para que Dilma ganhe no primeiro turno. Ela enfrentou segundo turno até quando o PIB crescia a 7,5%, em 2010. E o ex-presidente Lula, grande encantador de plateias, também passou por isso duas vezes.

O historiador José Murilo de Carvalho conta que a República presidencialista do Brasil tem sido afetada por sucessivos eventos, trágicos ou inesperados, que alteram o cenário eleitoral. A lista é longa e vem do século XIX, mas é da natureza da política brasileira.

Estamos vivendo mais um desses eventos em que tudo mudou, exigindo novas atitudes e estratégia de todos os atores. A economia será subsidiária.

O impasse da terceirização - CELSO MING

O ESTADO DE S.PAULO - 17/08


Em vez de resolver conflitos de interesse entre trabalhadores e empregadores, a Justiça do Trabalho segue criando problemas novos. Um deles envolve as questões da terceirização, ou seja, a contratação de empresas para prestar serviços em outras empresas.

A Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), de 2011, que deve ser observada pelas instâncias inferiores, definiu que nenhuma empresa pode transferir para outras atividades que lhes são próprias (atividades- fim). Só pode terceirizar atividades-meio (serviços de limpeza, de segurança, etc. - desde que não sejam empresas de limpeza, segurança, etc.).

Um dos problemas consiste em saber o que seja, na prática, atividade-fim e atividade-meio. A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) por recurso da Celulose Nipo Brasileira S.A. (Cenibra) contra a decisão da Justiça do Trabalho, que a condenou por ter contratado empresas para cortar madeira, considerada atividade-fim da empresa pelo Tribunal Superior do Trabalho. A denúncia original foca as precárias condições dos que extraem madeira utilizada pela Cenibra.

No entanto, se a Cenibra, cuja atividade-fim é produzir celulose e não madeira, matéria-prima que pode ser adquirida de outros fornecedores, fica proibida de terceirizar corte de madeira, então nenhuma empresa agrícola poderia contratar outra empresa para executar serviço de preparo de terra ou uma especializada em aplicar defensivos agrícolas. Nesse caso, também uma montadora de veículos estaria proibida de contratar uma empresa para fornecer e montar pneus nos seus veículos? Uma editora de jornais e revistas estaria proibida de contratar outra empresa de serviços fotográficos ou de impressão?

Hoje, existem 35 mil empresas intermediárias que prestam serviços para outras no Brasil, como informa o Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros do Estado de São Paulo (Sindeprestem). O segmento, ainda não regulamentado por lei, compõe uma massa salarial de R$ 27,2 bilhões.

Como explica o diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP e ministro aposentado do TST, Pedro Paulo Teixeira Manus, há visões muito polarizadas sobre a terceirização. Há os sindicatos e juízes do trabalho que temem o que chamam de "precarização do trabalho", ou seja, a contratação de pessoal com salário mais baixo e piores condições. Mas há também uma prática já consolidada na economia que precisa de parâmetros. "A lei não pode amordaçar a economia nem o comportamento social. O monstro a combater não é a terceirização, mas sim sua má utilização", argumenta Manus.

A desembargadora aposentada Magda Barros Biavaschi, integrante do Fórum Nacional em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, defende posição mais favorável aos sindicatos: "A terceirização precariza as condições de trabalho e aprofunda a cisão da classe trabalhadora. Não aumenta a competitividade. Tanto não aumenta que o Brasil é um dos países que mais ampliaram a terceirização desde a década de 1990 e, no entanto, não aumentou a sua produtividade".

O outro lado rebate. Alexandre Furlan, vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI acredita que a terceirização é uma opção estratégica de ordenação do processo produtivo. "Sem ela, a indústria perderia mais competitividade do que já perdeu. Terceirizar não é precarizar. O que precisa ser combatido são empresas prestadoras de serviços de terceirização que não cumprem os direitos dos trabalhadores."

Levantamento da CNI, divulgado na quarta-feira passada, indica que 70% das empresas industriais brasileiras (transformação, extrativa e construção) utilizam serviços terceirizados. Ainda conforme a sondagem da CNI, mais da metade delas terceiriza montagem ou manutenção de equipamentos (56,3%) e logística e transporte (51,1%).

A questão é uma enorme fonte de encrencas. Só neste ano, tramitam no TST 16.820 processos (veja o gráfico) que envolvem apenas questões de terceirização. Projeto de lei que regulamenta a matéria (PL 4.330) está emperrado no Congresso desde 2004. O processo que tramita no Supremo espera parecer da Procuradoria-Geral da República e não tem data para sentença.


O governo FHC e o gasto social - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 17/08


O governo FHC pode ser acusado de ter cometidos erros; não pode ser acusado de ter cortado o gasto social


Em entrevista ao jornalista Josias de Souza, do UOL, no dia 2, a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, afirmou que o governo FHC "sempre cortou o gasto social". Segundo ela, a tradição no Brasil, nos governos anteriores à gestão petista, sempre foi: "Precisa fazer ajuste fiscal? Onde corta? Funcionário público, servidor público, política social".

Essa narrativa vai de encontro à que tenho construído neste espaço. Tenho defendido que os ajustes fiscais que ocorreram em 1999 e 2003 foram por meio de aumento de receita e do corte de investimentos, e nunca pela redução do gasto social.

Adicionalmente, a construção de uma sólida posição fiscal na segunda metade da década de 1990 e na primeira metade da década inaugural do século 21 resultou do contínuo crescimento da receita de impostos e contribuições, a velocidade muito superior ao crescimento do produto.

Meu entendimento é que a elevação do gasto social é permanente nas últimas duas décadas e meia, em razão do que chamei de contrato social da redemocratização, consubstanciado na Constituição de 1988 e reiteradamente renovado nos mesmos termos nos diversos pleitos eleitorais desde então.

Tenho defendido ainda que a diferenciação dos governos petistas em relação ao governo FHC encontra-se na política econômica, e não na política social. A grande distinção está no conjunto de medidas conhecidas por nova matriz econômica, como o ministro Guido Mantega nomeou e que, como argumentei em diversas colunas, é a causa maior da desaceleração da economia no quadriênio de Dilma.

Em que pesem questões ideológicas --minha narrativa pode estar enviesada por meus vínculos ao PSDB--, o debate envolve variáveis observadas. Ou seja, mesmo que as discordâncias persistam, e elas sempre existirão, não deveria haver dissenso em relação a quantidades diretamente observadas.

Ao longo do governo Collor/Itamar, o gasto social, resultado da agregação de INSS, Loas, abono salarial, seguro-desemprego e bolsas, cresceu 1,5 ponto percentual do PIB. Nos oito anos do governo FHC, cresceu 1,5 ponto; e, nos oito anos do governo Lula, outro 1,68 ponto. No primeiro triênio do governo Dilma, o crescimento foi de 1,03 ponto.

A evolução de 1991 a 2013 desse conjunto de rubricas do gasto público, cujo crescimento total no período foi de 5,71 pontos percentuais do PIB, apresenta expansão contínua como proporção do produto, com inflexão para menor na virada de 1994 para 1995, de 2007 para 2008 e novamente de 2009 para 2010, por reduções temporárias da despesa do INSS (como percentual do PIB).

A grande diferença entre os períodos é nas prioridades no interior da área social.

Na década de 1990, a prioridade foi o ataque à pobreza entre os idosos e a construção das redes públicas e universais de saúde, com o SUS, e de educação, com o Fundef. Os números que reportei subestimam o crescimento do gasto social para o período FHC, pois não conseguimos separar para os anos 1990 os gastos da União com custeio de saúde e educação dos demais itens de custeio.

A partir dos anos 2000, a prioridade passou a ser a infância, materializada, entre outros, no exitoso programa Bolsa Família. Mais recentemente, passou-se a atacar a educação superior, com Prouni e Fies (que são programas de financiamento e não aparecem no crescimento do gasto público aqui reportado), e o problema de moradia, com o Minha Casa, Minha Vida. Aparentemente, a educação pré-escolar será uma das prioridades do próximo governo, independentemente de quem ganhe a eleição.

O governo FHC poderia ter feito mais? Acho difícil que qualquer governo que vivesse as mesmas circunstâncias seria capaz de fazer mais na área social. Evidentemente esse é um ponto de vista, e não proposição baseada em variáveis observadas.

De qualquer forma, o governo FHC cometeu erros. Como afirmei em minha coluna sobre os 20 anos do Real, a política fiscal no primeiro mandato foi ruim e está na raiz das dificuldades que tivemos de sair do câmbio fixo, em 1998. E é possível que o esforço de manter o gasto social explique, em parte, a piora da política fiscal do primeiro mandato e a necessidade de encontrar novas bases tributárias no segundo.

O governo FHC pode ser acusado de ter cometidos erros, mas não de ter cortado o gasto social.

Crise e ajustes nas empresas - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

O ESTADÃO - 17/08


A indústria enfrenta uma situação cada vez mais difícil, apesar do ativismo governamental. Neste caso, o passado recente ilustra bem o que não deve ser feito: colocar na rua uma saraivada de medidas pontuais e localizadas, que não produzem efeitos perceptíveis e que custam recursos públicos.

Do ponto de vista do segmento, uma melhora da situação certamente depende de três coisas: um avanço no arranjo macroeconômico, a retomada de reformas (na qual a tributária vem, claramente, adiante) e a solução de algumas questões específicas, notadamente na problemática área de energia elétrica e de combustíveis. Também é indispensável um conjunto de regras claras e estáveis que possam permitir um avanço substancial na questão da infraestrutura.

O ajuste macroeconômico permitiria dar um horizonte para uma queda sustentada da taxa de juros, que, e sem intervenções artificiais no mercado de câmbio como as atuais, levaria a uma desvalorização cambial. Mais racionalidade na tarifação de energia completaria a primeira fase de rearranjo de preços relativos, atualmente tão fora do lugar. A partir daí, muitos investimentos poderão ser retomados

Em paralelo, as empresas, industriais e outras, que vêm enfrentando situações e mercados difíceis já há algum tempo, têm de responder com estratégias de ajustes. Estas podem ser diversas. Sem pretender ser exaustivo, e utilizando a experiência de mais de 35 anos da MB, vejo que várias rotas têm sido utilizadas. São elas as seguintes:

- Ajuste defensivo via redução de custos

- Ajuste via consolidação e ganho de escala

- Ajuste via diferenciação de produtos e nichos

- Ajuste via mudança no modelo de negócios

- Ajustes via avanço tecnológico

O chamado ajuste defensivo é a primeira reação a uma queda nos mercados e se concentra na redução de custos e de pessoal. Inclui, normalmente, uma revisão na linha de produtos oferecidos, muitas vezes reduzindo ou encerrando a produção de itens de menor margem ou de margem negativa. Neste contexto, novos investimentos e projetos são postergados. Revisões periódicas de custos são sempre bem-vindas e úteis para as companhias, uma vez que com o tempo muitas despesas se tornam desnecessárias; a imagem usual é que custos crescem como cabelo e têm, portanto, de ser periodicamente desbastados. Entretanto, o ajuste defensivo é aquele que realmente reduz o tamanho da companhia, para enfrentar uma situação mais difícil.

Se isso ocorre por um certo tempo, não existe um problema mais grave, uma vez que a empresa pode voltar a acelerar quando o mercado melhorar. Entretanto, é preciso atenção, pois a redução de tamanho da empresa pode levar a que ela acabe por ser ultrapassada pela concorrência, perdendo valor que dificilmente será recuperado. Em casos mais radicais a empresa acaba por desaparecer do mercado.

Para os leitores com alguma quilometragem, quero lembrar que esse foi o caso da G Aronson, que chegou a ser o maior revendedor de utilidades domésticas de São Paulo (devo a lembrança a Marcel Solimeo).

O ajuste via consolidação e ganho de escala é o oposto do caso descrito acima. Em muitos mercados, frente a uma situação difícil, algumas empresas mais capitalizadas ou mais ágeis vão absorvendo alguns concorrentes, ganhando escala e, com isso, a liderança dos mercados. No setor de açúcar e álcool, esse foi o caso da Cosan, hoje Raízen. A consolidação é sempre facilitada por uma crise, mas ela pode ocorrer simplesmente como resultado de um sistema mais eficiente, de produção ou de gestão, que pode resultar numa vantagem de custos. Um caso conhecido, recente, é o que ocorreu com as farmácias (Drogasil, Pharma, etc.): a constituição de uma rede permite fazer compras com menores preços, manter um estoque central menor e outras vantagens, de sorte a gerar mais resultado do que unidades isoladas.

A mesma coisa vem ocorrendo na área de laboratórios de análises clínicas, como a Dasa. Os três outros modelos de ajustes são mais sofisticados. Encolher ou consolidar implica, essencialmente, numa atividade de gestão, adequação, integração de sistemas, etc. Os mercados são os mesmos, assim como a produção.

Os outros ajustes têm desafios e riscos maiores, porque também mexem com os processos produtivos e suprimentos; além disso, os mercados podem ser diferentes, assim como os canais de comercialização. Consideremos, por exemplo, a questão dos alimentos orgânicos e sustentáveis que se contrapõem aos alimentos mais tradicionais. As exigências para a produção e certificação são enormes, necessitando de tempo, investimentos e esforço no processo de aprendizado. Os consumidores serão algo diferentes e quase que certamente, os custos e riscos serão mais elevados. Como consequência, a própria empresa muitas vezes tem de ser redesenhada. O açúcar Native é um exemplo de sucesso nesse modelo, no qual muitas tentativas não têm sido muito bem-sucedidas.

No próximo artigo trataremos das mudanças no modelo de negócios e nas questões de avanço tecnológico.

O novo grid - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 17/08
A corrida está apenas começando, o que mudou foi o grid de largada. Com essa imagem, um assessor do tucano Aécio Neves define o ambiente no PSDB a partir da nova realidade eleitoral que presumivelmente surgirá das próximas pesquisas, fortemente influenciadas pela comoção provocada pela morte do candidato do PSB à Presidência da República, Eduardo Campos.
Definida como a candidata substituta do PSB, Marina Silva deve aparecer no novo grid de largada à frente de onde estava Campos, talvez até à frente de Aécio Neves, que era o segundo colocado. Sondagens telefônicas nos últimos dias sugerem que Marina estaria empatada tecnicamente com o tucano, mas à frente numericamente. Se, mesmo assim, Aécio mantiver seu índice, é sinal de que tem votos cristalizados.

Todo o ambiente político está impregnado da tragédia, que hoje terá seu ápice no enterro em Recife, com a viúva Renata ao lado de Marina, protagonistas da nova cena eleitoral. Mesmo que não venha a ser a candidata a vice, o mais provável, Renata terá papel fundamental na campanha que recomeçará já amanhã.

Marina já deu o seu tom, ao afirmar que foi a providência divina que a tirou do avião, e que tem compromisso com a perda que Eduardo nos impõe . Na verdade, a razão de não estar no avião fatídico é bem mais prosaica e humana: ela não queria encontrar o deputado Márcio França (PSB), candidato a vice do governador tucano Geraldo Alckmin (coligação a que ela se opunha em SP) e que esperava o grupo em Santos.

Mas sem dúvida esse ar místico que envolve a ex-senadora dará à campanha o tom de escolhida pelo destino para presidir o país. Se se confirmarem as informações preliminares, Marina ganha força política para comandar uma campanha que será em tudo diferente da de 2010. Ela terá a apoiá-la partido mais bem estruturado do que era o PV, mas em compensação não terá unidade partidária no comando da campanha.

O presidente do PSB, Roberto Amaral, que foi obrigado a ungi-la candidata, terá o mesmo papel secundário do presidente do PV, José Luiz Penna, na campanha anterior, mas outros interesses partidários ao longo da campanha podem afastar os aliados de hoje, que engolem as diferenças devido à expectativa de poder que ela exibe nessa largada.

Se, porém, os caminhos da campanha a levarem a discordâncias programáticas com o que chama de velha política , ou com o agronegócio, corre o risco de ser cristianizada, ficando sem a estrutura hoje já precária. Num primeiro momento, ela representa a grande novidade, do mesmo modo que quando se uniu a Campos.

Com o tempo, o encanto do eleitorado foi se desvanecendo, e ela, que marcara 27% em uma pesquisa do Datafolha, acabou se transformando em uma possibilidade de transferência de votos para Campos que até agora não tinha se realizado.

A situação atual muda a perspectiva de Dilma, que contava ainda poder se eleger no 1º turno e agora tem pela frente um 2º turno praticamente certo. Já Aécio, que precisava de pouco para chegar ao 2º turno, terá que recomeçar a campanha dentro de uma nova dimensão. Antes, disputava com um candidato que tinha a metade de seus votos e a metade de seu tempo de propaganda eleitoral. Agora enfrentará uma candidata que, tudo indica, começa com o mesmo tamanho eleitoral e metade da propaganda, mas que é o dobro do que teve em 2010, quando fez 20% dos votos.

Aécio tem a tradição de oposição do PSDB e uma máquina partidária que até agora tem feito a diferença. Vai disputar contra duas mulheres e na condição de ser o mais desconhecido. Mas tem a vantagem de ser diferente de Dilma e Marina e ser mais próximo da figura política de Eduardo Campos, conciliador e negociador. Se Marina tirar mais votos de Dilma do que dele, há até mesmo a possibilidade, remota embora, de que o 2º turno seja contra Marina, e não contra Dilma.

Mas entrou na pista de corrida possibilidade que era quase inexistente antes, a de Marina ir ao 2º turno contra Dilma, deixando ao PSDB o papel de grande eleitor. Nas pesquisas anteriores, tanto Campos quanto Aécio cresciam muito num 2º turno contra Dilma, sendo que o tucano chegou a empatar tecnicamente com ela.

Se Marina surge na primeira pesquisa como capaz de vencer Dilma no 2º turno, torna-se automaticamente a candidata a ser vencida, condição que já foi de Aécio. A consistência dessa situação, só o desenrolar da campanha dirá.

Presença de Marina - DORA KRAMER

O ESTADO DE S.PAULO - 17/08


O candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, aponta dois movimentos imediatos no cenário eleitoral em decorrência da substituição de Eduardo Campos por Marina Silva como titular da chapa do PSB.

O primeiro, a consolidação do segundo turno. "O que era uma tendência passa a ser um fato". O segundo diz respeito às perdas e ganhos em termos de intenções de voto.

Na opinião do tucano, na largada só Marina ganha. Ele prevê que no primeiro momento, em boa parte devido ao clima de comoção, a ex-senadora talvez apareça nas pesquisas com o dobro dos índices registrados por Campos, previsão esta coincidente com as expectativas de políticos do PSB.

O senador mineiro acha que a presidente Dilma perde um pouco, ele próprio acredita que deva ter uma pequena queda nos índices ("isso vai atrasar meu crescimento"), mas imagina que a maior fonte de votos da ex-senadora esteja no grupo dos pesquisados dispostos a anular ou deixar o voto em branco.

O fato de o quadro se alterar, na visão de Aécio não quer dizer que a mudança será radical. "Não tem essa história de que o jogo ficou zerado".

Obviamente ele continua trabalhando com o cenário de um segundo turno entre ele e a presidente Dilma Rousseff, embora reconheça que a vaga agora será mais disputada. Este pensamento é traduzido assim por um companheiro dele de partido radicado em São Paulo: "Antes haveria segundo turno sem o risco de Aécio ser ultrapassado, agora já não podemos ter tanta certeza".

Voltando ao candidato, para ele a "grande incógnita" é saber como Marina vai se posicionar uma vez assumida a candidatura: se terá um discurso franca e nitidamente de oposição ao PT, a Dilma e a Lula ou se vai se concentrar em falar de si, de suas propostas e concepções sobre grandes temas de interesse nacional deixando de lado o embate mais agressivo.

E por que isso é importante? Justamente por causa do segundo turno. Aécio não se concentra na possibilidade de ter ou não o apoio pessoal de Marina. Até porque há certo consenso no PSDB de que pelo histórico de 2010 e pela personalidade dela o mais provável é que caso fique de fora da fase final não apoie nenhum dos dois concorrentes.

A preocupação do tucano é herdar o eleitorado dela. Se não na totalidade, a maior parte. Por isso a intenção dele será manter a sintonia com o eleitor de oposição, imaginando que quem escolhe Marina Silva não vota no governo.

Neste aspecto, não há mudança estratégica no rumo da campanha. A avaliação é a de que os setores do PSB próximos ao PT ficarão com Dilma e os que já têm boas relações com o PSDB em vários estados não têm motivo para romper acordos já fechados.

O que muda nesse momento e pelas próximas duas semanas é o grau de atritos. Haverá uma "baixada" de alguns decibéis no tom dos discursos. A morte de Eduardo Campos abalou a todos; até que o efeito do choque se amenize não há clima para beligerância.

Apaga a luz. Ao contrário da avaliação do presidente do PT, Rui Falcão, sobre a necessidade de a presidente Dilma se reeleger para o ex-presidente Lula "voltar em 2018", um ministro de fino tino político acha que a reeleição encerra um ciclo.

Na opinião desse integrante do primeiro escalão do governo, caso Dilma consiga mais um mandato o PT terá gastado seus últimos créditos junto ao eleitorado.

Pálida ideia. Na rodada estadual do Datafolha divulgada sexta-feira Geraldo Alckmin continua firme no patamar de 55% de intenções de votos.

O governo é considerado ótimo ou bom por 47% dos entrevistados. Mas, quando perguntados sobre quais as melhores áreas da administração, 22% responderam "nenhuma" e 24% não souberam dizer. Juntos, somam 46%.

Ou seja, o paulista vota em Alckmin, mas não sabe por quê.


Não ao voto nulo! - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 17/08


BRASÍLIA - As manifestações de junho de 2013 foram uma explosão de insatisfações. O acidente do Cessna 560 XL foi uma explosão que repõe as coisas no devido lugar.

A grande maioria dos brasileiros ou não conhecia ou tinha uma vaga ideia de quem era Eduardo Campos, este que aliados, adversários e jornalistas, antes tão críticos, agora descrevem (descrevemos) como um político excepcional e uma pessoa afável, virtuosa, de vida exemplar.

Em algum ponto entre a paixão destrutiva da eleição e a comoção endeusadora da morte, se encaixa o candidato Campos, com seus defeitos, suas qualidades e suas potencialidades. E é exatamente nesse ponto que devemos também ajustar os candidatos à nossa disposição, esses que tentam sobreviver às pressões deletérias pré-eleitorais.

O governo produz uma profusão de dados preocupantes na economia (portanto, para o futuro), mas Dilma é uma mulher honesta, bem intencionada, empenhada fazer o que julga melhor para o país.

O jeitão alegre, de festas e noitadas, gera desconfiança em relação a Aécio Neves, mas, tal como Campos, seu avô fez história e seus dois governos em Minas estão no topo dos mais bem avaliados do país.

Eduardo Jorge (PV) tem ótimos serviços prestados à saúde e à mulher. Luciana Genro (PSOL) tem o frescor dos idealistas. Até o Pastor Everaldo (PSC), goste-se ou não, representa um forte segmento.

E vem aí Marina Silva, com um carimbo conservador, mas a promessa de um "novo jeito de fazer política" e de um país equilibrado entre o crescimento econômico e a distribuição mais equitativa do bem-estar. Se preferirem, entre PSDB e PT.

A prateleira de opções é rica, variada e expõe os melhores produtos do mercado político. Depende de você, eleitor, escolher o melhor para o país e o futuro. A crítica é construtiva, a descrença é estéril.

Como pregou Campos, "não desista do Brasil!". Não ao voto nulo!

Da utopia à realidade - JOÃO BOSCO RABELLO

O ESTADO DE S.PAULO - 17/08


A síntese que melhor definiu o drama político do PSB e da ex-senadora Marina Silva foi do ex-secretário de Meio Ambiente de Pernambuco, Sérgio Xavier, para quem "é hora de chorar e trabalhar ao mesmo tempo".

Possivelmente essa dura realidade removeu parcialmente o constrangimento do partido e, ao final, da própria Marina, para que o passo incontornável de consolidá-la candidata em substituição a Eduardo Campos fosse dado antes dos rituais de despedida do ex-governador.

O que isso determina, por ora, é a garantia de um segundo turno, muito embora ele já fosse dado por certo antes da tragédia, pela lógica da soma dos votos dos candidatos de oposição no cenário de queda da candidata Dilma Rousseff.

O raciocínio que leva a esse prognóstico se baseia no maior patrimônio eleitoral de Marina, mas desconhece que o ex-governador ainda iniciaria a campanha na televisão, que além de torná-lo mais conhecido, o vincularia à ex-senadora, consolidando a transferência de votos que se estimava desde a aliança que os uniu.

O dado novo é a tragédia que ganha justificadamente tom emocional e molda o cenário em que a adversidade não subtrai, mas soma. Eduardo se vai, mas deixa o sonho de um novo país que embalará a campanha da coligação.

Não há dúvida do impacto dos acontecimentos para as candidaturas de Dilma Rousseff e Aécio Neves. No primeiro caso, dissipa-se a esperança, ainda que tênue, da vitória no primeiro turno. No segundo, está ameaçada a liderança que o garantia como representante da oposição no segundo.

De imediato, Aécio é o mais atingido se considerada a votação de Marina em 2010, quando teve desempenho melhor nas regiões onde o PSDB se mostra mais forte que o PT. Mas Dilma pode sofrer duro revés com a migração para Marina dos votos brancos e nulos atraídos pelo discurso do novo.

Nesse contexto, profecias estão desautorizadas, mas as especulações são naturais. E nos últimos dias elas incluíram mesmo a possibilidade de um segundo turno sem governo, hipótese baseada na previsão de um efeito avassalador da tragédia política.

O enredo, no entanto, se desenvolverá passo a passo, como impõem as circunstâncias. As chances de Marina serão tanto maiores quanto à sua capacidade de agregar a coligação que tinha em Campos seu poder moderador.

É um desafio ao equilíbrio da ex-senadora, se considerada a necessidade de assimilar que sua "nova política" começa pela convivência com a velha, posto que transformação é processo. O que testará sua capacidade de conciliar utopia e realidade nas doses certas.

O PR-AFA de Eduardo Campos acertou Dilma - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 17/08


Se Aécio também foi atingido, é uma dúvida, mas o dano causado à campanha do PT é uma certeza


A conta é simples: em agosto do ano passado, antes de ter o registro de seu Rede negado pelo Tribunal Superior Eleitoral, Marina Silva tinha 26% das intenções de voto na pesquisa do Datafolha. Tendo-se abrigado no PSB, acabou numa chapa que era encabeçada por Eduardo Campos. Há um mês, tinham 8%.

Os números de uma nova pesquisa do Datafolha estarão nas ruas nos próximos dias. Partindo-se dos 8%, somando-se o efeito da comoção provocada pelo acidente do jatinho PR-AFA, ela poderá surpreender. Para que Dilma saia incólume, qualquer ponto percentual que vá para Marina precisará sair do acervo de Aécio Neves, e essa hipótese é absurda. Dilma certamente perde quando fortalece-se a possibilidade de um segundo turno. Se Aécio Neves perde algo com a nova situação, é uma dúvida.

Manejando-se apenas percentagens vai-se a lugar nenhum. Falta saber o que Marina proporá para transformar preferências em votos. No primeiro turno de 2010 ela teve cerca de 20 milhões de votos (19,33%). Até agora, o programa de sua chapa foi ralo e confuso. Fala em "eixos programáticos", "brasileiros socialistas e sustentabilistas", "borda de desfavorecidos", "democracia de alta intensidade", em "ampliar a dimensão dos controles ex post frente à primazia dos controles ex ante". Propõe plebiscitos e "um novo Estado". Isso pode dar em qualquer coisa.

Com dois minutos no programa eleitoral gratuito contra 11 de Dilma e quatro de Aécio Neves, só as redes sociais e a internet poderão socorrê-la. Tomara que isso aconteça e que ela ponha carne no feijão. A ideia de uma candidata a líder espiritual reconforta o eleitor desencantado com a polaridade PSDB-PT, com seus mensalões mineiro e federal. Para o primeiro turno isso é um bálsamo. Para o segundo, uma aventura.

TIRO NA DOUTORA

Na quinta-feira o presidente do PSB, Roberto Amaral, anunciou que o partido só decidiria a substituição de Eduardo Campos depois do seu sepultamento.

O PSB é soberano, mas, se alguém no Palácio do Planalto acreditou que, derrubando-se Marina Silva dentro da grande área ajuda-se a doutora Dilma, enganou-se.

O efeito da jogada seria um pênalti contra a meta de Dilma. Quem derruba jogador sempre espera que o juiz não veja o lance. No caso, os juízes serão os eleitores, sobretudo os indecisos ou parte daqueles que pensavam em anular o voto.

DILMÊS

Levando um texto escrito e falando da tribuna do Palácio do Planalto, a doutora Dilma tratou do desaparecimento de Eduardo Campos e disse o seguinte:

"Uma morte tirou a vida de um jovem político promissor".

JOSÉ DIRCEU

Pelas suas contas, o comissário José Dirceu acredita que em outubro deixará o regime semiaberto, dormindo em casa.

Felizmente, tanto ele como José Genoino abandonaram o comportamento teatral que exibiram no dia em que se apresentaram à prisão. Ambos de punho cerrado, e Genoino envolto numa cortina que servia-lhe de manto para sabe-se lá o quê.

FRITURA DE OBAMA

Outro dia Hillary Clinton deu uma entrevista atirando na testa do companheiro Barack Obama.

O casal Clinton mostrou que pretende esfolá-lo. Se Hillary acerta nas testas, Bill corta jugulares. Em novembro realizam-se eleições parlamentares e tudo indica que os republicanos mantêm a maioria na Câmara e arriscam levar também o Senado.

Os Clinton querem distância desse legado.

BOMBAS ATÔMICAS

Começou a contagem regressiva para os 70 anos das manhãs em que os Estados Unidos jogaram duas bombas atômicas sobre duas cidades japonesas, em agosto de 1945.

É uma grande história diplomática, industrial, tecnológica e militar. Está na rede o livro "Hiroshima Nagasaki - The Real Story of the Atomic Bombings" ("A História Real dos Bombardeios Atômicos"), do jornalista australiano Paul Ham. Sai por US$ 16,99. Cada aspecto da carnificina vale um livro, mas Ham conseguiu juntar todos num só. Era um tempo em que o presidente da Dupont relutava em participar da produção da bomba. Tendo aceitado construir a usina que produziria o plutônio que explodiu em Nagasaki, estabeleceu que a empresa não ganharia um tostão com isso.

Narrativa emocionante, sustenta que o uso das bombas em cima de duas cidades foi uma demasia. Coisas da vida. Passados 70 anos, muita gente pensa assim. Em 1945 ocorria o contrário, e a tardia rendição do Japão foi festejada em todo o mundo.

RECORDAR É VIVER

Rompimentos e alianças políticas são coisas fugazes, mas Eduardo Campos, falando da sala em que seu avô recebeu os militares que o prenderam no dia 1º de abril de 1964, informou a Lula que não pretendia mais ter relações políticas com ele.

ESPIRAL

O ministro Ricardo Lewandowski assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal e imediatamente vestiu o manto de presidente do sindicato dos magistrados.

Defendeu um aumento salarial para os juízes usando uma expressão capaz de assombrar Lula e a doutora Dilma. Segundo ele, há no Brasil uma "espiral inflacionária".

VIERALVES, O VANDERBILT DA UERJ

Em plena campanha eleitoral, caiu em cima da candidata a deputada federal Benedita da Silva a denúncia de que em 2010 dois de seus filhos, funcionários da Câmara Municipal desde 1987, foram pendurados na folha de pagamento da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Faturaram R$ 143 mil.

À primeira vista, isso faz parte do tiroteio da campanha. Olhando-se bem, há meses a comissária Benedita, seus dois filhos e mais o reitor da Uerj, companheiro Ricardo Vieiralves de Castro, sabiam que estavam encrencados. O caso estourou agora porque não foi esclarecido direito enquanto era investigado pelo Ministério Público. Os dois filhos da deputada ficaram lotados no gabinete de Vieiralves. Diligências revelaram que eles lá não iam e em seus depoimentos deram explicações contraditórias a respeito de serviço que faziam. Os dois, mais Vieralves, tornaram-se réus na 1ª Vara da Fazenda Pública, acusados de improbidade administrativa. Benedita, não.

Filhos de maganos pendurando-se em Câmaras Municipais e transferindo-se para outras paragens são costumes antigos. Quando esse abrigo é uma universidade, dá pena. Quando nela é o gabinete do reitor, dá raiva. Desde que o processo foi aberto a Uerj manteve solene silêncio. Em busca da posição da universidade, no dia 12 os repórteres Cassio Bruno e Fábio Vasconcelos enviaram-lhe uma mensagem com perguntas. Passados dois dias depois, Vieiralves não se dignara a responder. O doutor pegou a linha de Alice Vanderbilt, a milionária americana que entrou no carro, disse o nome da dona da casa onde ia jantar, percebeu que o motorista tomou um caminho errado, mas ficou calada. Ela não falava com criados. Com uma diferença, madame Vanderbilt cuidava do dinheiro dela. Vieralves mexeu com dinheiro da Viúva.


Apaga-se a estrela da geração pós-64 - GAUDÊNCIO TORQUATO

O ESTADÃO - 17/08



O imprevisível ronda o planeta da política. Quando menos se espera, chega devastador, trazendo consigo o poder de gerar perplexidade, assustar, causar comoção. Poder que se expande às alturas quando o ator é um candidato ao posto mais alto da Nação, esbanjando jovialidade, vitalidade, dinamismo, confiança e desaparece de cena, vitimado por uma tragédia aérea. A morte de Eduardo Campos, no fatídico 13 de agosto (o mesmo dia em que faleceu seu avô Miguel Arraes, em 2005) é um forte golpe na fisionomia política brasileira, eis que o perfil do ex-governador, estruturado sobre uma sólida, coerente e vitoriosa carreira pública, reunia potencial para puxar o cordão de mudanças no processo político nos próximos anos. Um quadro da geração pós-64 (nasceu em 1965), alimentava um sonho, confessado a este escriba, há cerca de dois anos, em Comandatuba, na Bahia, por ocasião de um evento reunindo empresários e políticos.

Dizia: “Meu sonho é reunir a geração pós-64 (chegou a citar alguns nomes de grupos e partidos diferentes), fazermos uma grande aliança e tomar as rédeas do país, deixando os nossos mais velhos, que já deram sua cota de sacrifício, descansando com sua aposentadoria”. O tom da conversa, incisivo, não deixava dúvidas. Campos achava viável agrupar os representantes de sua geração, compor um formidável programa de mudanças, realizar um pacto com o sistema produtivo e incentivar o ingresso dos jovens na política. A mudança dos costumes políticos tinha de vir de baixo, pela via da formação da juventude, e não por decreto. Ele mesmo, em Pernambuco, diferentemente da escola de seu avô, implantara uma metodologia de gestão voltada para resultados e promovendo, segundo ele, “revolucionária” política educacional. Parecia comprometido com um diferenciado modus faciendi na administração pública. O fato de ter procurado Marina Silva para compor sua chapa, na condição de candidata a vice-presidente da República, revela a inclinação por perfis inovadores, mesmo sabendo que o escopo da sustentabilidade, defendido com vigor pela ex-senadora, constitui um cardápio pouco palatável ao gosto das massas. A parceria construída expressava avanço e coerência. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, a semente da sustentabilidade haveria de frutificar, na onda da conscientização sobre o planeta sustentável.

Dito isto, vem a interrogação: e agora, o que acontecerá com a moldura eleitoral, saindo o terceiro grande competidor do pleito presidencial? A primeira resposta parte da ideia de que a comoção com o seu repentino desaparecimento, a partir de Pernambuco, deverá se estender até as urnas. Veremos, pois, um forte voto emotivo, ao lado da escolha racional, este que encontra guarida na cabeça crítica do eleitor disposto a não mais se deixar levar pelo “lero-lero” eleitoreiro. Em segundo lugar, a confiança de Eduardo Campos em Marina Silva, opção que fez questão de bancar contra forte resistência de alas do PSB, a credencia para ser sua substituta. O partido teria de indicá-la candidata da legenda e ela, sob empuxo das correntes comovidas que banharão o território, ganhará ampla visibilidade, suprindo o estreito espaço na mídia eleitoral(menos de dois minutos).

A natural locução nas ruas e os debates midiáticos formarão ondas de redundância, alçando-a ao primeiro plano da imagem. Sob o manto estético da evangélica Marina estará visível a imagem exuberante de Eduardo Campos, formando um sistema de signos na cabeça do eleitor. É razoável supor que o voto será carreado por dois fenômenos da psicologia, a identificação e a projeção, com os quais os olimpianos e ídolos atraem a atenção das massas.

Será essa carga simbólica suficiente para alterar profundamente o quadro eleitoral? Vai depender do humor social mais adiante. E isso tem a ver com a economia. Algumas hipóteses se apresentam. Se Marina assumir a posição do titular, a maior parcela de votos de Eduardo migrará para ela. Pode, até, vir a encostar em Aécio, reforçando a tese do segundo turno. E se ela não for indicada pelo PSB ou não aceitar? Nesse caso, o PSB perde a condição de Terceira Via, pelo fato de rejeitar o único nome capaz de galvanizar apoios. Marina, por sua vez, se recolheria ao silêncio. Parcelas do eleitorado iriam para o tucano Aécio e para a presidente Dilma. Ao contrário, se Marina substituir Campos, a urna governista terá menos votos. Veríamos, ainda, remodelagem dos discursos e da agenda de candidatos. Sob o véu da perplexidade que cobrirá as próximas etapas da campanha, os candidatos se obrigariam a ser mais contritos, menos extravagantes, mais comprometidos com ideias, menos propensos às firulas. O fato é que a morte de Eduardo Campos mexe com o ânimo de múltiplas plateias, inclusive a que não o admirava. Identificou-se com as marcas da boa gestão na administração pública.

Resta, ao final, a impressão de que o país perde uma das alavancas de sua modernização institucional. Não por seus feitos em Pernambuco, restritos a quem acompanhou a administração, mas pelos potenciais que reunia e que tencionava usar. Seria forte candidato em 2018, caso não fosse vitorioso este ano. Era a estrela de seu partido. Não há perfis à sua altura ou nomes capazes de pegar o bastão que ele empunhava. Não deu tempo de formar quadros, uma de suas metas. Se o leit-motiv da política é despertar a esperança que dorme na cabeça dos cidadãos, a morte trágica do ex-governador de Pernambuco bate no coração das pessoas como um desalento. Esgarça-se mais uma bandeira da esperança, expande-se a descrença. E assim, a campanha mais contundente de nossa contemporaneidade perde um dos seus três maiores guerreiros. O fato é que, se quiser preservar parte do seu legado, o PSB terá de pedir à Marina para segurar a onda e viabilizar a Terceira Via. Qualquer outro caminho será mais estreito.

Investigação com bom senso - FABIO MEDINA OSÓRIO

O GLOBO - 17/08


Projeto que fortalece MP para investigar autoridades revela uma insustentável desconfiança em relação ao Judiciário, como se este fosse responsável por impunidade



Tramita no Senado projeto de lei que fortalece sobremaneira o Ministério Público para investigar autoridades e altera o alcance da atual Lei de Improbidade Administrativa (8.429/92), que completou 22 anos no início de junho. Trata-se de projeto de lei do Senado (PLS) 286, de 2012, que propõe alterações na legislação para facilitar o acesso do MP a dados sobre patrimônio e rendimento das pessoas alvejadas por esse tipo de investigação.

Conforme o texto, de autoria do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), o acesso do MP a tais dados passaria a ser feito em tempo real, permitindo a promotores e procuradores da República fazer consultas sobre a evolução patrimonial e rendimentos dos agentes públicos investigados. O texto original exigia autorização judicial para essa providência.

A matéria foi ao crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e já obteve parecer favorável do relator, o senador Pedro Taques (PDT-MT), ex-procurador da República. Nesse contexto, Taques apresentou emenda ao texto, permitindo, na lei, que a autorização possa ser obtida por meio de acordos de cooperação e convênios a serem firmados entre o MP e órgãos da administração tributária.

Aumenta, pois, o campo da atuação entre as instituições. Taques ainda sugeriu, em sua emenda, que o acesso aos dados seja ampliado, também, para cônjuges, filhos e demais dependentes econômicos dos agentes públicos acusados de improbidade.

Segundo o último balanço do Cadastro Nacional de Improbidade, alimentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram condenadas nestes 22 anos de vigência da lei quase oito mil pessoas. No total, estes números consistiram em 6.578 condenações em ações nos Tribunais de Justiça e 1.253 nos Tribunais Regionais Federais, desde o início da vigência da Lei 8.429/92.

Tais condenações incluem, além da suspensão dos direitos políticos e da perda da função pública, o pagamento de R$ 2,11 bilhões entre ressarcimento do dano causado à administração pública, perda de bens e pagamento de multa civil.

Não há estatísticas qualitativas apontando a tipologia das condenações, e muito menos análises detalhadas a respeito das causas de improcedências. Não se pode afirmar, portanto, se o quantitativo apontado neste banco de dados resulta significativo, satisfatório ou inadequado à realidade do Brasil.

Acontece que, por força da Constituição de 1988, o acesso a dados fiscais e tributários que envolvem a privacidade da pessoa humana ou jurídica só pode ocorrer através de ordem judicial. Ampliar os poderes do MP neste espectro de vida íntima e privada de pessoas físicas ou jurídicas necessita de reforma constitucional, o que poderia ser feito por emenda à Constituição.

Não me parece razoável nem ajustado ao texto constitucional outorgar ao MP, por projeto de lei, poderes de acessar diretamente dados bancários, fiscais ou tributários de pessoas investigadas. Não há razão alguma para que o Congresso abdique de seus poderes de alteração constitucional. O que resulta realmente inviável seria alterar a Constituição por meio de projeto de lei, quando se sabe que a Constituinte de 1988 previu numerosas hipóteses de quebra de sigilo por ordem judicial e garantiu direitos fundamentais à privacidade, intimidade e reserva de informações nas áreas fiscal, tributária e bancária.

Esse tipo de projeto revela uma insustentável desconfiança em relação ao Poder Judiciário, como se este fosse responsável por algum tipo de impunidade no país. Não se pode aceitar tal insinuação. Veja-se que o MP dispõe do inquérito civil, poderoso instrumento investigatório. No entanto, poucos cursos de investigação existem nos mais diversos Ministérios Públicos do Brasil, e não me consta que os editais de concursos contenham matérias relacionadas a poderes investigatórios, ou a ciência da investigação. Talvez por esse caminho se expliquem eventuais lacunas punitivas. Não cabe ao legislador mudar ambiente constitucional.

A REVOLUÇÃO DO BEM - PERCIVAL PUGGINA

ZERO HORA - 17/08


Há poucos dias, o Datafolha divulgou pesquisa sobre o grau de confiança da sociedade em suas instituições. No topo, apesar do sistemático empenho de alguns jornalistas, partidos políticos e seus militantes em desacreditá-las, estão as Forças Armadas. No pé da lista, os partidos políticos. O processo eleitoral em curso, portanto, se trava entre instituições cujas atividades são exercidas num ambiente de desconfiança generalizada. Também, pudera! A toda hora, as instituições de Estado se revelam lesivas ao interesse público. Os eleitos, feitas as devidas exceções, dão sinais de crer que seus mandatos constituem uma espécie de patrimônio pessoal, a ser usada comercialmente. Rotos e descozidos atracam-se em disputas num molde institucional que só agrava os próprios males.
Não surpreendem, pois, as opiniões emitidas pelos eleitores. Quanto mais aumenta o número de partidos (em nome de uma suposta representatividade das minorias na qual todos resultam minoritários), mais a colheita de lideranças para a elite política nacional perde qualidade. Quando morre alguém com o perfil de Eduardo Campos, vai-se um dentre tão poucos que se abre um rombo no quadro dirigente do país! Por outro lado, nas últimas décadas do século 20, o assassinato de reputações tornou-se um meio de ação política usado sem escrúpulo, com duplo objetivo: o crescimento do partido autor dos disparos e a morte política de seus adversários. Quando entramos no século 21, num país onde todas as legendas eram tradicionais e iguais entre si, o inconsciente coletivo registrava a existência de apenas um partido diferente _ probo e virtuoso como almoxarife de convento. Bastou uma década para que esse mesmo partido cometesse suicídio moral. Na degradação do Brasil contemporâneo, Getúlio Vargas dispararia contra o próprio peito uma vez por semana.
O que mais surpreende nesse contexto é a inércia das elites partidárias. Elas apostam na perenidade do modelo que as acolhe e beneficia. Confiam na imutabilidade de suas perniciosas rotinas. Amam de paixão essa concentração de poder e de recursos fiscais em Brasília. Dane-se a Federação! Danem-se Estados e municípios! Pouco importa que tamanha concentração de poder e grana atraia tantos bandidos!
Nesta eleição, se for preciso, ensine a seu candidato que as melhores democracias confiam as chefias de Estado e de governo a diferentes pessoas. Diga-lhes que militantes partidários nada têm a fazer na Administração Pública, nas estatais, nas relações exteriores. Vote pela liberdade, pela vida, pelos valores com V maiúsculo. Vote pela revolução do bem.

Sobre credibilidade - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 17/08
O que define a importância de um veículo de comunicação, daquilo que podemos chamar genericamente de Imprensa - inclusive com sua extensão na internet -, importância essa traduzida em quantidade e qualidade de leitores, ouvintes e telespectadores? A resposta é simples e óbvia: credibilidade. A mídia impressa e a programação jornalística de emissoras de rádio e de televisão só conquistam leitores, ouvintes e telespectadores na medida em que esse público acredita que lhe estão sendo oferecidas notícias e informações corretas e opiniões relevantes e úteis..

A credibilidade de um veículo de comunicação resulta da avaliação feita pelo público de sua capacidade de apurar e de divulgar notícias com isenção e objetividade, prestar informação precisa e confiável sobre assuntos de interesse e oferecer opinião fundamentada sobre questões relevantes, sejam opiniões divergentes que ajudem a esclarecer temas controversos, seja a opinião própria do órgão de comunicação, esta claramente exposta em espaço editorial claramente definido.

Cumpridos todos esses requisitos que a habilitam - com seu trabalho de noticiar, informar e opinar - a exercer algum tipo de influência sobre a opinião pública, a Imprensa passa a ser um estorvo para os poderosos mais preocupados com o poder do que com qualquer outra coisa. E é exatamente nesse momento que ela cumpre, em toda sua amplitude, o papel talvez mais importante que lhe cabe numa sociedade democrática: fiscalizar o poder público, cobrar-lhe promessas, denunciar malfeitos, alertar sobre ameaças ao bem comum. Possibilitar, enfim, que o eleitor saiba o que está sendo feito com seu voto, que o cidadão conheça o que está sendo feito em seu nome e com o seu dinheiro.

É por essa razão que, para ter credibilidade, a Imprensa deve, por princípio, manter uma postura de distanciamento crítico dos poderosos. Mesmo que haja alinhamento ideológico ou programático com os governantes de turno, a sociedade espera que os veículos de comunicação estejam permanentemente dispostos a apurar e a denunciar eventuais desvios de rota ou de conduta. Fora disso, o que existe é Imprensa "chapa branca", cuja credibilidade se esgota nos limites dos interesses políticos dos governantes.

Não é sem razão, portanto, que, no momento em que as eleições passam a apresentar uma ameaça ao projeto de poder do lulopetismo e a Imprensa, além de cumprir seu papel fiscalizador, ecoa o sentimento nacional de frustração diante da marcha à ré geral que o atual governo impôs ao País, o comando da campanha reeleitoral de Dilma Rousseff reforça a decisão estratégica de concentrar seus ataques na "mídia derrotista e pessimista" que se recusa a alardear as realizações da era petista. Por intermédio do Instituto Lula, foi lançado um novo site, "O Brasil da Mudança", que oferece a todos os brasileiros a oportunidade de fazer uma incursão pelo universo onírico dos 12 anos de reinado de Lula e de sua criatura.

No evento em que, em Brasília, ambos anunciaram o novo site que, segundo Dilma, "vai ajudar a gente a enfrentar o derrotismo e o pessimismo" da mídia, Lula fez blague e as habituais referências debochadas à Imprensa: "Não é para pedir que falem bem. A gente só quer, pelo menos, que as pessoas sejam honestas no tratamento da cobertura". Ou seja, que a mídia em geral se comporte exatamente como as emissoras de rádio e de televisão oficiais, nas quais o noticiário, pago com recursos públicos, é tão honesto que tem uma credibilidade perto de zero, como demonstram os índices insignificantes de audiência de que desfrutam.

Esse é um problema para o qual o PT tem solução: a "democratização da mídia". Nenhum petista, nem mesmo Franklin Martins, o maior defensor da ideia, se deu ao trabalho de explicar o que entende exatamente por mídia "democrática". Mas dá para imaginar do que se trata, a partir da veneração de petistas pelo modelo cubano, no qual a imprensa é monopólio estatal, e seu reverente entusiasmo pelos regimes bolivarianos, que sufocam a liberdade de expressão.

Menos mal que Dilma se mantém firme na decisão, tomada logo após sua posse no governo, de engavetar o projeto urdido por Martins sob o olhar complacente de Lula, de quem era ministro de Comunicação Social.

Os sinais de que o futebol brasileiro precisa mudar - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 17/08


Clubes endividados, estrutura defasada, falta de organização, êxodo de jovens talentos são evidências de uma realidade que reclama reformas radicais



Do time do Fluminense que há apenas dois anos conquistou o Brasileirão, cinco jogadores já não estão no clube. Apenas dois foram formados em Xerém. Ano passado, o Flamengo ganhou a Copa do Brasil com uma equipe que também foi desmontada, igualmente parca de talentos feitos em casa. Já da formação do Vasco campeã da Copa do Brasil em 2011, não sobrou um único nome em São Januário (que levava só uma ligeira vantagem sobre os rivais no total de jogadores saídos da base).

A estes números, pelos quais respondem três grandes clubes do Rio, mas que não diferem da grande maioria das equipes brasileiras, soma-se o que, longe de ser uma curiosidade, evidencia uma preocupante tendência: da lista de 22 jogadores com idade olímpica divulgada pelo técnico Alexandre Gallo para disputar amistosos no Catar, metade joga em times estrangeiros. Ou seja, jovens com menos de 21 anos, pinçados das divisões de base de clubes brasileiros, saíram do país e destacam-se lá fora sem que aqui tenham disputado um único jogo como profissionais.

São exemplos que, conjunturalmente, ajudam a explicar a pífia participação da seleção na recente Copa. Mais do que isso, fornecem preocupantes indicações sobre as raízes da debacle estrutural — que se reflete em graves falhas de organização — do futebol brasileiro. No país pentacampeão do mundo, os grandes clubes desmontam equipes vitoriosas logo após a conquista de títulos importantes. Perde-se a identidade do atleta com a agremiação, e jovens talentos, mal despontam nas divisões de base, vão brilhar no exterior por absoluta impossibilidade de o mercado nacional competir com outras praças, mais bem organizadas, rentáveis e que promovem competições bem sucedidas em público e finanças.

Como se chegou a tal encruzilhada, não chega a ser um mistério: clubes mal administrados, dirigentes que os tratam como feudos ou extensão de seus negócios particulares (inclusive políticos), desatenção, enfim, com os princípios da organização. Como resultado, as agremiações, responsáveis pela formação dos atletas, estão afundando numa dívida bilionária, e negociam seus talentos, cada vez mais jovens, para pagar contas do mês — algo como vender o almoço para pagar o jantar.

Reportagem do GLOBO de domingo passado mostrou como os clubes, além de gramarem uma situação financeira insustentável, não se adequaram aos novos tempos. Os olheiros de ontem hoje atuam como caça-talentos, dos quais se exige mais do que jogar futebol. Acena-se a garotos de 14, 15 anos com a possibilidade de fazer fortuna em outro país antes de completarem 20 anos, muitas vezes um canto da sereia, mas uma realidade para a qual o Brasil não pode simplesmente fechar os olhos. Como se vê, os 7 a 1 da Alemanha não foram um desastre pontual; a humilhação na Copa talvez tenha sido o sinal mais forte de que há muito o que mudar nos campos do país.

Por este cenário é que se requer a aprovação da Lei de Responsabilidade do Esporte.

Alternativas da Justiça - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 17/08


Presidente eleito do STF e do CNJ acerta ao apontar necessidade de desafogar o Judiciário, estimulando mecanismos extrajudiciais


Eleito para presidir o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelos próximos dois anos, o ministro Ricardo Lewandowski sinalizou, na última quinta-feira (14), que sua gestão à frente do Poder Judiciário terá como uma de suas marcas o estímulo aos meios alternativos de solução de conflitos.

Há, de fato, enorme descompasso entre a estrutura judiciária nacional e o número de ações a ela submetidas. São, como calculou Lewandowski, "quase 100 milhões de processos em tramitação para apenas 18 mil juízes, dos tribunais federais, estaduais, trabalhistas, eleitorais e militares".

Na opinião do ministro, a situação decorre de uma certa mentalidade vigente no universo jurídico brasileiro, segundo a qual "todos os conflitos e problemas sociais serão resolvidos mediante o ajuizamento de um processo".

O resultado é conhecido: juízes assoberbados e uma Justiça que, pela sobrecarga, demora demais a dizer quem tem razão em uma controvérsia. A lentidão custa caro não só às partes diretamente envolvidas mas também ao país, incapaz, por exemplo, de oferecer um ambiente atraente para os negócios.

Felizmente, avolumam-se os sinais de que os operadores do Direito dão conta do esgotamento dessa visão tradicional da profissão. Em artigo publicado nesta Folha, Marcos da Costa, presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, defendeu maior estímulo às vias de negociação que dispensam a interferência do Judiciário.

Enquadram-se nessa categoria mecanismos como a mediação e a conciliação --em que os próprios envolvidos buscam um acordo--, além da arbitragem, em que as partes se submetem à opinião de especialistas no assunto e aceitam a decisão por eles emitida.

Todos esses instrumentos já vinham sendo estimulados por Joaquim Barbosa à frente do CNJ. É alvissareiro, por mais desavenças que o recém-aposentado ministro e Lewandowski tivessem, que prevaleça a orientação institucional desse órgão de importância crescente na organização da Justiça.

Se quiser dar uma contribuição específica nessa seara, Lewandowski poderia expandir os esforços para que também o Estado brasileiro, em todas as suas figuras jurídicas, use os meios alternativos nos processos de que é parte.

Afinal, não há como desafogar o Judiciário sem considerar o peso do maior litigante do país --o poder público está em 51% dos processos em tramitação nos tribunais.

Convite ao conflito - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 17/08


Decisão do STJ em solicitação de intervenção federal agrava a insegurança jurídica e acirra os ânimos no campo



No dia 6 de agosto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou o acórdão de uma decisão tomada no início de julho, em que a corte negou um pedido de intervenção federal no Paraná, em um caso que envolve a reintegração de posse de uma área invadida anos atrás pelo Movimento dos Sem-Terra (MST). É uma decisão que, analisada com cuidado, abre perigosos precedentes.

Em 2008, o Sítio Garcia, propriedade de 58,50 hectares integrante da Fazenda São Paulo, no município de Barbosa Ferraz, foi invadido pelo MST pela segunda vez em dois anos. Os proprietários pediram na Justiça a reintegração de posse, concedida ainda em 2008, por meio de liminar, e confirmada em maio de 2011 por sentença de mérito – mas que até hoje não foi cumprida. Em 2012, os proprietários foram ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) solicitando intervenção federal no estado, baseados no artigo 34 da Constituição Federal, que prevê intervenção em caso de descumprimento de decisão judicial. O TJ-PR reconheceu a omissão do poder público e remeteu o caso ao STJ.

No STJ, o relator do processo, ministro Gilson Dipp, pediu o indeferimento do pedido de intervenção. Em seu voto, argumentou que “parece manifestar-se evidente a hipótese de perda da propriedade por ato lícito da administração, não remanescendo outra alternativa que respeitar a ocupação dos ora possuidores como corolário dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana; de construção de sociedade livre, justa e solidária com direito à reforma agrária e acesso à terra e com erradicação da pobreza, marginalização e desigualdade social”, ou seja, só restaria aos proprietários resignar-se a perder a área e receber indenização do governo federal, tivessem ou não interesse em negociar o sítio. O voto de Dipp foi seguido por todos os ministros presentes à sessão de 1.º de julho.

O acórdão, publicado na semana passada, afirma que uma eventual reintegração de posse seria um “ato do qual vai resultar conflito social muito maior que o suposto prejuízo do particular”, pois já haveria quase 200 sem-terra na propriedade; além disso, afirma que, “pelo princípio da proporcionalidade, não deve o Poder Judiciário promover medidas que causem coerção ou sofrimento maior que sua justificação institucional e, assim, a recusa pelo Estado [em promover a reintegração de posse] não é ilícita”.

A argumentação do ministro Dipp, assim, parte de um pressuposto verdadeiro – a necessidade de uma verdadeira reforma agrária, e a situação indigna de muitos trabalhadores rurais que não têm acesso à terra – para chegar a uma conclusão perigosa, pois a decisão permite que os sem-terra se beneficiem de um ato ilícito cometido por eles mesmos, o que viola um princípio consagrado do direito. É possível perceber o caráter utilitarista do raciocínio que guia o ministro: tendo levado em consideração única e exclusivamente o conflito entre o prejuízo de quase 200 sem-terra (com a reintegração de posse) e o prejuízo de uns poucos proprietários (com a perda do sítio), Dipp e seus pares do STJ optaram por este em vez daquele, independentemente do caráter dos atos cometidos pelos invasores. Não é difícil perceber que essa linha de pensamento é praticamente um convite a novos conflitos no campo, abrindo as portas à invasão indiscriminada de propriedades, com a permanência dos invasores sendo garantida sob o argumento do possível dano social causado por uma reintegração de posse.

Aqui é preciso ressaltar que não se trata de defender o direito à propriedade como absoluto, pois de fato não o é. A propriedade precisa ter uma função social, e quando ela não é cumprida justifica-se uma ação do Estado para que essa terra seja redistribuída a quem dela necessita. Este processo está bem regulamentado no Brasil. No entanto, não é esse o caso do Sítio Garcia. Durante a análise do pedido de intervenção, o STJ pediu informações ao Incra, que respondeu dizendo que se tratava de uma propriedade produtiva, que não se encaixava nos critérios para a reforma agrária. Mesmo assim, o STJ permitiu, com sua decisão, que os invasores lá permanecessem.

Ora, os princípios democráticos e as garantias constitucionais existem justamente para prevenir arbitrariedades como a que estamos agora presenciando no caso do Sítio Garcia, e para assegurar que não seja o mero utilitarismo a guiar as decisões de Estado. Por mais que a reforma agrária seja uma necessidade, ela não pode ser feita à base da lenta erosão desses princípios e garantias, sob risco de agravar os conflitos no campo. Eles já não são de fácil resolução; e o STJ, com sua decisão, só contribui para agravar a insegurança jurídica e acirrar os ânimos entre os sem-terra e os proprietários rurais.

O perigo da intolerância religiosa - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 17/08


Tendência à convivência pacífica entre credos diferentes no Brasil tem sido cada vez mais posta em xeque, de uma forma que as autoridades não podem ignorar



A tolerância religiosa no Brasil nunca foi pura e simplesmente uma medida imposta por decreto. É, antes disso, um aspecto cultural. Por um lado, foi preciso incluir na Constituição artigo resguardando a liberdade de culto e proteção contra a discriminação, porque tais garantias não seriam naturais; por outro, a convivência entre credos distintos foi facilitada pela formação do povo. A miscigenação e a intimidade entre a casa-grande e a senzala resultaram em mecanismos de acomodação, como o sincretismo que uniu religiões aparentemente tão diferentes quanto o catolicismo e o candomblé. Na Bahia, por exemplo, eles se misturaram.

No entanto, a tendência à convivência pacífica tem sido cada vez mais posta em xeque, e de uma forma que as autoridades não podem fazer vista grossa. A série de reportagens publicada pelo GLOBO semana passada mostra que os fiéis da umbanda e do candomblé — 600 mil pelo Censo 2010 — foram vítimas de 22 das 53 denúncias de intolerância religiosa recebidas pelo Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, de janeiro a 11 de julho deste ano. Além disso, um estudo da PUC-Rio registrou que, num grupo de 840 terreiros, 430 foram alvo de discriminação, sendo 57% dos casos em locais públicos.

Os ataques vão de manifestações de preconceito na escola e no trabalho a ofensas pessoais, ameaças, danificação de imagens e até a destruição de terreiros. A mãe de santo Conceição de Lissá, em Duque de Caxias, viu seu terreiro ser atacado oito vezes nos últimos oito anos. Em pelo menos um episódio, fanáticos usaram gasolina para atear fogo no quarto dos artigos usados nas cerimônias. Ou seja, além da humilhação e do dano moral, a integridade física dos fiéis está em risco.

A intolerância, por si só, já é inaceitável. Seja contra orientação sexual, etnia ou crença. Trata-se de um comportamento criminoso que deve ser punido como manda a lei.

Felizmente, não chegamos aqui ao ponto de outros países em que grupos se organizam para manifestar publicamente o ódio a homossexuais, negros ou estrangeiros. Mas é melhor não pagar para ver. Adeptos dos cultos afro-brasileiros não só denunciam como organizam sua legítima reação em passeatas contra a intolerância religiosa. Contam com o apoio na sociedade e de representantes de outros credos, com quem têm em comum a convicção de que o respeito à fé alheia é sagrado.

Se a sociedade se mobiliza, mais obrigações ainda tem o poder publico, que deve ficar atento e ser ágil nas investigações. Caso a intolerância não seja punida exemplarmente, fiéis movidos pela absurda presunção de superioridade poderão se sentir encorajados a prosseguir, porque, afinal, estariam agindo “em nome de Deus". E é justamente assim que pensam radicais responsáveis por guerras milenares e terrorismo pelo mundo afora.

Terreno sem lei - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 17/08


Invadido pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) às vésperas do início da Copa do Mundo, um terreno da zona leste está oficialmente autorizado pelo poder público a abrigar a construção de conjunto habitacional destinado à população de baixa renda.

Com a sanção de uma lei municipal no fim de semana passado, o prefeito Fernando Haddad (PT) fez valer o que prometera aos líderes da organização. Muitos, porém, são os aspectos controversos dessa iniciativa, a começar pela forma.

As regras sobre a área conhecida como Copa do Povo foram inseridas de contrabando num projeto de 2011 que tratava de reaproveitamento e desapropriação de edifícios subutilizados na região central da cidade. Aprovado pela Câmara Municipal em junho, o texto teve todas as suas disposições vetadas pelo prefeito, menos aquelas enxertadas de última hora.

Não bastasse isso, Haddad ainda optou por desconsiderar uma exigência votada pelos vereadores: a de que as moradias fossem concedidas às famílias previamente cadastradas na fila da Secretaria Municipal de Habitação, com preferência para as que já residissem em distritos da própria zona leste.

O petista sustenta, quanto a esse ponto, ter agido em defesa da isonomia, a fim de que não houvesse privilégio às organizações daquela região paulistana. Na prática, contudo, sua canetada produzirá efeitos bem menos republicanos.

Do jeito que está, a lei deixa o MTST livre para acrescentar aos termos do Minha Casa, Minha Vida as condicionantes que bem entender. Ou seja, habitações na Copa do Povo serão distribuídas, entre as famílias carentes e observada a prioridade a quem vive em situação de risco, aos cidadãos com mais tempo no movimento e maior participação em protestos e invasões.

Entende-se que movimentos sociais busquem, com esses critérios, engrossar as fileiras de seus atos. É inaceitável, no entanto, que iniciativas dessa natureza contem com o beneplácito do poder público.

À prefeitura cabe assegurar o pleno respeito à lista, mantida pela própria municipalidade, de 130 mil famílias à espera de moradia. Do contrário, joga-se a cidade nas mãos de um reprovável sistema paralelo, baseado no esbulho de propriedades alheias e na desconsideração de pessoas que confiam na resposta das instituições oficiais.

Não se ignora a gravidade do deficit habitacional em São Paulo, para o qual as manifestações do MTST ajudaram a chamar a atenção.

Daí não decorre, todavia, que os princípios republicanos e a primazia da lei e da ordem possam ser ignorados --e muito menos que Fernando Haddad deva zelar somente pelos interesses dos grupos capazes de gritar mais alto.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Seria uma clorofilocracia evangélica!”
Lobão, o roqueiro, definindo a eleição de Marina Silva para a Presidência da República


CONGRESSO DÁ COMO CERTA A ‘LAVA JATO, PARTE II’

As investigações e depoimentos, como o da ex-contadora Meire Poza, no âmbito da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, realizada há cinco meses, levam as consciências pesadas do Congresso Nacional à expectativa de uma “parte II” da mesma operação. As provas colhidas nesse período também indicam ser iminente a prisão de políticos e empresários enrolados no esquema do doleiro Alberto Youssef.

A QUADRILHA

Meire Poza já revelou à Justiça o que apenas insinuou no Conselho de Ética da Câmara: a lista de políticos corrompidos por Alberto Youssef.

BC DA CORRUPÇÃO

A ex-contadora definiu o ex-patrão Alberto Youssef como um “banco”. Ou “banco central da corrupção”, como qualificou esta coluna em maio.

O VERDADEIRO JOAQUIM

Meticuloso, discreto, corajoso e competente, o juiz Sergio Moro, que ordenou a “Lava Jato”, é tudo o que se imaginava de Joaquim Barbosa.

FAZENDO HISTÓRIA

Juristas experientes avaliam que o juiz Sergio Moro, apenas porque cumpre seu dever, simples assim, ainda fará História no Brasil.

CALOTE NA ONU: MINISTÉRIOS FAZEM JOGO DE EMPURRA

Os ministérios do Planejamento e Relações Exteriores culpam um ao outro pelo calote de R$ 380 milhões aplicado na Organização das Nações Unidas. O Brasil passou vexame quando o secretário-geral da ONU citou o País entre seus principais devedores. No jogo de empurra, o Itamaraty diz que os pagamentos cabem ao Planejamento, e este garante que efetua todas as transferências solicitadas pelo Itamaraty.

TUDO QUE ESTÁ RUIM...

A última vez que o Brasil pagou o que devia à ONU foi no ano de 2008. Nesses 6 anos, não honramos os pagamentos para as missões de paz.

... PODE PIORAR

Nos últimos dois anos só quitamos os débitos referentes à reforma da sede da ONU, onde trabalham os irmãos Antonio e Guilherme Patriota.

BYE, BYE, CONSELHO

“Ficha suja” na ONU, o Brasil perde prestígio internacional. O fundo do poço foi ser chamado de “anão diplomático” por Israel.

DEVASSA FISCAL

Aliados dos líderes evangélicos Silas Malafaia e Valdemiro Santiago se queixam de que eles estão sob devassa da Receita Federal, até nas contas pessoais. E se defendem criticando Dilma e o PT. Lula tentou interceder, de olho na influência eleitoral deles, mas Dilma não recuou.

A PEDIDOS

Dilma confessou a interlocutores seu “horror” às pregações de Silas Malafaia e Valdemiro Santiago, para ela, “politicamente incorretas”. Mas a devassa seria a pedido de rivais dos bispos ligados ao PT.

HOMEM-BOMBA

O ex-ministro Roberto Amaral, vice-presidente do PSB, está entre os cotados para vice de Marina, na campanha presidencial. Mas a turma dela se arrepia ao lembrar que ele andou defendendo bomba atômica.

GESTO

A fim de diminuir resistência no agronegócio, socialistas que defendem a candidatura de Marina Silva têm ressaltado a emblemática ida dela à sabatina realizada pela Confederação Nacional da Agricultura.

RELAÇÕES FINANCEIRAS

As revelações de Meire Poza sobre a participação de Luiz Argôlo como sócio do doleiro Alberto Youssef muda o foco do caso, considerado “passional”, até então, pelo relator Marcos Rogério (PDT-RO).

TOMANDO AS RÉDEAS

Diante da negativa de Paulo Skaf (PMDB) em oferecer palanque a Dilma em São Paulo, o vice Michel Temer decidiu transformar seu escritório pessoal em comitê de campanha, no bairro de Pinheiros.

TUDO PELO VOTO

Funcionários do Congresso não escondem a surpresa ao ver a maioria dos políticos sisudos e carrancudos durante o mandato, agora abrindo largos sorrisos, abraçando e até beijando os eleitores na campanha.

HISTÓRICO

A bancada do PMDB-MT é só desconfiança com ministro Neri Geller (Agricultura), que já foi do PP e do PSDB. Ele se reuniu com adversário local e depois, sob pressão, declarou apoio à chapa com o PT.

RISCO DESNECESSÁRIO

É falsa a indecisão do PSB para confirmar Marina Silva como candidata a presidente: afinal, se não o fizer corre o risco de tornar-se irrelevante.


PODER SEM PUDOR

INDÚSTRIA FORTE

Responsável por grandes êxitos editoriais como as revistas Sexy, de belas mulheres, e G-Magazine, para o público gay, certa vez, a publisher Ana Fadigas foi apresentada ao então deputado Delfim Netto, em 1998, em plena era FHC. No papo rápido, ela brincou, dizendo ser empresária do "ramo pornográfico".

- Meus parabéns! - exultou Delfim - A senhora é legítima representante da única indústria que o governo não conseguiu quebrar.