sexta-feira, agosto 01, 2014

O futebol do futuro? - NELSON MOTTA

O GLOBO - 01/08


Didi dizia que quem devia correr não era o jogador, mas a bola. Hoje, o esporte exige que todo mundo defenda e ataque, que o atleta se movimente o tempo todo



Do jogo lento e cadenciado dos anos 60, dos ancestrais ferrolhos suíços e retrancas italianas que não deixavam o adversário jogar, dos craques dispondo de amplos espaços para exibir seu futebol-arte, do carrossel holandês maravilhando o planeta, do tiki-taka espanhol campeão do mundo ao futebol-total da Alemanha em 2014, o futebol mudou muito.

Nos tempos da bola de couro, os jogadores corriam uns três ou quatro quilômetros durante a partida, a preparação física era precária, craques como Gerson e Sócrates fumavam, Didi dizia que quem devia correr não era o jogador, mas a bola. Hoje, o futebol exige que todo mundo defenda e ataque, que o jogador se movimente o tempo todo e corra 12 quilômetros por jogo.

Até 1970, a Fifa não permitia substituições em partidas oficiais, ou o time jogava com dez ou o jogador ficava em campo se arrastando, inválido, como Pelé na Copa de 62. Nem o goleiro podia ser substituído, em caso de contusão grave algum jogador da linha vestia a sua camisa e ia para o gol. Como Pelé fez em jogos do Santos, se saindo bem até como goleiro.

Sob pressão internacional e em benefício do espetáculo, em 1970 a Fifa passou a permitir duas substituições e em 1995, três. Não se sabe por que três, e não quatro ou seis, mas melhorou muito o jogo, permitindo mudanças de tática durante a partida, com a troca de jogadores machucados, exaustos ou num mau dia. Hoje nos times de ponta as substituições são exploradas como recurso técnico e tático, com vários jogadores se revezando nas posições para melhor rendimento da equipe. Para ser campeão, já não basta um grande time, é preciso um elenco.

Com a evolução dos sistemas táticos, no futebol moderno o desgaste é brutal, os jogadores terminam mortos em campo, um esforço sobre-humano é exigido nos momentos finais das partidas e mais ainda nas prorrogações devastadoras. Então por que não podemos ter cinco, seis ou até 11 substituições?

Afinal, o objetivo é melhorar o jogo, tornando-o mais rápido, intenso e bem jogado, ou que os atletas sofram cada vez mais, submetidos a grandes sacrifícios em nome... do quê mesmo?

Argentina vai para os pênaltis - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 01/08


Governo argentino não admite solução que inclua pagar dívida na íntegra e 'vai para o pau'


HAVIA GENTE graúda interessada em ajudar a Argentina a evitar um novo calote. A "ajuda" era também interessada, claro. "Amigos da Argentina" se ofereceram para pagar a dívida com os "fundos abutres", evitando a inadimplência, em troca de receber a dívida na íntegra, ou quase, mais tarde.

Mas o kirchnerismo duro e, enfim, o Ministério da Economia não querem saber de acordo que resulte em pagamento da dívida que foi objeto de calote em 2001. Ou seja, a Argentina "vai para o pau", nos vários sentidos dessa expressão, desculpe-se, vulgar.

Vai continuar a disputa com seus credores que a levaram à Justiça e vai se sujeitar a ser oficialmente declarada caloteira, o que ainda não aconteceu de fato. Assim, continua a cair o dominó de eventos que pode levar os vizinhos a uma recessão um pouco pior do que a prevista para este ano.

Como se sabe, a Justiça de Nova York decidiu que a Argentina não pode pagar os juros da sua dívida renegociada sem que pague também aos "abutres". Como os vizinhos não têm como pagar aos "abutres", em tese estão "em default", inadimplentes.

Bancos e empresários argentinos, com a promessa de apoio (também em dinheiro) de bancos americanos, comprariam a dívida dos "abutres", com algum desconto, tornando-se credores, portanto, do governo argentino. A princípio, o governo argentino ficaria livre para pagar aos credores da dívida renegociada, caso não sobrevenha outro problema legal. Assim, não haveria calote. A crise argentina voltaria ao seu nível normal de horror.

Ressalte-se: os bancos "amigos da Argentina" estariam dando essa mãozinha porque ganhariam algum (comprariam a dívida com os "abutres" por um desconto e seriam pagos pelo governo argentino com um extra).

O problema é que, na renegociação da dívida, em 2005 e 2010, a Argentina arrancou um desconto nominal de 75% (isto é, deu um calote de 75%, na prática um tanto menos, em 92% dos credores). Mas o governo não admite tal hipótese: quer arrancar o mesmo desconto de 75%, pelo menos o diz de público (diplomatas e banqueiros argentinos no Brasil dizem que poderia haver negociação, porém).

Aventou-se a possibilidade de o fundo garantidor de créditos bancários da Argentina cobrir o pagamento (o Sedesa, entidade privada sob comando prático estatal, que pode cobrir rombos bancários), solução descartada devido a vários riscos legais.

Agora, o governo argentino pode ser declarado de fato em "default" (calote) pelo banco encarregado de pagar aos credores da dívida renegociada. Se tal coisa ocorrer, os vizinhos vão à Justiça dos EUA (dizem que depositaram os pagamentos devidos, congelados por decisão da Justiça de Nova York. Logo, não deram calote). Caso entre "em default", certos credores da dívida renegociada podem requerer o pagamento antecipado do principal devido.

O caldo continuaria a entornar. Ao menos até o fim do ano, quando vencem cláusulas do contrato com os credores da dívida renegociada, o que vai permitir mais flexibilidade na negociação com os "abutres". Em tese. Se o governo argentino não radicalizar, o que não é improvável, dado o presente tumulto.

Só falta a sentença CELSO MING

O ESTADÃO - 01/08


Ainda sobrava uma janela por onde a Argentina poderia escapar de um calote desastroso: a de que um grupo de bancos comprasse a dívida dos chamados fundos abutres, não importando aí de onde viesse o dinheiro

Ainda sobrava uma janela por onde a Argentina poderia escapar de um calote desastroso: a de que um grupo de bancos comprasse a dívida dos chamados fundos abutres, não importando aí de onde viesse o dinheiro.

Mas, ontem, o governo da presidente Cristina Kirchner pareceu descartar definitivamente essa opção. Se for assim, falta apenas a decisão final. O juiz federal de Nova York Thomas Griesa, encarregado de dirimir o conflito entre o Estado soberano argentino e os credores que não aceitaram os termos da renegociação de 2005 e recorreram à Justiça, terá agora de encapsular as conclusões ou a falta delas numa sentença final. Pode sair hoje ou nos próximos dias.

Se a sentença não lhe for favorável, a Argentina estará irremediavelmente em default (calote). “Nessas condições, a situação da economia argentina, que é ruim, pioraria muito”, observou a esta Coluna, o consultor argentino Dante Sica. Seria inevitável, por exemplo, o aumento das dificuldades da economia argentina no seu esforço para obter moeda estrangeira destinada aos compromissos no exterior. A diferença para mais (“brecha”) entre as cotações do dólar oficial e o paralelo tenderia a disparar, a atividade econômica, que já seria castigada com queda do PIB de 1,5%, encolheria ainda mais para uma queda de 3,5%; e a inflação, hoje a 34,5% ao ano tenderia a saltar para 41,0% .

Além disso, as dificuldades do governo argentino para reequilibrar as contas públicas aumentariam porque as províncias dependeriam mais do que já dependem das transfusões de recursos do governo central. Esse quadro junta componentes para agravar a situação política interna.

Aparentemente, o impasse final com os credores poderia ter sido evitado. Os advogados já haviam alertado a presidente Cristina Kirchner de que a cláusula Rufo dificilmente se aplicaria se houvesse um acordo em separado com esses credores.

Na interpretação deles, essa cláusula só impõe pagamento igualitário a todos os outros credores, se um pagamento favorecido a um segmento fosse feito “voluntariamente” pelo governo argentino. Seria difícil de garantir o entendimento de que um pagamento favorecido, como o determinado pelo juiz Griesa, pudesse ser caracterizado como feito “voluntariamente”. No mínimo, o caso abriria espaço para discussão, por um período suficientemente longo para que a cláusula Rufo perdesse validade, no dia 31 de dezembro de 2014. Mas a Argentina insistiu na sua estratégia de confrontação aparentemente porque poderia obter mais apoio para sua causa, fora e dentro da Argentina.

Do ponto de vista dos interesses brasileiros, há duas considerações a fazer. Desta vez, não se espera o alastramento do contágio para dentro das fronteiras do Brasil se o calote argentino ficar inevitável. As atuais reservas brasileiras, de US$ 380 bilhões, são suficientemente robustas para dissuadir fuga de capitais. Mas o agravamento das condições da economia argentina prejudicará ainda mais o comércio exterior do Brasil. A Argentina terá de reduzir ainda mais suas importações e, portanto, as exportações brasileiras para lá tendem a encolher ainda mais.

Futuro dos juros vai depender do câmbio - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 01/08


BC se preocupa mais com a inflação do que com a atividade



Que não passa pela cabeça do Banco Central (BC) reduzir a taxa básica de juros (Selic) este ano, já está claro. A mesma certeza não se pode atribuir, porém, à possibilidade de o Comitê de Política Monetária (Copom) ter que elevar os juros, atualmente em 11% ao ano, nos próximos meses.

Nesse sentido, a principal variável tende a ser o comportamento da taxa de câmbio. É pedagógico lembrar o estresse que houve nos mercados na eleição presidencial de 2002, quando, mesmo após a divulgação três meses antes do pleito da "Carta aos Brasileiros" pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, a taxa de câmbio esbarrou em R$ 4 e a inflação chegou ao fim daquele exercício a 12,5%.

O nível de incerteza sobre como será a próxima gestão não está no mesmo grau daquele período, quando o candidato do PT teve que se comprometer com o respeito a contratos e descartar a hipótese de um "calote" na dívida pública. Não se espera, no governo, uma instabilidade daquela proporção, mas também não é prudente descartar a eventualidade de um "estresse" cambial e o BC se prepara para isso.

Aliás, já vinha se preparando e este mês completa um ano que o mercado de câmbio está sendo irrigado todos os meses pelo programa de leilões de swap, que atingiu US$ 92,6 bilhões.

O programa foi concebido para abastecer a demanda por "hedge" cambial e dar liquidez ao mercado, que se encontrava, então, apreensivo com os efeitos de uma normalização das condições monetárias nos Estados Unidos sobre o fluxo de capitais para o país.

Originalmente, os leilões de swap deveriam durar até o fim de 2013, mas foram prorrogados até o fim deste ano, em novas condições.

Debate-se, hoje, se o programa não estaria produzindo uma indevida valorização da taxa de câmbio, que, diga-se, é um importante instrumento para o controle da inflação.

No relatório divulgado esta semana, em que listou o Brasil entre os países emergentes mais "vulneráveis" neste momento, o Fundo Monetário Internacional (FMI) indicou, também, que o real estaria valorizado em até 15% frente ao que sugeririam os fundamentos da economia brasileira. O BC considerou controversa essa constatação.

Os leilões de swap pretendem dar maior tranquilidade aos mercados, mas não devem ser usados e ampliados para conter abruptas e intensas volatilidades decorrentes de um estresse eleitoral.

Nesse caso, a tendência da autoridade monetária é lançar mão de outros instrumentos, inclusive da taxa de juros.

A situação cambial do país não é de todo confortável. Até o dia 25 de julho o fluxo cambial estava negativo em US$ 4,68 bilhões, sendo menos US$ 3,89 bilhões de fluxo financeiro e menos US$ 783 milhões no comercial.

O déficit em transações correntes do balanço de pagamentos parou de crescer, mas está há um ano estacionado no patamar de 3,6% do PIB, ou US$ 80,2 bilhões. O que não é pequeno. Como o investimento direto estrangeiro é de US$ 63,2 bilhões, o país precisa de US$ 17 bilhões para fechar as contas externas do ano. Juros elevados são um atrativo para conquistar recursos externos, ainda que de curto prazo.

Ficou claro, nos últimos dias, que o Copom não cogita baixar os juros. Se havia alguma intenção ao escrever que o comitê "decidiu, por unanimidade, neste momento, manter a taxa Selic em 11% ao ano, sem viés", no comunicado da última reunião, era deixar a porta aberta para uma eventual elevação futura da taxa Selic.

Um corte da Selic este ano, como chegaram a supor alguns analistas para a reunião de setembro, poderia adicionar mais pressão sobre o câmbio e dificultar a queda da inflação, além do fato de a inflação ainda se mostrar bastante resistente e da convergência para a meta de 4,5% só estar na perspectiva do BC para depois da Olimpíada de 2016.

Acredita-se no mercado que o preço da moeda local frente ao dólar só está na casa dos R$ 2,26 porque ainda incorporou a perspectiva de reeleição da presidente Dilma Rousseff. Se ficar claro que haverá um segundo mandato para a presidente, o câmbio tenderia a se desvalorizar e, portanto, a gerar mais inflação, segundo avaliação de fontes da área financeira.

A preocupação do BC, hoje, não é tanto com a fragilidade da atividade econômica, mas com a inflação.

Ao Banco Central estariam chegando informações sobre uma visível mudança de comportamento dos grandes investidores pessoas físicas nos últimos meses. Diferentemente dos argentinos, os brasileiros sempre deixaram seus investimentos em moeda local, mas, agora, os detentores de fortunas estariam optando por uma diversificação de portfólio, aplicando parte dos seus recursos em moeda estrangeira. Se isso tem valor potencial suficiente para produzir efeitos sobre a taxa de câmbio, é difícil dizer.

A militância do PT, aguerrida e importante para agitar as campanhas eleitorais, está apática, desestimulada.

Cientes disso, preocupados com o desempenho da presidente Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais e temerosos de uma derrota do PT nas urnas, algumas importantes lideranças resolveram tentar chacoalhar os ânimos dos filiados.

Todos os petistas que trabalham no governo foram convidados para uma reunião, que lotou o auditório da sede do PT, no Setor Comercial Sul, em Brasília, na terça-feira. Lá estavam o ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, o secretário-executivo da Previdência Social, Carlos Gabas, dentre vários outros.

Durante a conversa, Gabas disse que o noticiário da grande imprensa aponta tantos erros e equívocos do governo Dilma e diz que as coisas estão tão ruins que "a gente chega a acreditar" e isso acaba por esfriar o entusiasmo da campanha pela reeleição. Ele pediu aos presentes que lhe enviassem informações e dados de realizações do governo em cada uma das áreas em que trabalham, para que possam ser levados às ruas e mostrados aos eleitores.

Exportação de serviços de engenharia - JOSÉ AUGUSTO DE CASTRO

CORREIO BRAZILIENSE - 01/08

O Brasil tem o sétimo maior PIB do mundo, mas em 2013 alcançou apenas a 22ª posição no ranking de exportação de bens e a 21ª no ranking de importação, participando com 1,32% das exportações e 1,36% das importações mundiais. Por sua vez, as exportações brasileiras de serviços em geral estão classificadas na 31ª posição no ranking mundial, com 0,80% de participação, enquanto as importações ocupam o 17º posto, com 1,93%. Isso tem levado a crônicos deficits na balança de serviços.

Poucos setores são superavitários entre os diferentes tipos de serviços. O setor de engenharia, que lidera as exportações nessa área, é um deles. Porém, as exportações estão concentradas em cerca de 10 grandes construtoras. As demais empresas estão voltadas para o mercado interno, não por opção própria, mas em razão de não disporem de condições adequadas para executar projetos no exterior.

Quando se fala em exportação de serviços de engenharia, a primeira impressão é que se refere apenas à venda de serviços propriamente ditos. Contudo, também integram essas exportações expressiva parcela de equipamentos que fazem parte da obra, como turbinas, caldeiras, tubulações, além daqueles utilizados para executar as obras, como caminhões, tratores, ônibus, automóveis, britadeiras, guindastes e centrais de concreto, de britagem e de asfalto, entre outros. E ainda centenas de outros itens, como móveis, roupas, calçados, alimentos, louças, talheres etc.

Esses produtos serão exportados e utilizados para concretizar a execução do serviço de engenharia contratado, que pode ser uma rodovia, uma ferrovia, um aeroporto, um porto, uma hidroelétrica, um aqueduto, um sistema de irrigação, barragens etc.

É preciso considerar que, para a execução de um projeto de engenharia no exterior são contratadas, no Brasil, cerca de 2 mil empresas. Trata-se de micro, pequenas e médias empresas que, isoladamente, não teriam condições de ter acesso ao mercado internacional. Utilizando o canal de comercialização proporcionado pelas companhias de serviços de engenharia, que nesse caso funcionam como âncora, ganham a oportunidade de abrir portas fora do país.

Sem a atuação das empresas de serviços de engenharia, produtos sofisticados e de alto valor agregado não poderiam ser exportados. A exportadora é, antes de tudo, uma estruturadora de negócios. Por essa razão, esse tipo de venda tem gerado acirrada concorrência internacional entre países, indiretamente oferecendo suporte para uma guerra comercial visando a venda externa de manufaturados.

Essa realidade fica mais evidente quando se analisa a evolução da participação da China na exportação de serviços de engenharia, especialmente para a América Latina e a África, regiões que concentram grande parte das obras nesse segmento. Na América Latina, a China elevou sua participação de 1,6% em 2004 para 12,1% em 2012. Na África, a participação pulou de 14,7% para 44,8%. O avanço da China vem a reboque de generosas ofertas de financiamento aos países importadores. Em se tratando de serviços de engenharia, o financiamento é o fator preponderante para se fechar um negócio.

No Brasil, o BNDES é o braço governamental de apoio financeiro a longo prazo para as exportações, uma vez que os bancos privados, nacionais ou estrangeiros, não estão dispostos a aceitar a garantia oferecida pelo governo federal por meio do Fundo de Garantia às Exportações (FGE). Isso se deve a restrições inerentes ao fundo, que impactariam o pagamento de possíveis indenizações decorrentes de eventuais sinistros, além da burocracia envolvida.

As condições dos financiamentos alocados pelo governo brasileiro para ficar à disposição das empresas de serviços de engenharia e financiar suas exportações podem ser consideradas adequadas. Porém, ajustes devem ser feitos para elevar o nível de competitividade externa das empresas nesse concorrido mercado.

O governo precisa caracterizar as empresas exportadoras de serviço de engenharia como instrumento de política estratégica de comércio exterior, conferindo prioridades no desenvolvimento de seus processos operacionais.

As empresas de serviços de engenharia já demonstraram ter condições de participar do competitivo mercado internacional. A conquista de novos mercados ou a ampliação de antigos, com a consequente elevação da participação brasileira, depende apenas de decisões internas. Esse tema será debatido durante o Encontro Nacional de Comércio Exterior (Enaex 2014), em 7 e 8 de agosto, no Rio de Janeiro.

Exportar serviços de engenharia não é para quem quer, mas para quem pode. O Brasil e suas empresas podem, e querem.

Tudo conspira contra o investimento - PEDRO LUIZ PASSOS

FOLHA DE SP - 01/08


O alto custo de investir é obstáculo para o Brasil crescer mais e se inserir nas cadeias globais de produção


Estudo recém-concluído pelo Iedi e que em breve será divulgado merece a atenção dos formuladores de nossa política econômica. Sua principal conclusão é preocupante: se quase três décadas atrás o Brasil era um dos países mais baratos em que investir, hoje é um dos mais caros, distanciando-se, em consequência, das outras economias emergentes e mesmo das desenvolvidas.

O levantamento mensurou os custos relativos em 50 países para a construção e a aquisição de máquinas e equipamentos necessários em projetos de investimento.

Quanto mais próximo do topo da lista, maior a conta a ser paga. As últimas colocações significam condições melhores para a atração de capital produtivo. No ano inicial do estudo, 1985, ocupávamos a 44ª posição e ficávamos entre os países com menor custo para investir.

Até 1998, vários países tornaram-se mais baratos, enquanto o Brasil fez o caminho inverso, tornando-se o 30º mais caro do mundo para investimento produtivo.

Os países avançados, sem exceção, permaneceram com custo relativo maior, mas os emergentes tiveram melhor sorte, ao aproveitar o vigoroso processo de globalização que então se iniciava. E o Brasil? Perdeu competitividade nesse campo e gradativamente foi ficando menos atrativo para os investimentos.

Em todos os países do bloco dos Brics (China, Índia, Rússia e África do Sul, além do Brasil), assim como em outros emergentes de destaque, como Coreia do Sul, México e Chile, o investimento passou a exigir menos desembolsos, comparado a seu custo na economia brasileira.

Finalmente, em 2011, último ano em que os dados estão disponíveis, o Brasil era o 8º do mundo com maior custo relativo do investimento produtivo. Poucos países, todos ricos e com menos oportunidades, tipo Japão, Suécia e Austrália, mantêm-se em patamar superior ao brasileiro.

Se em nosso caso houve essa mudança radical em quase 30 anos, outras economias se esmeraram para transformar os investimentos internos e externos em mola propulsora de seu crescimento. O barateamento do investimento foi instrumento para atingir esse objetivo.

A China, por exemplo, praticamente manteve inalterada sua posição: ocupava o 46º lugar em 1985 e assim permaneceu em 2011 (48º). Em outros casos houve melhora relativa, a exemplo da Coreia do Sul (que passou do 32º para o 42º lugar), do Chile (do 23º para o 36º) e da Malásia (do 43º para o 49º).

Quais as repercussões desse cenário? Primeiro, ele ajuda a explicar a baixa taxa de investimento no Brasil, que oscila em torno de 18% do PIB. Além disso, em razão do alto custo, os investimentos de maior risco tendem a ser evitados. Os aportes em projetos de alta tecnologia se enquadram nesse caso, assim como os com longo prazo de maturação.

Outra consequência: tanto empresas estrangeiras como nacionais passaram a direcionar as inversões para setores com maior expectativa de retorno, além de mais protegidos ou mais beneficiados por incentivos. Isso fez o pêndulo se inclinar para os segmentos voltados ao mercado interno, sobretudo da área de serviços, pouco expostos à concorrência externa. A contrapartida é o menor investimento industrial, que, por isso, não amplia sua produtividade e reduz a sua participação no PIB.

Numa economia globalizada, a decisão sobre o local de produção se baseia no custo de instalação e nas facilidades disponíveis para atuar em diferentes pontos do mundo. Sem tais condições, o país vai se distanciando do radar de investimentos dos grandes grupos internacionais na formação de suas cadeias globais.

Muitas vezes, medidas pensadas para melhorar esse cenário mais atrapalham do que ajudam, ao criar um mundaréu de subvenções, exceções tributárias e subsídios. Poderíamos ter uma regulação econômica mais horizontal e mais simples se, em vez de lançar mão de paliativos, atacássemos as causas do alto custo dos bens de investimento.

Na construção ou na aquisição de máquinas e equipamentos no Brasil, a inversão é cara porque sobre ela incidem tributos. Desonerar plenamente o investimento, incluindo aí os impostos estaduais (ICMS) e municipais (ISS), seria um bom começo, embora não suficiente. É urgente remover os empecilhos que travam o investimento produtivo e impedem o aumento da formação de capital para um nível mais próximo das necessidades do país.


Viração do vento - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 01/08


Quando o Fundo Monetário Internacional escreveu em relatório que o Brasil está "moderadamente vulnerável", nada disse que já não soubéssemos. Nos últimos dois dias, Tesouro e Banco Central confirmaram um desses pontos fracos, o fiscal: o governo central teve o menor superávit primário em 14 anos para o primeiro semestre e déficit primário em maio e junho. O setor público está com 3,6% de déficit nominal.

Números negativos têm sido divulgados diariamente - hoje sairá a produção industrial de junho, que deve mostrar queda. O governo briga com quem alerta sobre os riscos, em vez de combater os pontos fracos. O déficit em transações correntes cresceu nos últimos anos, a dependência do saldo comercial ao preço das commodities aumentou, o investimento no Brasil caiu, a poupança interna é insuficiente e os recursos externos para nós devem ficar mais escassos.

O Brasil tem reservas cambiais num volume tranquilizador para travessias de períodos de instabilidade, mas isso não desmente o diagnóstico de que temos fragilidades.

Um fato que preocupa é o artificialismo da taxa de câmbio. O Banco Central iniciou seu programa de intervenção no mercado em meados do ano passado, para se prevenir diante da retirada dos estímulos monetários americanos. Naquele momento, o Banco Central queria evitar altas exageradas da moeda americana e excesso de volatilidade. Hoje, virou uma arma auxiliar no combate à inflação. O FMI estima que isso levou a uma sobrevalorização do real em 15%.

Os alertas ganham mais importância na medida em que fica mais próximo o aumento de juros nos EUA, que vai encarecer os financiamentos e enxugar a quantidade de dólares circulando pelo mundo. O crescimento mais forte da economia americana no segundo trimestre, de 4% anualizado, não só recuperou a queda do primeiro tri, de -2,1%, como mostrou que o mau resultado no início do ano foi pontual. Mesmo com a retração, nos últimos 12 meses, a taxa de crescimento dos Estados Unidos foi de 2,4%.

Nos EUA, aumentaram o consumo das famílias, investimentos, exportação e importação. Houve, no entanto, formação de estoques, o que pode indicar uma produção menor nos próximos meses. O PIB cresceu, mesmo com o corte de gastos do governo federal, de 0,8%, que continua em processo de ajuste nas suas contas. O consumo do governo federal está em retração nos EUA há sete trimestres consecutivos e, ainda assim, a economia está crescendo. Eles tinham chegado a um nível insustentável de déficit e tinham mesmo que reduzir, mas nunca faltou financiamento barato para a dívida americana.

Esse cenário de crescimento maior dos EUA, que altera a direção do fluxo de capitais, afeta países com maior necessidade de financiamento. A expressão "vulnerável" não quer dizer que o país esteja à beira de uma crise, mas sim que tem fraquezas a serem superadas. E elas se acumularam exatamente porque o atual governo não fez reformas para remover os obstáculos ao crescimento sustentado, como lembrou a diretora-gerente do FMI. E novos desequilíbrios vêm sendo criados, como o grande desajuste financeiro em todo o setor de energia.

O Brasil está em um ponto de maturidade institucional e econômica para não ter melindres com alertas como os do FMI. Já sabemos que o Fundo acerta, erra, tem rotinas de avaliação, divulga estudos sobre questões econômicas internas. A ele nada devemos, é apenas um clube do qual o Brasil faz parte, e recentemente até aumentamos o volume de nossas cotas.

Os fluxos ficarão mais voláteis porque a economia americana atrairá mais capitais e sobrará menos recursos para financiar países emergentes com déficit em conta-corrente e baixa taxa de poupança. Seria esquisito se o FMI dissesse que esse problema é inexistente.

Há outros países na lista, cada um por um motivo e com um nível de risco. A Argentina, pelas razões conhecidas. A Rússia sofreu uma fuga de capitais quando anexou a Crimeia e está enfrentando sanções econômicas. Índia, Indonésia, África do Sul e Turquia também foram relacionadas. Cada caso é um caso, o melhor a fazer é reduzir nossos pontos fracos para a mudança dos ventos na economia internacional.

O aço que nos tempera - FERNANDO GABEIRA

O ESTADO DE S.PAULO - 01/08


O relatório sobre a queda do viaduto em Belo Horizonte apontou a causa: a viga de sustentação tinha só 1/10 do aço necessário para conter o peso da estrutura. Stalin chamava-se o homem de aço. Romances populares editados pelos partidos comunistas da época celebravam os bolcheviques de aço, entre eles um aviador que perdeu as pernas e continuou combatendo. No universo ocidental, mais crítico, o aço é integrado ao corpo humano na figura de um herói infantil, o Super-homem. Não tenho nada contra a fusão do corpo com o metal. O titânio tem ajudado muita gente a se mover normalmente: é uma boa presença. Felizmente, não trabalhamos com essa mitologia de corpos de aço. Mas pelo menos o aço de nossas construções deveria ser o suficiente para mantê-las de pé.

Para onde foram os 90% do aço? É uma pergunta pertinente, pois só assim entenderíamos melhor o desabamento, para além do laudo técnico. Ausência do aço necessário, camuflada em misturas de areia e cimento, é um elemento simbólico no País. Foi essa mistura malemolente que derrubou os prédios do Sérgio Naya. No Rio, um deputado confessa em gravação que recebe R$ 15 mil/mês, entre outros ganhos, só com o lanche que é servido por ONGs conveniadas com a prefeitura. Se os lanches pudessem ser decompostos como elementos de uma viga, diríamos que milhares de pães, rios de café com leite, igarapés de laranjada desembocaram na barriga do deputado.

Uma notícia diz que Lula se surpreendeu com o desgaste do governo, esperando algo assim só para 2018. Os governos desgastam-se, naturalmente, numa democracia. Nela precisam gerir recursos limitados para atender a gigantescas necessidades. E vencem as eleições prometendo mais do que podem. Esse é um dos dínamos da alternância. Mas cada governo se desgasta de maneira singular. A tolerância e a cumplicidade com a corrupção são fatores, entre outros, que determinaram o desgaste do PT. Alguns afirmam que corrupção sempre existiu, mas agora aumentou a transparência. Parcialmente correto. No entanto, muitos casos só emergiram, como o mensalão e esse escândalo carioca, de uma forma clássica: a disputa pelo butim.

O desgaste do PT começou como uma pedra na água. O primeiro círculo de descontentes nasceu com os navegantes próximos que abandonaram o barco. Impulsionados pelos ventos econômicos, novos amplos círculos desenham-se na água. O processo não se resume à política interna e à economia. O PT quer realizar uma política externa dele, e não do País. Isso é possível em Cuba ou na China. Não para um partido que chega ao poder pelo voto, num contexto democrático. Os dirigentes chineses e cubanos fundem o país com o partido porque liquidaram a oposição organizada.

Esse tema não tem grande impacto eleitoral, mas sempre me preocupou. A nota que o governo brasileiro publicou sobre a guerra na Faixa de Gaza exprime a posição do partido e de milhões de pessoas diante da morte de civis e crianças. No entanto, uma nota nacional sempre é mais equilibrada, mencionando também a violência do Hamas.

O porta-voz israelense chamou o Brasil de anão diplomático. Um líder trabalhista chamou o Brasil de gigante do futebol. Não somos nem uma coisa nem outra. É um equívoco chamar o Brasil de anão diplomático, pois retira a importância do fato histórico da criação de Israel. Neste caso da guerra em Gaza, a violência da resposta de Israel acabou atenuando a posição do governo brasileiro. Mas, sem dúvida, houve uma inflexão: ingenuamente, Lula achou que poderia influenciar um processo de paz. Chegou a viajar para isso.

Ao lançar a nota, o governo praticamente abre mão de dialogar com um dos atores. O Brasil não tem o poder de resolver uma crise que desafia a humanidade, como a do Oriente Médio. Mas tem sido eficaz na pacificação de conflitos nos países de sua região. Está na busca efetiva da paz o grande fundamento de nossa política externa. Mas o PT move-se em zigue-zagues.

A política externa tem pouco impacto eleitoral, mas soma-se aos equívocos que, no conjunto, jogam o PT numa aventura romanesca: navegar sem novas ideias num oceano de desejos de mudança. São Paulo é uma referência: o governo perde para qualquer um dos opositores, sinal de que, para a maioria dos entrevistados, o PT já era. Em termos eleitorais, isso é equacionado em números: perdemos aqui, ganhamos em outros Estados, não ameaça a vitória nacional. Mas perder na região mais desenvolvida do País dá o que pensar, sobretudo para quem se diz na vanguarda do progresso, combatendo elites brancas e outros moinhos de vento.

A Bolsa Família é uma zona de conforto porque envolve milhões de pessoas e foi reconhecida internacionalmente. Supor que represente um escudo contra todos os erros e tropeços é um equívoco. Alguns críticos do programa dizem que com a bolsa as pessoas não querem trabalhar. Discordo, minha tese é que, com a bolsa, o governo não quis mais trabalhar, no sentido de interpretar o Brasil, buscar alternativas, ligar-se aos setores mais dinâmicos e desenvolvidos tanto dentro como fora do País. A Bolsa Família deu para o gasto. E agora que o preço político dos erros vai ficando mais alto?

Por mais que os pragmáticos riam, o viaduto que caiu, além de matar duas pessoas, indicou, para mim, o ponto central do momento: nosso sistema político, já frágil, foi perdendo o aço com a mistura de areia e cimento que a longa dominação do PT injetou. O perito de Minas ficou surpreso porque a viga não se partiu antes. Se traduzimos o aço por credibilidade, também ficamos surpresos como o edifício político se mantém no Brasil. É um problema que transcende as eleições deste ano. Mas elas são a única oportunidade para todos poderem olhar para o abismo que se abriu entre o universo político e o Brasil real.

O ano que nos espera, sobretudo no setor da energia, não é dos mais animadores. O pequeno apagão que vivi na manhã de domingo me lembrou da aspereza do caminho. Tocar o País em tempos de crescimento internacional e distribuição de renda é mais fácil. Quem vencer as eleições encontrará uma pedreira.


Hipersensibilidade jeca - MARCOS TROYJO

FOLHA DE SP - 01/08


Acervo de improvisos demonstra amadorismo e desconforto na convivência com uma sociedade global


A tensão governo brasileiro-mercado é reveladora dos repentes e erupções emocionais que acumulamos em nossa interação com o mundo.

Além de erros de diagnóstico ou visão de futuro, tal acervo de improvisos demonstra amadorismo e desconforto na convivência com uma sociedade aberta e global. É agravado por atabalhoamento juvenil numa cena mundial em que holofotes são lançados mesmo a países de maior tradição insular.

Há dez anos, quase invalidamos o visto de trabalho do correspondente do "New York Times". Larry Rohter esteve prestes a ser expulso ao retratar suposta predileção do então presidente por um bom copo. A mercurial reação do governo fez com que a matéria de baixo relevo fosse avidamente lida no mundo todo.

Em 2008, dissemos que do vagalhão precipitado pela crise financeira chegaria ao país apenas uma "marolinha". Hoje, indevidamente atribuímos nosso subdesempenho econômico àquele tsunami.

Em 2009, denunciamos a "guerra cambial" perpetrada pela frouxidão monetária dos ricos. Agora, torcemos secretamente para que os estímulos continuem de modo a não rarear o fluxo de capitais para emergentes como nós.

Em 2011, peroramos a Merkel que não se superam crises com austeridade, mas crescimento. Fecharemos o quadriênio Dilma com o mais baixo crescimento desde os tormentosos anos Collor.

De 2012 para cá, utilizamos ministros de Estado ou notas do Planalto para rebater o "Financial Times" ou "The Economist". Não apenas por discordar da crítica, mas sobretudo por entender não terem direito de "imiscuir-se" em assuntos do país.

Em 2013, empenhamos enorme capital diplomático para eleger um brasileiro à direção da OMC, supostamente para fortalecer interesses dos países em desenvolvimento. Professamos fé nos acordos multilaterais, pois neles não há "imposição dos mais fortes sobre os mais fracos". Hoje vemos o frágil compromisso de Bali, pelo qual Roberto Azevêdo moveu montanhas, torpedeado por Índia, Venezuela e Cuba.

Ao lugar-comum do Santander sobre impactos econômicos da reeleição --já manifestado em centenas de informes de instituições financeiras-- a presidente reagiu como "inadmissível interferência" no processo eleitoral.

Seu antecessor, há pouco considerado o "político mais popular do mundo", pediu a cabeça --e o bônus-- do redator do sofrível texto. Este, dada a repercussão, já correu mundo graças ao Google Translate.

Nesta atribulada semana, quando a óbvia prudência recomendaria relativizar eventual default argentino, bradamos aos quatro ventos na Cúpula do Mercosul que o impasse Buenos Aires-abutres "ameaça o sistema financeiro internacional".

Essa lista não-exaustiva de equívocos evidencia desdém com estratégia de inserção global delineada pelo interesse nacional de longo prazo. Em vez disso, posturas imediatistas e direcionadas ao perecível consumo do público interno. Estamos respondendo aos desafios de uma conjuntura planetarizada com uma hipersensibilidade jeca.

O prazo chega ao fim. Que se fará com o lixo? - WASHINGTON NOVAES

O ESTADO DE S.PAULO - 01/08


Termina manhã, 2 de agosto, o prazo de quatro anos concedido pela Lei n.º 12.305, de 2010 - a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) - para os municípios brasileiros apresentarem seus planos diretores de gerenciamento de resíduos e instalarem aterros sanitários adequados. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), existem hoje 1.360 aterros nos mais de 5 mil municípios do País; o restante, fica implícito, vai para lixões a céu aberto. Mesmo nas cidades com mais de 100 mil habitantes existem em torno de 40 lixões e menos de 250 municípios geram 80% dos resíduos (Estado, 14/5). De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), 40% do lixo coletado tem "destinação irregular". Mas sem planos adequados as prefeituras não poderiam receber recursos federais. E, diz a CNM, 61,7% dos municípios não se adequaram às exigências da PNRS.

As prefeituras, ainda uma vez, pediram "mais prazo". E projeto de um deputado no Congresso Nacional o estende por mais oito anos (!). Até o momento em que estas linhas foram escritas - no dia 30/7 - o governo federal, por intermédio da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, havia dito que não aceitaria a prorrogação (Estado, 14/5). Outras fontes do governo, entretanto, disseram esta semana aos jornais que sim, aceitaria. Se aceitar, o que acontecerá, então, diante desse problema, que já tem ângulos calamitosos, até mesmo em Brasília, onde está o chamado "lixão da Via Estrutural", a 16 quilômetros do Palácio do Planalto?

Em 1992, quando foi secretário de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal, o autor destas linhas tentou implementar um projeto de aterro adequado, usina de compostagem e reciclagem, conjunto habitacional para 1.700 pessoas que já moravam dentro do lixão e operariam a usina, assim como uma usina móvel para resíduos da construção civil. Mas uniram-se forças políticas da extrema esquerda à extrema direita e conseguiram impedir a execução. Hoje o lixão da Estrutural continua lá, com número muito maior de habitantes.

E o problema não é somente lá, está também em cidades como Belém, Porto Velho e outras. O Estado do Rio de Janeiro tem 20 lixões que recebem quase 500 toneladas por dia (O Globo, 4/7). Mais grave ainda, conforme a CNM, 98,2% dos resíduos vão para aterros, mesmo em São Paulo (Folha de S.Paulo, 10/5). A reciclagem não chega a 2%. A Prefeitura está tentando fazer com que 30% dos paulistanos entrem no projeto de reciclagem de restos de alimentos e os transformem em adubo - já estão sendo distribuídas 2 mil composteiras domésticas, nas quais haverá minhocários (há quase 15 anos este articulista viu projeto como esse funcionando muito bem na maioria das casas de Estocolmo, na Suécia). A expectativa é de que cada família possa operar com dois quilos diários de resíduos.

Uma usina de triagem de material separado pelos moradores, inaugurada em Santo Amaro (Estado, 16/7), deverá ser o ponto de partida para um processo que incluirá mais duas até 2016, nas quais operarão, como na primeira, catadores de 21 cooperativas. As mais recentes poderão até separar os resíduos pela sua dimensão, com leitores óticos. E com isso cada uma poderá trabalhar com 250 toneladas diárias, 750 toneladas no total (a região de São Paulo gera cerca de 20 mil toneladas diárias; o Brasil, mais de 200 mil toneladas diárias - mais de um quilo por pessoa/dia, fora os resíduos da construção, que têm uma tonelagem ainda maior). A atual gestão municipal espera chegar ao fim de seu mandato reciclando 10% do lixo.

Muito se caminhará se se levar à prática a chamada lei da logística reversa, que obriga comerciantes de pilhas e baterias, agrotóxicos, óleos lubrificantes, lâmpadas e eletrônicos, entre outros produtos, a receber de volta os resíduos correspondentes, que encaminharão aos produtores para que lhes deem destinação adequada. O certo é que com a coleta seletiva em cada casa, com a compostagem dos resíduos orgânicos e com a reciclagem de lixo seco se pode reduzir para uns 20% a porcentagem de lixo que vai para aterros - o que poderá significar uma economia enorme.

A cidade de São Bernardo do Campo também implantou projeto de coleta seletiva, mas está destinando resíduos à incineração - que, como já foi escrito neste espaço, é um caminho problemático, porque custa muito caro e desperdiça recursos reutilizáveis e/ou recicláveis. Itajaí, em Santa Catarina, entrou pelo mesmo caminho. Mas a cidade paulista de Itu implantou a coleta em toda a cidade, em contêineres, para os quais os moradores de cada residência levam seu lixo.

Estudo do Banco Mundial e da Climate Network, para a Cúpula do Clima que a ONU realizará em setembro, diz que uma política adequada para resíduos no Brasil poderia gerar 110 mil empregos em menos de duas décadas, além de economizar 1% da demanda total de energia no País (Folha de S.Paulo, 25/6). Hoje, diz o trabalho, 42% do que vai para os lixões poderia ir para aterros, onde, com a geração de biogás, se pode produzir energia; e a compostagem do lixo orgânico permite fabricar adubo para canteiros, praças, encostas, etc. Para isso, contudo, seria indispensável a separação doméstica do lixo.

Há situações paradoxais nessa área dos resíduos. Os administradores das cidades que não mantiverem o espaço urbano livre dos resíduos depositado nas lixeiras certamente serão punidos com a desaprovação popular e a perda de votos nas eleições seguintes. Isso, no entanto, não significa que serão beneficiados com mais votos se tiverem uma coleta e destinação adequadas - o cidadão acredita que isso é uma obrigação que já lhe custa caro no IPTU e em outros tributos, o que não é bem o caso. Os lugares da Europa onde políticas de resíduos funcionam cobram de cada casa uma taxa proporcional ao volume de lixo gerado. Mas São Paulo já revogou esse caminho... E agora, com mais prazo para os municípios ou com dois terços deles não cumprindo a PNRS, como será?

Munição eleitoral - LUIZ GARCIA

O GLOBO - 01/08


Quando atingidos por críticas de adversários políticos, os ocupantes do poder costumam reagir, com a ênfase que considerarem oportuna e necessária


Pelo menos em tese, no sistema político vigente no Brasil cidadãos e instituições privadas têm direito a ter opinião sobre o que acontece no país, e isso inclui, obviamente, o comportamento de quem o governa. Quando atingidos por críticas de adversários políticos, os ocupantes do poder costumam reagir, com a ênfase que considerarem oportuna e necessária.

Temos, no momento, um episódio de natureza inédita: o banco espanhol Santander enviou aos seus correntistas de alta renda um comunicado que provocou enérgica reação da presidente Dilma. O que era inevitável. Para os especialistas do banco, a economia do país está enfrentado séria crise, com “baixo crescimento e alta inflação”.

A análise do Santander é fortemente pessimista, ao acrescentar: “Difícil saber até quando vai durar esse cenário e qual será o desdobramento final de uma queda ainda maior de Dilma Roussef nas pesquisas.” Um político da oposição dificilmente seria mais pessimista.

Dilma e Lula reagiram com previsível energia. E o banco se encolheu: imediatamente anunciou ter demitido um funcionário devido ao episódio. Segundo o presidente do Conselho do Santander, Emilio Botin, “a pessoa foi demitida porque o banco, advertido, disse que tinha de ser demitida antes”. Não é uma explicação que se entenda com facilidade, e é bem possível que não seja engolida com facilidade no Palácio do Planalto.

Note-se que a análise pessimista do Santander não é uma atitude isolada. Recentemente, a Consultoria Empiricus, que analisa o comportamento de ações na Bolsa, fez uma campanha na internet aconselhando investidores sobre “como proteger seu patrimônio em caso de reeleição da Dilma”. A campanha saiu do ar depois de um protesto do PT no Tribunal Superior Eleitoral.

Pelo visto, a reação do Planalto foi eficaz. Um economista ouvido pelo jornal afirmou que, devido à atitude do governo, “os analistas não serão mais tão agressivos em suas declarações”. É mesmo o que se pode esperar: especialistas do mercado não são políticos, e nada têm a lucrar com a antipatia de quem manda no país. Cabe aos partidos que se opõem ao governo transformar essa antipatia em munição eleitoral.

Ódio a Israel - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 01/08


O ódio a Israel, sem coragem de dizer seu nome, usa corpos de mulheres e crianças como escudo moral


O Hamas tem dois grandes aliados: um número maior de mortos e o ódio covarde a Israel. É um ódio dissimulado, sem coragem de dizer seu nome, que usa os corpos de mulheres e crianças como escudo moral, mas que mal esconde sua natureza. Sessenta e seis anos depois da "partilha", renegada, então, pelo mundo árabe --e só por isso surgiu uma "causa palestina"--, eis que Israel continua a lutar por sua sobrevivência. Já teria sido "varrido do mapa" se, confiante na paz, não houvesse se preparado para a guerra.

O país poderia ter sucumbido já em 1948. Resistiu. Poderia ter sucumbido em 1967, mas venceu espetacularmente. Poderia ter sucumbido em 1973 --e preferiu, de novo, sobreviver. Mas seus inimigos, e não me refiro aos palestinos, ganharam a guerra de propaganda. O espírito de um tempo sempre se impõe à maioria das consciências porque não se faz de um único equívoco, mas de muitos, que se combinam num sistema e tornam a ignorância confortável. Prevalece até que equívocos novos componham outra metafísica influente.

Israel hesitou bastante em fazer a incursão terrestre a Gaza. Seriam muitos os mortos, dadas as características demográficas da região e a forma como o Hamas se organiza. Adicionalmente, tinha-se como certa a perda de soldados. O óbvio está se cumprindo. Há quantos anos o mundo assiste impassível à conversão de Gaza numa base de lançamento de mísseis? Quantas foram as advertências ignoradas pelo Hamas? Como reagiu a organização terrorista ao assassinato de três adolescentes judeus? Justificou a ação criminosa, aplaudiu-a e chamou o inimigo para a guerra, esgueirando-se, armada até os dentes, entre mulheres e crianças, cujo sangue fertiliza seus delírios homicidas.

Há, sim, entes genocidas naquela região. E não é Israel. Um deles é o Hamas. É moral e intelectualmente delinquente ignorar o conteúdo do seu estatuto (is.gd/MUIyvh). Está lá: "Israel existirá e continuará existindo até que o Islã o faça desaparecer". Ou ainda (Artigo 13): "As iniciativas [de paz], as assim chamadas soluções pacíficas e conferências internacionais para resolver o problema palestino, se acham em contradição com os princípios do Movimento de Resistência Islâmica, pois ceder uma parte da Palestina é negligenciar parte da fé islâmica". Tudo claro. Dilma Rousseff só não lê porque Dilma Rousseff não lê.

O tal espírito do tempo faz com que palavras e expressões sejam repetidas preguiçosamente. Uma delas é "reação desproporcional". Seria "proporcional" Israel jogar, a esmo, 2.000 foguetes contra Gaza? Quando os terroristas palestinos lançam seus mísseis, estão em busca de alvos militares? Tenho a tétrica suspeita de que muitas consciências se pacificariam se os mortos israelenses também estivessem na casa dos 1.400. Uma forma de proporcionalidade... Só não há milhares de vítimas em Israel porque o Domo de Ferro intercepta foguetes no ar. A vontade de matar do Hamas é compatível com a sua convicção genocida. Os terroristas não têm é competência. Israel pode, sim, ser acusado de impedir que a adquiram. Será que o país deveria fazer o contrário e franquear ao inimigo as condições de sua própria aniquilação? Não haverá o fim do bloqueio a Gaza enquanto Gaza for a base dos que querem o fim de Israel. Ponto.

Publiquei no último dia 16 um vídeo (is.gd/ydf8qO) com uma entrevista de Sami Abu Zuhri, porta-voz do Hamas, à TV Al-Aqsa, que pertence ao grupo. O entrevistador afirma: "As pessoas [em Gaza] estão adotando o método dos escudos humanos...". Zuhri se regozija: "Isso comprova o caráter dos nossos nobres, dos nossos lutadores da Jihad. (...) Nós, do Hamas, convocamos o nosso povo para que adote essa política".

Imaginei que a entrevista seria um escândalo. No Brasil, só ganhou o devido peso no meu blog. É que as "pessoas boas e justas" estavam muito ocupadas escondendo seu ódio ao país nos corpos de mulheres e crianças e atacando Israel com os mísseis do preconceito e da ignorância. Não há Domo de Ferro que os intercepte. Espírito do tempo.

A voz do povo - DORA KRAMER

O ESTADO DE S.PAULO - 01/08


O dado mais chamativo da pesquisa Ibope sobre as eleições estaduais não é o alto índice de intenção de votos do governador de São Paulo nem a embolada da disputa do Rio ou o empate que vai se desenhando em Minas entre PT e PSDB.

Esses três colégios eleitorais têm lá suas peculiaridades, a começar pelo significativo fato de que concentram mais de 40% dos 142 milhões 822 mil e 46 brasileiros aptos a votar em outubro próximo, de acordo com a contagem do Tribunal Superior Eleitoral.

Antes de comentar o que se passa pelo chamado Triângulo das Bermudas vamos ao centro do Brasil, na capital do País onde está o Congresso Nacional que, em maio de 2010, aprovou a lei da Ficha Limpa resultante de uma emenda constitucional de iniciativa popular com mais de um milhão de assinaturas.

A emenda chegou ao Parlamento no ano anterior. Desacreditada. Nada indicava que iria adiante, até porque os maiores partidos, PT e PMDB, faziam corpo mole. A oposição percebeu a chance e se aliou à mobilização das entidades que patrocinavam o movimento e, na virada do ano (eleitoral) a emenda ganhou força e adesão.

Ao fim do processo, Câmara e Senado chegaram à conclusão de que seriam inelegíveis candidatos que tivessem tido o mandato cassado, renunciado para evitar a cassação ou sido condenados por decisão de órgão colegiado.

Neste último item enquadra-se o candidato líder nas pesquisas para o governo do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Ele tem 32% das intenções de voto, dianteira substantiva em relação aos adversários, o atual governador Agnelo Queiróz, do PT (17%), e Rodrigo Rollemberg, do PSB (15%).

Arruda foi condenado por improbidade administrativa no dia 9 de julho pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Cinco dias antes havia registrado sua candidatura na Justiça Eleitoral.

Isso porque o julgamento anteriormente marcado para 25 de junho havia sido suspenso a pedido de um ministro do TJ e remarcado por decisão de Joaquim Barbosa, que acolheu recurso do Ministério Público ao Supremo Tribunal Federal.

Arruda foi acusado de ter dado dinheiro à deputada Jaqueline Roriz em troca de apoio à campanha dele ao governo do DF em 2006. Na investigação do caso, o então candidato aparece em vídeo recebendo um pacote de dinheiro. Nessa história, perdeu o mandato de governador.

Mas, não foi só isso. Em 2001 havia sido apontado como responsável pela violação do painel de votação do Senado na sessão que cassou o mandato do então adversário (hoje seu aliado) Luiz Estevão. Arruda chorou, jurou pela vida dos filhos que era inocente e depois, diante das evidências, reconheceu o malfeito cometido para agradar ao senador Antônio Carlos Magalhães.

Sem saída, desculpou-se aos prantos e renunciou ao mandato. Voltou em 2002 como deputado federal muito bem votado e, quatro anos depois, como governador protagonista do escândalo que o enquadraria na lei da Ficha Limpa.

Só em tese, porque na prática a tecnicalidade jurídica dos quatro dias de prazo lhe garante condições de elegibilidade. Mas, e a realidade? Esta aconselharia que o eleitorado soubesse reconhecer, a olho nu, sem ajuda da Justiça, um candidato ficha suja e eliminá-lo por espontânea vontade da disputa.

Triângulo. Tudo muito inusitado, principalmente no tocante ao morno Geraldo Alckmin com 50% de intenção de votos sendo representante de um partido com natural desgaste depois de 20 anos no poder e com todos os problemas de abastecimento de água.

E a situação no Rio? Lá todos são (mais ou menos) "Dilma" e o primeiro colocado, Anthony Garotinho, com 21%, é também o campeão da rejeição com mais que o dobro disso, 44%.

Em Minas, a disputa antes favorável ao PT caminha para um embate acirrado com o PSDB. Tudo imprevisível, eleição como nunca antes neste País.

E o Lula, hein? - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 01/08


BRASÍLIA - Dúvida atroz: será que Lula escapa incólume, sem um arranhão, da onda de rejeição a Dilma Rousseff e ao PT?

Se Dilma acumula 35% de rejeição nacional, 47% no Estado de São Paulo e estonteantes quase 50% na capital paulista...

Se o prefeito Fernando Haddad tem baixa aprovação e o candidato Alexandre Padilha patina em constrangedores 4 ou 5% nas pesquisas no maior colégio eleitoral do país...

Se o pemedebista Paulo Skaf não quer ouvir falar de Dilma em seu palanque paulista e o petista Fernando Pimentel a esconde em Minas...

Se, além de São Paulo, os candidatos petistas estão emperrados no Rio e demais Estados onde concorrem...

... conclui-se o óbvio: a coisa está feia não só para Dilma, que o PT tanto critica, mas para o próprio partido. Até porque, bem ou mal, ela continua favorita nas pesquisas.

E onde se encaixa Lula nisso? Uma dedução natural é que essa convergência de rejeições (à candidata e ao PT) deve atingir, mais cedo ou mais tarde, em maior ou menor grau, a popularidade do próprio Lula. Será?

Afinal, ele foi o inventor de Dilma, Haddad e agora Padilha, além de ser o grande líder do PT. Difícil imaginar que todos paguem o pato e ele continue mantendo a mítica intocável.

Vale o registro de que Lula adora futebol, mas a Copa começou, encantou e acabou, e não se viu nem ouviu falar de Lula em estádios ou em eventos da seleção brasileira.

O Lula de hoje é o das entrevistas a blogs camaradas, reuniões a portas fechadas com Dilma, articulações com a cúpula da campanha, assembleias da CUT. E, claro, dos auditórios protegidos e do aconchego dos ambientes do PT. Na campanha para valer, só deve ir ao Nordeste e a palanques pré-selecionados. Vai na boa, nada de bola dividida.

Ou está se descolando da rejeição (de Dilma e do PT) e se prevenindo de eventuais derrotas alheias, ou tem pesquisa mostrando que a coisa não anda boa também para o lado dele.

Pessimismo inadmissível - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O ESTADÃO - 01/08


Convencida de que "há no Brasil um jogo de pessimismo inadmissível", a presidente Dilma, coadjuvada pela cúpula do PT, parece tentada a reverter o jogo na marra.

O ensejo para desencadear uma operação de intimidação dos "pessimistas" foi o texto, enviado a clientes, em que o Banco Santander repisa a constatação, amplamente discutida na mídia, de que o mercado financeiro tem reagido positivamente à queda de popularidade da presidente. As primeiras reações couberam ao presidente do PT, Rui Falcão, que informou que o comitê da campanha estava avaliando se era o caso de entrar com medida judicial contra o banco, já que o que havia ocorrido era "proibido, porque você não pode fazer manifestações que, por qualquer razão, interfiram na decisão do voto". Com base nesse argumento, Falcão permitiu-se fazer admoestações: "Espero que daqui para a frente nem o Santander nem nenhuma outra instituição incorra nesse tipo de atividade" (Estadão, 26/7).

A investida de Falcão foi logo reforçada pelo Planalto. Em entrevista à Folha de S.Paulo (29/7), Dilma partiu para cima: "É inadmissível para qualquer país, principalmente um país que é a sétima economia do mundo, aceitar qualquer nível de interferência de qualquer integrante do sistema financeiro, de forma institucional, na atividade eleitoral e política". E acrescentou que não queria antecipar o que faria, mas que teria "uma atitude bastante clara em relação ao banco".

São reações que revelam visão espantosamente autoritária do que deve ser o processo eleitoral numa sociedade democrática. Na encruzilhada política em que o País está, é natural que, entre muitas outras considerações, cada eleitor leve em conta como poderá ser afetado pela evolução da economia nos próximos quatro anos. Para que possa tentar vislumbrar essa evolução, é bom que o eleitor seja exposto a amplo leque de visões prospectivas dos desdobramentos econômicos de diferentes desfechos do processo eleitoral.

Parte desse esforço prospectivo é desenvolvida em instituições acadêmicas e institutos de pesquisa. Mas, goste ou não o governo, grande parte desse esforço é também desenvolvida em departamentos de pesquisa de instituições financeiras, grandes empresas, firmas de consultoria, sindicatos de trabalhadores e órgãos de representação patronal. Com base na repercussão desse leque variado de visões prospectivas na mídia e nas redes sociais, eleitores formam expectativas sobre a evolução da economia e, em alguma medida, conseguem relativizar o discurso econômico dos candidatos a presidente.

O que Dilma Rousseff e a cúpula do PT estão tentando fazer é interditar parte desse confronto de visões prospectivas. Querem ditar quais segmentos da sociedade civil podem participar desse debate e quais não podem. O que lhes falta é uma Lei (Rui) Falcão que imponha um regime em que a CUT possa brandir à vontade o mantra de que a vitória da oposição é receita certa para arrocho salarial, mas instituições financeiras não possam nem mesmo afirmar que a vitória de Dilma seria deletéria para acionistas da Petrobrás e de empresas do setor elétrico.

Melhor faria o Planalto se, refeito do surto de autoritarismo, tentasse entender o que vem alimentando a onda de pessimismo de que se queixa. Logo perceberia que o problema básico é o discurso escapista do governo. Ainda não se tem a menor ideia do que Dilma faria em 2015 para enfrentar o grave quadro de estagflação que o País enfrenta. Para continuar fechada em copas sobre a definição da sua equipe econômica, a presidente vem alegando que, por ser supersticiosa, prefere não antecipar nomes antes de ser reeleita.

Mas esse suposto sigilo esconde um segredo de polichinelo. Quem quer que tenha acompanhado de perto a política econômica nos últimos anos bem sabe que, se reeleita, a presidente não abrirá mão de continuar a controlar pessoalmente a formulação e a condução da política econômica.

É dessa percepção de que nada vai mudar que advém boa parte da onda de pessimismo que tanto incomoda o governo.

Fiel depositário - MARIA CRISTINA FERNANDES

VALOR ECONÔMICO - 01/08

Termina amanhã o prazo para os candidatos entregarem à Justiça Eleitoral a primeira parcial de sua arrecadação de campanha. Os números a serem divulgados a partir da próxima quarta-feira devem reproduzir a pontuação das pesquisas. Na disputa majoritária lidera a arrecadação quem demonstra mais chance de ganhar e não quem se identifica com o financiador.

É por isso que, a despeito do azedume empresarial com sua reeleição, o chapéu da presidente Dilma Rousseff deve aparecer como o mais cheio e o do ex-governador Eduardo Campos, o mais aplaudido da sabatina industrial da semana, mais vazio que o do senador Aécio Neves.

Supremo tribunal Federal ameaça colocar este retrato na parede depois das eleições, quando a maioria, já formada, deve confirmar a derrubada da regra que aceita o financiamento da política pelas empresas.

As apreensões da última eleição antes do fim do mundo

É difícil prever o que virá se a mudança se confirmar. A resistência empresarial, de tão grande, ainda levanta dúvidas sobre os condicionantes que podem vir a ser colocados à sua aplicação.

A resistência extrapola muito aquilo que o ministro Teori Zavascki, o único voto contrário, dos sete já registrados, chamou de messianismo judicial - a pretensão do tribunal de eliminar a interferência econômica na política com a mudança de uma norma.

Um grande empresário se diz apreensivo com a possibilidade de a mudança torná-lo vítima do achaque de políticos. Coleciona uma ampla carteira de financiados para evitar que, na hora do perrengue, quando precisa tirar um diretor de estatal da retranca, tenha que enfrentar o leilão de intermediários fortalecidos pelo mercado negro das campanhas eleitorais. Avesso ao risco, prefere montar sua bancada.

A mudança, se confirmada pelo Supremo, proibirá doações de empresas, como acontecia na ditadura militar, mas não a de pessoas que, sobrando dinheiro no fim do mês, se disponham a investi-lo na política.

Uma mudança na regra obrigaria a uma exposição de risco. As empresas podem até admitir bancadas, mas nem sempre é conveniente para seus acionistas expor as amizades que fazem na política.

Os beneficiários das doações de grandes bancos e empresas podem não ser os depositários das crenças dos seus executivos, mas são a melhor aposta para seus negócios. Não se trata de doação, mas de investimento.

A torcida mal disfarçada nas análises sempre será neutralizada nas posições da tesouraria de bancos e empresas. Ainda está por ser construído, na zona cinzenta dos interesses privados na política, o hedge das doações de pessoas físicas.

A analista do Santander demitida na semana passada teve o mesmo destino do economista do escritório do banco em Nova York que, em 2002, face à iminência do primeiro presidente petista, recomendou venda de título brasileiro. Nem aquele episódio nem o atual afastarão PT e governo do banco. Rui Falcão, presidente do partido, apressou-se a esclarecer que governos estaduais e municipais petistas não romperão contratos com o banco. É uma briga para consumo eleitoral.

Como outros grandes financiadores, o Santander doa para todos os candidatos e forma bancada independente das convicções políticas de seus executivos. Isso acontece no mundo todo, mas em poucos lugares os interesses de investidores e eleitores são tão conflitantes como no Brasil. Não apenas pela acachapante parcela dos eleitores que só têm dinheiro para investir no supermercado e no ônibus mas porque aqui eles são obrigados a votar. Não há como neutralizar posição ou fazer hedge contra o voto da maioria.

Luiz Inácio Lula da Silva surpreendeu como um seguro investimento eleitoral. Continuou carregando isopor com cerveja na cabeça enquanto garantia os ganhos de quem nunca deixou de vê-lo como um líder populista.

Dilma não seguiu a cartilha combinada à risca e agora Lula, que já não precisa carregar isopor, está tendo mais dificuldade em segurar o chapéu. "Em 2010 a gente confiou porque Lula pediu. Agora todo mundo conhece Dilma. Só vamos ajudar se ele garantir que ela vai fazer o que deve. Ele vai ser nosso fiel depositário", diz um empresário.

Entre as tarefas que o depositário terá que acordar com a infiel candidata está a de mudar a política de preços da Petrobras. A indústria se queixa da gasolina barata para os brasileiros que o PT motorizou às custas da carestia em outros derivados. A pauta dos liberais inclui ainda a volta da contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide) sobre a gasolina, para viabilizar o etanol, e uma guinada nos modelos de concessão. As tarifas teriam que ser garantidas em contrato e não por subvenção do BNDES.

A política externa é outro tema que divide convicções e interesses. Da clientela Selecta para cima, a companhia de europeus e americanos é preferível à dos populistas que ainda resistem no outro lado das fronteiras brasileiras ou à dos Brics, mas, para uma fatia importante do capital, o mercado aberto pela diplomacia empresarial na América Latina e no Atlântico Sul deve ser mantido.

O empresário não tem dúvidas de que Aécio é melhor toureiro e se indaga o que seria de sua campanha se as empresas já não pudessem doar. Na sua avaliação, o senador sabe montar equipe e delegar. O temor é que o Ministério da Fazenda, sob titularidade tucana, volte a ser uma repartição em que industriais sejam considerados presenças indesejadas.

Eduardo Campos também toureia e tem mais gosto pela gestão que o senador tucano, mas, na avaliação deste empresário, não tem equipe. Tem sido prejudicado, nesta campanha, pela dianteira precoce assumida por Aécio como candidato da oposição.

E Dilma? Esta não é para amadores. "Não adianta achar que ela vai querer te ajudar. Ela não ajuda ninguém. Você tem que fazer por onde convencê-la que seu projeto se encaixa nas prioridades do governo. Lula era mais sensível a argumentos como o risco de demissões e o esforço na construção de uma solução de consenso. Dilma só cede à racionalidade econômica e republicana."

Como não há expectativa de mudança na postura da presidente, a saída é convocar o fiel depositário e garantir ajuda à concorrência para o caso de ser preciso trocar a bancada.

A novela do Santander - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 01/08


SÃO PAULO - Não pretendia comentar a novela em torno da analista do Santander, mas mudei de ideia por considerar que a história diz muito a respeito da situação atual do país.

Não é preciso ser um gênio das finanças para perceber que, assim como a Bolsa subiu com as pesquisas eleitorais que registravam uma piora no desempenho de Dilma Rousseff, é perfeitamente lógico esperar que ao menos parte dos ganhos seja revertida caso a presidente some pontos nas sondagens. Nesse contexto, a analista que alertou os clientes do banco para essa tendência, até óbvia, não fez mais do que cumprir sua obrigação profissional. Talvez lhe tenha faltado alguma habilidade diplomática, mas esse não é requisito essencial para a função que exercia.

O PT e a campanha presidencial viram no texto da moça, cujo nome está felizmente sendo preservado, uma oportunidade para posar de vítima das elites e do capital financeiro internacional, e resolveram explorar eleitoralmente o episódio. Esse tipo de discurso, por incrível que pareça, ainda funciona. Não foi uma atitude muito bonita, mas não chega a violar as regras da democracia, como alguns andam acusando. Campanhas não são exatamente um jogo pautado por regras de cavalheirismo.

O problema é que o banco, em vez de defender a analista, demitiu-a e enviou a Dilma um pedido de desculpas. O próprio presidente mundial da instituição apareceu para fazer salamaleques ao governo. Com isso, o Santander mostra que considera mais importante manter um bom relacionamento com o Planalto do que aproveitar o episódio para sugerir a seus clientes que coloca seus interesses em primeiro lugar.

Poderia ser só uma discutível decisão de marketing, mas, nas entrelinhas, transmite a mensagem de que não são só os marcos institucionais que pautam o relacionamento entre bancos e governo e que mesmo grandes casas dependem das boas graças do Planalto. Isso, sim, é preocupante.

Cúria quase perde cristo - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 01/08

Chega de Brasília uma informação que pode ser considerada bizarra, mas que também pode ter implicações mais graves. No impasse acerca do filme de José Padilha sobre o Rio, que a Cúria Metropolitana vetou inicialmente por considerar que a figura do Cristo Redentor havia sido desrespeitada, mas depois liberou, a ministra da Cultura Marta Suplicy fez chegar ao cardeal Dom Orani Tempesta uma ameaça de, através de um decreto presidencial que já estaria pronto, retirar da Igreja Católica a tutela sobre a imagem que está implantada no Parque Nacional da Tijuca, sob o controle da União.

O monumento foi erigido em área cedida pela União à Arquidiocese do Rio na década de 1930, mas o acesso à estátua é realizado pelo Parque Nacional da Tijuca, administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

Recentemente, a imagem do Cristo Redentor foi eleita, em votação pela internet no mundo todo, uma das modernas Sete Maravilhas do Mundo. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, que também atuou para liberar o filme, disse que chegou a conversar com Dom Orani tentando mostrar que a imagem do Cristo Redentor é um ícone da cidade do Rio, e que como tal também deveria ser tratada e não apenas como um santuário religioso. Mas garante que em nenhum momento soube de qualquer tentativa de retirar da Igreja Católica os direitos sobre a imagem.

Os direitos de uso comercial do Cristo no Corcovado pertencem desde 1980 à Mitra Arquiepiscopal do Rio de Janeiro, e em outubro de 2006, para comemorar seus 75 anos, a estátua foi transformada num santuário católico. Há também, na base do monumento, uma capela católica devotada a Nossa Senhora Aparecida.

A Arquidiocese do Rio de Janeiro não autorizou o uso da imagem do Cristo no filme Inútil paisagem , dirigido por José Padilha, por considerá-lo inicialmente desrespeitoso. Ele é um dos dez curtas que compõem o longa-metragem Rio, eu te amo , da franquia Cities of love .

Em uma sequência do curta, o personagem interpretado por Wagner Moura, durante um voo de asa-delta, conversa com a estátua do Cristo reclamando da vida, dos seus dissabores e da violência da cidade que ele deveria proteger.

O filme foi enviado para a apreciação da arquidiocese em março, tendo sido vetado. Segundo a assessoria de imprensa da Arquidiocese do Rio na ocasião, há cenas no filme em questão que foram consideradas ofensivas à imagem do Cristo e, consequentemente, à casa dos católicos. É uma prática absolutamente normal da Arquidiocese a não autorização de qualquer produto audiovisual que avance nesse caminho .

Dias depois, diante da reação negativa à decisão, considerada uma censura artística, o Vicariato para a Comunicação Social e a Assessoria de Imprensa da Arquidiocese anunciaram em nota a reversão da medida, pois haviam chegado à conclusão de que o episódio não visou interesse religioso no trato à imagem do Cristo Redentor, e portanto não houve desrespeito ao Cristo ou à religião católica .

O excesso de zelo dos encarregados pela imagem do Cristo, sem levar em conta o lado icônico não religioso da estátua que representa a cidade do Rio de Janeiro no mundo, pode levar a uma excessiva intervenção governamental que seria muito bem recebida em setores da sociedade contrários a esse controle da Igreja Católica sobre o monumento.

Setor público ignora a conjuntura econômica - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 01/08


O minguado superávit primário do primeiro semestre prejudica o combate à inflação e compromete a avaliação de risco da economia brasileira



A equipe econômica deve mesmo acreditar no seu próprio discurso, achando que tudo continua indo muito bem na economia. Somente isso é capaz de justificar os resultados da política fiscal no primeiro semestre. Como mais um déficit primário em junho (raro nessa época do ano), as contas consolidadas do setor público fecharam o semestre com um minguado saldo de R$ 29,4 bilhões, o mais baixo valor para o período desde 2002. Esse superávit primário acumulado diminuiu 43,6% em comparação ao do primeiro semestre de 2013, já na ocasião considerado aquém do recomendável para as condições macroeconômicas do país.

O superávit primário cobriu pouco das despesas com juros ( R$ 120 bilhões) dos seis primeiros meses do ano. Assim, o Brasil fechou o semestre com um déficit nominal nas finanças públicas da ordem de R$ 90 bilhões, o equivalente a 3,67% do Produto Interno Bruto. O desequilíbrio das contas fez com que a dívida pública se elevasse (para 34,9% do PIB, em termos líquidos, ou 58,5%, no total).

O mau desempenho das finanças públicas se deve a uma frustração nas receitas (confirmando que a equipe econômica acredita, ou, ao menos acreditava, no discurso da recuperação), sem que as despesas tenham sido ajustadas para a realidade. No caso do governo federal, maior responsável pelos resultados, a arrecadação total aumentou 7,2%, mas os gastos se expandiram 10,6%. O aumento foi de robustos 16,5% nas despesas de custeio. Os números não foram mais drásticos porque o balanço da previdência social se mostrou um mais equilibrado do que o previsto.

A trajetória da política fiscal em 2014 — na verdade, de todos os exercícios a partir da metade do segundo mandato do presidente Lula — é incompatível com o propósito de se controlar a inflação próxima à metade de 4,5%. Não por acaso os índices passaram a oscilar próximos ao teto da meta (6,5%), patamar perigoso, capaz de alimentar uma corrida entre preços e salários na qual não há ganhadores.

A leniência da equipe econômica com a inflação é uma das principais causas do desânimo que se abateu sobre a classe empresarial, que se reflete cada vez mais também na declinante confiança dos consumidores.

Essa é uma questão que não tem repercussões negativas apenas sobre o presente. Tende a médio prazo a comprometer a avaliação de risco da economia brasileira em um cenário que à frente se mostra mais restritivo à captação de capitais externos, por exemplo.

A conjuntura exige uma política fiscal responsável, para que o país possa enfrentar os desafios que estão por vir. No entanto, os últimos resultados das finanças públicas jogam por terra as esperanças de que o governo cumpriria a promessa de se empenhar para pôr ordem na casa.

Os efeitos do calote - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 01/08


Pela segunda vez desde 2001, a Argentina volta a inquietar o mundo financeiro em consequência ao mesmo tempo de reiterados equívocos de sua política econômica interna e de um insólito impasse pela intransigência de credores, que amplia os temores entre outros países endividados. Diferentemente de 13 anos atrás, dessa vez o Brasil, seu principal parceiro comercial, não corre maiores riscos de contágio financeiro e cambial. Ainda assim, o Brasil precisa torcer por uma solução rápida para a moratória técnica, que pode surgir em nova reunião marcada para hoje, em Nova York. Os formuladores da política econômica brasileira devem se preocupar também em delinear alternativas e buscar uma forma de compensação para as consequências dessa crise.
No primeiro semestre, antes mesmo da situação de calote ter se tornado incontornável, o comércio entre Brasil e Argentina já havia registrado uma queda de 20% em relação a igual período do ano passado. O aspecto complicador é que a pauta brasileira de exportações inclui automóveis, máquinas e equipamentos em geral. Há uma série de razões que tornam remota qualquer possibilidade de uma retomada imediata nas aquisições desses itens. Uma delas é que, por incompetência gerencial, o principal parceiro brasileiro no Mercosul conseguiu a façanha de reduzir suas reservas cambiais de US$ 52 bilhões para apenas US$ 27 bilhões de 2011 até agora. O impasse com a decisão da Justiça norte-americana que assegurou o pagamento integral dos títulos no caso dos chamados “fundos abutres” e o rebaixamento da nota do país pela Standard & Poor’s apenas agravaram a situação.
O dramático desfecho da excessiva politização de um tema que deveria ser tratado pela Argentina de forma técnica deve motivar o Brasil a ampliar mais as possibilidades de acordos bilaterais. Sem prejuízo das conquistas registradas até agora, o Brasil precisa buscar formas de ficar menos preso a interesses pautados mais afinidades ideológicas do que pelas perspectivas de avanços comerciais continuados.
É por objeções de países como a Argentina que o Mercosul, até hoje, não avançou nas negociações com a União Europeia, por exemplo. O Brasil precisa se abrir mais, investindo em parcerias que ampliem suas perspectivas de negociar abertamente com economias preocupadas em se manter sempre em busca de mais competitividade.

As contas públicas afundam - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 01/08


Só com uma criatividade escandalosa, ou com uma sorte quase inimaginável, o governo conseguirá apresentar no fim de 2014 um resultado fiscal parecido com o anunciado no começo do ano - um superávit primário de R$ 99 bilhões. O secretário do Tesouro, Arno Augustin, continua prometendo alcançar a meta. Já havia prometido no mês anterior, ao apresentar os números de maio, e mantém sua exibição de otimismo. O superávit primário é o dinheiro separado para o serviço da dívida - pelo menos para uma parte dos juros, como tem ocorrido no Brasil. Depois de um péssimo primeiro semestre, o governo terá apenas seis meses, em condições muito desfavoráveis, para produzir pouco mais de 70% do prometido. O resultado primário acumulado de janeiro a junho chegou a modestíssimos R$ 29,38 bilhões. Esse valor ficou 43,67% abaixo do alcançado um ano antes e corresponde a apenas 29,68% do programado para o ano inteiro.

Esse foi o saldo primário das contas gerais do setor público. Entram no balanço as contas federais, estaduais e municipais e os dados da maior parte das estatais controladas pelo Tesouro (resultados da Petrobrás e da Eletrobrás ficam de fora).

O governo central, formado por governo federal, Banco Central (BC) e Previdência Social, participou com R$ 15,37 bilhões acumulados até junho. Este valor corresponde a 19,02% do saldo programado para o poder central, de R$ 80,8 bilhões. As contas consolidadas do setor público são calculadas pelo BC e o resultado primário corresponde à necessidade de financiamento.

O Tesouro também divulga mensalmente um balanço do governo central, mas seus cálculos, um pouco diferentes daqueles produzidos pelo BC, são baseados no confronto entre receitas e despesas primárias. A pequena diferença é insuficiente para mudar o panorama. As contas do governo central estão em condições precárias há alguns anos, continuaram em mau estado no começo de 2014 e pioraram em maio e junho. No dois meses houve déficit primário. O resultado de junho, pelos cálculo do BC, foi um buraco de R$ 2,7 bilhões. Pelo critério do Tesouro, o buraco ficou em R$ 1,95 bilhão. Nenhum dos dois resultados vale uma comemoração. Ambos apontam problemas sérios na economia e na gestão do dinheiro recolhido pelo poder central. O saldo apontado no relatório do Tesouro foi o pior para o mês desde o ano 2000.

Por esse relatório, o governo central acumulou entre janeiro e junho um superávit primário de R$ 17,24 bilhões - 50,11% menor que o dos primeiros seis meses de 2013. Por esse critério, o governo terá de produzir um resultado primário de R$ 63,56 bilhões no segundo semestre - mais que o triplo do conseguido até junho - para alcançar os R$ 80,8 bilhões prometidos para todo o ano.

Esse valor será alcançado, segundo o secretário do Tesouro. Para justificar seu otimismo, ele menciona a expectativa de crescimento econômico maior no segundo semestre, com maior arrecadação de impostos e contribuições, e o ingresso de receitas especiais, como os pagamentos, a partir de agosto, do novo Refis. O refinanciamento de dívidas tributárias, segundo a estimativa inicial, deveria render R$ 12,5 bilhões neste ano. A projeção foi elevada para R$ 15 bilhões e, em seguida, para R$ 18 bilhões.

Mas os técnicos da Fazenda apostam ainda na entrada de outros recursos. Alguns já começaram a entrar na primeira metade do ano. A receita de dividendos pagos por estatais, de R$ 10,49 bilhões no semestre, foi 36,3% maior que a de janeiro a junho de 2013. Esse valor representou 60,85% do superávit primário acumulado no período. Se a conta incluir a arrecadação de bônus de concessões, de R$ 1,24 bilhão, as receitas extraordinárias, isto é, fora do padrão recorrente, corresponderão a 68,08% do resultado primário contabilizado até junho.

É preciso levar em conta o peso desse tipo de receita para avaliar a condição das contas públicas. Contas sólidas e sustentáveis são aquelas dependentes da arrecadação rotineira de tributos e da gestão prudente dos gastos. As contas brasileiras estão muito longe desse padrão.

Pagar quando puder - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 01/08


Calote na Argentina decorre de uma decisão exagerada da Justiça dos EUA aplicada a um país há anos sob gestão econômica trôpega


A Argentina tornou-se outra vez inadimplente, agora de modo um tanto involuntário. Seu governo, porém, não é inocente das mazelas atuais: descrédito internacional e renovada crise doméstica.

A mais nova dificuldade deve-se à disputa com os credores de 8% de sua dívida repudiada em 2001, os "holdouts" ou "abutres", que compram, por valores menores, dívidas não honradas.

A Justiça dos Estados Unidos, sob cuja lei o débito foi contratado, decidiu que o governo argentino tem permissão de honrar seus compromissos com os credores da dívida renegociada apenas se também arcar com o que deve aos "holdouts" ou "abutres" --o que o país vizinho não pode fazer.

Como está impedida de pagar os juros da parte renegociada, considera-se que a Argentina entrou em calote, embora negociações tardias possam reverter a situação.

Apesar das décadas de má política econômica, a sentença judicial cria precedente capaz de levar a impasses mais graves. Reconheceu-se que credores minoritários têm o poder de impedir a reestruturação de dívidas de governos, não importa o mérito da renegociação.

Não estranha, assim, que o próprio governo americano tenha considerado exagerada a decisão da Justiça de Nova York. Mesmo empresas estão sob o abrigo de lei que permita sua recuperação judicial.

Em que pese o extremismo, vale lembrar que apenas a partir de 2013 a Argentina procurou refazer suas relações com o mercado financeiro internacional, de onde está praticamente afastada desde 2001.

O país está em recessão, fruto em parte de populismo econômico. Sem crédito, a Argentina corre o risco de crise de pagamentos, pois o comércio exterior quase não fornece os meios de bancar despesas internacionais. Tomar empréstimos no mercado nacional custaria juros altíssimos, dados a desordem e o histórico de calotes.

A primeira reação ao inadimplemento, em todo caso, foi moderada. Não é improvável, porém, que a tensão política e alguma redução no escasso financiamento externo restante provoquem desvalorização da moeda e, assim, inflação e recessão mais intensas.

A redução no consumo e as medidas de contenção de deficit comerciais já diminuíram as vendas brasileiras para a Argentina em 20% na primeira metade de 2014.

O impacto, como ficou óbvio neste ano, será mais sentido na indústria automobilística. A crise argentina, ainda assim, não deve tirar mais de poucos décimos do crescimento brasileiro, também minado por uma gestão econômica trôpega --embora nem de longe tão inepta como a da Argentina sob o governo Kirchner.

Argentina vai precisar de ajuda - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 01/08

Em toda guerra, a verdade é sempre a primeira vítima. Na batalha que o governo da Argentina trava - e está perto de perder - com a Justiça de Nova York e com fundos chamados "abutres", para evitar a situação de default (calote) de sua dívida externa, não tem sido diferente.
Ontem, o chefe de gabinete da Casa Rosada, Jorge Capitanich, acusou os Estados Unidos pela falta de acordo entre o governo de seu país e os fundos norte-americanos, que representam 7% dos credores da Argentina e têm US$ 1,3 bilhão a receber. Eles compraram os papéis de investidores que, em 2005, se recusaram a aceitar a redução de até 35% do valor original e ganharam na Justiça o direito de recebê-los integralmente. Capitanich classificou o juiz do caso, Thomas Griesa, de "agente dos fundos".

Não é bem assim. Juiz não cria a lei. Ele apenas faz com que ela seja cumprida. Antes, tenta promover negociações e acordos entre as partes. Por seu lado, os fundos acusaram o governo da Argentina de não oferecer proposta aceitável. Não é bem assim. A Argentina não pode pagar a esses fundos nada fora das bases negociadas na reestruturação da dívida, sob pena de ver todos os demais credores recorrerem ao mesmo juiz em busca da diferença.

Como não houve acordo com os fundos "abutres", o negociador nomeado pela Justiça para intermediar os entendimentos declarou que a Argentina estava em situação de default. A Argentina alega que não está nessa condição, já que chegou a depositar a parcela (US$ 835 milhões) dos credores reestruturados, que vencia naquela data, mas que, em razão da decisão de Griesa, ficou bloqueada.

É mais um caso em que cada um dos lados tem suas razões e adianta pouco a tomada de posição de amigos, parceiros e vizinhos dos argentinos, como o Brasil. O que resta é torcer. Primeiro, para que uma reunião convocada para hoje pelo juiz termine em acordo, ou para que os bancos argentinos consigam convencer os fundos em litígio a vender-lhes por preço razoável os créditos que cobram na Justiça (últimas esperanças). Depois, para que a Argentina saia logo desse buraco.

Não tem o Brasil absolutamente nada a ganhar com mais esse drama argentino. É certo que, com reservas cambiais de US$ 380 bilhões e com a moeda razoavelmente estável (na Argentina, a inflação já passa dos 20% e tende a subir mais com o calote), a economia brasileira não deve sofrer qualquer restrição ao crédito.

As perdas virão no campo comercial. A Argentina é nosso terceiro maior importador e o primeiro em manufaturados - especialmente, veículos, autopeças, máquinas, equipamentos e eletrodomésticos. Em 2013, o Brasil exportou US$ 19,6 bilhões para o país, resultado que vem sofrendo redução este ano e poderá ser duramente afetado se o vizinho perder acesso ao crédito para importar. A crise vem em má hora para o Brasil, que opera com deficit nas contas externas. O pragmatismo terá de falar mais alto e deve caber a Brasília o papel de liderar movimento regional de ajuda para a rápida volta do parceiro comercial à condição de indispensável.

Calote argentino - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

 GAZETA DO POVO - PR - 01/08


O que a Argentina e o Mercosul deixam subentendido é que contratos podem ser cumpridos ou não, de acordo com a vontade do governante


No fim da manhã de hoje, uma audiência na Justiça de Nova York representará mais uma tentativa de tirar a Argentina da situação de calote em que o país se encontra desde quarta-feira, quando fracassaram as negociações entre o governo argentino e alguns de seus credores no último dia do prazo dado à Argentina para que os pagasse. No mesmo dia, a agência de classificação de risco Standard and Poor’s já rebaixou a nota dos títulos argentinos, de CCC- para SD, as iniciais de “default seletivo”. Pode-se dizer que o calote de 2014 é uma sequência de outro episódio, o de 2001.

Naquele ano, a Argentina deu o maior calote de sua história, incapaz de pagar as dívidas contraídas após lançar títulos em dólar para poder bancar a expansão de sua base monetária em pesos, já que durante os anos 90 a Argentina só podia emitir moeda local se estivesse lastreada em dólar. Esses títulos foram emitidos tendo a Justiça de Nova York como foro escolhido para resolver eventuais disputas. Em duas rodadas de negociação, em 2005 e 2010, a Argentina conseguiu renegociar 92% de sua dívida; o restante ficou nas mãos de credores que decidiram cobrar na Justiça o que lhes era de direito. Esses credores foram beneficiados pela ausência, nos títulos originais, da chamada “cláusula de ação coletiva”, que teria obrigado os resistentes a também aceitar a reestruturação da dívida. Esse grupo inclui os pejorativamente chamados “fundos abutres” (assim denominados por sua prática de comprar títulos em calote por preços baixíssimos e depois tentar receber seu valor integral); um deles, o NML Capital, é o que está no centro da batalha judicial que se desenrola nos Estados Unidos.

No entanto, havia uma outra cláusula desses mesmos títulos que colocava em igualdade de condições aqueles que aceitassem uma reestruturação da dívida (chamados holdins) e os que não a aceitassem (os holdouts). Ou seja, a Argentina não poderia pagar uns sem pagar os outros. Foi por isso que a Justiça nova-iorquina bloqueou US$ 539 milhões destinados ao pagamento de holdins: esse dinheiro não poderia chegar aos credores se o NML também não recebesse a sua parte até 30 de julho, seguindo ordem do juiz Thomas Griesa. O NML tem direito a US$ 1,3 bilhão, mas um efeito cascata poderia obrigar a Argentina não apenas a pagar todos os US$ 15 bilhões de dívida em mãos de holdouts – o equivalente a metade das reservas argentinas –, mas também a compensar os holdins oferecendo a eles as mesmas vantagens dadas aos holdouts, graças a uma outra cláusula, chamada Rights Upon Future Offers (Rufo) e que está presente nos títulos reestruturados.

Vários credores holdins já anunciaram sua disposição em abrir mão da cláusula Rufo para ajudar a destravar a negociação. Uma outra possibilidade é a de os bancos privados argentinos comprarem os títulos dos holdouts pelo preço que os “abutres” pedirem; a partir daí, o governo negociaria com seus compatriotas os termos do pagamento dessa dívida. Não se sabe, no entanto, se audiência de hoje tem relação com essa hipótese, ou se haverá cartas diferentes na mesa.

Renegociações de dívidas envolvem uma boa dose de discernimento por parte dos credores, que precisam avaliar se o devedor realmente está demonstrando boa vontade ou se busca apenas uma maneira de protelar o pagamento. Muitos credores acabam considerando que a possibilidade de receber menos que o originalmente devido, ou em um prazo mais elástico que o previsto inicialmente, compensa mais que a chance de acabar de mãos abanando, sem receber nada. Mas, se um credor prefere insistir no cumprimento do contrato original, está no seu direito. É isso que, a julgar por sua retórica, os argentinos se recusam a aceitar – com apoio do Mercosul, inclusive. A nota do bloco nega que a Argentina pudesse entrar em default porque ela estaria “realizando pontualmente seus pagamentos”, mas estes estariam sendo bloqueados. Isso pode ser verdade no caso dos holdins, mas, no caso dos holdouts, é evidente que o governo argentino estava ignorando os contratos – e, com isso, prejudicando também os credores que aceitaram renegociar a dívida. Em outras palavras, o que a Argentina e o Mercosul deixam subentendido é que contratos podem ser cumpridos ou não, de acordo simplesmente com a vontade do governante de plantão. Não surpreende que, ao agir assim, a Argentina goze de cada vez menos credibilidade no mercado internacional.