terça-feira, julho 22, 2014

Tolerância à inflação - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA


A inflação, medida pelo IPCA, rompeu o teto da meta (6,5%). No acumulado em doze meses, atingiu 6,52% em junho. Não fosse a repressão aos preços de combustíveis, energia elétrica e outros, chegaria pelo menos a 8%.



Entre os 26 países que adotam o regime de metas para a inflação, somente três exibem número pior: Gana, Indonésia e Turquia. Nos governos do PT, a característica tem sido a tolerância com a alta de preços, salvo quando Antonio Palocci era o ministro da Fazenda (2003-2006).

A partir dos anos 1950, o Brasil se notabilizou como o país mais tolerante à inflação. Preferimos conviver com seus efeitos a combater suas causas. Prevalecia a visão equivocada de que um pouco de inflação ajudaria o desenvolvimento. Renegavam-se as politicas de estabilização, alegando o custo, mesmo que temporário, da queda da produção e do emprego. A esquerda inventou a expressão "arrocho salarial" para definir o efeito da terapia. É como se fosse possível curar uma bebedeira com mais pileques.

A alta inflação promoveu naturais movimentos de defesa via indexação de preços e salários. Após breve redução entre 1965 e 1973, a alta dos preços retomou a marcha ascendente, somente interrompida pelo Plano Real. De tão entranhada, a indexação nos trouxe outra distinção: a economia na qual os remédios anti-inflacionários tradicionais — políticas monetárias e fiscais mais austeras — causavam custos sociais insuportáveis. Daí o recurso a meios não convencionais, como o congelamento de preços — que fracassou — e, depois, o brilhantismo da URV do Plano Real, que assegurou a transição para uma economia estável, e de indexação branda e de maior prazo, como ocorre onde se leva a estabilidade a sério.

De 2007 em diante, a tolerância à inflação voltou à cena. A meta foi mantida teimosamente em 4,5%. Mais, o teto fixado (6,5%) tornou-se a própria meta. Em vez de buscar os 3% característicos dos países emergentes (2% no Peru), retornamos à velha cantilena de que é possível crescer mais com mais inflação. Em maio, a presidente Dilma descartou veementemente os 3%. Para ela, essa meta elevaria o desemprego para 8,5% ou mais. Nos países vizinhos onde vigora tal meta, as taxas de desemprego e crescimento do PIB são melhores do que as nossas.

Por causa dessa renovada tolerância e da provável influência política nas decisões do Banco Central, a inflação do Brasil tem sido muito alta. Se o IPCA de 2014 ficar nos 6,5% (talvez mais), a inflação acumulada nos doze anos de governos petistas terá atingido cerca de 100%. Se a meta de 4,5% fosse cumprida, o acumulado seria 69,6%. Caso valesse a meta de 3%, o IPCA teria ficado em 42,6%. Não vale comparar com períodos anteriores, nos quais prevalecia uma situação completamente distinta da atual.

O Brasil comprova a tese de que taxas de inflação persistentemente altas estimulam a indexação, que, vale repetir, é uma natural estratégia defensiva. Tornou-se comum reivindicar reajustes salariais superiores a 10%, às vezes a 20% e até mais. Estudos da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) detectaram a volta do temido gatilho salarial em acordos e convenções entre empresas e trabalhadores. Como afirmou o professor Hélio Zylberstajn, "a expectativa sobre o nível de inflação futura está crescendo nas mesas de negociação. Já assistimos a esse filme nos anos 80/90.

Uma reprise não seria agradável.

O FMI examinou a inflação em 26 países que adotam o regime de metas e outros cinco. O Brasil é o que exibe a maior persistência de inflação. Nos países onde esse fenômeno acontece, o custo de trazer a inflação para a meta é mais alto. Tal custo, definido como "taxa de sacrifício", significa mais desemprego e menos produção. Nessas circunstâncias, as expectativas quanto à inflação futura — e assim o ambiente para a indexação e os gatilhos — se tornam cada vez mais negativas. Fica mais difícil aumentar o potencial de crescimento econômico.

É chegada a hora de abandonar a tolerância à inflação. Nada diz que o Brasil não possa caminhar para uma meta anual de 3%. A experiência mundial prova que o desenvolvimento é mais factível com baixa inflação. Não o contrário, como o atual governo parece acreditar.

Rescaldo do Rescaldo - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA

Um anúncio da safra da Copa... anúncio de quê, mesmo? Houve tempo em que os anúncios iam direto ao ponto — "Beba Coca-Cola". Hoje a criatividade sufoca as marcas. Houve um anúncio da safra da Copa, sabe-se lá do quê, em que um homem, de costas, vinha e depositava no chão a maleta que trazia no braço, na pose de quem chegava a algum lugar. "O futebol está voltando para casa", dizia o locutor. E não é que o futebol voltou mesmo para casa? Voltou para a querida Europa de nascença. País do futebol, hoje, 100 anos depois de o kaiser Guilherme II dar o pontapé inicial à I Guerra Mundial, 91 anos depois do putsch de Munique, 75 anos depois do início e 69 do fim da II Guerra Mundial, 53 depois da construção e 25 da derrubada do Muro de Berlim, nove anos depois da eleição e um depois da renúncia do papa Ratzinger, é a Alemanha. É lá que se joga um futebol alegre e bonito. No Brasil, joga-se um futebol "de resultados" dotado da singular característica de não produzir resultados.

Do lado brasileiro, o grande craque da Copa foi o Cristo Redentor. Durante a transmissão da final, a televisão fez seguidas tomadas do Cristo com o Maracanã ao fundo, ou com a Lagoa Rodrigo de Freitas e a orla de Ipanema ao fundo. A Copa no Brasil teve obras superfaturadas, estádios destinados à ociosidade, promessas de obras viárias não cumpridas, viaduto desabado e operários mortos, mas no momento final apareceu o Cristo para segurar as pontas. O milagre que faltou no gramado veio do alto, como é próprio dos milagres. O Redentor entrou em campo, em transmissão ao vivo captada até os confins do universo, para marcar um gol mais bonito do que o de Robben contra a Espanha.

A vitória do Brasil na Copa de 1958 iniciou uma revolução copernicana na geopolítica do futebol. A vitória de 1970, a terceira em quatro Copas, consolidou a convicção de que subdesenvolvidos, em futebol, eram os europeus. A Copa de 2014 repõe as coisas em seus lugares. Rico é rico, pobre é pobre, e rico fala mais alto e mais grosso que pobre em tudo. Tal qual ocorre no geral do comércio internacional, subdesenvolvido é o exportador de matéria-prima. O Brasil, no futebol, virou exportador de matéria-prima, e não se vislumbra como possa escapar dessa sina. Há uma coisa chamada mercado, em primeiro lugar. Em segundo, há internamente uma engrenagem reunindo cartolas, técnicos, empresários, olheiros e outros agentes mancomunados no grande negócio, ilícito em boa parte, da exportação de jogadores. Em terceiro, de modo cruelmente insidioso, já se introjetou no moleque das peladas o sonho de jogar no Barcelona, não no Corinthians ou no Flamengo.

Angela Merkel assistiu ao jogo inaugural da Alemanha, contra Portugal, e, mostrada várias vezes na TV, festejou cada um dos quatro gols do seu time. Voltou para assistir à final, contra a Argentina, e festejou a conquista do torneio. Como diria o Ancelmo Gois, deve ser terrível viver num país onde o futebol é explorado para fins políticos. Dois turistas alemães foram presos por roubar uma escultura alusiva ao futebol no saguão do Aeroporto de Guarulhos. Deve ser terrível a criminalidade naquele país. O craque alemão Schweinsteiger, depois da conquista, fez uma "saudação especial" a Uli Hoeness, ex-presidente do Bayern de Munique, hoje cumprindo pena por evasão fiscal. Deve ser terrível viver num país em que se incentiva o crime.

Dia do jogo Brasil x Alemanha, num bairro central de São Paulo. O vizinho amanhece já tocando sua vuvuzela. Jogo do Brasil é assim. A festa começa muitas horas antes. Há um clima de eufórica espectativa no ar. Vuvuzelas, buzinas, bandeiras. O clamor da vuvuzela do vizinho intensifica-se à medida que vai chegando a hora. Aí começa o jogo. Um a zero para a Alemanha, dois, cinco a zero. Vuvuzela calada. Seis a zero, sete a zero. Então, aos 45 minutos do segundo tempo, Oscar escapa, engana o goleiro Neuer e marca. Gol do Brasil!!! A vuvuzela dispara. Fica-se imaginando o vizinho levantando do sofá, aturdido, arrasado, mas atento ao chamado do dever. Nem Oscar comemorou. Mas quem possui uma vuvuzela assumiu com ela um compromisso moral, mesmo que seu grito esganiçado àquela altura soasse como um gemido.

Nossa guerra particular - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA


Um tiro na cabeça, à queima-roupa, na hora do almoço, sob um sol deslumbrante de inverno, num dos bairros mais nobres e bucólicos da Zona Sul carioca, a Gávea, chocou e enlutou a elite do Rio de Janeiro. Sepultou-se ali a ilusória sensação de segurança criada pelo policiamento ostensivo na Copa, com soldados camuflados a cada esquina.

Maria Cristina Bittencourt Mascarenhas, 66 anos, conhecida por todos como Tintim, seu apelido de infância, acabara de sacar R$ 13 mil no banco para pagar a seus funcionários. Foi vítima de mais uma "saidinha de banco", expressão quase terna que não traduz a covardia do crime, uma praga no Brasil. Tintim era sócia e anfitriã de um bistrô tradicional e simpático, o Guimas, fundado por duas famílias em 1981, que mistura as cozinhas francesa, portuguesa e brasileira. Ali sempre se comeu bem sobre toalhas quadriculadas, cobertas por papéis brancos descartáveis, onde crianças e adultos desenham, com lápis de cera coloridos, algo para alimentar o papo.

Dois homens numa moto a atacaram no curto caminho para o restaurante, um com capacete, o outro sem. Um chegou por trás, passou o braço pelo pescoço dela e gritou "passa a bolsa". Tintim, mãe de três filhas e avó, querida na rua pelo sorriso e pela gentileza, segurou a bolsa por instinto e foi executada, com uma bala na têmpora.

O assassino pegou o dinheiro, fugiu com o comparsa na moto. A vítima ficou ali, morta na poça de sangue, junto a botecos onde muita gente comia e bebia no ambiente festivo que tanto encantou os gringos. Uma testemunha disse que tudo durou um minuto.

Tintim parara para experimentar uma saia na barraca de um ambulante, pois assim é a comunidade da Gávea, um bairro chique alternativo, muito verde, com comércio misto e casas ainda antigas, mais procurado por quem busca tranquilidade e qualidade de vida, não ostentação. O bairro abriga a PUC, universidade católica, o Jockey Club, escolas para pobres e ricos, cursos de balé e ioga. E caminho para a favela da Rocinha.

Se fosse apenas uma tragédia isolada e pontual da boêmia carioca, o assassinato de Tintim não estaria aqui nesta coluna. A violência de bandidos ou da polícia invade todos os grandes centros urbanos e não escolhe classes sociais. Está associada a impunidade, corrupção, abuso de poder, disputa por pontos de droga e desrespeito à vida. Aterroriza os pacíficos e honestos.

Pais e mães não conseguem criar filhos sem paranóia. Há quem apele a estratégias de guerrilha. No dia em que Tintim foi assassinada, ouvi uma jovem contar seu método para escapar ilesa de um eventual assalto no trânsito: "Minha bolsa que fica à vista é toda Take'. É uma Vuitton falsificada, meus documentos são falsos, com nomes e endereços falsos, chaves falsas, celular que não funciona e mais uns R$ 50 e uns US$ 10 para o assaltante achar que se deu bem". A bolsa verdadeira fica escondida. É uma história real. E faz todo sentido. Um sentido escabroso.

O que vemos não são simples assaltantes armados. São homicidas que saem para roubar. Poderiam ter dado um soco em Tintim, poderiam tê-la desacordado. Mas não. Deram um tiro para matar. Como fazem ao roubar um celular, uma bicicleta ou um carro - e a vítima, por medo ou susto, atrapalha por segundos a ação.

O "latrocínio" (assalto seguido de morte) é coisa nossa, quase não acontece em países civilizados. Cerca de 60 mil brasileiros são mortos por ano no país. Milhares de homicídios não são sequer registrados, por falta de confiança na investigação, por medo de vingança de gangues ou da PM. Nas estatísticas disponíveis, 164 pessoas são mortas por dia no Brasil. É como se um avião da Malaysia Airlines, com 298 pessoas a bordo, fosse abatido a cada 43 horas, por um míssil chamado subdesenvolvimento. Mata-se no Brasil, em 38 horas, o equivalente aos 260 palestinos mortos em 11 dias de conflito com Israel (até a última sexta-feira). Se o que vivemos não é uma guerra civil, o que será? Hecatombe social?

Somos reféns, podemos não chegar vivos em casa e sabemos o risco de perder alguém querido. Por isso, nos tornamos piores, mais agressivos ou medrosos. Há uma tendência a culpar as vítimas. "Como assim sacar R$ 13 mil do banco? Nem de dia dá para fazer isso." "Como assim segurar a bolsa? Todo mundo sabe que não dá para reagir, entrega tudo logo." É horrível. É como culpar pelo estupro a moça que ostentou as coxas com uma saia curta.

Houve um tempo, no Brasil, em que o verbo "reagir" significava outra coisa. Gritar por socorro. Tentar bater no assaltante ou ameaçar o bandido. Hoje, se o rapaz fugir de bicicleta, se a moça esconder rápido o celular na mochila, se o homem acelerar o carro, se a mulher segurar a bolsa, pronto. "Reagiram", todos. Perderam a vida. Isso é barbárie, uma sociedade sem educação, sem humanidade, com total desprezo a leis que existem para não ser cumpridas?

Gente é descartável? - WALCYR CARRASCO

REVISTA ÉPOCA


Emprego, amizade e até o amor – será que tudo agora tem prazo de validade, como lata de ervilhas?



Convidado a jantar na casa de uma amiga, estranhei a falta de sua funcionária de muitos anos, sempre responsável por delícias gastronômicas. Estranhei. Perguntei pela cozinheira, sempre sorridente, que eu já cumprimentava com beijinho.

– Ah, demiti.

– Aconteceu alguma coisa?

– Ela passou do prazo de validade. Chamei outra.

A resposta me arrepiou. Cada vez ouço mais que alguém “passou do prazo de validade”. A expressão se inseriu no vocabulário. Como todos os elementos da linguagem, seu significado é maior que as palavras, simplesmente. Empresas costumam ser severas quanto ao que consideram como prazo de validade de um funcionário. Em geral, no máximo aos 60 anos, quando não aos 40, o executivo vai para a rua. Mesmo os de alto cargo. O argumento é sempre o mesmo, como ouvi certa vez de uma diretora de RH.

– A gente precisa renovar.

Alguém de 60 anos ou mais pode ser papa, presidente da República, e não diretor de departamento? Idade é necessariamente fator de renovação? Conheço jovens de cabeça fechada. Homens e mulheres maduros sempre abertos a ideias novas. Empresas, porém, têm esta política: envelheceu, perdeu. Quando alguém dedicou 20, 30 anos da vida a uma grande corporação, vai fazer o quê? Inicialmente, o demitido procura novo trabalho. Com muita frequência, seu currículo é preterido por alguém mais jovem. Às vezes se propõe a ganhar menos, aceita até uma posição menor. Ainda tem de ouvir o argumento:

– Achamos que era um cargo pequeno para você, que não se adaptaria. Merece mais.

Ele ou ela agradece, ganhou um elogio. E sai desesperado, porque o dinheiro no banco está acabando, o condomínio do apartamento de luxo, antes fácil de pagar, agora se tornou altíssimo, os filhos reclamam que querem grana para sair com os amigos, comprar roupas. Muitas vezes, o demitido monta empresa própria. Um grande erro. Em geral, acostumado a uma grande corporação, não consegue se virar com sua pequena empresa, sem estrutura. O dinheiro escoa, porque também não consegue diminuir o padrão de vida. Já vi o antigo CEO de uma empresa da área elétrica transformado em motorista de táxi. Como outros, montara a própria empresa, perdera tudo. Nunca mais conseguiu trabalho. Conheci outro motorista de táxi, antigo gerente, de porte médio. Ao ser demitido, depois dos 40, foi rápido:

– Vi meus amigos procurando emprego e batendo com a cara na porta durante um tempão, gastando o Fundo de Garantia, a grana da demissão. Esperei três meses, não apareceu nada, comprei o táxi e parti para outra.

Dei dois exemplos, a doméstica e o executivo, porque isso acontece em todas as classes sociais. As pessoas se tornaram descartáveis. Muitas vezes, quando entram em crise, por doença, separação, problemas, enfim, sua produtividade cai. Dão uma resposta indevida, demonstram nervosismo. O empregador resolve que passou do “prazo de validade”. No momento em que mais precisam de apoio, perdem o emprego. É difícil.

O mais chocante é que também tenho ouvido a mesma expressão para definir sentimentos e relações. Um amigo explicou sua separação.

– Nosso casamento passou do prazo de validade.

Como é? Então o amor é como uma lata de ervilhas, que vem com data de vencimento na tampa? Amizade também? Há muito tempo, quando minha avó Rosa, tão querida, morreu, fui ao enterro. Fiquei até colocarem o último tijolo no túmulo. De noite, recebi alguns amigos em casa, bati papo, mas com um nó no estômago, vocês sabem como é. De repente um deles se saiu com esta:

– Hoje, você está insuportável.

Nunca me senti tão agredido. Levantei e pedi a todos para saírem.

– Estou insuportável porque minha avó morreu, e isso dói muito – disse. – É melhor ficar sozinho.

Pediram desculpas, mas insisti para nos vermos outro dia. Creio que estava chato, irritado, sem sorrisos. Saíram ofendidos. Hoje, certamente diriam que nosso “prazo de validade” tinha acabado. Mesmo porque ficamos muito distantes a partir de então. Se eu não estava bem para participar da alegria alheia, me tornara descartável.

Tratar funcionários, amigos, amores como se tivessem a durabilidade de um pedaço de bacalhau, no máximo, é uma crueldade incorporada à vida de boa parte das pessoas. Se você acha que as pessoas têm prazo de validade, só precisa se fazer uma pergunta. Como agirá quando alguém disser que chegou o seu?

Império à deriva - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 22/07


Berço de uma dinastia de banqueiros que atravessou a história dos últimos 145 anos, o Grupo Espírito Santo tem um portfólio de escândalos, entre eles o mensalão



Está à deriva um império financeiro, berço de uma dinastia de banqueiros cujo código genético atravessou o último século e meio da história.

Erguido por José Maria Espírito Santo Silva (1850-1915) a partir de uma porta na antiga Rua dos Paulistas, hoje Calçada do Combro, em Lisboa, o Grupo Espírito Santo é caso singular de longevidade.

Em 1933 a casa bancária foi entregue a um dos herdeiros, Ricardo, cujo maior ativo era um amigo íntimo no poder: o ditador Antonio Salazar, descrito por diplomatas como camponês astuto, de hábitos monásticos, que aprendera na política a “elogiar o espetáculo de marionetes do esforço humano”. Casado com uma Cohen, Ricardo Espírito Santo transformou o banco em procurador do Estado nazista e em ponto de conexão do tráfico de ouro de Hitler (barras com a suástica gravada eram enviadas a Portugal e créditos em moeda portuguesa eram abertos ao regime alemão.) Churchill pôs o Grupo Espírito Santo numa lista de entidades proscritas.

Sete décadas depois os negócios da família estão sob devassa em Lisboa, Genebra, Luxemburgo, Nova York, Cidade do Panamá, Rio e São Paulo. Suas contas exibem um buraco avaliado em US$ 9,5 bilhões, equivalente a 5% do Produto Interno Bruto de Portugal. O contador do grupo, Francisco Machado da Cruz, denunciou uma sucessão de fraudes, com reflexos em empresas em Portugal, Angola, no Panamá e no Brasil. Em seguida, fugiu para uma cidade brasileira.

Semana passada o Panamá interveio numa sucursal bancária. Em Angola, o presidente José Eduardo dos Santos decretou um subsídio de US$ 5,7 bilhões à filial do grupo. O valor coincide com a soma de créditos dados como “desaparecidos” na unidade angolana. O socorro com dinheiro público foi, na prática, ação de autodefesa: a família Santos e assessores detêm 43% do Banco Espírito Santo Angola (Besa).

No Brasil os acionistas da Oi/Portugal Telecom, entre eles o estatal BNDES, temem perder US$ 900 milhões. O grupo português possui 10% do controle da PT, mas conseguiu subtrair dos sócios um “empréstimo” em valor equivalente a 40% do caixa da PT Telecom.

É longo o portfólio de confusões do Grupo Espírito Santo. Ele esteve, por exemplo, no centro do episódio que detonou o caso do Mensalão.

Miguel Horta Costa, ex-presidente da PT Telecom e atual vice-presidente do grupo, mantinha relações fluidas com o ex- chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, e o empresário Marcos Valério, o operador do Mensalão.

Em outubro de 2004, Dirceu levou Costa a uma conversa com Lula. Na época, o deputado Roberto Jefferson, líder do PTB, cobrava de Lula e Dirceu US$ 10 milhões supostamente prometidos aos petebistas. Segundo Jefferson, Dirceu o orientou a receber o dinheiro da PT Telecom, em Portugal. Na segunda-feira 24 de janeiro de 2005, o tesoureiro do PTB Emerson Palmieri foi a Lisboa na companhia de Marcos Valério. Palmieri retornou três depois, sem o dinheiro. Vinte semanas mais tarde, Jefferson foi à tribuna da Câmara e denunciou o mensalão.

Essa sombria transação, talvez, um dia possa ser desvendada a partir dos arquivos do antigo império Espírito Santo.

Preços sem regras - CELSO MING

O ESTADO DE S.PAULO - 22/07


Não se discute mais a necessidade ou não do desrepresamento dos preços administrados (energia elétrica, combustíveis, tarifas dos transportes urbanos) que o governo vem segurando para conter a inflação.

O que se discute é quando isso deverá ser feito e em que intensidade. Como o governo não quer mexer nos preços administrados antes das eleições, fica mais ou menos estabelecido que, depois disso, não haverá mais razões especiais para postergar o ajuste.

Dois dos mais importantes interlocutores deste governo - fora do governo -, o ex-ministro Delfim Netto e o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, já manifestaram seus pontos de vista de que o melhor é fazer o mal de uma vez, para não deixar no ar a expectativa de novos aumentos de preços e tarifas. Dentro do governo Dilma, a opinião prevalecente é de que convém fazer as correções de maneira gradual, para evitar vagalhões inflacionários.

Esta Coluna defende o ponto de vista de que mais importante do que definir o número de pauladas a desferir para matar o bicho é estabelecer regras estáveis para cada caso.

O maior problema até agora não foi o de ter segurado os reajustes, embora isso tenha provocado estragos graves. Há três meses, o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore calculara em R$ 34 bilhões o custo do atraso dos preços dos combustíveis e da energia elétrica. E, nessa conta, não foi computada a perda de arrecadação inerente a tarifas mais baixas.

O maior problema foi não ter regras para a definição desses preços. Ou melhor, foi justificar os represamentos com o lero-lero que vinha na cabeça da autoridade da hora.

Tome-se o caso dos combustíveis. A primeira conversa foi a de que a Petrobrás não trabalha no curto prazo. Depois se viu que o atraso nas correções dos seus preços vem dilapidando seu caixa e, portanto, vem dilapidando sua capacidade de investir. A partir daí, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, veio com a desculpa de que a Petrobrás não tem problemas de caixa; apenas depende de aumento da produção, que está a caminho, diz ele, embora as metas não tenham sido cumpridas.

Se, por uma razão qualquer, os preços do petróleo despencarem no mercado internacional, não há nenhuma garantia de que essa queda de preços será repassada para o consumidor.

O mesmo pode-se dizer das tarifas de energia elétrica. A estiagem obrigou ao acionamento das termoelétricas, os custos dispararam e não há remédio senão descarregar esse aumento para a conta do consumidor ou do contribuinte. Mas ninguém sabe o que acontecerá se as chuvas voltarem, se os reservatórios se recompuserem e se as termoelétricas forem para o banco de reservas. Nesse caso, as tarifas também cairão? Ninguém sabe porque não há regras confiáveis nesse jogo. E, sem regras do jogo, aumentam a insegurança e a imprevisibilidade. Fica tudo dependendo do estado de espírito de quem estiver na zeladoria.

O presidente de Bobajal do Norte - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 22/07


Programas de governo do país não podem se limitar a listas de "propostas" de gestão de condomínio


UMA CRÍTICA comum a candidatos a presidente reclama que se explique de onde sairá o dinheiro para financiar os lindos programas eleitorais. Na crítica, está implícita a sugestão de que os candidatos deveriam apresentar "propostas realistas", isto é, que caibam num Orçamento. Essa ênfase em exigir "propostas" que possam ser discriminadas como em um livro de contabilidade transforma a conversa política num debate de condomínio ou da prefeitura de Bobajal do Norte.

Óbvio que o candidato dado a apresentar projetos que não cabem todos no Orçamento demonstra despreparo provinciano ou tendência ao estelionato político-administrativo. Mas a recíproca pode não ser muito razoável também: listar "propostas" e seus fundos não resolve um programa de presidente.

O governo exige não apenas ideias de como criar e arranjar recursos, mas também de como criar condições políticas e institucionais que permitam a solução de problemas.

Considere-se uma lista muito básica, embora fundamental, de problemas brasileiros. A violência bárbara (umas 100 mil pessoas mortas por ano devido a tiro, facada e acidente de trânsito). A escola ruim. A desigualdade. O baixo crescimento econômico.

Para um bom começo de conversa, esses assuntos não podem ser formulados em termos de dinheiro ou de projetos com nome de fantasia marqueteira, "Brasil Fofinho", "Mais Tudo", "ProTudoBrás" etc.

Alguns desses problemas fundamentais nem são de alçada direta ou exclusiva do Executivo federal (segurança, educação), mas devem ser objeto de um programa liderado politicamente pelo presidente.

O caso da violência demanda talvez reformas institucionais (organização das polícias), política de fronteiras, drogas, armas etc. Antes de arrumar o dinheiro para tais providências, quais são as reformas que criam condições de solução dos problemas?

Antes de reservar 10% do Orçamento, do PIB ou dos tesouros do céu para a educação, seria bom conversar sobre o que é preciso fazer para que as crianças aprendam o básico em qualquer canto do país, o que demanda discussões tidas como tediosas sobre Federação, currículos nacionais e qualidade de aulas e livros. Havendo ou não fundos bastantes, o que faremos com eles?

Desigualdade é um tema avassalador de complicado, imenso e caro. Mas nos limitamos a discutir programas de renda mínima, necessários, mas insuficientes, para dizer o mínimo.

Muita miséria brasileira está no fato de milhões viverem em um mundo marginal, sem qualificação, isolados geograficamente, sem infraestrutura e à margem de mercados e da Justiça, atolados em atividades improdutivas (serviços-bico, agricultura de subsistência, coletas). Não haverá dinheiro direto para resolver a situação horrível da vida dessas pessoas. Antes de investir, é preciso ter um diagnóstico prático do nosso sistema de exclusão.

Sobre política macroeconômica, nem é preciso dizer muito. É de graça fazer bobagem ou, pelo menos, um bom arroz com feijão (mas consequência pode ser muito cara). Mas também não há debate eleitoral de política econômica, menos ainda de reforma econômica: dos meios de arranjar dinheiro.

Enfim, do que estamos falando?

Fator eleitoral - JOSÉ PAULO KUPFER

O ESTADÃO - 22/07


Não é novidade que mercados financeiros são influenciados por expectativas políticas. Aumento ou alívio de tensões regionais, ao redor do mundo, sobretudo em áreas que concentram recursos naturais estratégicos, costumam empurrar para cima ou puxar para baixo a cotação dos ativos.

Também não surpreende o quanto pesquisas eleitorais, no Brasil pós-redemocratização, têm impactado os índices financeiros. Quando Lula despontou, no segundo semestre de 2002, com crescentes chances de vitória nas eleições presidenciais daquele ano, a cotação do dólar disparou. A presunção de que o então candidato oposicionista, se eleito, promoveria reformas antiliberais estressou o mercado.

Nas eleições seguintes, numa das quais Lula foi reeleito e, na outra, emplacou sua criatura, o fenômeno se deu em escala mais reduzida. O antes assustador "sapo barbudo", apesar das suas muitas idiossincrasias, tornou-se palatável ao mercado, assim como sua sucessora, Dilma Rousseff, apresentada como executora da continuidade das políticas antes implementadas.

Neste ano eleitoral de 2014, porém, as expectativas políticas voltaram a influenciar os movimentos do mercado financeiro com grande intensidade. Pelo menos desde março, formou-se consenso entre os analistas de que as pesquisas eleitorais, mais até do que as perspectivas da economia e seus fundamentos, estão ditando os rumos dos mercados, pelo menos no curto prazo. Com a rejeição pelo mercado da política econômica de Dilma e do modo como ela conduz a economia, estabeleceu-se uma relação inversa entre os índices eleitorais da presidente que tenta a reeleição e os da bolsa de valores.

Quando comparados com os de outras praças financeiras, o movimento das cotações, nos mercados domésticos, mostram evidências de que a disputa eleitoral, com as pesquisas passando a apontar para desfecho imprevisível e possibilidade de vitória oposicionista, tem afetado diretamente os índices da bolsa. Parece ser esta uma das explicações para o descolamento da Bolsa brasileira dos demais mercados emergentes, nos últimos meses,

De março para cá, o Ibovespa, principal índice do mercado de ações brasileiro, subiu em dólar quase 30%, o dobro da alta média experimentada pelos mercados de ações de emergentes. Partindo de uma mesma base em janeiro deste ano, enquanto o índice MSCI (desenvolvido pelo banco de investimento global Morgan Stanley) para mercados emergentes, acompanhando o índice S&P, da Bolsa de Nova York, subiu até o início de julho pouco mais de 5%, o MSCI Brasil avançou perto de 15%.

É legítimo suspeitar que pelo menos parte desse resultado, registrado em ambiente econômico de baixo crescimento e inflação elevada, se deve a fatores externos à economia. Se está mais difícil produzir, vender e obter lucro, de onde viria essa animação dos pregões?

Em busca da resposta, o banco global de investimentos UBS correlacionou algumas variáveis, cotejando o recente período de alta das cotações no mercado brasileiro com as próprias tendências históricas e com a evolução dos índices financeiros em outros emergentes. A conclusão do exercício é a de que quase metade da diferença atual se deve a influências políticas, com origem na marcha das pesquisas eleitorais e nas projeções para o pleito de outubro.

O mesmo exercício foi elaborado para o caso das atuais altas nas cotações dos papéis da Petrobrás e da Eletrobrás, estrelas estatais do mercado de ações e, presumivelmente, mais expostas aos ruídos políticos e às influências das projeções eleitorais. O resultado apontou que, nos últimos meses, dependendo do índice com o qual é feita a comparação, de 20% a 40% das altas fora da curva "normal", no Brasil, podem ser explicadas mais pelas percepções do mercado sobre as políticas que o próximo governo adotará para elas do que pelo desempenho empresarial específico de momento.

O risco do recesso - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 22/07

Em qualquer democracia do mundo, é de se esperar que haja menos sessões legislativas em ano eleitoral. É difícil, no entanto, defender um Congresso que dá a si mesmo o direito de ter apenas quatro sessões durante os meses de campanha, após dois meses de excessivos feriados. A ausência é agravada pelo fato de sequer ter sido aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Pelo cálculo do site Contas Abertas, o funcionamento do Congresso custa R$ 24 milhões por dia. No ano, chega a quase R$ 9 bilhões. Quando o contribuinte olha os números e pensa que neste segundo semestre serão apenas quatro sessões, ele pode se fazer a mais indesejada das perguntas: para que serve o Congresso?

O Poder Legislativo funcionando perfeita e livremente não tem preço. É a garantia da democracia, e quem viveu com ele fechado sabe que reduzir tudo a uma visão econômica é um equívoco. Porém, o que os deputados e senadores do Brasil têm que se dar conta é que a maioria dos brasileiros nem havia nascido quando o Congresso foi fechado pela ditadura. A geração dos que aguentam qualquer desaforo e aceitam todo o mal funcionamento envelheceu e é minoria. A maioria dos brasileiros pode, em determinado momento, se perguntar se vale a pena pagar tanto por um Poder Legislativo que não funciona.

— Os custos fixos são altos. Mesmo sem haver sessões, paga-se a luz, os serviços terceirizados de limpeza, cafezinho, os funcionários, os salários dos deputados e senadores, a verba indenizatória, os servidores que ficam nos estados nos escritórios pessoais dos parlamentares. Aliás, a maioria dos servidores dos gabinetes dos parlamentares fica nos estados e é impossível saber se estão ou não trabalhando em campanha — diz Gil Castelo Branco.

Um parlamentar não trabalha apenas quando está em votação na Câmara ou no Senado. A relação com o eleitorado e a visita aos estados para ver os problemas da região que representa são parte indissociável da representação. Mas tudo tem limite e há que haver regras. Dar a si mesmo o que chamam de “recesso branco”, ou seja, uma não confessada suspensão das atividades legislativas, é nocivo à democracia.

Nos EUA, além das férias de um mês — a deles é em agosto — que acontece em qualquer parlamento, pode haver outros períodos de não funcionamento, mas a regra é rígida. Se a Câmara não puder funcionar por mais de três dias, tem que pedir a anuência do Senado e vice-versa. E é preciso votar uma resolução conjunta autorizando a suspensão das atividades por aquele período.

Há momentos em que o Congresso se nega a votar o Orçamento na data limite, mas isso paralisa completamente o Executivo. Acontece quando o Legislativo quer fazer uma demonstração de força ao Executivo, quando há uma crise séria entre os poderes. Não é um fato banalizado como no Brasil, em que o governo continua funcionando, tendo apenas que respeitar um certo limite de tipos de despesas.

No Brasil, fomos nos acostumando a esperar meses pela aprovação do Orçamento, ou a aceitar as faltas de quórum cada vez mais frequentes para votações importantes, mesmo não sendo época eleitoral. E nas eleições também nos acostumamos com a permanência prolongada dos representantes nos seus estados. Só que, desta vez, até para os nossos padrões, o recesso concedido, mas não oficialmente, chegou longe demais. Ficamos combinados que o Congresso terá, de firme, apenas quatro sessões neste segundo semestre até as eleições. Quando voltarem, os deputados e vários senadores estarão já em fim de mandato.

— O deputado e o senador que concorre estando no mandato tem vantagens demais, porque tem toda uma estrutura paga pelo contribuinte — diz Castelo Branco.

Em qualquer democracia do mundo, quem está no cargo tem algumas vantagens impossíveis de serem neutralizadas. Mas, se houver regras, prestação de contas e fiscalização, os abusos podem ser reduzidos.

Não se deve transpor a visão da produtividade da economia para a política. Não se mede por leis aprovadas ou número de sessões o bom funcionamento do Legislativo. Contudo, o contribuinte tem o direito de exigir que os órgãos que sustenta com seus impostos prestem contas do seu trabalho. Esse recesso prolongado autoconcedido é um abuso que só contribui para enfraquecer a confiança no Poder Legislativo.

David e Golias - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 20/07


O Hamas é uma organização terrorista e islamita que nem sequer reconhece o direito à existência de Israel


Sempre que escrevo sobre Israel, há um leitor que pergunta: você é judeu? A pergunta é reveladora. Significa que só um judeu pode ser suficientemente louco (ou sanguinário) para considerar que no conflito israelense-palestino é Israel quem tem razão.

Isso reflete o ar do tempo, devidamente criado pela mídia. É lógico que Israel não tem razão, dizem. É lógico que Israel sempre quis expulsar os palestinos do seu território. É lógico que Israel não quer a paz.

Infelizmente, nada disso é lógico e, pior ainda, nada disso sobrevive à história. Sim, a construção de assentamentos na Cisjordânia, pior que um crime, é um erro (obrigado, Talleyrand). Sim, Netanyahu é quase uma "pomba" no seu governo cada vez mais radicalizado.

E, sim, a direita israelense já não acredita na existência de dois Estados depois da retirada de Gaza (e dos foguetes que o Hamas passou a lançar contra Israel).

Mas antes de chegarmos a essas tristes conclusões, é preciso dizer três coisas que qualquer pessoa alfabetizada consegue entender.

Primeiro: o Hamas, que é tratado pelo jornalismo como uma mera "facção" (ou até como um interlocutor válido para a paz), é uma organização terrorista e islamita que nem sequer reconhece o direito à existência de Israel. Um pormenor?

Não. O essencial. O conflito de Israel com a Autoridade Palestina é um conflito territorial. É uma discussão sobre fronteiras; sobre a soberania de Jerusalém; sobre o destino dos refugiados palestinos; sobre o acesso à água --enfim, uma discussão racional.

O conflito com o Hamas é um problema ideológico. Basta ler a carta fundamental do grupo. Depois de prestar vassalagem à Irmandade Muçulmana (artigo 2) e de invocar os "Protocolos dos Sábios do Sião" (artigo 32) como argumento de autoridade (um documento forjado pela polícia czarista no século 19 para "provar" o conluio judaico para dominar o mundo), o Hamas não quer um Estado palestino junto a um Estado judaico.

Quer, sem compromissos de qualquer espécie, a destruição da "invasão sionista" (artigo 28) --do mar Mediterrâneo até o rio Jordão. Os foguetes que o Hamas lança não são formas de reivindicar nada: são a expressão da incapacidade de aceitar que judeus vivam no "waqf" (terra inalienável dos muçulmanos --artigo 11).

Acreditar no Hamas como "parceiro" para qualquer "processo de paz" é não entender a natureza jihadista do grupo. O Hamas não luta em nome da Palestina. Luta em nome de Alá.

Segundo: quando se fala nos "territórios ocupados", Gaza já não está no pacote. Israel se retirou de Gaza em 2005. O território --um antro de pobreza e corrupção-- é governado pelo Hamas desde a vitória nas eleições parlamentares de 2006. A partir desse ano, o Hamas entendeu a retirada israelense como uma vitória do terrorismo --e não como o primeiro passo para criar as bases de um futuro Estado palestino.

Depois de Gaza, viria a Cisjordânia e finalmente a totalidade de Israel. Uma pretensão lunática que, sem surpresas, começou por embater frontalmente com a posição mais moderada da Autoridade Palestina. Resultado?

Em 2007, o Hamas e a Fatah (uma facção da OLP) viveram uma guerra civil "de fato" que teve de ser freada por"¦ Israel.

Por último, toda a gente sabe que a solução mais realista para o conflito passa pela existência de dois Estados com fronteiras seguras e reconhecidas.

Assim foi antes da partição da Palestina pela ONU (relembro a Comissão Peel de 1937). Assim foi com a Partição propriamente dita em 1947. E, para ficarmos nos últimos anos, assim foi em Camp David (2000). Foi o lado palestino que recusou essa divisão --o maior crime cometido por Yasser Arafat contra o seu próprio povo.

De tal forma que, hoje, já poucos acreditam em divisões. Os líricos falam de um Estado binacional para judeus e árabes (um delírio que ignora, por exemplo, o que se passou na antiga Iugoslávia). Os resignados falam de três Estados: o de Israel, o da Cisjordânia (talvez com ligação à Jordânia) e Gaza (o antro do Hamas).

Simples meditações de um judeu?

Não. Para começar, não sou judeu. E, para acabar, não é preciso ser judeu para compreender que, às vezes, e contra as nossas cegas emoções, Golias tem mais razão que David.

Diretrizes de política e comércio externos - RUBENS BARBOSA

O ESTADO DE S.PAULO - 22/07


O candidato Aécio Neves divulgou as diretrizes gerais de seu programa de governo (www.psdb.org.br). As diretrizes de política externa e de comércio exterior estão integradas às demais diretrizes visando à criação de um ambiente interno e externo fundado na estabilidade das regras e no estímulo aos investimentos.

A nova política externa terá por objetivo restabelecer seu caráter de política de Estado, visando ao interesse nacional, de forma coerente com os valores fundamentais da democracia e dos direitos humanos. As diretrizes que nortearão a ação do Itamaraty terão como principais aspectos:

A política externa será conduzida com base nos princípios da moderação e da independência, com vista à prevalência dos interesses brasileiros e dos objetivos de longo prazo de desenvolvimento nacional.

Reavaliação das prioridades estratégicas à luz das transformações no cenário internacional e regional no século 21. Devem merecer atenção especial a Ásia, em função de seu peso crescente, os EUA e outros países desenvolvidos, pelo acesso à inovação e à tecnologia.

Deverá ser ampliada e diversificada a relação com os países em desenvolvimento.

Definição de nova estratégia de negociações comerciais bilaterais, regionais e globais, para pôr fim ao isolamento do Brasil. Será dada prioridade à abertura de novos mercados e à integração do Brasil às cadeias produtivas globais.

Reexame das políticas seguidas no tocante à integração regional para, com a liderança do Brasil, restabelecer a primazia da liberação comercial e o aprofundamento dos acordos vigentes.

Em relação ao Mercosul, paralisado e sem estratégia, recuperar seus objetivos de liberalização comercial e abertura de mercado e flexibilizar suas regras a fim de poder avançar nas negociações com terceiros países.

Nas organizações internacionais, o Brasil deverá ampliar e dinamizar sua ação diplomática nos temas globais, como mudança de clima, sustentabilidade, energia, democracia, direitos humanos, comércio exterior; assim como novos temas, como terrorismo, guerra cibernética, controle da internet; e nas questões de paz e segurança, inclusive nas discussões sobre a ampliação do Conselho de Segurança da ONU.

Ampliação da coordenação da política externa com a da defesa nacional em todas as suas dimensões.

Revalorização do Itamaraty na formulação da política externa, subsidiando as decisões presidenciais. Ao mesmo tempo, serão garantidos o aperfeiçoamento de seus quadros e a modernização de sua gestão.

O grande desafio que a nova política de comércio exterior enfrentará será o de promover a crescente integração do Brasil no comércio internacional. Por meio de uma estratégia de integração competitiva das empresas brasileiras às cadeias mundiais de valor, poderá ser reduzido o hiato tecnológico da nossa indústria e ser aberto caminho para uma estratégia de modernização compatível com a dinâmica do sistema econômico internacional. Para responder a esse desafio as diretrizes que orientarão as políticas internas e externas de comércio exterior são as seguintes:

A nova política de comércio exterior deverá estar articulada com a política macroeconômica e com a política industrial, voltadas para a recuperação da produtividade, da competitividade e da inovação.

Conclusão das negociações comerciais em curso com a União Europeia e lançamento das bases para um acordo preferencial com os EUA.

Reavaliação das prioridades estratégicas com a China por sua importância para a economia brasileira e global.

Recuperação da competitividade e estímulo a maior e melhor inserção do País no comércio internacional, por meio de medidas voltadas para a redução do "custo Brasil" e dos serviços, com vista à ampliação das exportações, à retomada das negociações de acordos comerciais e ao apoio ao investimento externo de empresas brasileiras.

Redução da carga tributária sobre exportações e dos custos acessórios no cumprimento das exigências tributárias e simplificação dos regimes tributários nacionais.

Simplificação da legislação de comércio exterior e desburocratização das aduanas e dos portos, por meio da elaboração de uma abrangente agenda de facilitação de comércio com o exterior, com o engajamento dos diferentes órgãos governamentais relacionados à área.

Desenho de uma reforma tarifária que confira maior racionalidade à estrutura de proteção. O cronograma de racionalização tarifária será anunciado com antecedência e implantado de forma gradual e a longo prazo.

Reforço de instituições de regulação técnica e certificação de produtos, como Inpi e Inmetro, para a redução dos prazos para obtenção de patentes e a isonomia entre produtos importados e os produzidos localmente.

A defesa comercial e a promoção comercial deverão ser aperfeiçoadas e integradas de forma coordenada na nova política comercial.

Exame da compatibilização com a legislação nacional das regras, normas e regulamentos técnicos que passaram a fazer parte dos novos acordos de preferências comerciais, para permitir a participação dos produtos nacionais em cadeias globais de valor.

Essas diretrizes respondem aos principais desafios internos e externos que o futuro governo deverá enfrentar no médio e no longo prazos e criam condições para a restauração da projeção externa do Brasil, perdida nos últimos quatro anos, e para sua reinserção competitiva nas negociações comerciais globais, regionais e bilaterais para a inclusão das empresas brasileiras nas cadeias globais de alto valor agregado.

Em resumo, são mudanças nas ênfases, nas prioridades e nos rumos da política externa e da política comercial em relação ao que ocorreu nos últimos 12 anos.

Preconceitos - RODRIGO CONSTANTINO

O GLOBO - 22/07


Há controvérsias se disponibilizar residência oficial ao ditador cubano, que ofereceu até jantar para o outro tirano, da Venezuela, significa algo como ‘diplomacia de alto nível’



Sou uma pessoa preconceituosa. Tenho preconceito, por exemplo, contra ditadores assassinos. Não suporto gente que escraviza o próprio povo há mais de meio século. Tenho preconceito também contra mentirosos, hipócritas, aqueles que falam em “justiça social” e “socialismo” enquanto vivem como nababos, como magnatas capitalistas, tudo graças ao esforço alheio.

Faço essa confissão por conta dos acontecimentos recentes. A presidente Dilma recebeu na surdina o ditador Raúl Castro, que a imprensa insiste em chamar de presidente, como se tivesse sido eleito democraticamente. Hospedou o tirano na Granja do Torto.

A oposição criticou essa distinção por Cuba, esse tratamento diferenciado. Dilma reagiu: preconceito! Que, disse a presidente, não pode ser misturado com “relações diplomáticas de alto nível”. O Brasil estava apenas sendo cordial, adotando a prática da reciprocidade.

Há controvérsias se disponibilizar a residência oficial do governo ao ditador cubano, que ofereceu até jantar para o outro tirano, da Venezuela, significa algo como “diplomacia de alto nível”. Alguém mais cético poderia dizer que se trata de uma reciprocidade sim, mas não diplomática, e sim mafiosa. Teria elo com o programa Mais Médicos, por exemplo?

Como se sabe, o governo do PT usou tal programa para importar milhares de escravos cubanos, sendo que 90% do que é pago ficam com o regime ditatorial. Em outras palavras, o governo brasileiro está financiando a ditadura cubana. O bilionário empréstimo do BNDES para o porto de Mariel comprova isso. Claro que os senhores feudais da família Castro são gratos ao PT, como são aos petrodólares venezuelanos, a ponto de enviar milicianos para ajudar no autoritarismo de Maduro.

Em troca da ajuda petista, será que trazem nas malas algum dinheiro para financiar o caixa dois da campanha do partido? Não quero ser leviano, mas perguntar não ofende, não é mesmo? Ainda mais quando existem denúncias, segundo a “Veja”, de que Cuba de fato teria mandado alguns milhões de dólares em caixas de uísque para bancar a campanha de Lula. Duda Mendonça, que foi o marqueteiro do ex-presidente, confessou ter recebido dez milhões no exterior. Caixa dois. Para o partido do mensalão, esse acordo com Cuba seria migalha.

O candidato tucano Aécio Neves afirmou que, caso eleito, irá rever esses contratos obscuros com o regime cubano. Acuada pela queda nas pesquisas recentes, que já apontam para empate técnico no eventual segundo turno, Dilma partiu para a mentira: disse que “o senador” pretende acabar com o programa. Para Dilma, só pode haver programa se os irmãos Castro derem as cartas.

Aécio respondeu: “Não há nada que desqualifique tanto o debate político e desonre tanto a democracia quanto o uso da mentira e de artifícios como o de colocar na boca do adversário palavras que ele não disse.” Reafirmou que não pretende abolir o programa, e sim aperfeiçoá-lo.

Está certo. Ninguém precisa compactuar com tiranias para oferecer atendimento médico no interior do Brasil. Até porque os cubanos não atuam como médicos, já que sequer aceitam fazer o teste do Revalida, pois sabem que não passariam. Estão mais para enfermeiros, que o governo poderia contratar no próprio país, gerando empregos aqui em vez de mandar divisas para a ditadura cubana.

Mas o PT não quer saber de nada disso. Não lhe interessam debates sérios sobre como resolver os males que assolam nosso país. O partido nasceu para fazer bravata, vender soluções mágicas de forma sensacionalista e irresponsável. Acha que o mundo é um eterno palanque sindicalista. E, óbvio, nunca aceitou críticas, pois tem viés autoritário, considera-se messiânico, acima do bem e do mal.

Voltando aos meus preconceitos, reconheço: tenho implicância com camaradas de ditadores assassinos também. Não consigo engolir os companheiros que vivem afagando o que há de pior na espécie humana. Tenho calafrios quando penso que o modelo cubano e o venezuelano são defendidos por tantos que hoje estão no poder.

Quando o PT fala em nova Constituinte, ou em “democratização dos meios de comunicação” (eufemismo para controle da imprensa), ou em conselhos (“soviets”) para “participação popular” (leia-se “movimentos sociais” como o MST, controlados pelo próprio PT), e logo depois oferece um tratamento tão VIP assim ao ditador cubano, como acreditar que o partido tem algum apreço pelo regime democrático? Não tem. A democracia, para eles, nada mais é do que uma farsa para chegar e ficar no poder. Que os brasileiros possam reagir nas urnas, enquanto houver tempo...

De calças curtas - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 22/07


Justiça seja feita, o governo e boa parte do PT não alimentaram de vento a certeza de que a eleição de 2014 estava ganha. A despeito das evidências em contrário, até pouco tempo atrás todas as pesquisas eram sustentadas na afirmação de que “se a eleição fosse hoje” a presidente Dilma Rousseff ganharia no primeiro turno.

O principal indício de que se tratava de uma precipitação era o fato de que nem Luiz Inácio da Silva com toda a sua popularidade conseguirá vencer no primeiro turno nenhuma das duas eleições. Outro, os problemas que a presidente já vinha colecionando entre os partidos de sua base de apoio no Congresso, com destaque para o PMDB. Estavam esperando apenas um abalo nos índices de avaliação positiva do governo dela para dar o troco no tratamento que recebiam. Mais uma indicação: a presença na disputa de dois políticos jovens e experientes. Além disso, havia o desempenho do governo despertando insatisfações por todo o lado. Por fim, a impossibilidade de se avaliar situações com um mínimo de realismo partindo de premissa falsa. “Se a eleição fosse hoje” já teriam ocorrido outros fatos que à época dessa afirmativa ainda não haviam ocorrido. O horário eleitoral, por exemplo. Como chegar a uma conclusão sem que todas as informações da realidade estejam postas? Mas o PT e o governo acreditaram na fantasia. E perderam tempo imaginando que a força da inércia seria suficiente para assegurar a vitória.

Afinal de contas, mesmo quando Dilma começou a perder capital a oposição não deu sinais de se apropriar do eleitorado perdido. O movimento foi vagaroso. Até que a última pesquisa do instituto Datafolha mostrou o grau de dificuldade com a simulação do segundo turno.

Nesse ritmo, a presidente corre o risco de ver o tucano Aécio Neves ultrapassá-la e, se não se aprumar, daqui a pouco ficar em situação de empate com Eduardo Campos. Sem dúvida é de assustar qualquer campanha. O PT e o governo foram pegos de calças curtas. Não estavam preparados para uma disputa assim tão acirrada e as brigas entre os grupos de Lula e Dilma falam por si. Isso não significa, porém, que não possam vir a se preparar. Mas por ora batem cabeça e improvisam. Lula é a arma principal. A dúvida é se ainda tem o potencial de uma bala de prata. Em 2010 elegeu Dilma, que começou mal, mas deslanchou assim que o então presidente entrou em campo. Há diferenças abissais entre uma situação e outra. Ela era desconhecida e ele, extremamente bem avaliado, seu avalista. Hoje o julgamento negativo é sobre o governo dela e Lula tem pouca margem para pedir ao eleitorado simplesmente que renove a aposta.

Vai precisar arrumar um discurso para que, primeiro, os eleitores parem de rejeitar Dilma; segundo, voltem a cair de amores por ela; terceiro, se encham de rancores por seus oponentes.

Cor de lodo.Começou ontem o recesso do Congresso que, por inconstitucional, não é oficial e por isso chamado de “branco”. Inapropriadamente, diga-se, pois a cor é associada a asseio e este não é um atributo relacionado ao truque adotado por suas excelências para suspender os trabalhos antes de votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2015, como manda a Constituição.

Daqui até as eleições haverá duas sessões no Senado e quatro na Câmara, num total de 144 horas de trabalho em dois meses e meio. Formalmente continua tudo normal. Foram suspensas apenas as sessões de votações. Na prática, ficam todos em seus Estados cuidando das respectivas eleições.

Seria bom que o eleitor a quem pedirão votos nesse período fique atento a esse assunto, já que continua pagando integralmente salários e verbas extras para deputados e senadores que não se acanham de criar uma situação de legalidade virtual que, na prática, joga o Congresso Nacional na ilegalidade de fato.

Pega ladrão! - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 22/07


BRASÍLIA - Pouca gente notou, mas, durante todo o mês da Copa, não se ouviu falar de furtos, roubos, assaltos, tiros e assassinatos. A rotina de jogos e festas engoliu as notícias sobre violência à qual já estamos todos há muito acostumados.

O que houve? Ou brasileiros e gringos preferiram não dar queixa, ou as polícias engavetaram os números, ou a imprensa estava focada nos gols e nas Fan Fests, ou os ladrões, assaltantes e assassinos brasileiros foram tão patrióticos que selaram um trégua. Ou, quem sabe, eles também entraram de férias para ver os jogos?

Houve um hiato. Antes da Copa, os brasileiros e a imprensa nacional e parte da internacional relatavam casos horrendos, estatísticas cruéis. Cada um de nós tinha listas de casos de violência do dia, da semana, do mês, da amiga, do vizinho, da mãe, do sobrinho --quando não de nós mesmos. Durante a Copa, silêncio geral.

Passado o Mundial e entregue a taça aos alemães, continuou-se não falando, ou falando pouco, em índices de violência nas 12 cidades-sedes durante o evento, como se Rio, Recife, Manaus, São Paulo... fossem ilhas de paz. Não são mesmo.

No próprio balanço do governo Dilma, com mais de 15 ministros, elogiou-se o bem-sucedido esquema de segurança nos estádios e despencou-se uma profusão de números: tantos turistas estrangeiros, tantos torcedores nas arquibancadas, tantos usuários de aeroportos, tantos isso, tantos aquilo. Nada sobre crimes fora das arenas, parte da paisagem no Brasil.

As luzes começam a surgir aos poucos, daqui e dali. Não sei quantos latino-americanos ficaram sem dinheiro e documentos para voltar, mais de 12 mil argentinos foram vítimas de roubo/furto no Rio e, segundo levantamento do site G1, os furtos em trens, metrôs e ônibus aumentaram 379% em São Paulo em relação ao ano passado. Imagine fora deles!

Os gringos se foram, os brasileiros reassumiram o trabalho, o aparato de segurança voltou ao "normal". Que tal estatísticas reais e consolidadas?

Vocação bolivariana - IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

O Estado de S.Paulo - 22/07


A edição do Decreto n.º 8.243/14 pela presidente Dilma Rousseff, instituindo conselhos junto aos diversos ministérios, com funções nitidamente de imposição às políticas governamentais, está na linha do aparelhamento do Estado, que pretende criar uma nova classe dirigente no estilo denunciado por Milovan Djilas em A Nova Classe, quando o fantasma soviético preocupava o mundo ocidental. Esse decreto objetiva tornar o Poder Executivo o verdadeiro e único poder, reduzindo o Congresso Nacional a um organismo acólito.

Tive a oportunidade de ler as Constituições da Venezuela, da Bolívia e do Equador, a pedido da Fundação Alexandre de Gusmão, quando era presidida pelo embaixador Jerônimo Moscardo, que veiculou o texto de todas as Constituições das Américas, com estudos de constitucionalistas de diversos países. Impressionou-me a imensa diferença entre os três textos e o da Constituição brasileira, que, no artigo 2.º, assegura a independência dos Poderes.

É de lembrar que o Poder Executivo, politicamente, não representa o povo por inteiro, mas apenas a sua maioria. E nos casos em que o chefe do Executivo foi eleito em segundo turno, nem a maioria. Por outro lado, o Poder Judiciário é apenas um poder técnico, sendo a Suprema Corte escolhida por uma pessoa só, o presidente da República.

A totalidade da representação popular está no Parlamento, constituído que é por representantes do povo, tanto os favoráveis ao governo como os contrários a seus detentores. Pode não ser o ideal, contudo representa a vontade de toda a sociedade.

Ora, nas três Constituições bolivarianas o Poder Legislativo é amesquinhado, ao ponto de, na Carta venezuelana, poder declinar de sua competência, transferindo-a para o chefe do Executivo. Os plebiscitos e referendos, nessas Constituições, podem ser convocados pelo presidente. No Equador, o presidente pode dissolver o Parlamento, mas se este o destituir, dissolve-se automaticamente. Na Bolívia, a Suprema Corte é eleita pelo povo, cuja manipulação pelo Poder Executivo não é difícil.

É que tais modelos conformam um sistema político de dois Poderes principais e três Poderes secundários, a saber: o Executivo e o povo são os principais; o Judiciário, o Legislativo e o Ministério Público, os secundários. Por conseguinte, como o povo é facilmente manipulado em regimes de Executivo forte, os modelos dos três países têm um único Poder - e a população é facilmente enganada.

Não se pode esquecer que o culto povo alemão foi envolvido por Adolf Hitler, o mesmo tendo acontecido com o povo italiano, por Benito Mussolini, para não falar dos russos nos tempos de Josef Stalin.

Voltando ao referido Decreto 8.243/14, pretende ele substituir a democracia das urnas por outra dirigida pelo Poder Executivo, com seus grupos enquistados em cada ministério. Então, se o Conselho da Comunicação Social, por exemplo, entender que deve haver controle da mídia, o Executivo, prazerosamente, dirá que o fará, pois essa é a "vontade dos representantes da sociedade civil organizada"!

A veiculação do decreto, em momento no qual se torna evidente o clamoroso fracasso da política econômica do governo Dilma, obrigará um futuro presidente da República, se sério e competente, a realizar um forte ajuste de contas. Caso decida extinguir os conselhos, poderá ser acusado de estar "agindo contra o povo"; e se os mantiver, terá dificuldades para governar.

Na eventualidade de ser a presidente reeleita, poderá impor os seus sonhos guerrilheiros, que ficaram claros quando, em atitude de adoração cívica, em recente visita a Fidel Castro, teve estampada a sua fotografia com o sangrento ditador cubano.

É isso o que me preocupa, em face da permanente proteção da atual presidente aos falidos governos boliviano, venezuelano e argentino, assim como a resistência em firmar acordos bilaterais com países desenvolvidos, sobre dar sinais de constante aversão à lucratividade das empresas, seja nas licitações, seja por meio de esdrúxula política tributária, indecente para um país como o Brasil.

Além do mais, o seu governo tornou a Petrobrás e a Eletrobrás instrumentos de combate à inflação pelo caminho equivocado do controle de preços. Tal política sinaliza que dificilmente ela fará os necessários reajustes na esclerosada máquina administrativa.

Com os tais conselhos criados, sempre que o governo tomar uma medida demagógica, poderá dizer que a "sociedade civil organizada" é que a está exigindo...

Por essa razão, é de compreender o discurso ultrapassado, do século 19, de luta contra as elites, apresentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preparando o terreno para medidas "a favor do povo" e contra "os geradores de empregos", que, na sua visão, são os ricos. Por isso também Vladimir Putin, que deseja restaurar o Império Soviético, é para a presidente Dilma Rousseff um parceiro melhor do que Barack Obama (EUA), representante, para ela, da "oligarquia econômica".

Como cidadão, respeitando a presidente pelo cargo que ocupa em razão de uma eleição democrática, tenho, todavia, cada vez mais receio de que o eventual risco de perder o poder leve seu grupo a ser dirigido pelos mais radicais, que se utilizarão dos ditos conselhos para, definitivamente, semear a cizânia, na renascida democracia brasileira.

Espírito público - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 22/07

Ao fim de seu livro 50 anos esta noite , da editora Record, que lança no Rio hoje, o ex-governador de São Paulo, ex-ministro, ex-candidato à Presidência da República duas vezes e atual candidato ao Senado José Serra define bem sua maneira de ver a ação política: A democracia que convive bem com as iniquidades nos convida ao conservadorismo sem imaginação. Por outro lado, a permanente crispação das demandas, que não cuida de conservar o que se conquistou, conduz ao impasse. De algum modo, é o equilíbrio dessas duas forças que nos faz avançar .

Trata-se de relato pessoal dos anos pré-ditadura militar, quando teve atuação política no centro dos acontecimentos com apenas 22 anos, como presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), e do duplo exílio, do Brasil para o Chile e de lá, com a derrubada de Allende, novamente exilado em Roma e nos Estados Unidos, onde se formou doutor em economia em Princeton no Institute for Advanced Study.

Anos mais tarde, reler sua tese nunca publicada sobre a política econômica do governo Allende fez surgir um ser fantasmático, aplicado, intelectualmente veemente, que se esfalfa para entender um trauma histórico e seguir em frente - eu mesmo outrora e agora .

É interessante aprender como foi forjada a personalidade política de Serra, reconhecidamente um amante dos detalhes ( onde o diabo mora ), um administrador rigoroso e obstinado. O que mais o incomodou no exílio não foi estar longe de casa, mas a impossibilidade de voltar e a falta de documentos. Por isso, recusou-se a devolver um passaporte brasileiro que recebeu por equívoco do cônsul em Santiago, Octávio Guinle, que acabou sendo punido pelo erro.

A UNE tinha papel fundamental nos anos que precederam ao golpe de 1964, e é surpreendente constatar como um estudante de 22 anos partilhava de conversas com o então presidente João Goulart e outros políticos renomados da época, a ponto de discutir com o presidente a nomeação do ministro da Fazenda, e com o deputado Leonel Brizola, o então governador Miguel Arraes, e outros, as ações políticas, tendo mais noção do que muitos de que a crise política se avizinhava.

Em reunião política nos dias tensos que antecederam ao golpe, Serra ouviu da boca de Jango: Não vou terminar esse mandato, não. Não chego até o fim . A percepção da fragilidade do esquema político e militar do governo esteve sempre presente na atuação daquele estudante, que fez um discurso incendiário no Comício da Central, e depois do golpe acabou no Uruguai ao lado de Brizola, os dois exilados, recebendo oferta para participar da luta armada contra os militares que tomaram o poder, que descartou com piada.

Em todo o seu relato, Serra revela sua obsessão pelos detalhes: Enquanto andava, morbidamente me perguntava se a bala do fuzil, além de derrubar-me, doeria , referindo-se à saída do Estádio Nacional do Chile, onde vários presos políticos foram assassinados nos primeiros dias do golpe militar que instalou a ditadura.

Serra não mudou sua visão sobre o que aconteceu no Brasil, continua convencido de que o governo Goulart não preparava um golpe, e que o receio do perigo comunista foi incutido na população pela direita, com a ajuda dos meios de comunicação da época para que o golpe fosse viável.

Acusa a CIA de ter atuado no golpe militar, seja financiando o Instituto Brasileiro de Ação Democrática com suas campanhas anticomunistas; ou grampeando o ministro da Guerra Jair Dantas dentro de seu quarto de hospital, como sua ação desestabilizadora do governo Allende. E lamenta que hoje exista mais intolerância no debate político do que naquela época embora o conflito político ideológico daquela década fosse muitíssimo mais acentuado do que no Brasil de hoje .

É um belo documento histórico esse que Serra publica, comprovando o que ele afirma em certo momento: Em nenhum momento do desterro duvidei do meu propósito e destino. Tudo o que estudei lá fora teve este norte: preparar-me para uma presença exemplar na vida pública brasileira .

Paulistanos ingratos - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 22/07


Ao transformar a cidade de São Paulo em um laboratório de experiências esdrúxulas e marqueteiras, o prefeito Fernando Haddad demonstrou, em menos de dois anos de gestão, que não governa para todos, mas apenas para grupos minoritários estridentes, e que se preocupa somente com os eventuais ganhos eleitorais de suas decisões. Como resultado, Haddad é considerado um mau prefeito por nada menos que 47% dos paulistanos, segundo a mais recente pesquisa Datafolha sobre a qualidade de sua gestão.

Com esse índice, Haddad passou a fazer companhia aos piores prefeitos que São Paulo já teve desde a redemocratização do Brasil. Ele não está muito longe, por exemplo, de Celso Pitta (1997-2000), cuja administração, após 1 ano e 6 meses, foi considerada ruim ou péssima por 54% dos paulistanos. Como os paulistanos hão de se recordar, Pitta foi aquele prefeito que chegou a ser afastado do cargo em razão de denúncias de corrupção e que destroçou as finanças do Município.

As vicissitudes de Haddad, porém, são de outra ordem, ao menos por enquanto. Dizem respeito ao trato destrambelhado da coisa pública. Quando se candidatou, Haddad prometia o "futuro". Seu slogan era "Chegou a hora do novo". Eleito, o prefeito mostrou o que entendia por "novo": um conjunto de medidas atabalhoadas, vendidas ao distinto público como algo moderno, mas que prejudicaram o já muito frágil equilíbrio da metrópole.

Tome-se o exemplo do programa "Braços Abertos". No começo deste ano, com o intuito de acabar com uma pequena favela criada na região da Cracolândia - cuja degradação de seus "moradores", uma vez revelada, chocou a cidade -, Haddad sacou esse plano de sua criativa cartola. Era uma solução duplamente mágica: além de desmontar aquele aglomerado de barracos que denunciavam uma grave crise social, o "Braços Abertos" recuperaria os viciados em crack. A "inovação" foi oferecer a esses drogados hospedagem em hotéis da região e um emprego de varredor de rua, com remuneração de R$ 15 por dia, além de assistência médica. A óbvia contrapartida - a de que o viciado fosse obrigado a se tratar - não foi exigida. O resultado é que, em vez de resolver o problema da Cracolândia, a Prefeitura, em nome de uma "nova atitude", acabou financiando indiretamente o consumo de crack.

Irresponsabilidade semelhante norteia a relação entre a Prefeitura e os ditos "movimentos sociais", em relação aos quais o poder público vem se dobrando de maneira inaceitável. A título de "dialogar" com a sociedade, Haddad permite que grupelhos muito bem organizados, cujos objetivos vão muito além dos slogans que gritam, se assenhorem da agenda política municipal, esbulhem a propriedade privada e cassem o direito de ir e vir dos cidadãos - ao bloquear avenidas quando lhes dá na veneta.

Mas nada traduz melhor o improviso dessa administração despreparada do que as faixas exclusivas de ônibus. Pintadas sem critérios outros que não os populistas, elas são vendidas aos paulistanos como a solução para o transporte público. Na visão dos estrategistas eleitorais do PT, as faixas seriam a marca de uma gestão preocupada em valorizar o trabalhador que pega ônibus em detrimento do motorista de carro, identificado por essa propaganda como sendo a "elite". O fato, no entanto, é que as faixas, na média, não representaram ganho significativo de tempo gasto dentro dos ônibus - e nos locais onde elas foram pintadas sem necessidade o resultado foi o caos completo.

Tudo isso se reflete nas pesquisas de opinião. No entanto, para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criador de Haddad, os paulistanos estão sendo ingratos. Com o exagero habitual, Lula disse que "quem está ganhando 40 minutos por dia para chegar em casa", graças às faixas de ônibus, "não está defendendo ele (Haddad)", razão pela qual é preciso "explicar para a população o que está acontecendo" - isto é, apelar para o marketing na tentativa de convencer a maioria dos paulistanos de que, ao contrário do que parece, eles vivem no paraíso.

TCEs precisam ser moralizados - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 22/07


Uma proposta positiva é aplicar a Lei da Ficha Limpa aos candidatos a conselheiro. Poucos são mais indicados a se submeter à lei do que guardiões da lisura pública


A imagem de inoperância dos Tribunais de Contas leva a que se proponha até sua extinção, cabendo a avaliação da execução dos orçamentos apenas a auditores. No entanto, além de muito radical, a ideia deixa transparecer alguma influência corporativista. Mas é certo que, conforme mostraram reportagens do GLOBO, os Tribunais de Contas dos Estados (TCE) precisam passar por um saneamento.

Um problema-chave dos tribunais é seu uso para abrigar apaniguados políticos e até parentes. Os TCEs, cujos conselheiros são indicados pelo Legislativo (dois terços) e Executivo (o terço restante), têm, portanto, o funcionamento prejudicado na função essencial de verificar a lisura no cumprimento de contratos de obras e serviços assinados pelos estados e empresas públicas. A responsabilidade dos TCEs aumentou com a Lei da Ficha Limpa, porque cabe a eles analisar a prestação de contas dos administradores públicos e comunicar aos Tribunais Regionais Eleitorais quais os reprovados, passíveis de terem o pedido de registro de candidatura rejeitado.

Infelizmente, os próprios tribunais não conseguem atender ao requisito constitucional da “reputação ilibada” para altas funções públicas. Pois, dos 189 conselheiros dos 27 TCEs, 44, ou 23%, respondem a algum processo na Justiça ou eles mesmos tiverem contas rejeitadas, conforme a ONG Transparência Brasil.

Jonas Lopes de Carvalho, presidente do TCE fluminense, foi denunciado pelo Ministério Público Federal por ter aprovado contratos entre a prefeitura de Carapebus e um escritório de contabilidade. Um presidente do TCE do Amapá, José Júlio de Miranda Coelho, e quatro conselheiros foram destituídos sob a acusação de desvio de milhões dos cofres do tribunal.

Em Mato Grosso, o conselheiro Humberto Melo Bosaipo também saiu por decisão judicial, porque responde a várias ações penais no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por peculato e lavagem de dinheiro. Há até mesmo o caso de um homicida: Luiz Eustáquio Toledo, conselheiro do TCE de Alagoas, condenado, na década de 80, por ter assassinado a mulher. Por ter cumprido pena em regime semiaberto, despachava durante o dia no tribunal e dormia no quartel do Corpo de Bombeiros.

Entre os casos mais rumorosos está o do conselheiro Robson Marinho, do TCE de São Paulo, nomeado no governo Covas e hoje envolvido no escândalo do cartel de fornecedores de trens ao estado. Serve de munição do PT nos ataques ao PSDB paulista.

Ligados ao Poder Legislativo, os tribunais de contas custam caro. No Rio de Janeiro, por exemplo, o TCE consome o equivalente a 87% do orçamento da Alerj.

Há debates sobre como aperfeiçoar os TCEs. Uma proposta positiva é aplicar a Lei da Ficha Limpa aos candidatos a conselheiro. Poucos são mais indicados a se submeter à lei do que guardiões da lisura na administração pública.

Restrições urbanas - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 22/07


Pedágio em vias da cidade conta com alta rejeição entre paulistanos; embora não resolva todos os problemas, é opção que deve ser discutida


Implantado em 1997, o rodízio de veículos em São Paulo sempre contou com maciço apoio dos moradores da cidade. Nas diversas pesquisas sobre o tema, cerca de 80% dos paulistanos têm manifestado simpatia pela medida. Iniciativas mais restritivas, porém, geram doses menores de boa vontade.

Em levantamento do Datafolha realizado na semana passada, 49% dos entrevistados declararam-se a favor de ampliar a duração do período em que é proibido circular com o carro --hoje a limitação aplica-se ao horário de pico. Outros 45% disseram ser contra a ideia.

A sugestão de a restrição valer para dois dias da semana, e não somente para um, nos moldes atuais, tem a aprovação de 45% dos paulistanos, mas 48% a rejeitam.

Em junho, 61% dos entrevistados concordavam com a extensão da área do rodízio, atualmente circunscrito ao centro expandido.

As três propostas têm ao menos dois pontos em comum. De um lado, as dificuldades que criam podem, de uma maneira ou de outra, ser contornadas por boa parte dos cidadãos. De outro, são fadadas a perder efeito no longo prazo: não impedem o crescimento da frota nas ruas nem elevam a velocidade média do trânsito, hoje em patamar inferior ao de 1997.

Daí não decorre que tais sugestões devam ser sumariamente descartadas; e, se forem levadas adiante, precisariam passar pelos devidos testes. De todo modo, o alcance limitado dessas ações põe em primeiro plano a necessidade de adotar restrições menos efêmeras, ainda que mais impopulares.

Inscreve-se nessa categoria o pedágio urbano. Segundo o Datafolha, 76% dos paulistanos recusam o sistema em que o motorista deve pagar uma taxa para circular em determinadas regiões da metrópole, como o centro expandido.

A experiência internacional, todavia, sugere que a iniciativa traz bons resultados. Londres, por exemplo, aderiu ao modelo em 2003, a despeito da resistência da população local.

Dez anos depois, as autoridades comemoravam a redução média de 13% na circulação de carros em toda a cidade; no centro, a queda foi de 21% em relação aos anos anteriores à vigência da medida.

Com os recursos angariados pela cobrança, a cidade investe em seu transporte público --opção indispensável para aqueles que não desejam tirar seus automóveis da garagem. Desde a implantação do pedágio, houve aumento de quase 60% no uso do ônibus e de 42% nas viagens de metrô.

O sistema público de transporte de São Paulo não se compara ao londrino, sem dúvida; o pedágio urbano tampouco resolverá todos os problemas do trânsito paulistano. A cidade, contudo, só tem a perder se a prefeitura continuar adiando um debate que se torna a cada ano mais atrasado.

Conviver: a sina de judeus e palestinos - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 22/07

Confrontos entre palestinos e israelenses são previsíveis como o suceder dos dias, das noites e das estações do ano. Previsível é também o resultado. Além das acusações, do aumento da violência e da perda de vidas crescente, o conflito acaba sem acabar. Trata-se de intervalo para novo infinito recomeço. Se há alguma, a única dúvida é o calendário: quando voltará o banho de sangue?
Os combates de agora não fogem à regra. Dois anos depois do enfrentamento de 2012, a barbárie retorna com multiplicada intensidade. O saldo do embate dá pálida ideia da carnificina em curso: até ontem, os judeus choravam 26 mortos (25 soldados e um civil); os palestinos, quase 600 (a maioria civil). Considerada a densidade demográfica de Gaza e a impossibilidade de fuga do lugar que mais parece campo de concentração, é provável que os números sejam bem mais dolorosos.

Não se devem ao acaso as palavras de condenação do horror que envergonha as consciências civilizadas do mundo. "São ações atrozes de Israel", disse o secretário-geral da ONU, Ban-Ki-Moon. A Liga Árabe falou em "crimes de guerra". Em gravação acidental, o secretário de Estado americano, John Kerry, ironizou "a tremenda precisão" dos ataques israelenses, que acertavam mulheres e crianças em vez de alvos militares e estratégicos.

Uma guerra que se arrasta há mais de meio século precisa chegar ao fim. Impõe-se, para tanto, renovar o script cuja reprise só causa dor, sofrimento e repulsa. Israel e Palestina devem se convencer de que ambos têm direitos. Os cidadãos judeus têm direito de viver sem sobressaltos de ataques e sequestros. Os palestinos têm direito a Estado livre e contínuo, a vida com autonomia na própria terra - sem tutelas.
Reconhecer a humanidade de uns e outros não significa troca de juras de amor. Significa aceitar que não há solução militar para o conflito. Judeus e palestinos têm de olhar para a realidade: são dois povos que precisam viver juntos e têm de encontrar forma de convivência pacífica. Há radicais dos dois lados - ultradireitistas em Israel e jihadistas em Gaza. A polarização, mostram as décadas de carnificina, é passaporte para o fracasso. A solução tem de ser política.

Obama designou Martin Indyk para restabelecer as conversações no barril de pólvora em que se transformou aquela região do Oriente Médio. Eis a proposta: "Minha experiência diz que seria necessário dançar três tangos para que andem as negociações de paz: de um lado, um líder de Israel e um líder palestino dispostos a assumir riscos. De outro, um presidente dos Estados Unidos disposto a investir tempo e prestígio garantindo que cobrirá os líderes árabes e israelenses que assumirem tais riscos". Passou da hora de candidatos se apresentarem.

A prisão dos manifestantes - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 22/07


Causa perplexidade o empenho de parlamentares e lideranças partidárias para desqualificar o trabalho da polícia, do Ministério Público e da Justiça do Rio de Janeiro, que culminou na ordem de prisão para 23 manifestantes envolvidos em protestos violentos no país. Não se trata de intimidação a movimentos sociais, como alegam os defensores dos ativistas, mas sim de uma resposta do Estado a delinquentes, compatível com o Estado Democrático de Direito e com o clamor da sociedade por punição a pessoas que agridem, depredam e se organizam para praticar crimes.
Foi, sem dúvida, uma atitude preventiva da Justiça a prisão _ na véspera da decisão da Copa do Mundo _ de suspeitos de envolvimento em atos de vandalismo, especialmente de lideranças que planejavam novas ações violentas, conforme revelam as conversas telefônicas gravadas com autorização judicial. Claro que a decisão da Justiça não está livre de questionamentos. Numa democracia, há sempre espaço para que vozes discordantes saiam em defesa de acusados. O inadmissível é que muitas delas se empenhem agora não em apontar argumentos consistentes de defesa, mas em desqualificar a decisão judicial, que está fundamentada em fatos objetivos.
Na denúncia apresentada ao Judiciário contra 23 ativistas, o Ministério Público revela que um dos propósitos do grupo era incendiar a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Classificados como quadrilha, os manifestantes teriam praticado, entre outros crimes, os de associação criminosa, destruição de ônibus e de agências bancárias até a morte do cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes. E teria havido até mesmo a intenção de marcar o final do Mundial com o chamado de Junho Negro, o que determinou a decretação das prisões preventivas.
Por mais que até mesmo parlamentares tentem alegar defesa da livre manifestação, não há como ignorar fatos concretos do relatório da Polícia Civil. O grupo dispunha não só de uma hierarquia rígida como também de comissões responsáveis pela confecção e distribuição de bombas e coquetéis molotov, além do planejamento de ataques.
Os brasileiros, em sua maioria, entenderam e se solidarizaram com o recado das manifestações de rua intensificadas a partir de junho do ano passado. Diante dos desvios dos objetivos iniciais, porém, é impositivo que agora se defenda o império da lei, para que a Justiça se mantenha livre de pressões ideológicas, venham de onde vierem. Por isso, as prisões representam, acima de tudo, uma resposta ao Estado e da sociedade organizada aos excessos praticados por manifestantes que transformaram a violência num instrumento para alcançar seus objetivos.

Quase um milagre econômico - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 22/07


Será quase um milagre econômico. A presidente Dilma Rousseff poderá encerrar seu quarto ano de mandato com a economia brasileira crescendo menos que a dos Estados Unidos e a da zona do euro e muito menos - como há anos - que a da maior parte dos emergentes. Pela primeira vez o crescimento econômico previsto para este ano ficou abaixo de 1% na pesquisa realizada pelo Banco Central (BC), semanalmente, com cerca de 100 economistas de instituições financeiras e de consultorias. Na oitava queda consecutiva, a expansão estimada para o Produto Interno Bruto (PIB) passou de 1,05% para 0,97%. Em contrapartida, a inflação projetada para 2014 diminuiu ligeiramente, de 6,48% para 6,44%, mas continuou muito longe da meta, 4,5%, e muito próxima do limite de tolerância, de 6,5%. Além disso, a previsão para o próximo ano subiu de 6,10% para 6,12%, acompanhando uma projeção pouco melhor para o PIB - aumento de 1,5%.

Economias mais afetadas pela crise iniciada em 2008 já têm desempenho melhor que o da brasileira. As últimas projeções publicadas pelo FMI apontam para os Estados Unidos crescimento de 2% neste ano e de 3% em 2015. Para a zona do euro as estimativas são de 1,1% e 1,5%. Previsões de outras entidades multilaterais e de instituições privadas ficam em torno desses números.

Um novo panorama da economia global será divulgado pelo FMI na próxima quinta-feira. Alguns números serão certamente alterados, mas é fácil prever um detalhe: o Brasil continuará perdendo a corrida para outros países emergentes e em desenvolvimento e para vários desenvolvidos, com crescimento menor e inflação muito maior.

A estimativa pouco menor de inflação em 2014 pode ser compatível com a piora da previsão para o PIB, mas seria muito arriscado apontar nesses números um indício mais claro de estabilização dos preços. A inflação continuará elevada por muito tempo, segundo as estimativas do mercado e também do BC, responsável principal pela política anti-inflacionária. Diante da perspectiva de atividade ainda muito fraca, os economistas consultados na pesquisa semanal continuam projetando juros básicos estáveis até o fim do ano: a taxa básica, a Selic, deverá continuar em 11%.

Para 2015, no entanto, a expectativa é de juros maiores, embora o crescimento econômico esperado ainda seja abaixo de medíocre. A taxa Selic estimada para o próximo ano, de 12%, tem aparecido no relatório do BC há várias semanas. Não se espera, portanto, contribuição importante da gestão orçamentária para a estabilização dos preços. Se houver algum ensaio de austeridade, ainda será insuficiente, mesmo acompanhado de novo aumento dos juros, para derrubar a inflação para menos de 6% ao ano.

O baixo crescimento econômico estimado para este ano e para o próximo está fortemente associado ao mau desempenho projetado para a indústria. Para 2014 a expectativa é de uma produção industrial 1,15% menor que a do ano passado. Na pesquisa realizada quatro semanas antes já se projetava um produto industrial em queda de 0,14%. Para 2015 ainda se calcula algum crescimento para a indústria, mas muito baixo. Em quatro semanas a estimativa caiu de 2,3% para 1,7%.

De acordo com a avaliação dos especialistas consultados pelo BC, a indústria continuará, portanto, muito perto da recessão. Além disso, o crescimento esperado para 2015 ficará muito abaixo do necessário para uma retomada efetiva, depois de três anos muito ruins.

A fraqueza da indústria está refletida nos números muito ruins do comércio exterior. O saldo comercial de mercadorias ficará em apenas US$ 2 bilhões em 2014, segundo a pesquisa. A estimativa para 2015 caiu de US$ 10 bilhões, há quatro semanas, para US$ 9,4 bilhões e depois subiu para US$ 9,8 bilhões na última sondagem. Todos esses números ficam muito abaixo das necessidades brasileiras, porque nem de longe compensam o déficit estrutural das contas de serviços e de rendas. Esse quadro reflete, com muita clareza, o fracasso das políticas industrial e de comércio exterior mantidas há quase 12 anos.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Qualquer órgão que tenha dúvida em relação à ação do governo deve investigar”
Aécio Neves (PSDB), sobre construção de aeroporto, com dinheiro público, na fazenda de seu tio



SAÚDE NEGOCIOU DROGA DE SEGUNDA

A Associação Médica Brasileira (AMB) concluiu estudo revelando que o citrato de sildenafila, que seria comprado pelo Ministério da Saúde por R$ 134,4 milhões em parceria com Labogen, não é considerado de primeira escolha para o tratamento da hipertensão arterial pulmonar. O contrato foi cancelado após a Operação Lava Jato, da PF, denunciar o laboratório como carro-chefe do doleiro Alberto Youssef para lavagem de dinheiro.

COM FOTO E TUDO

Contrariando orientação de técnicos, o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha foi testemunha da compra do sildenafil.

REVISÃO SISTEMÁTICA

Presidente da AMB, Florentino Cardoso diz que “o estudo foi realizado por grupo de pesquisadores, mediante evidências científicas”.

SÓCIOS

André Vargas (ex-PT-PR) é acusado de operar, junto a Youssef, em favor de contratos milionários da Labogen com a Saúde.

TUDO CONECTADO

A PF revelou ainda que o ex-assessor da Saúde Marcus Moura foi contratado pela Labogen para fazer lobby no governo federal.

FEUDO DE GAÚCHOS

Novo coordenador de futebol da CBF, o gaúcho de Erexim, Gilmar Rinaldi deve oficializar hoje um conterrâneo para assumir novamente o comando da Seleção Brasileira: Dunga. Até hoje, a equipe já foi dirigida pelos gaúchos Luiz Felipe Scolari (Passo Fundo), Carlos Froner (São Borja), Oswaldo Brandão (Taquara), Mano Menezes (Passo do Sobrado), João Saldanha (Alegrete), Sylvio Pirillo (Porto Alegre) e Claúdio Coutinho (Dom Pedrito).

ESTRANHO NO NINHO

Desde a entrada de Felipão (2001), o carioca Carlos Alberto Parreira (2003-2006) foi o único não gaúcho a comandar a seleção.

A TAÇA É NOSSA, TCHÊ

De todos os gaúchos, apenas Felipão levantou o troféu da Copa do Mundo, em sua primeira passagem.

DO SUL TAMBÉM

Paulo Roberto Falcão, que jogou no Internacional e foi treinador da Seleção, é nascido no município catarinense de Abelardo Luz.

TEORIA DA CONSPIRAÇÃO

Aécio Neves telefonou a José Serra para tranquilizá-lo de que não acredita na tese, que ganha corpo no PSDB, de que tem dedo do paulista nas denúncias sobre aeroporto construído na fazenda de seu tio, em MG.

FALTOU O CRÉDITO

Em vídeo direcionado aos jovens brasileiros, Lula copiou, sem querer ou querendo, o ex-presidente dos EUA John Kennedy ao pedir que se perguntem: o que eu quero fazer hoje para mudar o meu país?

BRIGA JUDICIAL

Agências de viagens entraram com ação na Justiça contra o Ministério do Planejamento, que baixou ‘aviso de credenciamento’ para permitir que órgãos públicos comprem passagens diretamente de empresas aéreas. Só em 2013, a União e autarquias movimentaram R$1,3 bilhão no setor.

JUNTOS...

Candidato a governador, Eunício Oliveira (PMDB-CE) e seu companheiro de chapa na disputa ao Senado, Tasso Jereissati (PSDB), se reuniram no sábado com o presidenciável tucano Aécio Neves, em Juazeiro do Norte.

... MAS NEM TANTO

Já sem Eunício, que evitou ser visto com Aécio – o que desagradaria a presidente Dilma, a quem prometeu apoio – os tucanos foram vaiados na chegada à Expocrato, uma das festas mais populares do Ceará.

CAIXA FECHADO

Lideranças do PT estão em pânico com a falta de ajuda financeira em vários estados. Nos bastidores, corre que Dilma controla o caixa com mão de ferro e só libera dinheiro a “aliados”.

ÚLTIMAS CONSEQUÊNCIAS

O deputado Izalci (PSDB-DF) duvida que o PR venha a substituir o ex-governador José Roberto Arruda (PR) na disputa ao governo do DF. “Pelo que conhecemos do Arruda, ele vai até o final”, afirmou.

CASA DE JURISTA

Herdeiros da viúva do jurista Pontes de Miranda vão tentar anular, na Justiça, o tombamento da casa onde o casal morou em Ipanema, avaliada em R$ 10 milhões. Miranda publicou mais de 300 obras no Brasil e em vários países da Europa.

MANOBRA ELEITORAL

Ciente de que o PSD deve encolher, Gilberto Kassab já cogita fusão após eleições com o Partido Liberal, que ele está ajudando a criar.



PODER SEM PUDOR

MELHOR NÃO SONHAR

Governador do Piauí, Alberto Silva ficou famoso pelos projetos mirabolantes, como o metrô de Teresina e a Praia de Poticabana (associação do Rio Poti com a Praia de Copacabana). Findo o governo, Alberto elegeu-se senador e, nessa condição, marcou audiência com o presidente, que era José Sarney. Em um modorrento fim de tarde brasiliense, Sarney quis saber quem ainda restava atender.

- Além de dois ministros, tem um velhinho cochilando - informou o ajudante de ordens.

- Esse velhinho é o senador Alberto Silva?

- Sim, presidente.

- Então faça-o entrar imediatamente.

- Mas, presidente, os ministros marcaram e chegaram primeiro...

- Acorde o senador e mande-o entrar agora mesmo - determinou Sarney, explicando - Se acordado ele inventa os projetos mais absurdos, imagine quanto pode custar ao País um sonho do Alberto Silva na antessala do presidente da República!