segunda-feira, maio 12, 2014

Mercancia eleitoral - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 12/05

Até onde sei, não há precedente que autorizasse a mágica



Semana finda, foi divulgado com precisão e clareza que a senhora presidente Dilma Rousseff nomeou Luiz Rondon para vice-presidente da Caixa Econômica Federal para obter o apoio do PTB à sua reeleição. Do personagem nomeado pouco se dizia, referindo-se apenas alguma relação com o mensalão. Até aqui, a notícia nua e crua. Em tais termos e circunstâncias, a meu juízo, o ato de mercancia eleitoral seria expresso e confesso.
Dada minha passagem pela Justiça Eleitoral e em várias posições, ocorre-me lembrar que, diante de semelhantes situações, embora infinitamente menores e apenas por indícios, não faltou a palmatória da lei e da justiça; a título ilustrativo, e sem sair do Rio Grande, lembro que na oportunidade em que alguém ligado a negócios, sem uma palavra acerca de votação ou de eleição, na suposição de que seria candidato, o Tribunal Regional Eleitoral fulminou a elegibilidade do presumido candidato por estar a fazer propaganda eleitoral intempestiva. Valeu como exemplo. Ao que sei, não foi repetido.
Agora não se trata disso, mas da senhora presidente da República, candidata à reeleição, que anunciou haver nomeado o futuro vice-presidente da Caixa Econômica Federal, para o fito de, com apoio respectivo do Partido, aditar alguns minutos ao tempo a que teria de acesso ao rádio e à televisão. O negócio ou a transação é confessada explicitamente; salvo erro meu, inequívoca sua ilicitude. Ela tem, o que se poderia dizer, o esplendor de evidência. A única pergunta a fazer seria no sentido de indagar se a lei permite à presidente da República eximir-se das normas legais para haver vantagem pessoal, palpável e inegável em relação a seus concidadãos.
Ora, até onde sei, não há precedente que autorizasse a mágica agora iniciada pela preclara governante, a menos que, à sorrelfa, os nossos costumes houvessem se decomposto arrostando normas centenárias que modelaram a nacionalidade.

O público e o privado - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 12/05

O que o PT tem contra as estatais?

Depois de anos de discursos condenando as privatizações e se apresentando como defensor das empresas públicas, chega a ser cruel ver como a retórica se transformou em exercício prático de poder. Os estragos provocados pela interferência do governo são de tal ordem que não permitem outra conclusão: o governo mais estatizante pós ditadura militar é o que mais maltrata as empresas estatais.

Os bordões repetitivos do partido, usados à exaustão como arma eleitoral, nos quais difunde-se um país dividido entre nacionalistas e entreguistas, já não surtem mais efeito diante do quadro de destruição perpetrado na administração pública. A mão pesada do Estado está levando as estatais federais às cordas. A Eletrobras perdeu grande parte do seu valor. As ações da Petrobras desabaram.

O que está em risco é o patrimônio do povo brasileiro. É a riqueza pública que se esvai na incompetência e na ingerência política sem limites. Antes, assistíamos orgulhosos às conquistas da Petrobras, uma empresa respeitada globalmente. Hoje, o que se vê é a dilapidação da credibilidade conquistada em 61 anos de história.

Os exemplos da intromissão excessiva do governo nas instituições públicas transbordam por todos os lados. Servidores estão quebrando o silêncio. No IBGE, os funcionários reagiram e o governo recuou da decisão autoritária de não divulgar a Pnad Contínua. O Ipea e a Embrapa não ficaram imunes à intervenção política.

Neste fim de semana, voltaram a surgir graves evidências de que o indiscriminado e ostensivo aparelhamento chegou também aos fundos de pensão, que apresentaram prejuízo recorde em 2013.

Diante de tantas e novas denúncias, a caixa preta das operações conduzidas pelas direções desses fundos, nos últimos anos, precisa ser aberta, para que sejam esclarecidas suspeições diversas de operações no mercado financeiro, maquiagens contábeis e prejuízos astronômicos.

O certo é que o petismo leva para dentro das estatais o que há de mais atrasado em gestão, confundindo o interesse do Estado com o interesse das pessoas no poder. Quando as coisas dão errado, a saída é a de sempre --ninguém sabe nada e tenta-se transformar fatos graves e sucessivos em ações isoladas e episódicas.

Os brasileiros não se enganam mais, como bem mostram as pesquisas de opinião que apontam para um profundo desejo de mudança. O país exige não só competência gerencial, mas também transparência e ética na condução dos negócios públicos. O recado é claro, no que se refere às estatais: precisamos devolver as empresas públicas ao seu verdadeiro dono --o povo brasileiro.

Dilma e seu labirinto - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 12/05
"(A imprensa brasileira) é bastante oposicionista" 
Dilma Rousseff 


Governo e oposição celebram desde a última sexta-feira os resultados da mais recente pesquisa Datafolha sobre intenção de votos para presidente da República. O governo, porque Dilma perdeu apenas um ponto percentual. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos. A oposição, porque Aécio Neves (PSDB) cresceu quatro pontos, e Eduardo Campos (PSB), um. A eleição deverá ser decidida no segundo turno. 

O MAIS IMPORTANTE numa pesquisa eleitoral não é isoladamente o índice de intenção de votos de cada candidato ou aspirante a candidato. O confronto dos índices ocupa o espaço nobre do noticiário, anima a discussão entre eleitores politizados e serve de alerta para os habituais financiadores de campanha. Candidato na frente recebe mais doações em dinheiro do que candidato emperrado ou em queda. Compreensível... 

O QUE DE FATO VALE, porém, são as eventuais tendências que uma pesquisa eleitoral - ou que um conjunto delas - seja capaz de detectar. A ser assim, está acesa a luz amarela na sala de comando da candidatura à reeleição de Dilma. De fevereiro para cá, os principais institutos de pesquisa registraram variáveis que apontam na direção de uma possível derrota dela, impensável até o final do ano passado. 

A ELEIÇÃO DE OUTUBRO próximo se dará sob o signo da mudança, segundo o Datafolha, o Sensus e o Ibope. Das 2.844 pessoas ouvidas pelo Datafolha em 174 municípios, 74% responderam que o futuro presidente deve governar diferente no todo ou em parte da maneira como o país vem sendo governado nos últimos quatro anos. Parece haver um sentimento generalizado de que basta! De que, agora, chega! De mudança, já! 

QUEM REÚNE MAIS condições para operar a mudança? Lula, disparado, com 38% das preferências. Em segundo lugar, Aécio, com 19%; seguido por Dilma, com 15%; e Eduardo, com 10%. Dilma perdeu o segundo lugar nos últimos 30 dias. Eduardo é o mais desconhecido dos candidatos. É também aquele com maior potencial de crescimento, conforme a pesquisa Data-folha. Foi o que mais subiu entre jovens. 

TERCEIRA VARIÁVEL perversa para Dilma: o desejo do eleitorado do PT de trocá-la por Lula. O índice é acachapante: 75% dos eleitores que se identificam com o PT querem Lula como candidato. O índice é de quase 60% quando se leva em conta a opinião de todos os eleitores. O que seria mais cômodo para os candidatos dos partidos da base do governo? Concorrerem puxados por Lula ou por Dilma? Compreensível outra vez. 

EM 2002, perto do fim do segundo governo Fernando Henrique Cardoso, 74% dos eleitores cobravam mudanças. Os candidatos a presidente se ofereciam como a melhor opção para mudar - entre eles, Lula, Ciro Gomes e Garotinho. Até José Serra, ex-ministro da Saúde de FH, só falava em mudanças. Quase não passou para o segundo turno. Pouco importava o que dissesse - era o candidato da continuidade. E ponto final. 

DILMA É A CONTINUIDADE. Sem essa de que pode encarnar a mudança. Seu maior desafio é reescrever a crônica de um desastre esboçado. Como? Vai que a maioria dos brasileiros desiste de exigir mudanças (improvável). Ou que Aécio e Eduardo não convençam no papel de agentes de mudanças (a conferir). Ou que a propaganda eleitoral no rádio e na televisão empurre Dilma para o alto. Um marketing bem feito ajuda. Mas não faz milagre. 

TALVEZ ELA acabe cedendo a vaga de candidata a Lula. Forçada, não o fará. Espontaneamente? O PT reza para que sim. Seus aliados também rezam. 

Novo oportunismo nas concessões - RAUL VELLOSO

O GLOBO - 12/05

Na prática, a busca por modicidade tarifária a qualquer custo acabou gerando o conhecido ‘barato que sai caro’


Na segunda etapa do Programa de Concessão de Rodovias Federais (PCFR), o governo anunciou uma nova era, na qual passaríamos a contar com um serviço de qualidade a preços ínfimos. Já em 2012, publiquei um livro intitulado “Infraestrutura: os caminhos para sair do buraco” (disponível em www.raulvelloso.com.br), onde demostrei que a “modicidade tarifária” alcançada não passou de aparência. O que aconteceu, de fato, foi a outorga de rodovias para empresas que acabaram renegociando os contratos, seja requerendo aumento do pedágio, seja reduzindo os investimentos. Na prática, a busca por modicidade tarifária a qualquer custo acabou gerando o conhecido “barato que sai caro”.

Em 2013, com alguns anos de atraso, várias idas e vindas e até o adiamento de leilões por provável falta de interessados, o governo conseguiu, enfim, destravar a terceira etapa do PCFR, transferindo à iniciativa privada quase cinco mil quilômetros. Para tentar evitar que as outorgas fossem entregues a empresas incapazes de cumprir os contratos, foram tomadas algumas precauções, como exigência de maior valor depositado em garantias e de capital social para os consórcios constituídos.

O que se teme agora não é mais o outorgado descumprir a promessa, mas o governo, ao longo do contrato, tentar impor tarifas de pedágio incompatíveis com o custo de provisão do serviço. Em primeiro lugar, devemos lembrar que esse é um risco inerente ao investimento em infraestrutura: uma vez incorridos os chamados custos afundados, a concessionária se encontra, em larga medida, presa ao investimento. Um governo oportunista pode fazer populismo tarifário com o intuito de obter dividendos eleitorais.

Infelizmente, há evidências de que o atual governo poderá assumir uma postura como essa. A primeira é a própria forma como vêm sendo tratados os preços administrados, com reajustes da gasolina, eletricidade e tarifas de ônibus em níveis inferiores à evolução dos custos.

Outras indicações estão em edital e contrato de concessões recentes. Destaque-se, em primeiro lugar, a proibição de apresentar um Plano de Negócios, onde se detalham as projeções de receitas e gastos das empresas. Sem ele, parâmetros importantes como o custo de construção de determinado trecho, a projeção de demanda e a taxa de retorno esperada são ignorados pelo regulador.

Criam-se, assim, situações potencialmente prejudiciais para as empresas. Por exemplo, se vier a ser constatado que não é mais necessário construir um trecho previsto em contrato, é o próprio órgão regulador que terá de determinar o custo da obra que não será executada, com o objetivo de recalcular o valor do pedágio. Da mesma forma, em caso de obras adicionais, a taxa de retorno será aquela estipulada pelo regulador. Se impuser uma taxa muito baixa, sem o Plano de Negócios a concessionária terá maior dificuldade de pleitear uma recomposição de margens na Justiça ou em cortes arbitrais.

Os contratos atuais também abrem espaço para decisões discricionárias por parte da agência reguladora (ANTT). O primeiro exemplo é o cálculo do custo de capital. Essa variável é importante, porque baliza a recomposição tarifária decorrente de realização de obras adicionais ou de fatores intervenientes que afetem as receitas do empreendimento. Apesar de haver estudo detalhando a metodologia de cálculo da taxa de retorno do capital , a Resolução ANTT nº 4.075, de 2013, dá à agência a prerrogativa de alterá-la sempre que for constatada mudança significativa nas condições de financiamento do setor.

O segundo exemplo é a introdução do chamado fator X nos contratos recentes de concessão. O fator X é um redutor de tarifa, cujo objetivo é capturar a parcela dos ganhos de produtividade e transferi-la ao usuário. Ocorre que os contratos limitam-se a prever a presença desse fator X, sem especificar qualquer metodologia de cálculo ou um teto para o seu valor.

A discricionariedade dada à ANTT, em um ambiente institucional precário como o brasileiro, reduz fortemente o poder de barganha das concessionárias. Isso abre espaço, em primeiro lugar, para negociações espúrias, com benefícios puramente individuais. Também facilita a adoção de comportamento oportunista por parte do governo. Se isso de fato ocorrer, o setor privado se sentirá mais reticente em participar de futuras concessões, exigindo, para tanto, tarifas mais altas com o objetivo de compensar o maior risco assumido. E o Brasil, mais uma vez, ficará sem a infraestrutura de que tanto necessita.

Na companhia de alguns colegas, apresentarei amanhã no Fórum Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos um trabalho atualizando livro de nossa autoria sobre concessões. Esse trabalho é parte do esforço maior de mostrar por que a situação fiscal se deteriorou fortemente e o modelo econômico em vigor está fadado ao fracasso, objeto de dois outros estudos. Também lançaremos um livro sobre energia elétrica. Todos eles estarão disponíveis na página acima mencionada.

Safatle contra os pobres - LEANDRO NARLOCH

FOLHA DE SP - 12/05

Os interesses de classes nem sempre divergem. PIB em alta faz bem para pobres, remediados e magnatas. O Brasil é exemplo disso


Por que intelectuais como Vladimir Safatle desprezam a receita mais eficaz, testada e aprovada para a redução de pobreza? Falo do crescimento econômico. Qualquer país que vive uma ou duas décadas de altas consecutivas do PIB vê massas humanas deixarem a miséria.

China: 680 milhões de miseráveis a menos desde que as fábricas capitalistas apareceram, há 35 anos. Indonésia: redução de pobreza de 54% para 16% em 18 anos. Coreia do Sul: tão pobre quanto a Índia em 1940, virou um dos países mais ricos do mundo depois de crescer em média 8% ao ano entre 1960 e 1980.

Essa receita deu tão certo que levou o mundo a superar, cinco anos antes do previsto, a meta estabelecida pela ONU, em 2000, de cortar pela metade o número de pessoas que viviam com menos de US$ 1,25 por dia. Quase tudo isso aconteceu sem cotas sociais, sem Bolsa Família, sem alta de impostos. Só com geração de riqueza.

É uma excelente notícia, que deveríamos comemorar --mas por que Safatle não participaria da festa conosco? No artigo "Demagogia" (29/4), na Folha, ele reclama de quem prefere discutir o crescimento econômico em vez de se concentrar no "caráter insuportável" dos arcaísmos brasileiros (mas a expansão da economia é melhor arma contra esses arcaísmos!). Noutro artigo, diz que a atividade econômica só faz produzir desigualdade.

Dá pra entender o desprezo. Admitir a importância da alta do PIB na redução da pobreza implica em reconhecer verdades dolorosas. A primeira é que quem atrapalha o crescimento da economia atrapalha os pobres. Afugentar investidores resulta em menos negócios, menos vagas, menores salários.

Outra é que os interesses das classes nem sempre divergem. PIB em alta faz bem para pobres, remediados e magnatas. Os anos recentes do Brasil são um exemplo disso. Entre 2007 e 2012, vivemos uma impressionante redução da miséria. Enquanto isso, o número de milionários subiu de 120 mil para 165 mil. Não há motivo para fomentar conflito entre motoboys e donos de jatinhos.

Mas o fato mais difícil de reconhecer é que os filósofos de palanque e os bons mocinhos tiveram um papel irrelevante na redução da pobreza. Se crescimento da economia ajuda os pobres, isso se deve a seus protagonistas, ou seja, os homens de negócio, alguns deles ricos, quase todos interessados somente em botar dinheiro no bolso.

Pior ainda, Safatle teria que admitir que os negociantes aliviaram a condição dos pobres fazendo justamente aquilo que mais incomoda os intelectuais ressentidos: lucrar explorando mão de obra barata. Capitalistas costumam atrair competidores, criando uma concorrência por empregados, elevando salários.

Intelectuais costumam reservar para si um lugar mais elevado que o de comerciantes na sociedade. É difícil terem generosidade para admitir que uma de suas causas mais nobres depende de negociantes mundanos. Por isso, o filósofo prefere ficar do lado da ideologia, e não do lado dos pobres, o que me faz acreditar que ele é movido por um ressentimento contra os ricos, talvez um desejo puritano de conter seus excessos. E não uma vontade genuína de reduzir a pobreza.

Internet e a importância da imprensa - NICOLAU DA ROCHA CAVALCANTI

O Estado de S.Paulo - 12/05

Este artigo não é sobre a pornografia no mundo virtual nem tampouco sobre os riscos de as redes sociais empobrecerem o relacionamento humano. Trata de um dos aspectos mais festejados da internet: o empowerment ("empoderamento", fortalecimento) do cidadão proporcionado pela grande rede.

É a primeira vez na História em que todos, ou quase todos, podem exercer a sua liberdade de expressão, escrevendo o que quiserem na internet. De forma instantânea, o que cada um publica está virtualmente acessível aos cinco continentes. Tal fato, inimaginável décadas atrás, vem modificando as relações sociais e políticas: diversos governos caíram em virtude da mobilização virtual, notícias antes censuradas são agora publicadas na rede, etc. Há um novo cenário democrático mais aberto, mais participativo, mais livre.

E o que pode haver de negativo nisso tudo? A facilidade de conexão com outras pessoas tem provocado um novo fenômeno social. Com a internet, não é mais necessário conviver (e conversar) com pessoas que pensam de forma diferente. Com enorme facilidade, posso encontrar indivíduos "iguais" a mim, por mais minoritária que seja a minha posição.

O risco está em que é muito fácil aderir ao seu "clube" e, por comodidade, quase sem perceber, ir se encerrando nele. Formam-se, assim, os novos guetos: círculos fechados de pessoas que pensam da mesma forma, com pouca disposição para o diálogo. E isso já se faz notar, por exemplo, na polarização do debate político brasileiro.

Não é infrequente que dentro dos guetos, físicos ou virtuais, ocorra um processo que desemboca no fanatismo e no extremismo. Há um fortalecimento no grau de adesão aos próprios argumentos - os seus participantes se tornam mais convencidos sobre as suas teses -, mas sem necessariamente coexistir um aprofundamento sobre as razões para esse convencimento. Pode-se estar "muito convencido" subjetivamente, mas não "bem convencido" objetivamente, no sentido de possuir argumentos que sustentam a sua tese no âmbito público.

O exercício de ser questionado nas suas convicções e a busca por encontrar respostas a essas objeções são elementos essenciais para a qualidade da argumentação. Num gueto, tudo isso fica do lado de fora. Há uma blindagem dos seus integrantes, impedindo o debate.

Em razão da ausência de diálogo entre posições diversas, o ativismo na internet nem sempre tem enriquecido o debate público. O empowerment digital é frequentemente utilizado apenas como um instrumento de pressão, o que é legítimo democraticamente, mas, não raras vezes, cruza a linha, para se configurar como intimidação, o que já não é tão legítimo assim...

Essa estratégia, usada por muitos grupos na rede, tem ainda o grave efeito, por culpa dos seus próprios promotores, que apostam na força e no curto prazo, de fazer com que legítimas demandas sociais permaneçam marginalizadas. Perante a sensibilidade da sociedade, são percebidas como causas carentes de legitimidade.

A internet, como espaço de liberdade, não garante por si só a criação de consensos nem o estabelecimento de uma base comum para o debate. Todos falam, mas ninguém parece escutar quem pensa diferente.

Um exemplo são os comentários postados junto das notícias de diversos portais. Em princípio, deveria ser algo espetacular: dar voz aos leitores. Mas qual foi a última vez que você leu um comentário que realmente contribuiu para a discussão do assunto tratado? Talvez não soe bem aos ouvidos contemporâneos, mas quantidade de participantes não é sinônimo de qualidade no debate.

Evidencia-se, aqui, um ponto importante. A internet não substitui a imprensa. Pelo contrário, esse fenômeno dos novos guetos põe em destaque o papel da imprensa no jogo democrático. Ao selecionar o que se publica, ela acaba sendo um importante moderador do debate público. Aquilo que muitos poderiam ver como uma limitação é o que torna possível o diálogo, ao criar um espaço de discussão num contexto de civilidade democrática, no qual o outro lado também é ouvido.

O filtro da imprensa pode ser muito saudável democraticamente. E isso não é elitismo, como se a opinião de alguns valesse mais do que a de outros. É exatamente o contrário. Num jornal, o que sai escrito foi em geral questionado por muitas outras cabeças. Na internet, cada um publica o que quer e ponto final.

A racionalidade não dialogada é estreita, já que todos nós temos muitos condicionantes, que configuram o nosso modo de ver o mundo. Sozinhos, nunca somos totalmente isentos, temos sempre um determinado viés. Numa época de incertezas sobre o futuro da mídia, aí está um dos grandes diferenciais de um jornal em relação ao que simplesmente é publicado na rede.

Imprensa e internet não são mundos paralelos: comunicam-se mutuamente, o que é benéfico a todos. No entanto, seria um empobrecimento democrático para um país se a primeira página de um jornal fosse simplesmente o reflexo da audiência virtual da noite anterior. Como aponta Steve Coll, diretor da Faculdade de Jornalismo da Columbia University, o trabalho dos editores de um jornal não perdeu significado com a internet. Pelo contrário, nunca foi tão necessária uma ponderação serena e coletiva do que será manchete no dia seguinte.

O perigo da internet não está propriamente nela. O risco é considerarmos que, pelo seu sucesso, todos os outros âmbitos devam seguir a sua mesma lógica, predominantemente quantitativa. O mundo contemporâneo, cada vez mais intensamente marcado pelo virtual, necessita também de outros olhares, de outras cores. A internet, mesmo sendo plural, não tem por que se tornar um monopólio.

Dinheiro não aceita desaforo - ROBERTO LUÍS TROSTER

O Estado de S.Paulo - 12/05

Há séculos, alguns princípios norteiam banqueiros na gestão de seus empreendimentos. São preceitos valiosos, porque asseguram a saúde financeira de suas instituições. Falhas na solvência são letais para bancos.

Países e entidades subnacionais, mesmo tendo um gerenciamento financeiro fraco, não quebram, mas veem seu potencial de desenvolvimento encolher. Administrações temerárias das contas públicas resultam em juros maiores e capacidades de endividamento menores.

O quadro macroeconômico brasileiro não é crítico, está longe disso, mas sua dinâmica apresenta uma deterioração crescente. As consequências são projeções de crescimento menor, oferta de financiamentos estagnada, produção industrial anêmica e volatilidade no mercado financeiro exacerbada.

Há debates infindáveis sobre as estimativas do superávit primário em 2014, entre 1,4% e 1,9%, e a respeito de critérios de cálculos dos valores das dívidas líquida e bruta. O fato relevante é que o endividamento é alto e está aumentando.

O governo paga por ano 5% do PIB em juros (R$ 248 bilhões em 2013), como projeta um superávit primário inferior a 2%, é certo que a conta de juros vai aumentar. Cada vez mais recursos de impostos serão desviados de prioridades sociais para aplicadores em títulos públicos.

Agravando o quadro, faltam definições mais precisas sobre o ajuste dos preços de tarifas, energia e combustíveis e seu impacto na dívida pública. A política monetária é difusa, há dúvidas se a meta de inflação é 4,5%, ou se é o que parece que está sendo, 6,5%, com alguma tolerância para superar esse valor.

O somatório dessas incertezas tem consequências como uma percepção de risco maior do País - este ano houve uma reclassificação por uma agência classificadora de risco e a postergação de investimentos do setor privado. O desempenho do PIB é pífio, mesmo com um cenário externo bom.

Os termos de troca do Brasil com o resto do mundo são bons, melhores do que antes da crise, e há recursos abundantes no resto do mundo à procura de oportunidades. Mesmo assim, o PIB está crescendo menos que o do resto do mundo.

De acordo com levantamento do Fundo Monetário Internacional (FMI), no governo Dilma, a participação do PIB do Brasil no PIB mundial foi reduzida de 2,886% para 2,786,%, e até o fim deste ano faz uma projeção de diminuição para 2,750%; enquanto a de outros países, como Chile e Peru, aumentam a sua.

É uma dinâmica que não convém. A cada dia que passa, o custo de ajustar a política macroeconômica torna-se maior. A conta para 2015 está aumentando. É fato que, em razão de ser um ano eleitoral, há medidas que não serão adotadas. Mas não faz sentido o imobilismo atual. A observância de dois princípios bancários pelo governo seria de grande proveito na atual situação. O primeiro deles diz: "Vá de encontro à encrenca, não espere por ela".

O motivo é que situações econômicas financeiras problemáticas, quando deixadas por si sós, tendem a piorar. Quanto antes são enfrentadas, menos danos causam. Há medidas que podem e deveriam ser tomadas agora, com impactos benéficos no desenvolvimento do País.

Alguns exemplos são pertinentes. A política de reservas internacionais é um deles. O País tem US$ 360 bilhões, que rendem cerca de 1% ao ano e são financiados com recursos internos captados a 11% ao ano. Em números redondos, custam ao País US$ 36 bilhões por ano, ou 1,5% do PIB.

Atualmente, as reservas internacionais são mais de quatro vezes superiores à dívida de curto prazo. Uma análise da conveniência de sua redução está na ordem do dia. Teria impactos benéficos na dívida pública que certamente seriam populares.

O Fundo Soberano do Brasil é outro caso. Foi criado para mitigar os efeitos dos ciclos econômicos e formar a poupança pública. Entretanto, é um peso para as finanças do governo, pois custa mais do que rende. Nos últimos cinco anos teve uma rentabilidade média inferior a 3,5% ao ano, menos da metade do custo de captação do governo.

Aplica-se um segundo princípio bancário: "Não pôr dinheiro bom atrás de dinheiro ruim". Se uma atividade tem rentabilidade baixa, inferior ao custo de captação, o preceito é cristalino. É o caso do Fundo Soberano. Há também espaço para ajustes nos créditos ao BNDES e outros itens do orçamento.

Em política monetária, a incerteza com a trajetória dos juros cobra um preço elevando os juros de prazos longos, que são as taxas relevantes para o tomador de financiamentos. Quanto maior a insegurança, mais se eleva a taxa a ser cobrada dos tomadores de crédito e maior é o custo social do ajuste monetário - juros mais altos durante mais tempo.

A prescrição é operar simultaneamente nos juros ativos (financiamentos) e passivos (aplicadores) dos bancos: uma redução da cunha bancária (eliminar tributação, compulsórios e alguns direcionamentos) e uma postura mais peremptória no Copom, com uma definição mais precisa da estratégia a ser seguida.

Uma atuação nas duas pontas dos juros reduziria a margem (spread) da intermediação. Isso, mesmo com a Selic mais alta, faria com que o custo do crédito diminuísse, melhorando o perfil do endividamento de empresas e famílias.

Os dois princípios bancários enunciados são de boa gestão financeira e se aplicam também para empresas, famílias e governos. Se aplicados, como sugerido acima, melhorariam a dinâmica fiscal inflacionária da economia e teriam um efeito colateral importante, a redução da incerteza.

Horizontes mais nítidos teriam um efeito positivo nas decisões de investimento. Se complementado com a divulgação dos planos de governo consistentes com diagnóstico, metas, instrumentos, cenários e prioridades de todos os candidatos, o impacto seria poderoso e contagiante.

Um ditado popular brasileiro, título deste artigo, resume bem o que está acontecendo com a nossa economia.

Maior ou menor? - PAULO GUEDES

O GLOBO - 12/05
O dinheiro barato infla artificialmente o patrimônio dos mais ricos, enquanto a competição asiática trava o salário dos mais pobres
O grande economista austríaco Joseph Schumpeter considerava o francês Léon Walras o maior economista de todos os tempos por sua formulação da Teoria do Equilíbrio Geral. O formidável Paul Samuelson comparava a importância de Walras nas ciências econômicas ao papel de Newton nas ciências exatas: Lagrange dizia que Newton era não somente o maior nome da física mas também o mais sortudo dos cientistas. Pois havia apenas um sistema do mundo, e foi Newton que o descobriu. Da mesma forma, há em economia um grande sistema do equilíbrio geral. E foi Walras quem teve a percepção e a sorte de o revelar.
Pois bem, nunca foi Walras tão contemporâneo. E sua análise é o calcanhar de aquiles da sempre popular tese do capitalismo cruel defendida por Thomas Piketty, o economista francês que se tornou celebridade instantânea. Pergunte o que acham disso os 3,5 bilhões de eurasianos que mergulharam nos mercados de trabalho globais. Como aponta Kenneth Rogoff em seu artigo do GLOBO deste sábado, quando se trata de reduzir a desigualdade mundial, o sistema capitalista teve três décadas de desempenho impressionante . Foi a fuga da miséria socialista que empurrou bilhões em desespero em direção à engrenagem capitalista global, derrubando os salários e aumentando o retorno sobre o capital nas economias ocidentais.

A mesma engrenagem que aumentou a desigualdade em países ricos reduziu globalmente a desigualdade, permitindo que bilhões de asiáticos escapassem da extrema pobreza , prossegue Rogoff. É fato que a desigualdade aumentou em cada um dos países avançados. Afinal, o dinheiro barato infla artificialmente o patrimônio dos mais ricos enquanto a competição asiática trava o salário dos mais pobres. E as operações de salvamento de instituições financeiras após o grande estouro das bolhas protegeram essa riqueza acumulada por retornos extraordinários do capital durante todo esse tempo. Mas foram os governos que garantiram os depósitos de déspotas africanos, cleptocratas russos, políticos corruptos e mesmo meritórios bilionários de todo o mundo. Enquanto a destruição dessa riqueza concentrada foi perpetrada pelo capitalismo acusado de injusto. A desigualdade é localmente maior e globalmente menor, enquanto convergem as remunerações através do comércio globalizado (Samuelson) em uma economia mundial integrada (Walras).

O anel do Pacífico - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 12/05

SÃO PAULO - O posto de segunda maior economia da América do Sul vai trocar de mãos em breve. A Colômbia está prestes a desbancar a Argentina, ultrapassagem que, segundo estima o Fundo Monetário Internacional, ocorrerá no ano que vem.

Até certo ponto, o avanço colombiano é algo esperado, a levar-se em conta a demografia. Com 48 milhões de habitantes, a pátria de Shakira e Gabriel García Márquez é a segunda mais populosa da região.

Trata-se ainda de uma corrida para recuperar o atraso. O PIB da Colômbia precisa subir um terço a fim de que o seu peso econômico na América do Sul iguale a sua participação populacional. No ritmo atual de crescimento --5% ao ano neste início de década-- a defasagem desaparecerá em pouco tempo.

Outro caso de corrida para deixar o pelotão retardatário acontece com o Peru. Com 8% dos habitantes sul-americanos, mas 5% da produção de bens e serviços, os peruanos têm registrado avanços significativos. O PIB corre a 5,5% ao ano, na média, desde a crise global de 2008, mais que o dobro da velocidade brasileira.

O interessante, contudo, é notar que Colômbia e Peru vêm se aproximando do paradigma chileno, baseado na abertura comercial, na ortodoxia macroeconômica e na facilitação dos negócios. A dupla andina se distancia, assim, tanto do bolivarianismo radical de Venezuela e Argentina como do intervencionismo moderado em marcha desde o final de 2008 no Brasil.

Num contexto de derrocada dos experimentos populistas venezuelano e argentino --e de suave fracasso do meio-termo brasileiro--, o anel do Pacífico sul-americano começa a contrastar. Seria prenúncio de movimento hegemônico a engolfar a política econômica na região?

Por coincidência ou não, vertentes e medidas mais liberais começam a ganhar força, dentro e fora dos conglomerados governistas, em todo o continente.

A democracia de Lula - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O Estado de S.Paulo - 12/05

Documento elaborado pelo presidente do PT, Rui Falcão, sobre a campanha eleitoral deste ano classifica a imprensa como "mídia monopolizada, que funciona como verdadeiro partido de oposição". Segundo o texto, "a disputa eleitoral" vem sendo marcada "por um pesado ataque ao nosso projeto, ao governo e ao PT da parte dos conservadores, de setores da elite e da mídia monopolizada". O ex-presidente Lula, único maestro da orquestra ideológica petista, já tinha dado o tom ao afirmar que a imprensa é o maior "partido de oposição" do País. É a música de sempre: eles e nós.

Chocam, e muito, o autoritarismo e o cinismo que transparecem nas declarações que acabo de citar. A imprensa é uma instituição genuinamente democrática e não sintoniza, por óbvio, com projetos hegemônicos e autoritários de poder. O próprio Lula é o resultado direto de uma sociedade livre e democrática. Sua saga pessoal, extraordinária, passou por uma imprensa que abriu amplos espaços para um jovem sindicalista que, então, transmitia uma mensagem renovadora.

Luiz Inácio Lula da Silva, sobretudo no seu primeiro mandato, teve méritos indiscutíveis. Basta pensar nas políticas sociais adotadas por seu governo. O Bolsa Família, pilotado com competência e seriedade pelo ex-ministro Patrus Ananias, foi uma importante ferramenta de inclusão. Mas era preciso que esse instrumento, aos poucos, introduzisse seus destinatários na cidadania. Isso não ocorreu. Os programas sociais, cuja validade não contesto, renderam milhões de votos, mas não fizeram cidadãos. Só a educação é capaz de transformar eleitores cativos em pessoas livres, e a educação não foi um quesito valorizado no governo petista. E fica patético continuar falando da "herança maldita do governo neoliberal". Somados Lula e Dilma, são 12 anos de PT no poder. Não dá mais para debitar os problemas em conta alheia.

A última fase do governo Lula, marcada por constantes e crescentes episódios de corrupção, cumplicidade com oligarquias nefastas e manifestações de desprezo pelas liberdades públicas, fizeram com que a imprensa apenas cumprisse o seu dever: informar, apurar, denunciar. O papel fiscalizador da mídia, algo absolutamente normal em qualquer democracia do mundo, passou a ser encarado pelos petistas como ação planejada por "setores da elite e da mídia monopolizada".

Mas, afinal, amigo leitor, o que a imprensa tem feito para provocar tanto ódio ideológico, tanto rancor, tanta fúria? A resposta é muito simples: tem informado. A informação independente, profissional, sem cabresto é algo que incomoda. Nas democracias há sempre uma tensão entre os políticos e a imprensa. E é bom que seja assim. Nas ditaduras não é assim. Em Cuba, modelo tão louvado por Lula e matriz do bolivarianismo, um grupelho manda e o resto obedece. Não há contraponto. Existe apenas o silêncio imposto pelos opressores. Reconheço que Dilma, não obstante seu viés ideológico radical e seu despreparo como governante, é diferente. Honrou seu compromisso de não agressão à liberdade de imprensa.

Irrita-se Lula porque a imprensa não se cala diante do seu exibicionismo de contradições e desfaçatez. Em recente entrevista à TV portuguesa, chegou a ponto de interromper a entrevistadora que queria saber o grau de suas relações com José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. "Não se trata de gente da minha confiança." Fantástico!

As denúncias da imprensa sobre os desmandos na Petrobrás, consistentes e sólidas como uma rocha, não provocam no ex-presidente a autocrítica que se espera de um estadista. Ao contrário. Sua ordem é "ir para cima" de quem represente um risco para o projeto de perpetuação do PT no poder.

Incomoda-se Lula porque os jornais desnudam suas aparentes contradições, que, no fundo, são o resultado lógico da práxis marxista: o fim justifica os meios. O compromisso com a verdade é absolutamente desimportante. O que importa é o poder. Em agosto de 2006, quando o escândalo do mensalão estourou, Lula falava: "Quero dizer, com franqueza, que me sinto traído. Não tenho vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos de pedir desculpas". Agora, na alucinante entrevista à TV portuguesa, Lula afirma rigorosamente o contrário: "O mensalão teve praticamente 80% de decisão política e 20% de decisão jurídica". É um ex-presidente da República, responsável pela nomeação de 8 dos 11 integrantes do Supremo Tribunal Federal, acusando a Corte de cumplicidade na "maior armação já feita contra o governo".

Não é de hoje a fina sintonia do petismo com governos autoritários. O Foro de São Paulo, entidade fundada por Lula e Fidel Castro, entre outros, e cujas atas podem ser acessadas na internet, mostra que não há acasos. Assiste-se, de fato, a um processo articulado de socialização do continente de matriz autoritária. E o ex-presidente da República é um dos líderes - talvez o mais expressivo - dessa progressiva estratégia de estrangulamento das liberdades públicas.

Cabe à imprensa, num momento grave da história da democracia, denunciar a tirania que se tenta armar, mesmo quando camuflada pela legitimidade das urnas. É preciso denunciar as estratégias gramscianas de tomada do poder. O papel da imprensa não é estar do lado do poder e, muito menos, aplaudir unanimidades momentâneas. Nossa função é mostrar o que é verdadeiro e relevante.

Tentativas de controle dos meios de comunicação, flagrantemente inconstitucionais, serão repudiadas pela imprensa séria e ética, pelos formadores de opinião (que não vendem sua consciência em balcões de negócios) e pela sociedade. Os brasileiros apreciam a democracia. Assim como condenaram os regimes de exceção, não aceitam projetos autoritários que, sob o manto da justiça social, anulam um dos maiores bens da vida: a liberdade.

Meus ingratos preferidos - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 12/05

BRASÍLIA - Os ingratos estão mais aliviados com a subida do tucano Aécio Neves na pesquisa Datafolha, mas até por isso mesmo ficaram mais preocupados com a radicalização do discurso do ex-presidente Lula, que só tende a aumentar.

A esperança dos ingratos era que Lula, mais pragmático e menos ideológico do que sua criatura, seguisse sinalizando que um segundo mandato de Dilma seria diferente, corrigindo os erros do primeiro.

Só que tanto Lula como Dilma, para reagir nas pesquisas, subiram o tom das críticas e passaram a indicar que podem dobrar a aposta no modelo atual, que resultou em crescimento baixo e inflação alta.

Um conhecedor da alma lulista partilha do mesmo receio, mas diz que o ex-presidente Lula, neste momento, exatamente por ser pragmático, não tinha outro caminho.

Já não é mais o caso de discutir os rumos do governo atual, que está no fim --ao qual Lula segue criticando-- mas de salvar o projeto de poder do seu partido, PT, que está em risco exatamente pelo fraco desempenho do governo de sua criatura.

Aí, se a saída é radicalizar o discurso, Lula não pensa duas vezes. E vai continuar tachando empresários e banqueiros de ingratos. Afinal, diz o ex-presidente, eles lucraram e muito graças aos governos petistas, mas não dão demonstrações de gratidão neste momento de dificuldades.

Os mesmos empresários que procuram o petista para se queixar da Dilma intervencionista e que, a portas fechadas, não são rotulados de ingratos. Pelo contrário, ganham o agradecimento pelos fartos patrocínios de viagens e palestras.

Só que a dúvida está no ar. O receio maior nem é em relação a Lula. Reeleita, Dilma pode se sentir livre de qualquer tipo de compromisso com seu criador e aprofundar seu estilo, sem fazer autocríticas.

Afinal, ela terá sido reeleita muito mais pelo que fez, certo ou errado, em seu governo, e não pela força de Lula, como ocorreu em 2010.

Polícia constrangida - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 12/05

Está em curso no País uma perigosa inversão de valores na área de segurança pública. A polícia, a quem cabe a manutenção da ordem e a repressão ao crime, tem sido tratada por formadores de opinião cada vez mais como uma entidade truculenta e criminosa, responsável pela violência contra inocentes. Essa percepção poupa os delinquentes reais, isto é, aqueles que de fato agridem a sociedade, enquanto os policiais são submetidos a diversas formas de constrangimento a seu trabalho, muito além do que determinam as leis e os manuais de conduta.

Tome-se o exemplo mais recente, a morte do bailarino Douglas Rafael da Silva Pereira, conhecido como DG, no morro Pavão-Pavãozinho, no Rio de Janeiro. Douglas provavelmente foi vítima de tiroteio entre policiais e traficantes no local. Mesmo antes de saber exatamente de onde partiu o tiro que o matou, moradores e familiares imediatamente atribuíram o crime à polícia - a mãe do rapaz chegou a dizer que ele foi torturado por policiais. Foi a senha para protestos contra a polícia, que incluíram faixas nas quais se lia "Fora, UPP" e "UPP assassina", referência às Unidades de Polícia Pacificadora, eixo da política de segurança pública no Rio.

É compreensível que, sob forte emoção, os familiares de Douglas tenham hostilizado aqueles que lhes pareceram culpados pelo crime.

No entanto, o que se viu no Rio foi a exploração grosseira da tragédia por parte dos que pretendem enfraquecer a luta do Estado contra os narcotraficantes que há décadas dominam os morros e as favelas do Rio.

Não é por outra razão, aliás, que os famigerados black blocs, contumazes baderneiros, engrossaram as manifestações. Para essa turma, lei e ordem são instrumentos de "dominação burguesa". São os sócios perfeitos da bandidagem.

Como sabe todo cidadão amante da paz social, a vida piorou nas grandes capitais brasileiras desde que esses ativistas resolveram impor sua vontade sem qualquer consideração pelos interesses coletivos, paralisando ruas e avenidas, quebrando vidraças de lojas e de agências bancárias e incendiando carros e ônibus - tudo em nome de suas utopias totalitárias.

Quando foi acionada para fazer o que dela se espera, em alguns casos a polícia cometeu alguns equívocos reprováveis, como o uso exagerado da força. Embora tenham sido pontuais, esses problemas se transformaram imediatamente em senha para que se tentasse desmoralizar todo o trabalho policial, transformando os agentes da lei em inimigos, causando embaraços ao poder público e deixando o caminho livre para a baderna travestida de "movimento social".

Formou-se então uma aliança de conveniência entre o ativismo irresponsável e o crime organizado - que ademais nadam de braçada graças a um discurso acadêmico e político irresponsável que romantiza a afronta ao Estado e que qualifica a repressão policial, por princípio, como um ataque aos pobres e à democracia.

É evidente que se deve questionar a eficácia das UPPs como política de segurança pública, em razão da reincidência da violência nos últimos tempos, assim como se deve criticar duramente a truculência policial nas ruas de São Paulo, não só durante manifestações, mas, principalmente, no dia a dia da cidade.

O descontentamento da população com o trabalho da polícia, em especial quando demonstra seu despreparo para atuar sob pressão, é legítimo e deve servir como incentivo para que o Estado reforme e aperfeiçoe a corporação. Faltam, por exemplo, instrumentos mais eficientes de controle da letalidade policial no Brasil, uma das mais altas do mundo.

Isso nada tem a ver, porém, com o exagerado descrédito das forças de segurança pública. Perguntar a quem interessa alimentar essa imagem da polícia é ocioso.

Certamente não é ao cidadão comum, que espera sair para o trabalho e voltar para casa sem ser molestado por assaltantes, assassinos e traficantes ou bloqueado por ativistas fascistoides que sequestram o espaço público e se nutrem do caos.

Uma necessidade - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 12/05

O Brasil mudou muito desde o início dos anos 1940, quando a legislação trabalhista foi consolidada (e se tornou conhecida desde então como CLT, com mais de 900 itens). Era um país essencialmente rural, com maioria da população ainda analfabeta, e por isso a CLT é vista pelos historiadores como uma iniciativa importante de se dar dignidade ao trabalho. A mão de obra escrava fora a base da produção de um ciclo desonroso encerrado somente em 1888, com a Lei Áurea. No entanto, as novas relações entre empregados e empregadores demoraram a evoluir.

Na década de 1930, o Brasil tinha uma indústria nascente que contribuía para acelerar o processo de urbanização. O Estado também começava a organizar sua máquina burocrática.

Para que a CLT se impusesse como a legislação determinante do mercado do trabalho, a Justiça passou a ter um dos seus braços exclusivamente dedicado às causas trabalhistas, coletivas ou individuais. Hoje, o país não é mais rural, pois 84% da população vivem em cidades (médias e grandes, na maior parte). A economia se sofisticou, com expressiva participação dos serviços. E é crescente o número de brasileiros escolarizados, com mais de oito anos de instrução.

Em um mundo que avança na era digital, com a tecnologia transformando a maneira de se produzir, não faz sentido que a legislação trabalhista continue a espelhar um quadro dos anos 1930/40. Não por acaso a justiça trabalhista se tornou campeã em número de causas, tamanha é a dificuldade que o mercado tem para se adaptar às regras definidas pela CLT. Tudo é conflito jurídico. Quase nada se resolve em negociações entre as partes.

O que se discute há tempos no Brasil é uma flexibilização dessa legislação que possibilite a empregados e empregadores negociarem ajustes temporários, com o objetivo de manutenção de empregos e retenção de pessoal qualificado, treinado ou mais familiarizado com os negócios da empresa. Atualmente não existe essa opção: em caso de retração de mercado e necessidade de ajuste dos custos variáveis, o empregador se vê forçado a dispensar pessoal. Quando há retomada dos negócios e ressurge a necessidade de contratação, dificilmente são restabelecidos os vínculos com ex-funcionários. Em ambos momentos, há um custo elevado, para os dois lados.

O tema voltou à agenda de debates por conta de uma situação específica da indústria automobilística, mas que também deve se aplicar a outros segmentos da economia. Grande empregador de mão de obra qualificada, com salários acima da média, o setor fez expressivos investimentos para ampliar sua capacidade, mas não tem conseguido manter o forte ritmo de produção de 2012 e 2013. Tudo indica que haverá uma retomada de vendas mas isso poderá levar alguns ou vários meses. Até lá, como reter toda essa mão de obra ocupada? Reduções temporárias de jornada de trabalho poderiam ser negociadas, sem risco judicial, se empregadores e empregados se respaldassem em uma legislação mais flexível.

O que falta não é dinheiro - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 12/05

Se demandas sociais não são atendidas, como as manifestações de rua comprovam; se obras atrasam porque os recursos não são liberados e aplicados de acordo com o cronograma; e se, ainda assim, o governo enfrenta dificuldades cada vez maiores para cumprir a já limitada meta fiscal, e sempre à custa de artimanhas contábeis, não é por falta de dinheiro. Dinheiro há, suficiente para o governo cumprir adequadamente seu papel, prestando os serviços reclamados pela população, concluindo as obras necessárias para sustentar a atividade econômica e estimular o crescimento e mantendo as finanças públicas em ordem. Há até mais do que o suficiente para isso. O problema do governo federal não é falta de recursos; o que lhe falta é outra coisa.

Quanto à disponibilidade de dinheiro para cumprir seu papel, estudo feito pelo próprio governo, por meio da Secretaria do Tesouro Nacional e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que não há problemas. De acordo com o estudo - cujos dados foram divulgados pelo jornal Valor (8/5) -, como porcentagem do PIB brasileiro, a arrecadação federal nos três primeiros anos do mandato da presidente Dilma Rousseff foi sempre maior do que a de 2010, último ano do governo Lula.

Em dois dos três anos da gestão Dilma, a fatia do PIB absorvida pelo governo federal como tributo foi mais de 1,5 ponto porcentual maior do que a de 2010 (22,53% do PIB em 2010, 24,08% em 2011, 23,89% em 2012 e 24,04% em 2013). Vê-se que, em 2011 e no ano passado, o governo federal abocanhou praticamente um quarto de tudo o que o País produziu. Incluindo Estados e municípios, a carga tributária em 2013 foi estimada em 35,83% do PIB.

O documento em que esses números são apresentados é uma nota de responsabilidade do Tesouro acrescentada como "informações adicionais" à prestação de contas. O presidente da República tem a obrigação legal de apresentar anualmente sua prestação de contas, que inclui, entre outras demonstrações contábeis e financeiras oficiais, o Balanço Geral da União.

Cauteloso, o texto redigido pela Secretaria do Tesouro deixa claro que esses números são estimativas, pois, como esclarece, o cálculo oficial da carga tributária é feito pela Secretaria da Receita Federal, que costuma divulgar os resultados no segundo semestre de cada ano. Curiosamente, as estimativas do Tesouro para a carga tributária têm sido menores do que a carga oficial calculada pela Receita. Para 2012, por exemplo, a estimativa do Tesouro foi de 35,58% do PIB, enquanto o resultado da Receita foi de 35,85%. É possível que também em 2013 o total de impostos efetivamente pagos pelos contribuintes tenha sido maior do que o estimado pelo Tesouro e pelo Ipea.

O aumento da arrecadação federal em 2013, na comparação com 2012, em ritmo maior do que o do crescimento da economia - e que resultou no aumento da carga tributária -, foi justificado pela Receita como decorrente de medidas extraordinárias, especialmente a ampliação das possibilidades de parcelamento de débitos tributários vencidos, permitida pela reformulação do Refis. Só nos últimos três meses de 2013, a receita adicional propiciada pela adesão de grandes contribuintes ao Refis alcançou R$ 21,6 bilhões.

Além disso, em 2013, para o cálculo do superávit primário - necessário para o pagamento da dívida pública -, o governo cortou determinados itens das despesas, antecipou a apropriação de resultados de estatais e incorporou receitas extraordinárias, que não se repetirão no futuro, como o bônus de R$ 15 bilhões pago pelo consórcio vencedor do leilão do campo gigante de Libra, na área do pré-sal. No entanto, nem dispondo de receitas adicionais como essas, e em grandes volumes, nem atrasando a liberação de recursos para obras e serviços públicos, como tem feito, o governo consegue gerir suas finanças de maneira que os contribuintes possam confiar na preservação do equilíbrio fiscal.

Neste ano, mesmo dispondo de mais dinheiro, conforme dados da Receita, o governo continua com dificuldades para cumprir a meta fiscal, sinal de que as manobras continuam ativas.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

LAVA JATO DIFICULTA O ‘CAIXA 2’ EM ANO ELEITORAL

O nervosismo dos políticos, no Congresso, tem a ver com o temor de serem alcançados pela Polícia Federal ou pela CPI Mista da Petrobras, mas também decorre do “enxugamento” de dinheiro de “caixa 2” no mercado, em pleno ano eleitoral, após a Operação Lava Jato. A “lavanderia” de Alberto Youssef abastecia as campanhas mas, com o esquema desmantelado e o doleiro preso, as doações serão escassas.


CURIOSIDADE

Investigadores da Lava Jato estão curiosos sobre como as empreiteiras vão fazer para realizar suas doações a campanhas, no “caixa 2”.


SEMPRE ELAS

Empreiteiras são os maiores doadores para partidos. Oficialmente doam pequenas quantias, mas, no “caixa 2”, bancam toda a campanha.


SEMPRE ELES

Em 2013, ano em que não houve eleição, dos R$ 78,9 milhões doados ao PT, cerca de 75% (R$ 60 milhões) foram de construtoras.


BC

Alimentado por empreiteiras com negócios no governo, o esquema Youssef-Paulo Roberto Costa seria um “banco central” da corrupção.


ISOLADO, PT DO ‘VOLTA LULA’ AMEAÇA APOIAR CAMPOS

Com a vitória do líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), para suceder o enrolado André Vargas (PR) na vice-presidência da Câmara, deputados do PT defensores do movimento “volta, Lula” ameaçam apoiar Eduardo Campos (PSB-PE) em suas bases eleitorais, contra a reeleição da presidenta Dilma. O grupo acusa Dilma de tentar isolá-los e o ex-presidente Lula, de “abandonar os companheiros”.


LAVOU AS MÃOS

Lula foi o primeiro a rifar André Vargas, um dos principais defensores de sua volta, após denúncia de esquema com doleiro Alberto Youssef.


ESPELHO DO PT

O senador Jarbas Vasconcelos (PE) também recruta dissidentes do PMDB, principal aliado de Dilma, para apoiar Eduardo Campos.


ESTRATÉGICO

A vitória de Chinaglia sobre Luiz Sérgio, candidato de André Vargas, o coloca em lugar estratégico para a presidência da Câmara em 2015.


A PÃO DE LÓ

Delúbio Soares é tratado a pão de ló na CUT, onde passa o dia. A secretária providencia o almoço, sempre caprichado, e, no final da tarde, um pouco antes de voltar à cadeia, toma meio comprimido de Dramin, para dormir, com uma xícara de chá de erva doce.


CHANCE ÚNICA

Políticos da Comissão Externa que investiga a Petrobras querem visitar o ex-diretor Paulo Roberto Costa na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba. Periga o juiz Sérgio Moro não deixar alguns deles saírem de lá.


NOVOS TEMPOS

Um dos fundadores do Partido Verde na Alemanha, o deputado Jürgen Trittin disse a deputados do PV que há uma forte reação no Parlamento alemão para derrubar este ano o acordo nuclear com o Brasil e a Índia.


CHAPÃO

Aspirante ao governo do Rio, o deputado Anthony Garotinho (PR) disse a amigos que foi sondado por emissários de Eduardo Campos para um chapão com Miro Teixeira (PROS) de vice e Romário (PSB) ao Senado.


EM CAMPANHA

O ministro José Múcio, do Tribunal de Contas da União (TCU), está em plena campanha em meio às classes políticas pernambucanas para eleger o sobrinho Fernando Monteiro (PP) deputado federal.


DÉJÀ VU

O Solidariedade acha difícil segurar no mandato deputado Luiz Argôlo (BA), apelidado no partido de ‘Argola’, que trocou mensagens românticas com o doleiro Alberto Youssef, segundo grampos da PF.


CAUSA GANHA

O Supersimples reduz a tributação de mais de 90% dos escritórios de advocacia, segundo Rodrigo Bertozzi, da Selem, Bertozzi & Consultores. Beneficia empresas de serviços com faturamento anual de até R$ 3,6 milhões, e 93% das bancas têm, no máximo, 5 advogados.


CULTURA INÚTIL

A biblioteca da sempre em greve UnB, que já foi uma das melhores universidade do País, está interditada há meses e coberta de cartazes pedindo verbas federais.


PENSANDO BEM…

…não dá para entender por que alguns mensaleiros insistem tanto em trabalhar: afinal, nunca fizeram isso enquanto viviam fora da cadeia.